Cérebro in vitro

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 Nota: Não confundir com Cérebro numa cuba.
O cérebro humano com seus lobos destacados.

Na ciência, um cérebro in vitro, ou cérebro isolado, é um cérebro mantido vivo fora de um organismo biológico, seja por perfusão artificial de um substituto do sangue (sangue artificial) muitas vezes usando uma solução oxigenada de vários sais, ou submergindo o cérebro em líquido cefalorraquidiano (LCR) artificialmente oxigenado.[1] É o equivalente biológico do cérebro em uma cuba, um conceito relacionado, ligando o cérebro ou a cabeça ao sistema circulatório de outro organismo, chamado de transplante de cabeça. No entanto, um cérebro isolado é mais tipicamente ligado a um dispositivo de perfusão artificial do que a um corpo biológico.

Cérebros de organismos diferentes já foram mantidos vivos in vitro durante horas, em alguns casos por dias, como o sistema nervoso central dos animais invertebrados é frequentemente mantido com facilidade, pois precisam de menos oxigênio e, em maior medida, obtêm seu oxigênio do líquido cefalorraquidiano, por essa razão, seus cérebros são mais facilmente mantidos sem perfusão.[2] Por outro lado os cérebros de mamíferos têm um grau muito menor de sobrevivência sem perfusão, sendo assim geralmente usado o sangue artificial.

Por razões metodológicas, a maioria das pesquisas em cérebros isolados de mamíferos foi feita com porquinhos-da-índia. Esses animais têm uma artéria basilar significativamente maior (uma das principais artérias do cérebro) em comparação com ratos e camundongos, o que torna a intubação (para fornecer o LCR) muito mais fácil.

História[editar | editar código-fonte]

  • 1812 – Julien Jean C. Le Gallois (também conhecido por Legallois) apresentou a ideia original de ressuscitar cabeças decepadas através do uso da transfusão de sangue.[3]
  • 1818 – Mary Shelley publicou Frankenstein, ou o moderno Prometeu.
  • 1836 – Astley Cooper demostrou em coelhos que a compressão das artérias carótidas e vertebrais leva à morte do animal, e que essas mortes podiam ser evitadas se a circulação do sangue oxigenado no cérebro fosse restaurada rapidamente.[4]
  • 1857 – Charles Brown-Séquard decapitou um cachorro, esperou dez minutos, prendeu quatro tubos de borracha nos troncos arteriais da cabeça e injetou oxigênio contendo sangue por meio de uma seringa. Dois ou três minutos depois, os movimentos voluntários dos olhos e dos músculos do focinho retomaram, mas após cessar a transfusão de sangue oxigenado, eles pararam.[5]
  • 1887 – Jean Baptiste Vincent Laborde fez o que pareceu ser a primeira tentativa registrada de reviver cabeças de criminosos executados conectando a artéria carótida da cabeça humana decepada à artéria carótida de um cão grande.[6] De acordo com o relato de Laborde, em experimentos isolados, uma restauração parcial da função cerebral foi alcançada.[6]
  • 1912 – Corneille Heymans manteve viva a cabeça isolada de um cachorro ligando a artéria carótida e a veia jugular da cabeça cortada à artéria carótida e à veia jugular de outro cão. O funcionamento parcial na cabeça decepada foi mantido por algumas horas.[7]
  • 1928 – Sergey Bryukhonenko mostrou que a vida poderia ser mantida na cabeça de um cachorro, ligando a artéria carótida e a veia jugular a uma máquina de circulação artificial.[8][9][10]
  • 1963 – Robert J. White isolou o cérebro de um macaco e o conectou ao sistema circulatório de outro animal.[11]
  • 1993 – Rodolfo Llinás cultivou o cérebro de um porquinho-da-índia em um sistema de profusão fluídica in vitro, o cérebro sobreviveu por alguns dias o que indica que as condições eram muito semelhantes às descritos in vivo.[12]

Uso na tecnologia[editar | editar código-fonte]

Alguns "cérebros" biológicos isolados, cultivados a partir de neurônios que foram originalmente separados, já foram desenvolvidos. Estes tipos de cérebro não são a mesma coisa que os cérebros orgânicos, mas foram usados para controlar alguns sistemas robóticos simples.

Em 2004, Thomas DeMarse e Karl Dockendorf fizeram um "controle de voo adaptativo com redes neurais vivas em matrizes de microeletrodos".[13][14]

Equipes do Instituto de Tecnologia da Geórgia e da Universidade de Reading criaram entidades neurológicas integradas a um corpo robótico. O cérebro recebeu informações dos sensores no corpo do robô e a saída resultante do cérebro forneceu os sinais motores da máquina.[15][16]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. von Bohlen and Halbach O. The isolated mammalian brain: an in vivo preparation suitable for pathway tracing. Eur J Neurosci. 1999 Mar;11(3):1096-100. PubMed
  2. Luksch H, Walkowiak W, Muñoz A, ten Donkelaar HJ. The use of in vitro preparations of the isolated amphibian central nervous system in neuroanatomy and electrophysiology. J Neurosci Methods. 1996 Dec;70(1):91–102. PubMed
  3. Google Scholar:("Le Gallois" OR Legallois) 1812
  4. Holmes R. L., Wolstencroft J. H. (1959). «Accessory sources of blood supply to the brain of the cat» (PDF). J Physiol. 148: 93–107. PMC 1363110Acessível livremente. PMID 14402794. doi:10.1113/jphysiol.1959.sp006275 
  5. Brown-Sequard C (1858). «Recherches expérimentales sur les propriétés physiologique et les usages du sang rouge et du sang noir et de leurs principaux éléments gazeux, l'oxygène et l'acide carbonique». Journal de la physiologie l'homme et des animaux. 1: 95–122. 353–367, 729–735 
  6. a b Sam Boykin. «So you're dead. now what? Things That Can Happen To Your Body After You're Gone». Creative Loafing Atlanta. Consultado em 2 de abril de 2012 
  7. Heymans' biography
  8. «Sergej Sergejewitsch Brychonenko». Consultado em 14 de dezembro de 2010. Cópia arquivada em 21 de janeiro de 2007 
  9. «Museum of Cardiovascular Surgery». Consultado em 6 de março de 2006. Cópia arquivada em 8 de fevereiro de 2006 
  10. «Карта сайта». Consultado em 17 de maio de 2018. Arquivado do original em 29 de janeiro de 2007 
  11. Pace, Eric (25 de novembro de 1998). «Vladimir P. Demikhov, 82, Pioneer in Transplants, Dies». New York Times 
  12. Mühlethaler, M.; de Curtis, M.; Walton, K.; Llinás, R. (1 de julho de 1993). «The Isolated and Perfused Brain of the Guinea-pig In Vitro». European Journal of Neuroscience (em inglês). 5 (7): 915–926. ISSN 1460-9568. doi:10.1111/j.1460-9568.1993.tb00942.x 
  13. «Thomas DeMarse, Karl Dockendorf, Adaptive flight control with living neuronal networks on microelectrode arrays» (PDF). Consultado em 17 de maio de 2018. Arquivado do original (PDF) em 4 de março de 2016 
  14. Brain in a dish acts as autopilot, living computer, Science Daily. 22 October 2004.
  15. D. Xydas, D. Norcott, K. Warwick, B. Whalley, S. Nasuto, V. Becerra, M. Hammond, J. Downes and S. Marshall (março de 2008). Architecture for Neuronal Cell Control of a Mobile Robot. Col: European Robotics Symposium 2008. Prague: Springer. doi:10.1007/978-3-540-78317-6_3 
  16. "Rise of the rat-brained robots", New Scientist. 13 August 2008.