Linchamento de Chapecó: diferenças entre revisões
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Os fatos que levaram ao [[Linchamento]] de [[Chapecó]] tiveram início entre a terça-feira e a quarta-feira de [[carnaval]] de [[1950]], quando o Clube Recreativo Chapecoense, cujo ecônomo era Orlando de Lima, natural de [[Iraí (Rio Grande do Sul)|Iraí]], pegou fogo e acabou destruído<ref name=":0">PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.</ref>. |
Os fatos que levaram ao [[Linchamento]] de [[Chapecó]] tiveram início entre a terça-feira e a quarta-feira de [[carnaval]] de [[1950]], quando o Clube Recreativo Chapecoense, cujo ecônomo era Orlando de Lima, natural de [[Iraí (Rio Grande do Sul)|Iraí]], pegou fogo e acabou destruído<ref name=":0">PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.</ref>. |
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Orlando tinha seguro das bebidas e do mobiliário da copa e foi apontado como suspeito. O delegado de polícia da cidade, Arthur Argeu Lajús, prometendo dar desfecho favorável a Orlando de Lima no inquérito instaurado, exigiu de Orlando Cr$ 15.000,00 de propina. Orlando se consultou com [[José de Miranda Ramos]], seu advogado, e não pagou o suborno<ref>PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. Depoimento de José de Miranda Ramos e de Roberto Machado, p. 201.</ref>. |
Orlando tinha seguro das bebidas e do mobiliário da copa e foi apontado como suspeito. O delegado de polícia da cidade, Arthur Argeu Lajús, prometendo dar desfecho favorável a Orlando de Lima no inquérito instaurado, exigiu de Orlando [[Cruzeiro (moeda)|Cr$]] 15.000,00 de propina. Orlando se consultou com [[José de Miranda Ramos]], seu advogado, e não pagou o suborno<ref>PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. Depoimento de José de Miranda Ramos e de Roberto Machado, p. 201.</ref>. |
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Pequenos incêndios ocorriam na cidade na época. Em geral, casas e galpões velhos, de madeira, pegavam fogo enquanto casas vizinhas, cujos moradores acudiam, eram furtadas. |
Pequenos incêndios ocorriam na cidade na época. Em geral, casas e galpões velhos, de madeira, pegavam fogo enquanto casas vizinhas, cujos moradores acudiam, eram furtadas. |
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Em 4 de outubro de 1950, quando ainda se contavam os votos das eleições municipais daquele ano, outro incêndio ocorreu. Desta vez, a Igreja católica, também de madeira, foi queimada. O padre Roberto Ebbert rezou uma missa no barracão anexo à igreja, pregando que "''quem queimou a nossa igreja tem que morrer queimado''"<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref><ref>SANTOS, Marcos Lauermann dos. [https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/179252/Historia_SANTOS_M_L_2015_2_O_Linchamento_e_seus_discursos_a_alteridade_e_a_identidade_na_forma%c3%a7ao_da.pdf?sequence=1&isAllowed=y O linchamento e seus discursos: a alteridade e a identidade na formação da Chapecó de 1950]. TCC (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. História. 2015.</ref>. Na madrugada seguinte, de 6 para 7 de outubro, o alvo foi a serraria Domingos Baldissera & Irmãos Ltda. Um pequeno incêndio teve início e os irmãos Baldissera prontamente acudiram, debelando o fogo. Um suspeito havia sido visto durante a tarde anterior nas cercanias. O fato foi comunicado ao delegado. |
Em 4 de outubro de 1950, quando ainda se contavam os votos das eleições municipais daquele ano, outro incêndio ocorreu. Desta vez, a Igreja católica, também de madeira, foi queimada. O padre Roberto Ebbert rezou uma missa no barracão anexo à igreja, pregando que "''quem queimou a nossa igreja tem que morrer queimado''"<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref><ref>SANTOS, Marcos Lauermann dos. [https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/179252/Historia_SANTOS_M_L_2015_2_O_Linchamento_e_seus_discursos_a_alteridade_e_a_identidade_na_forma%c3%a7ao_da.pdf?sequence=1&isAllowed=y O linchamento e seus discursos: a alteridade e a identidade na formação da Chapecó de 1950]. TCC (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. História. 2015.</ref>. Na madrugada seguinte, de 6 para 7 de outubro, o alvo foi a serraria Domingos Baldissera & Irmãos Ltda. Um pequeno incêndio teve início e os irmãos Baldissera prontamente acudiram, debelando o fogo. Um suspeito havia sido visto durante a tarde anterior nas cercanias. O fato foi comunicado ao delegado. |
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Arthur Argeu Lajús então passou a interrogar os suspeitos, chegando a Ivo de Oliveira Paim e Romano Ruani. Ambos estavam hospedados no Hotel do Comércio de passagem pela cidade e com eles foram encontrados um revólver, duas facas e uma guaiaca com Cr$ 6.000,00, reconhecidos pelos irmãos Baldissera como de sua propriedade<ref name=":0">PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.</ref>. Orlando de Lima, o ecônomo do Clube Recreativo Chapecoense, tinha voltado de Iraí para Chapecó e também estava hospedado no mesmo hotel, o que fez as suspeitas pairarem sobre a sua pessoa também, ainda mais porque era amigo de longa data de Romano. |
Arthur Argeu Lajús então passou a interrogar os suspeitos, chegando a Ivo de Oliveira Paim e Romano Ruani. Ambos estavam hospedados no Hotel do Comércio de passagem pela cidade e com eles foram encontrados um revólver, duas facas e uma guaiaca com [[Cruzeiro (moeda)|Cr$]] 6.000,00, reconhecidos pelos irmãos Baldissera como de sua propriedade<ref name=":0">PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.</ref>. Orlando de Lima, o ecônomo do Clube Recreativo Chapecoense, tinha voltado de [[Iraí (Rio Grande do Sul)|Iraí]] para [[Chapecó]] e também estava hospedado no mesmo hotel, o que fez as suspeitas pairarem sobre a sua pessoa também, ainda mais porque era amigo de longa data de Romano. |
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Os três, Romano Ruani, Ivo de Oliveira Paim e Orlando de Lima foram presos na pequena cadeia local, nas celas 1 e 5. Como Orlando não confessava o delito, o delegado Lajús mandou capangas levarem os presos, um a um, para uma área rural de sua propriedade, na Serra do Goio-En, um local conhecido como Tope da Polaca, onde foram torturados. As torturas consistiram em amarrar o escroto dos presos com uma corda, que era atada ao pescoço do torturado. Os torturadores então espetavam uma faca nas nádegas para fazerem as vítimas se assustarem e enforcarem os testículos. Golpes de canos de borracha, chutes no abdome e farpas de bambu sob as unhas também foram aplicados. Como Orlando continuava sem confessar, Romano Ruani, cedendo às torturas, e notando ser esta a intenção do delegado, delatou Orlando de Lima e o acusou de participação no incêndio da igreja. |
Os três, Romano Ruani, Ivo de Oliveira Paim e Orlando de Lima foram presos na pequena cadeia local, nas celas 1 e 5. Como Orlando não confessava o delito, o delegado Lajús mandou capangas levarem os presos, um a um, para uma área rural de sua propriedade, na Serra do Goio-En, um local conhecido como Tope da Polaca, onde foram torturados. As torturas consistiram em amarrar o escroto dos presos com uma corda, que era atada ao pescoço do torturado. Os torturadores então espetavam uma faca nas nádegas para fazerem as vítimas se assustarem e enforcarem os testículos. Golpes de canos de borracha, chutes no abdome e farpas de bambu sob as unhas também foram aplicados. Como Orlando continuava sem confessar, Romano Ruani, cedendo às torturas, e notando ser esta a intenção do delegado, delatou Orlando de Lima e o acusou de participação no incêndio da igreja. |
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Sabendo da prisão de seu irmão, Armando de Lima veio de Iraí para Chapecó para tentar auxiliá-lo em sua defesa. Foi também preso e mantido incomunicável pelo delegado Arthur Argeu Lajús. |
Sabendo da prisão de seu irmão, Armando de Lima veio de [[Iraí (Rio Grande do Sul)|Iraí]] para [[Chapecó]] para tentar auxiliá-lo em sua defesa. Foi também preso e mantido incomunicável pelo delegado Arthur Argeu Lajús. |
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As torturas seguiram nos dias seguintes dentro da cadeia, a ponto de Ivo de Oliveira Paim apresentar fortes sangramentos pela boca e pelo ânus<ref name=":0">PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.</ref>. |
As torturas seguiram nos dias seguintes dentro da cadeia, a ponto de Ivo de Oliveira Paim apresentar fortes sangramentos pela boca e pelo ânus<ref name=":0">PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.</ref>. |
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Um outro membro da família Lima, tomando notícia dos fatos, veio para Chapecó. Luiz Lima chegou e logo se dirigiu ao fórum para pedir ao juiz proteção aos seus irmãos e à sua pessoa. Um dos pedidos requeria a transferência dos presos para a comarca vizinha de [[Joaçaba]]. O juiz demorou a despachar e logo o pedido de transferência vazou pela cidade. Por ordem do delegado, as comunicações telegráficas da família Lima não eram transmitidas. Luiz Lima não conseguiu comunicar-se com seu advogado, em [[Erechim]], e teve de se deslocar para lá. |
Um outro membro da família Lima, tomando notícia dos fatos, veio para [[Chapecó]]. Luiz Lima chegou e logo se dirigiu ao fórum para pedir ao juiz proteção aos seus irmãos e à sua pessoa. Um dos pedidos requeria a transferência dos presos para a comarca vizinha de [[Joaçaba]]. O juiz demorou a despachar e logo o pedido de transferência vazou pela cidade. Por ordem do delegado, as comunicações telegráficas da família Lima não eram transmitidas. Luiz Lima não conseguiu comunicar-se com seu advogado, em [[Erechim]], e teve de se deslocar para lá. |
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Enquanto isso, arrependido, Romano Ruani pediu para falar com Orlando de Lima em sua cela. O cabo Arantes Gonçalves de Araújo permitiu. Romano ajoelhou-se e, de mãos postas, pediu perdão a Orlando por tê-lo acusado falsamente do incêndio na igreja. Ao saber do fato, o delegado Lajús negou-se a registrar a retratação em depoimento. |
Enquanto isso, arrependido, Romano Ruani pediu para falar com Orlando de Lima em sua cela. O cabo Arantes Gonçalves de Araújo permitiu. Romano ajoelhou-se e, de mãos postas, pediu perdão a Orlando por tê-lo acusado falsamente do incêndio na igreja. Ao saber do fato, o delegado Lajús negou-se a registrar a retratação em depoimento. |
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== O linchamento == |
== O linchamento == |
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[[Ficheiro:Cela 5 da cadeia pública.png|miniaturadaimagem|Cela 5 da cadeia pública]] |
[[Ficheiro:Cela 5 da cadeia pública.png|miniaturadaimagem|Cela 5 da cadeia pública]] |
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Na noite de 17 de outubro de 1950, perto da meia-noite, aproximadamente duzentos homens se reuniram com armas, tochas, lanternas, paus e facões no barracão da igreja de Chapecó. Sob o comando de Emílio Loss, dividiram-se em três grupos. Um era incumbido de tomar a igreja pela frente e o outro pelos fundos. Um terceiro grupo deveria disparar tiros para o alto e impedir a aproximação de outras pessoas ou da polícia<ref>PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53.</ref>. |
Na noite de 17 de outubro de [[1950]], perto da meia-noite, aproximadamente duzentos homens se reuniram com armas, tochas, lanternas, paus e facões no barracão da igreja de [[Chapecó|Chapecó.]] Sob o comando de Emílio Loss, dividiram-se em três grupos. Um era incumbido de tomar a igreja pela frente e o outro pelos fundos. Um terceiro grupo deveria disparar tiros para o alto e impedir a aproximação de outras pessoas ou da polícia<ref>PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53.</ref>. |
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O cabo Arantes tentou conter os linchadores, pedindo que poupassem pelo menos os inocentes Orlando e Armando. Sob a ameaça de um revólver, no entanto, cedeu passagem e se afastou. Os homens quebraram os cadeados das celas com pedras e atacaram os presos com tiros e golpes de facão. Depois de mortos, foram todos empilhados nos fundos da cadeia. Alberto Baldissera tinha trazido um galão de gasolina em seu caminhão. O combustível foi derramado sobre os presos por Colorindo Rabeskini e Jovino de Mello riscou um fósforo para consumar o delito. |
O cabo Arantes tentou conter os linchadores, pedindo que poupassem pelo menos os inocentes Orlando e Armando. Sob a ameaça de um revólver, no entanto, cedeu passagem e se afastou. Os homens quebraram os cadeados das celas com pedras e atacaram os presos com tiros e golpes de facão. Depois de mortos, foram todos empilhados nos fundos da cadeia. Alberto Baldissera tinha trazido um galão de gasolina em seu caminhão. O combustível foi derramado sobre os presos por Colorindo Rabeskini e Jovino de Mello riscou um fósforo para consumar o delito. |
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== O processo == |
== O processo == |
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[[Ficheiro:Corpos das vítimas do Linchamento de Chapecó.jpg|miniaturadaimagem|Corpos das vítimas do Linchamento de Chapecó]] |
[[Ficheiro:Corpos das vítimas do Linchamento de Chapecó.jpg|miniaturadaimagem|Corpos das vítimas do Linchamento de Chapecó]] |
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⚫ | Ao ser acordado naquela madrugada para tomar ciência dos fatos, o juiz de direito José Pedro Mendes de Almeida mandou instaurar inquérito policial e realizar exame de corpo de delito nos mortos. Os fatos foram comunicados ao secretário de Segurança Pública Lara Ribas, que despachou, de [[Joaçaba]], o capitão José Carlos Veloso para presidir o inquérito. Ainda quando aguardavam os cadáveres o exame, os jornalistas José Leal e Flávio Damm, da [[O Cruzeiro|Revista O Cruzeiro]], chegaram de avião a [[Chapecó]] para registrar a [http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=003581&Pesq=linchamento%20de%20chapec%c3%b3&pagfis=67246 matéria].<ref>{{citar periódico |url=http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=003581&Pesq=linchamento%20de%20chapec%c3%b3&pagfis=67246 |titulo=O linchamento de Chapecó |data=11-11-1950 |acessodata=24 de fevereiro de 2022 |jornal=Revista O Cruzeiro |publicado=Diários Associados |ultimo=LEAL |primeiro=José |ultimo2=DAMM |primeiro2=Flávio |pagina=108-114}}</ref> |
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[[Ficheiro:Radiograma.jpg|miniaturadaimagem|Radiograma de 18 de outubro de 1950]] |
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⚫ | Ao ser acordado naquela madrugada para tomar ciência dos fatos, o juiz de direito José Pedro Mendes de Almeida mandou instaurar inquérito policial e realizar exame de corpo de delito nos mortos |
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[[Ficheiro:Local que serviu de prisão provisória.png|miniaturadaimagem|Moinho Santo Antônio. Serviu de prisão para os 71 presos, por quase dois anos.]] |
[[Ficheiro:Local que serviu de prisão provisória.png|miniaturadaimagem|Moinho Santo Antônio. Serviu de prisão para os 71 presos, por quase dois anos.]] |
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[[Ficheiro:Capa do processo criminal.jpg|miniaturadaimagem|Capa do processo]]À medida que ia interrogando os suspeitos e inquirindo as testemunhas, o capitão Veloso requeria a prisão preventiva dos responsáveis pelo [[linchamento]]. Ao todo foram presos preventivamente 71 réus, inclusive do delegado Arthur Argeu Lajús<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref>. Sem lugar na pequena cadeia local, os presos ficaram alojados no Moinho Santo Antônio, requisitado pelo capitão Veloso para servir de presídio. O moinho hoje está abandonado e é objeto de processo de tombamento pela Prefeitura Municipal<ref>MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Inquérito Civil Público n. 06.2019.00003755-0. 9a Promotoria de Justiça de Chapecó.</ref>. |
[[Ficheiro:Capa do processo criminal.jpg|miniaturadaimagem|Capa do processo]]À medida que ia interrogando os suspeitos e inquirindo as testemunhas, o capitão Veloso requeria a prisão preventiva dos responsáveis pelo [[linchamento]]. Ao todo foram presos preventivamente 71 réus, inclusive do delegado Arthur Argeu Lajús<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref>. Sem lugar na pequena cadeia local, os presos ficaram alojados no Moinho Santo Antônio, requisitado pelo capitão Veloso para servir de presídio. O moinho hoje está abandonado e é objeto de processo de tombamento pela Prefeitura Municipal<ref>MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Inquérito Civil Público n. 06.2019.00003755-0. 9a Promotoria de Justiça de Chapecó.</ref>. |
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O promotor de justiça José Daura elaborou a acusação formal, responsabilizando em sua denúncia 83 homens pelos crimes de quádruplo homicídio, lesões corporais (tortura), arrebatamento de preso, violência arbitrária e vilipêndio a cadáver. Arthur Argeu Lajús, além dos demais crimes, foi acusado de corrupção passiva, por ter pedido propina a Orlando de Lima |
O promotor de justiça José Daura elaborou a acusação formal, responsabilizando em sua denúncia 83 homens pelos crimes de quádruplo homicídio, lesões corporais (tortura), arrebatamento de preso, violência arbitrária e vilipêndio a cadáver. Arthur Argeu Lajús, além dos demais crimes, foi acusado de corrupção passiva, por ter pedido propina a Orlando de Lima. |
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Os julgamentos ocorreram na comarca de [[Porto União]], a 250 km de Chapecó, a pedido da promotoria, para que o julgamento fosse imparcial. Em 6 de novembro de 1952, em sessão que durou 23 horas, Emílio Loss foi condenado a 24 anos de reclusão pela morte dos irmãos Lima e cumpriu 12 anos da pena na prisão, sendo os outros 12 anos em livramento condicional. O júri o absolveu dos demais crimes e da morte de Ivo de Oliveira Paim e de Romano Ruani, por tentativa impossível, acatando o argumento da defesa de que ambos já se encontravam mortos quando do linchamento. |
Os julgamentos ocorreram na comarca de [[Porto União]], a 250 km de [[Chapecó]], a pedido da promotoria, para que o julgamento fosse imparcial. Em 6 de novembro de [[1952]], em sessão que durou 23 horas, Emílio Loss foi condenado a 24 anos de reclusão pela morte dos irmãos Lima e cumpriu 12 anos da pena na prisão, sendo os outros 12 anos em livramento condicional. O júri o absolveu dos demais crimes e da morte de Ivo de Oliveira Paim e de Romano Ruani, por tentativa impossível, acatando o argumento da defesa de que ambos já se encontravam mortos quando do [[linchamento]]. |
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Os outros réus foram absolvidos em 8 de novembro de 1952, em julgamento que levou 19 horas. |
Os outros réus foram absolvidos em 8 de novembro de [[1952]], em julgamento que levou 19 horas. |
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O delegado Arthur Argeu Lajús só foi julgado em 31 de março de 1953, condenado à pena de 25 anos e 9 meses. Jovino de Mello, Pedro Campagnolo, Alcebíades de Oliveira Porto, Fernando Nardi e Abel Bertoletti foram condenados a dois anos de prisão. Recorrendo da sentença, o delegado Lajús obteve a anulação do processo no STF<ref>BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 34.551/SC. Relator: Cândido da Mota Filho. Pleno. Julgado em 24.10.1956.</ref>. Seu segundo julgamento foi marcado para o dia 28 de novembro de 1956, desta vez no já reconstruído Clube Recreativo Chapecoense<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref>, cidade onde havia sido prefeito. No corpo de jurados estava Arnaldo Mendes, compadre de Lajús<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref>. O delegado foi absolvido por unanimidade. |
O delegado Arthur Argeu Lajús só foi julgado em 31 de março de [[1953]], condenado à pena de 25 anos e 9 meses. Jovino de Mello, Pedro Campagnolo, Alcebíades de Oliveira Porto, Fernando Nardi e Abel Bertoletti foram condenados a dois anos de prisão. Recorrendo da sentença, o delegado Lajús obteve a anulação do processo no STF<ref>BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 34.551/SC. Relator: Cândido da Mota Filho. Pleno. Julgado em 24.10.1956.</ref>. Seu segundo julgamento foi marcado para o dia 28 de novembro de [[1956]], desta vez no já reconstruído Clube Recreativo Chapecoense<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref>, cidade onde havia sido prefeito. No corpo de jurados estava Arnaldo Mendes, compadre de Lajús<ref name=":1">{{citar livro|título=O linchamento que muitos querem esquecer|ultimo=HASS|primeiro=Mônica|editora=Argos|ano=2013|local=Chapecó|página=161}}</ref>. O delegado foi absolvido por unanimidade. |
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== Registros == |
== Registros == |
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[[Ficheiro:Capa do poema de Vicente Morelatto.png|miniaturadaimagem|Capa do poema de [[Vicente Morelatto]]]] |
[[Ficheiro:Capa do poema de Vicente Morelatto.png|miniaturadaimagem|Capa do poema de [[Vicente Morelatto]]]] |
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[[Vicente Morelatto]], professor da Linha Tigre, publicou em 1954 um [[Literatura de cordel|poema de cordel]] chamado [https://issuu.com/gabibresola/docs/historia1 "História do incêndio da igreja de Chapecó e o linchamento de quatro presos"] e morreu em situação misteriosa depois da publicação.<ref>SANTANA, Thiago Cinti Bassoni . '''Cultura escrita e história intelectual - O caso de Vicente Morelatto e o poema do Linchamento de 1950.''' (2018) Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó.</ref><ref>SANTOS, Jovani. '''O poeta da chacina'''. Chapecó: Grifos, 1999.</ref> |
[[Vicente Morelatto]], professor da Linha Tigre, publicou em [[1954]] um [[Literatura de cordel|poema de cordel]] chamado [https://issuu.com/gabibresola/docs/historia1 "História do incêndio da igreja de Chapecó e o linchamento de quatro presos"] e morreu em situação misteriosa depois da publicação.<ref>SANTANA, Thiago Cinti Bassoni . '''Cultura escrita e história intelectual - O caso de Vicente Morelatto e o poema do Linchamento de 1950.''' (2018) Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó.</ref><ref>SANTOS, Jovani. '''O poeta da chacina'''. Chapecó: Grifos, 1999.</ref> |
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Em 1979 foi publicada a [[peça teatral]] "[[O Incêndio]]" de [[Jorge Andrade (dramaturgo)|Jorge Andrade]], baseada nos acontecimentos do linchamento dos acusados e o incêndio da Igreja<ref>MIGNONI, Cassiano. ''[https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/5586 A arte de fazer lembrar: anarquivando O Incêndio (1979) de Jorge Andrade.]'' Monografia de História. Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó/SC. 2021.</ref>. |
Em [[1979]] foi publicada a [[peça teatral]] "[[O Incêndio]]" de [[Jorge Andrade (dramaturgo)|Jorge Andrade]], baseada nos acontecimentos do linchamento dos acusados e o incêndio da Igreja<ref>MIGNONI, Cassiano. ''[https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/5586 A arte de fazer lembrar: anarquivando O Incêndio (1979) de Jorge Andrade.]'' Monografia de História. Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó/SC. 2021.</ref>. |
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A [https://drive.google.com/drive/folders/0B17vvvqP1SNbajNERTV6bXJiU0k íntegra do processo] do Linchamento foi disponibilizada na internet pelo Ministério Público em 2017. O Memorial do Ministério Público contém [http://portal.mp.sc.gov.br/portal/conteudo/historias_vida_web.pdf livro] com entrevista com o promotor do caso à época. |
A [https://drive.google.com/drive/folders/0B17vvvqP1SNbajNERTV6bXJiU0k íntegra do processo] do Linchamento foi disponibilizada na internet pelo Ministério Público em 2017. O Memorial do Ministério Público contém [http://portal.mp.sc.gov.br/portal/conteudo/historias_vida_web.pdf livro] com entrevista com o promotor do caso à época. |
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O livro [https://books.google.com.br/books/about/O_Linchamento_que_muitos_querem_esquecer.html?id=ZwXU97VOWSQC&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false "O linchamento que muitos querem esquecer"], de Mônica Hass<ref>HASS, Monica. '''O linchamento que muitos querem esquecer'''. Chapecó: Argos, 182p.</ref>[[Mônica Hass,|,]] de 2013, realizou ampla pesquisa histórica sobre o fato. |
O livro [https://books.google.com.br/books/about/O_Linchamento_que_muitos_querem_esquecer.html?id=ZwXU97VOWSQC&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false "O linchamento que muitos querem esquecer"], de Mônica Hass<ref>HASS, Monica. '''O linchamento que muitos querem esquecer'''. Chapecó: Argos, 182p.</ref>[[Mônica Hass,|,]] de [[2013]], realizou ampla pesquisa histórica sobre o fato. |
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Em 2018, Jean Vilbert lançou "A dança dos incêndios", romance histórico que se passa no período e retrata com fidelidade os acontecimentos. |
Em 2018, Jean Vilbert lançou "A dança dos incêndios", romance histórico que se passa no período e retrata com fidelidade os acontecimentos. |
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O curta-metragem [https://vimeo.com/378408021 "O Poeta do Cordel"], de 2021, da [https://www.margotfilmes.com.br/opoetadecordel Margot Filmes] retratou a vida de Vicente Morelatto. |
O curta-metragem [https://vimeo.com/378408021 "O Poeta do Cordel"], de 2021, da [https://www.margotfilmes.com.br/opoetadecordel Margot Filmes] retratou a vida de [[Vicente Morelatto]]. |
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== Ver também == |
== Ver também == |
Revisão das 21h01min de 1 de dezembro de 2022
O Linchamento de Chapecó é um episódio da história catarinense ocorrido em 18 de outubro de 1950, em que quatro homens, presos por suspeita de incendiarem a Igreja católica da cidade, foram linchados e queimados no pátio da cadeia municipal na cidade.
Histórico
Os fatos que levaram ao Linchamento de Chapecó tiveram início entre a terça-feira e a quarta-feira de carnaval de 1950, quando o Clube Recreativo Chapecoense, cujo ecônomo era Orlando de Lima, natural de Iraí, pegou fogo e acabou destruído[1].
Orlando tinha seguro das bebidas e do mobiliário da copa e foi apontado como suspeito. O delegado de polícia da cidade, Arthur Argeu Lajús, prometendo dar desfecho favorável a Orlando de Lima no inquérito instaurado, exigiu de Orlando Cr$ 15.000,00 de propina. Orlando se consultou com José de Miranda Ramos, seu advogado, e não pagou o suborno[2].
Pequenos incêndios ocorriam na cidade na época. Em geral, casas e galpões velhos, de madeira, pegavam fogo enquanto casas vizinhas, cujos moradores acudiam, eram furtadas.
Em 4 de outubro de 1950, quando ainda se contavam os votos das eleições municipais daquele ano, outro incêndio ocorreu. Desta vez, a Igreja católica, também de madeira, foi queimada. O padre Roberto Ebbert rezou uma missa no barracão anexo à igreja, pregando que "quem queimou a nossa igreja tem que morrer queimado"[3][4]. Na madrugada seguinte, de 6 para 7 de outubro, o alvo foi a serraria Domingos Baldissera & Irmãos Ltda. Um pequeno incêndio teve início e os irmãos Baldissera prontamente acudiram, debelando o fogo. Um suspeito havia sido visto durante a tarde anterior nas cercanias. O fato foi comunicado ao delegado.
Arthur Argeu Lajús então passou a interrogar os suspeitos, chegando a Ivo de Oliveira Paim e Romano Ruani. Ambos estavam hospedados no Hotel do Comércio de passagem pela cidade e com eles foram encontrados um revólver, duas facas e uma guaiaca com Cr$ 6.000,00, reconhecidos pelos irmãos Baldissera como de sua propriedade[1]. Orlando de Lima, o ecônomo do Clube Recreativo Chapecoense, tinha voltado de Iraí para Chapecó e também estava hospedado no mesmo hotel, o que fez as suspeitas pairarem sobre a sua pessoa também, ainda mais porque era amigo de longa data de Romano.
Os três, Romano Ruani, Ivo de Oliveira Paim e Orlando de Lima foram presos na pequena cadeia local, nas celas 1 e 5. Como Orlando não confessava o delito, o delegado Lajús mandou capangas levarem os presos, um a um, para uma área rural de sua propriedade, na Serra do Goio-En, um local conhecido como Tope da Polaca, onde foram torturados. As torturas consistiram em amarrar o escroto dos presos com uma corda, que era atada ao pescoço do torturado. Os torturadores então espetavam uma faca nas nádegas para fazerem as vítimas se assustarem e enforcarem os testículos. Golpes de canos de borracha, chutes no abdome e farpas de bambu sob as unhas também foram aplicados. Como Orlando continuava sem confessar, Romano Ruani, cedendo às torturas, e notando ser esta a intenção do delegado, delatou Orlando de Lima e o acusou de participação no incêndio da igreja.
Sabendo da prisão de seu irmão, Armando de Lima veio de Iraí para Chapecó para tentar auxiliá-lo em sua defesa. Foi também preso e mantido incomunicável pelo delegado Arthur Argeu Lajús.
As torturas seguiram nos dias seguintes dentro da cadeia, a ponto de Ivo de Oliveira Paim apresentar fortes sangramentos pela boca e pelo ânus[1].
Um outro membro da família Lima, tomando notícia dos fatos, veio para Chapecó. Luiz Lima chegou e logo se dirigiu ao fórum para pedir ao juiz proteção aos seus irmãos e à sua pessoa. Um dos pedidos requeria a transferência dos presos para a comarca vizinha de Joaçaba. O juiz demorou a despachar e logo o pedido de transferência vazou pela cidade. Por ordem do delegado, as comunicações telegráficas da família Lima não eram transmitidas. Luiz Lima não conseguiu comunicar-se com seu advogado, em Erechim, e teve de se deslocar para lá.
Enquanto isso, arrependido, Romano Ruani pediu para falar com Orlando de Lima em sua cela. O cabo Arantes Gonçalves de Araújo permitiu. Romano ajoelhou-se e, de mãos postas, pediu perdão a Orlando por tê-lo acusado falsamente do incêndio na igreja. Ao saber do fato, o delegado Lajús negou-se a registrar a retratação em depoimento.
Preparativos para o ataque à cadeia
Ao tomar ciência do pedido de transferência, o delegado de polícia organizou, com a ajuda de Emílio Loss, dono de um posto de gasolina, um ataque à cadeia. Emílio passou a convidar os membros do catolicismo local para uma reunião, na noite de 17 para 18 de outubro de 1950. O objetivo era linchar os presos antes que fossem transferidos. Para tanto, uma lista foi confeccionada, e os convidados assinavam o documento como sinal de fidelidade à causa.
Com um veículo emprestado para este fim por Aurélio Turatti, dono de um moinho na cidade, Emílio convidou dezenas de homens para o evento. Aos convidados era sugerido que trouxessem os demais parentes homens e os empregados das propriedades rurais. Deviam trazer armas, paus e facões. O ponto de encontro foi o barracão anexo à igreja, a poucos metros da cadeia.
Arthur Argeu Lajús, o delegado de polícia, retirou as armas dos guardas civis e os dispensou do trabalho na cadeia e deixou apenas um cabo da polícia militar guarnecendo a prisão.
O linchamento
Na noite de 17 de outubro de 1950, perto da meia-noite, aproximadamente duzentos homens se reuniram com armas, tochas, lanternas, paus e facões no barracão da igreja de Chapecó. Sob o comando de Emílio Loss, dividiram-se em três grupos. Um era incumbido de tomar a igreja pela frente e o outro pelos fundos. Um terceiro grupo deveria disparar tiros para o alto e impedir a aproximação de outras pessoas ou da polícia[5].
O cabo Arantes tentou conter os linchadores, pedindo que poupassem pelo menos os inocentes Orlando e Armando. Sob a ameaça de um revólver, no entanto, cedeu passagem e se afastou. Os homens quebraram os cadeados das celas com pedras e atacaram os presos com tiros e golpes de facão. Depois de mortos, foram todos empilhados nos fundos da cadeia. Alberto Baldissera tinha trazido um galão de gasolina em seu caminhão. O combustível foi derramado sobre os presos por Colorindo Rabeskini e Jovino de Mello riscou um fósforo para consumar o delito.
O processo
Ao ser acordado naquela madrugada para tomar ciência dos fatos, o juiz de direito José Pedro Mendes de Almeida mandou instaurar inquérito policial e realizar exame de corpo de delito nos mortos. Os fatos foram comunicados ao secretário de Segurança Pública Lara Ribas, que despachou, de Joaçaba, o capitão José Carlos Veloso para presidir o inquérito. Ainda quando aguardavam os cadáveres o exame, os jornalistas José Leal e Flávio Damm, da Revista O Cruzeiro, chegaram de avião a Chapecó para registrar a matéria.[6]
À medida que ia interrogando os suspeitos e inquirindo as testemunhas, o capitão Veloso requeria a prisão preventiva dos responsáveis pelo linchamento. Ao todo foram presos preventivamente 71 réus, inclusive do delegado Arthur Argeu Lajús[3]. Sem lugar na pequena cadeia local, os presos ficaram alojados no Moinho Santo Antônio, requisitado pelo capitão Veloso para servir de presídio. O moinho hoje está abandonado e é objeto de processo de tombamento pela Prefeitura Municipal[7].
O promotor de justiça José Daura elaborou a acusação formal, responsabilizando em sua denúncia 83 homens pelos crimes de quádruplo homicídio, lesões corporais (tortura), arrebatamento de preso, violência arbitrária e vilipêndio a cadáver. Arthur Argeu Lajús, além dos demais crimes, foi acusado de corrupção passiva, por ter pedido propina a Orlando de Lima.
Os julgamentos ocorreram na comarca de Porto União, a 250 km de Chapecó, a pedido da promotoria, para que o julgamento fosse imparcial. Em 6 de novembro de 1952, em sessão que durou 23 horas, Emílio Loss foi condenado a 24 anos de reclusão pela morte dos irmãos Lima e cumpriu 12 anos da pena na prisão, sendo os outros 12 anos em livramento condicional. O júri o absolveu dos demais crimes e da morte de Ivo de Oliveira Paim e de Romano Ruani, por tentativa impossível, acatando o argumento da defesa de que ambos já se encontravam mortos quando do linchamento.
Os outros réus foram absolvidos em 8 de novembro de 1952, em julgamento que levou 19 horas.
O delegado Arthur Argeu Lajús só foi julgado em 31 de março de 1953, condenado à pena de 25 anos e 9 meses. Jovino de Mello, Pedro Campagnolo, Alcebíades de Oliveira Porto, Fernando Nardi e Abel Bertoletti foram condenados a dois anos de prisão. Recorrendo da sentença, o delegado Lajús obteve a anulação do processo no STF[8]. Seu segundo julgamento foi marcado para o dia 28 de novembro de 1956, desta vez no já reconstruído Clube Recreativo Chapecoense[3], cidade onde havia sido prefeito. No corpo de jurados estava Arnaldo Mendes, compadre de Lajús[3]. O delegado foi absolvido por unanimidade.
Registros
Vicente Morelatto, professor da Linha Tigre, publicou em 1954 um poema de cordel chamado "História do incêndio da igreja de Chapecó e o linchamento de quatro presos" e morreu em situação misteriosa depois da publicação.[9][10]
Em 1979 foi publicada a peça teatral "O Incêndio" de Jorge Andrade, baseada nos acontecimentos do linchamento dos acusados e o incêndio da Igreja[11].
A íntegra do processo do Linchamento foi disponibilizada na internet pelo Ministério Público em 2017. O Memorial do Ministério Público contém livro com entrevista com o promotor do caso à época.
O livro "O linchamento que muitos querem esquecer", de Mônica Hass[12], de 2013, realizou ampla pesquisa histórica sobre o fato.
Em 2018, Jean Vilbert lançou "A dança dos incêndios", romance histórico que se passa no período e retrata com fidelidade os acontecimentos.
O curta-metragem "O Poeta do Cordel", de 2021, da Margot Filmes retratou a vida de Vicente Morelatto.
Ver também
Referências
- ↑ a b c PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. pgs. 41-42, notadamente o depoimento de Leomar Rodrigues da Silva.
- ↑ PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53. Depoimento de José de Miranda Ramos e de Roberto Machado, p. 201.
- ↑ a b c d HASS, Mônica (2013). O linchamento que muitos querem esquecer. Chapecó: Argos. p. 161
- ↑ SANTOS, Marcos Lauermann dos. O linchamento e seus discursos: a alteridade e a identidade na formação da Chapecó de 1950. TCC (graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. História. 2015.
- ↑ PROCESSO-CRIME. A Justiça Pública contra Arthur Argeu Lajus, Emílio Loss e outros. Acervo documental do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1950-53.
- ↑ LEAL, José; DAMM, Flávio (11 de novembro de 1950). «O linchamento de Chapecó». Diários Associados. Revista O Cruzeiro: 108-114. Consultado em 24 de fevereiro de 2022
- ↑ MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Inquérito Civil Público n. 06.2019.00003755-0. 9a Promotoria de Justiça de Chapecó.
- ↑ BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 34.551/SC. Relator: Cândido da Mota Filho. Pleno. Julgado em 24.10.1956.
- ↑ SANTANA, Thiago Cinti Bassoni . Cultura escrita e história intelectual - O caso de Vicente Morelatto e o poema do Linchamento de 1950. (2018) Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó.
- ↑ SANTOS, Jovani. O poeta da chacina. Chapecó: Grifos, 1999.
- ↑ MIGNONI, Cassiano. A arte de fazer lembrar: anarquivando O Incêndio (1979) de Jorge Andrade. Monografia de História. Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó/SC. 2021.
- ↑ HASS, Monica. O linchamento que muitos querem esquecer. Chapecó: Argos, 182p.