História do vestuário e dos têxteis

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Senhoras fazendo seda, pintura do início do século XII do imperador Huizong de Song (uma reedição de um original do século VIII do artista Zhang Xuan), ilustra a fabricação de tecidos de seda na China
Ilustrações em aquarela de diferentes estilos de sari e roupas usadas por mulheres no sul da Ásia por M. V. Dhurandhar, 1928.

O estudo da história do vestuário e dos têxteis traça o desenvolvimento, uso e disponibilidade de vestuário e têxteis ao longo da história humana. Roupas e tecidos refletem os materiais e tecnologias disponíveis em diferentes civilizações em diferentes épocas. A variedade e distribuição de roupas e tecidos dentro de uma sociedade revelam costumes sociais e cultura.

O uso de roupas é uma característica exclusivamente humana e é uma característica da maioria das sociedades humanas. Sempre houve algum desacordo entre os cientistas sobre quando os humanos começaram a usar roupas, mas estudos envolvendo a evolução dos piolhos sugerem que começou por volta de 170 mil anos atrás. Os antropólogos acreditam que as peles de animais e a vegetação foram adaptadas em coberturas como proteção contra o frio, calor e chuva, especialmente quando os humanos migraram para novos climas.

A história têxtil é quase tão antiga quanto a civilização humana e, com o passar do tempo, a história têxtil foi se enriquecendo. A tecelagem de seda foi introduzida na Índia por volta de 400 d.C., enquanto a fiação de algodão remonta a 3000 a.C. na Índia.[1]

Os têxteis podem ser feltrados ou fibras fiadas transformadas em fios e, posteriormente, em rede, enroladas, tricotadas ou tecidas para fazer tecidos, que apareceram no Oriente Médio durante o final da Idade da Pedra.[2] Desde os tempos antigos até os dias atuais, os métodos de produção têxtil evoluíram continuamente, e as opções de tecidos disponíveis influenciaram a maneira como as pessoas carregavam seus pertences, se vestiam e decoravam seus arredores.[3]

As fontes disponíveis para o estudo de roupas e têxteis incluem restos de materiais descobertos por meio da arqueologia; representação de têxteis e sua fabricação na arte; e documentos relativos à fabricação, aquisição, uso e comércio de tecidos, ferramentas e roupas acabadas. A bolsa de estudos da história têxtil, especialmente em seus estágios iniciais, faz parte dos estudos da cultura material.

No Brasil[editar | editar código-fonte]

A história do vestuário e dos têxteis no Brasil pode ser contada a partir da colonização europeia em 1500, consolidando-se com a chegada da coroa portuguesa no Brasil, que trouxe consigo, de maneira direta, tecidos, tendências e padrões de beleza.

No Brasil, a indumentária, ao decorrer das décadas, é refletida diretamente no passado histórico colonialista e mercantilista do país, que suprimia a produção manufatureira interna e limitava o mercado consumidor. A fossilização do mercantilismo na formação brasileira resultou em uma constante subordinação às tendências e exigências da Europa, em um país cujo clima, cultura e hábitos se diferenciam dos europeus. Com isso, a moda brasileira teve de se adaptar ao longo dos anos às práticas estrangeiras e às exigências de uma nação tropical e miscigenada.[4]

O entendimento da história da moda brasileira, por sua vez, auxilia na construção de um olhar crítico sobre a história geral do Brasil e a compreensão de um sistema que se enraizou na estrutura do país durante sua formação. Além disso, estudar a história da moda no Brasil é essencial para perceber anos de reafirmação da identidade cultural do povo brasileiro.[4]

Período Colonial[editar | editar código-fonte]

Mulher brasileira usando um vestido estilo Inglês (Robe à l'Anglaise), Brasil colonial, século XVIII

Antes da chegada dos portugueses ao Brasil os povos originários tinham suas próprias vestimentas e adereços de acordo com suas crenças e a identidade de cada tribo. Foi só com a chegada da corte portuguesa no Brasil em 1808, que houve uma maior consolidação do que é entendido como “moda” na sua forma mais tradicional, em que os europeus trouxeram seus costumes e vestuários para a colônia e abriram os portos para o comércio internacional, até então restrito à Portugal.[5]

A Moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações [...] a Moda é formação essencialmente sócio-histórica, circunscrita a um tipo de sociedade.
 
LIPOVETSKY, Gilles, Império do Efêmero: a Moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 23..

O vestuário se estabeleceu como um dos mais importantes símbolos de representação da aristocracia, e a corte era a principal referência da moda no Rio de Janeiro da época. A estética vinha principalmente da nova moda europeia, que nasceu das ideias revolucionárias francesas . Algumas destas tendências eram o uso de espartilhos, vestidos amplos, mangas bufantes e outros. Além dos acessórios, como o leque, as joias, os adereços nas vestes, os adornos de cabelo, eram alguns dos itens usados na época, voltados majoritariamente para o público feminino.[5]

Entretanto, viu-se a necessidade de adaptação e alteração destas vestes, que possuíam panos pesados e diversas camadas de tecido, preparadas para o inverno europeu, para o clima tropical que se encontrava no território colonial.[5]

Século XIX[editar | editar código-fonte]

A independência do Brasil pôs um fim no pacto colonial, sendo crucial para a maior liberdade aduaneira brasileira, que intensificou suas relações econômicas com outros países, e, consequentemente, passou a importar produtos e aderir à estilos de vestimentas variadas. Ainda assim, a moda europeia chegava pelos portos (principalmente cariocas) e era consumida pelas camadas mais abastadas da sociedade, como a burguesia e os proprietários de terra. Além disso, a capital imperial tornou-se palco para o comércio glamuroso, bailes e recepções que repercutiam na imprensa e eram imitados pelo resto do território nacional, especificamente a moda de vestir.[6]

A revolução industrial introduziu diferentes tipos de maquinários na indústria têxtil, e, por volta de 1850, as máquinas de costura foram introduzidas no mercado. Com isso, diferentes moldes e escalas de tamanho facilitaram a produção em massa de roupas, e foram causa do processo de expansão dos ateliês de costura, que passaram a oferecer diversas categorias de roupa, como roupas de baixo, vestidos, camisas, uniformes e acessórios já prontos. Mesmo assim, permanecia a produção de produtos feitos sob medida, que teve sua obsolecência em meados do século XIX, com a confecção industrial em massa de roupas, principalmente, vestimentas padronizadas.[6] Essas mudanças foram registradas pelos missionários Kidder e Fletcher em seus diários:

Quase todas as senhoras fazem os seus próprios vestidos ou pelo menos cortam-nos e arranjam-nos para as escravas costurarem, pelos últimos figurinos de Paris. Sentam-se no meio de um círculo de negrinhas, pois sabem bem que, se o olhar do mestre engorda o cavalo, da mesma forma o olhar da patroa faz a agulha andar mais depressa.
 
apaud MONTELEONE, O Brasil e os brasileiros. v. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. p. 18.

Com isso, as discrepâncias sociais se explicitaram cada vez mais, com a elite brasileira almejando se adequar aos padrões europeus, com suas vestes requintadas e volumosas, completamente inadequadas para o clima tropical do país. Por mais que estas vestimentas fossem desconfortáveis, ela servia como uma afirmação de poder: a identificação das classes altas e sua semelhança com a Europa. Esse tipo de pertencimento a Europa inibia a criação de modas, modelagens e tecidos criados localmente e abria espaço para réplicas. Somente em meados de 1960, as roupas começaram a se adaptar melhor às estações do Brasil.[6]    

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «History of Textiles». Textile School (em inglês). 16 de novembro de 2010. Consultado em 8 de abril de 2022 
  2. Creativity In The Textile Industries: A Story From Pre-History To The 21st century Arquivado em 9 maio 2008 no Wayback Machine. Textileinstitutebooks.com. Retrieved on 1 January 2012.
  3. Jenkins, pp. 1–6.
  4. a b Rios, Jose Arthur (1972). «A tradição mercantilista na formação brasileira». FGV. Revista Brasileira de Economia: p.1 
  5. a b c De Catro Santos, Georgia Maria; A estética da moda de luxo da corte portuguesa no vestuário feminino no rio de janeiro do início do século XIX. Universidade de Brasília, 2015
  6. a b c Do Prado, Luís André (2019). «Indústria do vestiàrio e moda no Brasil no século XIX a 1960». USP: p.49 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Boucher, François. 20,000 Years of Fashion: The history of costume and personal adornment. New York: Harry N. Abrams, 1987 ISBN 0-8109-1693-2
  • Jenkins, David, ed.: The Cambridge History of Western Textiles, Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2003, ISBN 0-521-34107-8
  • Payne, Blanche; Winakor, Geitel; Farrell-Beck Jane (1992) The History of Costume, from the Ancient Mesopotamia to the Twentieth Century, 2nd Edn, HarperCollins ISBN 0-06-047141-7
  • Piponnier, Françoise, and Perrine Mane; Dress in the Middle Ages; Yale UP; 1997; ISBN 0-300-06906-5
  • Ashelford, Jane: The Art of Dress: Clothing and Society 1500–1914, Abrams, 1996. ISBN 0-8109-6317-5
  • Arnold, Janet: Patterns of Fashion: the cut and construction of clothes for men and women 1560–1620, Macmillan 1985. Revised edition 1986. (ISBN 0-89676-083-9)
  • Barber, Elizabeth Jane Wayland. Women's work: the first 20,000 years: women, cloth, and society in early times (WW Norton, 1994).
  • Braudel, Fernand, Civilization and Capitalism, 15th–18th centuries, Vol 1: The Structures of Everyday Life, William Collins & Sons, London 1981
  • Besancenot, Jean. Costumes of Morocco (Kegan Paul International, 1990) ISBN 978-0-7103-0359-2. OCLC 21227430.
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  • Good, Irene. "Archaeological textiles: a review of current research." Annual Review of Anthropology (2001): 209–226. online
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  • Hodges, Nancy, et al. "Women and apparel entrepreneurship: An exploration of small business challenges and strategies in three countries." International Journal of Gender and Entrepreneurship (2015) online.
  • Kõhler, Carl: A History of Costume, Dover Publications reprint, 1963, from 1928 Harrap translation from the German, ISBN 0-486-21030-8
  • Kortsch, Christine Bayles. Dress Culture in Late Victorian Women's Fiction: Literacy, Textiles, and Activism (2009) excerpt
  • Lee, John S.: The Medieval Clothier, Woodbridge, Boydell, 2018, ISBN 978-1-78327-317-1
  • Lee, Mireille M. Body, dress, and identity in ancient Greece (Cambridge University Press, 2015).
  • Lefébure, Ernest: Embroidery and Lace: Their Manufacture and History from the Remotest Antiquity to the Present Day, London, H. Grevel and Co., 1888, ed. by Alan S. Cole, at Online Books , retrieved 14 October 2007
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  • Olson, Kelly. Dress and the Roman woman: self-presentation and society (Routledge, 2012), in ancient Rome.
  • Payne, Blanche: History of Costume from the Ancient Egyptians to the Twentieth Century, Harper & Row, 1965. ASIN B0006BMNFS
  • Postrel, Virginia. The Fabric of Civilization: How Textiles Made the World (Bassic Books, 2020) extract
  • Rosen, Ellen. Making sweatshops: The globalization of the US apparel industry (Univ of California Press, 2002).
  • Tortora, Phyllis G. Dress, fashion and technology: From prehistory to the present (Bloomsbury, 2015).
  • Watt, James C.Y.; Wardwell, Anne E. (1997). When silk was gold: Central Asian and Chinese textiles. New York: The Metropolitan Museum of Art. ISBN 978-0-87099-825-6 
  • Welters, Linda, and Abby Lillethun. Fashion history: A global view (Bloomsbury, 2018).
  • Yafa, Stephen. Cotton: The biography of a revolutionary fiber (Penguin, 2006). excerpt

Fontes primárias[editar | editar código-fonte]

  • Sylvester, Louise M., Mark C. Chambers and Gale R. Owen-Crocker, editors, Medieval Dress and Textiles in Britain: A Multilingual Sourcebook, Woodbridge, Suffolk, UK, and Rochester, NY, Boydell Press, 2014. ISBN 978-1-84383-932-3

Ligações externas[editar | editar código-fonte]