Há 10 Mil Anos Atrás

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Há 10 Mil Anos Atrás
Há 10 Mil Anos Atrás
Álbum de estúdio de Raul Seixas
Lançamento dezembro de 1976 (1976-12)
Gravação Entre maio e novembro de 1976
Estúdio(s) Estúdios Phonogram na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro
Gênero(s) Rock and roll, MPB, tango, hard rock, repente, forró e country rock
Duração 39:46
Idioma(s) Português
Formato(s) LP e Fita cassete (lançamento original)
CD (relançamento)
Gravadora(s) Philips Records, Fontana Records, Mercury Records, Universal Music
Produção Sérgio de Carvalho
Cronologia de álbuns de estúdio por Raul Seixas
Novo Aeon
(1975)
Raul Rock Seixas
(1977)
Singles de Há 10 Mil Anos Atrás
  1. "Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás"
    Lançamento: junho de 1976 (1976-06)
  2. "Há 10 Mil Anos Atrás (compacto duplo)"
    Lançamento: dezembro de 1976 (1976-12)

Há 10 Mil Anos Atrás é o quinto álbum de estúdio solo do cantor e compositor brasileiro Raul Seixas, lançado em dezembro de 1976 pela gravadora Philips Records e gravado entre maio e novembro do mesmo ano nos estúdios Phonogram na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Este disco representou uma volta ao misticismo que marcou o auge de sua carreira, após a relativa baixa de vendas de Novo Aeon, no ano anterior, em que o músico tinha mudado sua postura e a temática de suas canções.

O álbum teve uma recepção fria da crítica especializada, com críticos pontuais - mais próximos do cantor baiano - elogiando o trabalho. A divulgação pela gravadora foi boa, contando com clipe musical no programa dominical da Rede Globo, o Fantástico. As vendagens foram positivas, significando uma recuperação em relação ao álbum anterior, apesar do contínuo abuso do cantor de álcool e drogas, o que viria a prejudicar a sua carreira no futuro. O disco é visto hoje como um dos momentos altos da carreira do compositor baiano, trazendo dois de seus maiores sucessos: "Eu Também Vou Reclamar" e "Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás".

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Após o lançamento de Novo Aeon, no ano anterior, Raul Seixas encontrava-se pressionado por sua gravadora para lançar um novo sucesso. Não que as vendagens do disco anterior tivessem sido baixas, chegaram a 60 mil. O problema é que as expectativas tinham subido após Gita, de 1974, que havia vendido mais de 100 mil cópias e sido certificado como "disco de ouro". Com a liberdade artística que Raul contava e o custo da produção dos seus discos, sua gravadora esperava resultados melhores. Por outro lado, Raul sentia-se desprestigiado porque acreditava que sua gravadora não reconhecia seus esforços e percebia que sua gravadora julgava-o meramente pelos resultados comerciais de seus discos, não por seus resultados estéticos.[1][2]

Desse modo, após o rompimento com o seu empresário, Guilherme Araújo, em 1974, Raul experimentou uma mudança de imagem em 1975, cortando seu cabelo e diminuindo o nível de signos e símbolos esotéricos presentes em seus álbuns naquele ano. A estratégia não foi considerada bem sucedida, levando a retomada da imagem do mago, do profeta, do guru neste álbum.[1][2]

Gravação e produção[editar | editar código-fonte]

O disco foi gravado entre maio e novembro de 1976, nos estúdios Phonogram, da gravadora Philips Records, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.[3] As sessões de gravação do álbum foram tensas, especialmente porque a gravadora de Raul pressionava o cantor por um disco que apresentasse boas vendagens e, ao mesmo tempo, o cantor percebia que não tinha grande liberdade artística e que sua gravadora não lhe dava o devido reconhecimento. Assim, o compositor baiano sabia que tinha um grande sucesso nas mãos, mas estava desiludido com o tratamento dispensado pela gravadora. Desse modo, as sessões tiveram momentos de tensão, com o músico chegando a apresentar-se bêbado e a recusar-se a gravar nos dias marcados.[1][4][2]

A produção também foi custosa, com muitos dispêndios em orquestração, coros de vozes e músicos adicionais.[1] Um exemplo dos custos associados à produção do álbum é a capa. Para fazer o que o músico queria, a gravadora teve que contratar um maquiador especializado que veio de São Paulo apenas para realizar a maquiagem em Raul para a sessão de fotos da capa do disco.[5]

Resenha musical[editar | editar código-fonte]

O álbum inicia com "Canto para minha Morte", um tango a lá Piazzola, que começa com uma parte declamada com um discurso sobre a morte, que "representa um irrecusável apelo à vida", no estilo de Albert Camus.[6] Nesta canção, Raul apresenta uma filiação ao mito da alma gêmea, afirma que talvez a morte seja o grande segredo da vida e "apresenta um elemento de imprevisibilidade que irrompe como uma perturbação sobre a 'normalidade' do quotidiano".[7] Continua com "Meu Amigo Pedro" que é uma crítica ao conformismo - fazendo ecos a "Dr. Paxeco", de Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 - na qual o sistema conta com o bom comportamento do personagem título, sem nenhum sinal de corrompimento ou questionamento.[8] A música desenvolve-se através de um diálogo entre o indivíduo que busca se emancipar e aquele outro que já aceitou as regras normais, com um "componente de melancolia pela separação que isso acaba impondo às pessoas".[9]

"Ave Maria da Rua" é uma canção em que Raul associa o sentimento religioso com as mulheres comuns, utilizando até sua mulher e a de Paulo como exemplos.[6] A música parte de uma relação sincrética entre Iemanjá e Ave Maria para chegar na religiosidade da mulher comum,[10] sendo, por isso mesmo, uma música anarquista ao chamar a atenção para o sagrado no comum.[11] "Quando Você Crescer" e "Cantiga de Ninar" são duas músicas compostas por Raul para sua filha então recém-nascida. "Dia da Saudade" foi feita em parceria com o seu cunhado e guitarrista, Jay Anthony Vaquer. O Lado B abre com "Eu Também Vou Reclamar" na qual Raul utiliza a irreverência e o humor para criticar o que ele considerava uma ressurgência da "música de protesto" dos anos 60, especialmente com os compositores Sílvio Brito e Belchior.[6] Segue uma nova versão - mais hard rock - de "As Minas do Rei Salomão", lançada originalmente em seu álbum de 1973, Krig-ha, Bandolo!, e que, além de ter como temática o amor, também traz Raul ironizando a sua condição de outsider.[12] "Os Números" é um repente estilizado como forró com raízes esotéricas.[6][13]

O disco fecha com "Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás", um rock estilizado com pitadas de música country e o título, tema e letra da música são inspirados em uma canção gravada por Elvis Presley - ídolo de Raul - em seu álbum Elvis Now, de 1972. A canção chama-se "I Was Born About Ten Thousand Years Ago" e foi adaptada e arranjada por Elvis, já que se trata de uma canção tradicional, de domínio público. Comparando-se as duas versões, Raul e Paulo fizeram diversas modificações na letra e ampliaram as ideias da canção original que se utiliza somente de temas bíblicos. A versão de Raul expande para citar outras religiões, acontecimentos históricos recentes e até contos de fadas.[14] Além disso, a canção adquire outro sentido sob Raul já que faz referência a troca das eras na astrologia (reverberando o título de seu disco anterior, Novo Aeon).[15] Também, a letra contém críticas, como a oposição entre a mensagem de Cristo e o agir da Igreja organizada.[16]

Recepção[editar | editar código-fonte]

Lançamento[editar | editar código-fonte]

O álbum foi lançado em dezembro de 1976[17] e beneficiou-se da divulgação por parte da gravadora para vender em torno de 100 mil cópias no ano de seu lançamento.[18] Para a divulgação foram lançados um compacto simples em junho[6] - numa tentativa de não repetir o que a gravadora considerava um erro na divulgação do álbum anterior[19] - e um compacto duplo junto com o disco. Também, Raul gravou dois clipes musicais para o programa dominical da Rede Globo, o Fantástico ("Eu Também Vou Reclamar"[20] e "Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás"[21]), e teve duas participação no programa Globo de Ouro, uma em julho e outra em setembro.[22] O lançamento deste álbum representou uma retomada das vendas - após a baixa com Novo Aeon - trazendo uma retomada no interesse pela carreira do cantor baiano. No ano seguinte, Raul deixaria a Philips Records para trabalhar com o produtor dos seus quatro primeiros discos, Marco Mazzola, que tinha se mudado para a WEA, de André Midani. Este álbum representa, também, o último com grande participação de Paulo Coelho, com quem Raul brigaria. A parceria seria retomada brevemente em Mata Virgem, dois anos depois.[2][23]

Fortuna crítica[editar | editar código-fonte]

Críticas profissionais
Avaliações da crítica
Fonte Avaliação
O Globo (1976) Favorável[6]

A recepção da crítica especializada esteve entre o frio e o favorável com diversos dos críticos musicais tarimbados não tendo se dedicado a escutar e realizar uma apreciação da obra, resultado do esfriamento da crítica relativamente ao cantor baiano e sua obra após o lançamento de Novo Aeon. O disco aposta na imagem do místico, lugar comum nesta fase inicial da carreira de Raul Seixas. Havia, desse modo, uma grande discussão ainda sobre o lugar do cantor e compositor baiano dentro da tradição da MPB.[24] Aposta, também, no confronto e na crítica a certas posturas que se estabeleciam na musica popular no período, como o que era considerado pelo cantor como um retorno da "música de protesto" dos anos 60 a partir das manifestações de Sílvio Brito e Belchior.[6]

Uma das exceções é Nelson Motta, escrevendo para O Globo, que elogia muito o novo disco de Raul chamando-o de "um grande trabalho", especialmente pelo ecletismo de Raul e por suas letras, consideradas ótimas e cheias de humor.[6]

Relançamentos[editar | editar código-fonte]

O álbum foi relançado em LP em 1983, pelos selos Philips Records (série azul) e Fontana Records (série verde). Seu primeiro lançamento em CD foi feito no ano de 1994, pelo selo Philips Records.[25] O álbum seria relançado dentro de uma caixa contendo os seis discos lançados por Raul na gravadora (Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock, Krig-ha, Bandolo!, Gita, Novo Aeon, Há 10 Mil Anos Atrás e Raul Rock Seixas), intitulada Maluco Beleza.[26] A caixa seria relançada em 2009, com o título 10.000 Anos à Frente.[27]

Legado[editar | editar código-fonte]

Este álbum é considerado hoje como um dos melhores e mais significativos lançamentos de Raul Seixas, trazendo duas de suas mais conhecidas e melhores canções.[28]

Faixas[editar | editar código-fonte]

Todas as faixas escritas e compostas por Raul Seixas e Paulo Coelho, exceto onde especificado. 

Lado A
N.º TítuloCompositor(es) Duração
1. "Canto para minha Morte"    3:52
2. "Meu Amigo Pedro"    4:49
3. "Ave Maria da Rua"    4:38
4. "Quando Você Crescer"  Raul Seixas / Paulo Coelho / Jay Vaquer 4:19
5. "O Dia da Saudade"  Raul Seixas / Jay Vaquer 2:35
Duração total:
20:17
Lado B
N.º Título Duração
1. "Eu Também Vou Reclamar"   3:23
2. "As Minas do Rei Salomão"   2:58
3. "O Homem"   3:05
4. "Os Números"   2:30
5. "Cantiga de Ninar"   2:41
6. "Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás"   4:52
Duração total:
19:29

Créditos[editar | editar código-fonte]

Créditos dados pelo Discogs.[25]

Músicos[editar | editar código-fonte]

Ficha técnica[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d Rada Neto, 2013, pp. 157-163.
  2. a b c d Souza, 2011, pp. 135-138.
  3. Motta, 1976-1.
  4. Seixas; Essinger, 2005, p. 110.
  5. Motta, 1976-4.
  6. a b c d e f g h Motta, 1976-2.
  7. Boscato, 2006, p. 183.
  8. Jorge, 2012, p. 194.
  9. Boscato, 2006, pp. 27-28.
  10. Jorge, 2012, pp. 173-174.
  11. Boscato, 2006, pp. 186-188.
  12. Boscato, 2006, pp. 50-51.
  13. Boscato, 2006, p. 75.
  14. Rada Neto, 2011, p. 11.
  15. Jorge, 2010, p. 14.
  16. Boscato, 2006, p. 19.
  17. Motta, 1976-3.
  18. Rada Neto, 2013, p. 159.
  19. Souza, 2016, pp. 252-254.
  20. «Fantástico: Raul Seixas canta Eu também vou reclamar». Globo.com. 15 de junho de 2009. Consultado em 7 de dezembro de 2017 
  21. «Fantástico: Raul Seixas em 'Eu nasci há 10 mil anos atrás'». Globo.com. 15 de junho de 2009. Consultado em 7 de dezembro de 2017 
  22. Programação. O Globo, 02 de julho de 1976, p. 44.
  23. Molina, André (5 de outubro de 2009). «Conheça 10 importantes obras de Raul Seixas». Whiplash.net. Consultado em 12 de agosto de 2012 
  24. Souza, 2011, p. 137.
  25. a b «Raul Seixas - Há 10 mil anos atrás». Discogs. N.d. Consultado em 12 de dezembro de 2017 
  26. Sanches, Pedro Alexandre (18 de outubro de 2002). «Universal reata com o brega subversivo de Raul Seixas». Folha de S.Paulo. Consultado em 12 de dezembro de 2017 
  27. Garcia, Lauro Lisboa (26 de janeiro de 2010). «Bons rocks do baú de Raul: é som na caixa». Estadão. Consultado em 12 de dezembro de 2017 
  28. Forastieri, 1989.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BAHIANA, Ana Maria. É Raul Seixas, a metamorfose ambulante. O Globo, 16 de dezembro de 1976.
  • BOSCATO, Luis Alberto Lima. Vivendo a sociedade alternativa. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 2006.
  • CAMBARÁ, Isa. Raul Seixas: cada cabeça é um mundo. Folha de S.Paulo, 27 de dezembro de 1976.
  • FORASTIERI, André. Volta aos palcos em 88 foi triunfal. Folha de S. Paulo, Ilustrada, publicado em 22 de agosto de 1989.
  • JORGE, Cibele Simões Ferreira Kerr. Raul Seixas: Um Produtor de mestiçagens musicais e midiáticas. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC-SP, 2012.
  • MOLINA, André. Conheça 10 importantes obras de Raul Seixas. Publicado em Whiplash.net em 15 de outubro de 2009. Página visitada em 12 de agosto de 2012.
  • MOTTA, Nelson. Há dez mil anos, Raul. O Globo, 26 de abril de 1976, p. 36.
  • MOTTA, Nelson. Belchior: agitos, dúvidas e sucesso. O Globo, 1 de julho de 1976, p. 42.
  • MOTTA, Nelson. Saindo, saiu e vai sair. O Globo, 8 de novembro de 1976.
  • MOTTA, Nelson. O novo Raul de sempre: melhor do que nunca. O Globo, 9 de novembro de 1976.
  • MOTTA, Nelson. Nosso tipo inesquecível: um ator, um magro abusado. O Globo, 21 de dezembro de 1976.
  • RADA NETO, José. O Iê-Iê-Iê Realista de Raul Seixas: trajetória artística e relações com a indústria cultural. Monografia de Conclusão de Curso. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013.
  • RADA NETO, José. O Rock 'n' roll invade os palcos da MPB: Raul Seixas e a influência do rock and roll. Artigo apresentado no XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, julho de 2011.
  • SEIXAS, Raul. In: ESSINGGER, Silvio (org). O baú do Raul Revirado. São Paulo: Ediouro, 2005.
  • SOUZA, Lucas Marcelo Tomaz de. Eu devia estar contente: a trajetória de Raul Santos Seixas. Dissertação de mestrado. Marília: Unesp, 2011.
  • SOUZA, Lucas Marcelo Tomaz de. Construção e autoconstrução de um mito: análise sociológica da trajetória artística de Raul Seixas. Tese de Doutorado. São Paulo: Usp, 2016.
  • Programação. O Globo, 02 de julho de 1976, p. 44.