Álcool


Álcool (do árabe al-kohul) é uma classe de compostos orgânicos que possuem, na sua estrutura, um ou mais grupos de hidroxilas ("-OH") ligados a carbonos saturados.[2] Entre esses compostos, temos como exemplo o etanol, comumente utilizado como combustível, esterilizante e solvente. É o componente principal das bebidas alcoólicas.
Tipos[editar | editar código-fonte]
- O etanol, conhecido como álcool etílico, é o tipo de álcool mais comum. Está contido nas bebidas alcoólicas, que é formado pela fermentação anaeróbica (sem ar) do açúcar, é usado para limpeza doméstica, fabricação de formaldeído, aditivo de gasolina e também é combustível para automóveis. A fórmula do álcool etílico é CH3CH2OH e seu ponto de ebulição 78,50C.
- O metanol (álcool metílico) não deve ser ingerido e nem inalado, pois é extremamente tóxico para o fígado e outras regiões do corpo. Uma pequena quantidade de 30 mL desse álcool no organismo leva à morte. Uma quantidade de 15 mL causa cegueira. O metanol é também usado como solvente, como anticongelante na gasolina e como combustível em carros de alta potência. É frequentemente chamado de "álcool da madeira", porque era produzido originalmente pelo aquecimento da madeira na ausência de ar. A fórmula do metanol é (CH3OH) e seu ponto de ebulição 65,00C.
- Os dois exemplos acima são casos particulares de alcoóis do tipo, (R-OH, em que R-) é um radical alquila.
- Álcool anidro é um álcool com até 1% de água (já que é difícil a obtenção de álcool totalmente puro), e pode ser adicionado à gasolina para aumento da octanagem, atuando como antidetonante, para que a gasolina possa ser comprimida no pistão do motor carburante ao máximo e não entre em combustão antes de acionada a vela do motor.
- O álcool bornílico é obtido ligado com o hidroterpendio que corresponde a cânfora.
- O propanol (álcool propílico) é um solvente industrial de fórmula CH3CH2CH2OH e seu ponto de ebulição 97,40C.
- O propan-2-ol (álcool isopropílico) é um álcool medicinal de fórmula CH3CH(OH)CH3 e seu ponto de ebulição 82,40C (nos Estados Unidos, este álcool é comumente utilizado em hospitais e pelos consumidores para desinfecção, ao contrário do Brasil, onde se usa o álcool etílico).
- O etano-1,2-diol (etilenoglicol) é um anticongelante de fórmula HOCH2CH2OH e seu ponto de ebulição 1980C.
- O propano-1,2,3-triol conhecido como glicerol (glicerina) é umidificante/umectante em produtos de consumo e seu ponto de ebulição 2900C.
Classificações[editar | editar código-fonte]
Alcoóis primários[editar | editar código-fonte]
Os alcoóis primários têm o grupo hidroxila ou oxidrila ligado a um carbono primário, como por exemplo o etanol. Sua fórmula geral é:
(Na figura, "R" representa um radical hidrocarboneto qualquer).[3]
Alcoóis secundários[editar | editar código-fonte]
A fórmula geral dos alcoóis secundários é:
onde "R" representa um radical hidrocarboneto qualquer.[3]
Os alcoóis secundários têm o grupo hidroxila ligado a um carbono secundário (isto é, um átomo de carbono que está ligado a apenas dois outros átomos de carbono), como é o caso do 2-propanol:
Alcoóis terciários[editar | editar código-fonte]
Os alcoóis terciários têm o grupo hidroxila ligado a um carbono terciário. Como o 2-metil-2-propanol e o trimetilcarbinol. A fórmula geral é representada com "R", representa um radical hidrocarboneto qualquer.
Nomenclatura[editar | editar código-fonte]
A nomenclatura da IUPAC utiliza o prefixo relativo ao número de carbonos da cadeia principal, que deve incluir o grupo OH, que é indicado pelo sufixo -ol. Em álcoois de três carbonos a posição do grupo hidroxila é indicada na cadeia, colocando o número no início do nome ou antes do sufixo -ol. Se a cadeia for ramificada, é necessário indicar a posição dos radicais, mantendo o menor número possível para o grupo OH e a presença de dois grupos -OH é indicada pela numeração e pelo prefixo di, três grupos OH pelo prefix tri, e assim por diante. Veja os exemplos:
Produção[editar | editar código-fonte]


O etanol pode ser produzido por fermentação de biomassa ou a partir de hidratação do eteno. A via fermentativa usa matérias primas de origem vegetal que possuem altos índices de frutose. A principal matéria prima utilizada é a cana-de-açúcar, mas podem também ser usadas outras matérias como o milho, a mandioca e o eucalipto. Após o corte, é feito o transporte da matéria para a usina, onde ocorre a lavagem e a moagem seguida da filtragem, de onde são obtidos a garapa e o bagaço. A garapa é aquecida, formando um líquido viscoso e rico em açúcar, o melaço.
Depois, adiciona-se ao melaço um pouco de água e ácido, de onde obtemos o mosto. Após 50 horas de fermentação 13% do mosto torna-se álcool e é enviado para a destilação.[4]
Para obter o álcool etílico a partir da mistura é feita uma destilação fracionada. Para o álcool puro ou anidro, retira-se a água excedente. O processo consiste na adição de cal vivo à mistura que ao entrar em reação com a água forma o hidróxido de cálcio que não é solúvel em álcool, assim formando uma mistura heterogênea que é separada.[5] O álcool produzido é quantificado através de medidores de vazão ou tanques calibrados e depois enviados para o armazenamento, onde aguardam a posterior remoção por meio de caminhões para a comercialização. Cada litro de álcool obtido na destilação produz cerca de 12 litros de resíduos que recebem o nome de vinhaça e são aproveitados como fertilizante no próprio canavial.[4]
A reação de hidratação do eteno (H2C=CH2) ocorre em meio ácido, na presença de quantidade estequiométrica de água, resultando em etanol. Enquanto o etanol obtido por fermentação apresenta 5 % de água, resultado da formação de azeótropo, o etanol formado pela via química não apresenta água.
Gel[editar | editar código-fonte]
Para fins de higienização de ambientes e do corpo humano, é fabricado o álcool na versão pastosa (álcool em gel), ou seja, contendo aditivos que conferem a forma de gel. As vendas do álcool em gel no Brasil aumentaram muito em 2009, quando do auge da epidemia da Gripe A. Possui entre 60% e 80% de etanol, concentração mais adequada para ação como desinfetante, e é menos inflamável que o álcool etílico vendido de forma convencional. É a principal forma de gel desinfetante.
No Brasil, além da confusão entre os termos "alcool" e "etanol", há uma grande confusão devido à falta de rigor na padronização das unidades. São distintas as concentrações de alcool em:
Quantidade: 70% 70° GL 70° INPM Informa: Concentração de alcool em relação a não-alcool. Grau Gay-Lussac, volume em solução aquosa. Grau INPM, massa em solução aquosa.
Exceto pelo fato de o grau GL ser mais preciso e uma unidade química padronizada, em geral "%" e "GL" serão sinônimos, ou seja, interpreta-se o "%" como "percentual volumétrico em solução aquosa". Por exemplo um frasco de álcool com 90° GL tem 90% em volume de álcool, e 10% em volume de água.
Já as unidades GL e INPM medem a razão entre grandezas diferentes, massa e volume.[6] O álcool etílico possui densidade igual a 0,789 g/cm³, isso significa que a massa de álcool presente numa solução 70 °INPM é maior que aquela massa presente numa solução 70 °GL. Elas somente seriam iguais se a densidade fosse igual a 1 (um). Na prática podemos usar a aproximação 70 °GL ~ 65° INPM, e 77°GL ~ 70° INPM.[7]
Durante a Pandemia de COVID-19 também houve muito confusão quanto ao produto mais efetivo na higienização. A OMS e a OPAS recomendam:
- (...) nas formulações em gel, espuma e outras, a concentração mínima do álcool deve ser de 70%, com atividade bacteriana comprovada por testes de laboratório específicos. [8]
Algumas variantes padronizadas são utilizadas para ação germicida, como a solução de álcool etílico a 77°GL com 5% de clorexidina.[7]
Propriedades físicas de álcoois[editar | editar código-fonte]
Os álcoois apresentam ponto de fusão e ebulição bem mais altos do que os hidrocarbonetos de massa molar semelhante. Por exemplo, o ponto de ebulição do etanol é 78 C, enquanto o p.eb. do propano é de -42 C. A diferença de propriedades físicas é o resultado das ligações de hidrogênio (pontes de hidrogênio) intermoleculares, que aproximam as moléculas e resultam em fortes interações.
Álcool | ponto de fusão (C) | Ponto de ebulição (C) |
---|---|---|
metanol | -97 | 65 |
etanol | -114 | 78 |
1-propanol | -126 | 97 |
2-propanol | -89 | 83 |
1-butanol | -114 | 118 |
2-butanol
(sec-butanol) |
-108 | 100 |
2-metil-1-propanol
(isobutanol) |
-108 | 108 |
2-metil-2-propanol
(terc-butanol) |
25 | 83 |
Os álcoois de cadeia curta (até 3 carbonos ) são totalmente solúveis em água e conforme aumenta a cadeia, a solubilidade em água diminui, pelo aumento da parte hidrofóbica da molécula.
Reações de álcoois[editar | editar código-fonte]
Os álcoois são ácidos fracos, com pKa entre de 16 a 19 e reagem com bases fortes, como hidreto de sódio ou sódio e formam sais chamados alcóxidos, com a fórmula geral RO-M +.
2 R-OH + 2 NaH → 2 R-O-Na + + H2
2 R-OH + 2 Na → 2 R-O-Na + + H2
A acidez dos álcoois é fortemente afetada pela solvatação. Na fase gasosa, os álcoois são mais ácidos do que na água. O grupo OH não é um bom grupo de saída em reações de substituição nucleofílica, portanto os álcoois neutros não reagem nessas reações. Para a ativação da hidroxila, existem diversos métodos disponíveis. O primeiro é a adição de ácido forte para protonar o oxigênio e resultar no R-OH2+, em que o grupo de saída é água, muito mais estável.
Outra forma é a transformação em haletos de alquila (ou haloalcanos) correspondentes. Álcoois terciários reagem com ácido clorídrico para produzir haletos de alquila terciários, onde o grupo hidroxila é substituído por um átomo de cloro através do mecanismo de substituição nucleofílica unimolecular, enquanto álcoois secundários reagem lentamente e álcoois primários (exceção: álcool benzílico) não reagem. Esta é a base do Teste de Lucas, usado para distinguir álcoois terciários, secundários e terciários. Para a reação de álcoois primários, pode ser utilizado o usando cloreto de tionila.[9] Os álcoois podem ser convertidos em ésteres sulfônicos usando cloreto de tosila (cloreto de p-toluenosulfonila) e depois reagir com outros nucleófilos.
Álcool e ácidos carboxílicos reagem na chamada esterificação de Fischer. A reação geralmente requer um catalisador, como ácido sulfúrico concentrado:
R-OH + R'-CO2H → R'-CO2R + H2O
Os álcoois primários (R-CH2OH) podem ser oxidados em aldeídos (R-CHO) ou em ácidos carboxílicos (R-CO2H). A oxidação de álcoois secundários (R1R2CH-OH) normalmente termina no estágio de cetona (R1R2C = O). Os álcoois terciários (R1R2R3C-OH) são resistentes à oxidação. A oxidação direta de álcoois primários em ácidos carboxílicos ocorre normalmente através do aldeído correspondente, que é transformado através de um hidrato de aldeído (R-CH (OH) 2) por reação com água antes que possa ser oxidado ainda mais ao ácido carboxílico.
Consumo pelo ser humano[editar | editar código-fonte]
O álcool é uma droga depressora do sistema nervoso central que causa desinibição e euforia quando ingerido na forma de bebidas alcoólicas pelos seres humanos. Em doses mais altas, o álcool é prejudicial a saúde, podendo causar estupor e até coma.[10]
Os efeitos do álcool são percebidos em dois períodos: um de estímulo e outro de depressão. No primeiro período, o usuário se torna eufórico e desinibido. No segundo momento, ocorre descontrole, falta de coordenação motora e sono.[11]
Em caso de suspensão do consumo, pode ocorrer a síndrome da abstinência, caracterizada por confusão mental, visões, ansiedade, tremores e convulsões.[10]
Os efeitos agudos do consumo do álcool são sentidos em órgãos como o fígado, coração, vasos sanguíneos e estômago. Segundo a OMS, o consumo de álcool quando superior a 60 gramas por semana é considerado abusivo e extremamente nocivo para a saúde. No mundo, 11,5 % dos consumidores de álcool bebem em excesso semanalmente. Estima-se que pelo menos 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo morrem por ano por causa do consumo inadequado de álcool.[12]
A ingestão de álcool está fortemente associada a manifestação de violência, comportamentos impulsivos e agressivos. A impulsividade humana é relacionada com a ação inibitória do neurotransmissor GABA e o álcool é um modulador alostérico positivo do receptor GABA-A. Assim, o álcool pode aumentar a impulsividade e reduzir o controle das funções executivas, isto é o controle top-down, sobre os comportamentos sociais.[13]
Álcool Combustível[editar | editar código-fonte]

Impacto Ambiental[editar | editar código-fonte]
Atualmente, há correntes que questionam o impacto ambiental do álcool combustível, pelos severos danos do desmatamento necessário para abrir espaço à monocultura de cana-de-açúcar e pelo efeito nocivo da queima da palhada, necessária para se preparar a cana para a produção de álcool. Esses danos hoje já se fazem sentir, apesar de a utilização do álcool ser ínfima se comparada aos derivados de petróleo. Contudo, a queima da palhada está decaindo com o aumento da mecanização da lavoura. Também deve-se levar em conta o fato de que o efeito da queima é minimizado pela absorção de CO2 através da fotossíntese realizada pela própria cana-de-açúcar.[14]
Referências
- ↑ «alcohols». IUPAC Gold Book. Consultado em 29 de janeiro de 2020
- ↑ IUPAC Gold Book
- ↑ a b «Composição do Álcool». Cepa USP. Consultado em 17 de Janeiro de 2012
- ↑ a b «Produção do Álcool». Cepa USP. Consultado em 17 de Janeiro de 2012
- ↑ «Composição do Álcool». Mezochi.net. Consultado em 17 de Janeiro de 2012
- ↑ "NOTA OFICIAL (atualizada) Esclarecimentos sobre álcool gel caseiro, limpeza de eletrônicos e outros", Conselho Federal de Química. cfq.org.br/noticia registrada em 25/03/2020.
- ↑ a b "Eficácia da desinfecção com álcool 70% (p/v) de superfícies contaminadas sem limpeza prévia", http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/pt_0104-1169-rlae-21-02-0618.pdf
- ↑ "Solução alcoólica será obrigatória em Estabelecimentos de Saúde: RDC 42", OPAS. www.paho.org/bra?id=1601
- ↑ Solomons, Graham (2018). Química Orgânica. Rio de Janeiro: LTC
- ↑ a b Scheidt, Letícia; Fries, Gabriel Rodrigo; Stertz, Laura; Cabral, João Carlos Centurion; Kapczinski, Flávio; Almeida, Rosa Maria Martins de; Scheidt, Letícia; Fries, Gabriel Rodrigo; Stertz, Laura (1 de setembro de 2015). «Ethanol during adolescence decreased the BDNF levels in the hippocampus in adult male Wistar rats, but did not alter aggressive and anxiety-like behaviors». Trends in Psychiatry and Psychotherapy. 37 (3): 143–151. ISSN 2237-6089. doi:10.1590/2237-6089-2015-0017
- ↑ «O Álcool». Brasil Escola. Consultado em 17 de Janeiro de 2012
- ↑ «Aumenta consumo de álcool no Brasil, segundo a OMS». Portal Vermelho. Consultado em 17 de Janeiro de 2012
- ↑ de Almeida, RM; Cabral, JC; Narvaes, R. «Behavioural, hormonal and neurobiological mechanisms of aggressive behaviour in human and nonhuman primates». Physiology & Behvaior. doi:10.1016/j.physbeh.2015.02.053
- ↑ «Combustível é renovável, mas há dúvidas sobre impacto ambiental». UOL Notícias. Consultado em 17 de Janeiro de 2012