Sambaquis no Brasil

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Sambaqui Figueirinha II, em Jaguaruna
Lagoa de Itaipu, Niterói, Rio de Janeiro. O mais antigo sítio arqueológico da presença humana no litoral brasileiro.
Escavação arqueológica de um sambaqui em Laguna
Sambaqui Figueirinha I em Jaguaruna

No Brasil, os sambaquis são distribuídos por toda a costa, tendo chamado a atenção do europeu logo no início da colonização europeia do país, no século XVI. A diferença de hábitos culturais e alimentares levou à conclusão de que eram obra de uma sociedade distinta daquela dos Tupi-guaranis, que então povoavam toda a região costeira do país. Estudos recentes sugerem que os sambaquis tenham sido produzidos por povos que viveram na costa brasileira entre 8 mil e 2 mil anos antes do presente.[1] Geralmente, os sambaquis distribuídos pela costa brasileira estão em regiões lagunares e áreas recortadas por baías e ilhas.[2]

Alguns destes sambaquis chegavam a atingir trinta metros de altura por quarenta de comprimento. No século XVI, conchas de um só monte foram moídas e utilizadas como cal na construção do Palácio do Governador, de parte do Colégio da Bahia, de engenhos de açúcar e de vários outros edifícios.[3]

No século XIX, esses monumentos pré-históricos foram visitados pelo Imperador dom Pedro II, que por eles se encantou. No século XX, foram alvos de estudos por parte da Universidade de São Paulo e atraíram a atenção de Paul Rivet, o lendário diretor do Museu do Homem, e "pai" da moderna antropologia americana. No litoral sul do Brasil, foram estudados pelo arqueólogo João Alfredo Rohr.

Atualmente, o sambaqui mais antigo do Brasil é o Sambaqui da Lagoa de Itaipu, em Niterói (Camboinhas), no Estado do Rio de Janeiro, datado de cerca de 8000 anos[4][5]. O sítio arqueológico da Lagoa de Itaipu também é o mais antigo vestígio da presença humana no litoral brasileiro até os dias atuais. O primeiro registro em Itaipu,   elaborado por Ondemar Dias, resultou na identificação do sítio de Duna Grande no início da década de 1960. A descoberta está descrita em alguns documentos indicando o ano de 1962 e outros o ano de 1963. Esse sítio foi designado como Sítio Arqueológico de Itaipu, como consta na ficha de registro de pesquisa arqueológica de 11 de novembro de 1968, assinada por Lina Kneip e Maria da Conceição de Moraes Coutinho. Também teve outras  denominações como Dunas  de  Itaipu  (RJ-12), Sítio Itaipu (RJ-JC-24) e Duna Grande de Itaipu (RJ-JC-18) (DIAS JUNIOR, 1967; IPHAN/ANS, 1975; DIAS JR, 1992). Investigações posteriores apontaram a existência de diversos sambaquis fluminenses, indo desde a cidade do Rio de Janeiro até a região de Macaé. Posteriormente, outros sambaquis foram descobertos no sul do Estado do Rio.

Na região Sudeste, além dos sambaquis do Rio de Janeiro, destaca-se ainda o Sambaqui de Cananéia, localizado na Ilha do Cardoso, em Cananéia, litoral de São Paulo. Estudos colocam este sambaqui como um dos antigos do Brasil, com cerca de 8 mil anos.[6]

No sul do país, os sítios mais importantes ainda existentes estão localizados no litoral sul do estado de Santa Catarina. As cidades de Laguna e Jaguaruna abrigam 42 sambaquis dos mais diversos tamanhos e alturas, destacando-se entre eles o Garopaba do Sul - o maior depósito de conchas do mundo em extensão, tendo atualmente 26 metros de altura e mais de 3,7 mil anos[7] - e os Figueirinha I e II, na praia de Nova Camboriú, os três em Jaguaruna. Segundo análise de camadas intermediárias enviadas a um laboratório dos Estados Unidos em maio de 2010, o Figueirinha I, por volta de 2510 a.C., já teria dois terços de seu tamanho atual - tornando a formação deste sambaqui contemporânea a construção da Pirâmide de Quéops.[8]

Construtores dos sambaquis: os sambaquieiros[editar | editar código-fonte]

As populações que construiriam os sambaquis no Brasil são também conhecidos como sambaquieiros[9][10]. Estudos arqueológicos recentes, como uma pesquisa extensa realizada em 2008[10], apontam que estas populações tinham a aparência física mongolóide, ou seja, com traços faciais mais assemelhados à populações asiáticas, como ocorre com os demais grupos indígenas brasileiros[10].

Reconstrução facial de um sambaquieiro

Reconstrução facial 3D de um Sambaqui

Em 2018 foi publicada uma reconstrução facial digital realizada a partir de um crânio de sambaquieiro proveniente do Museu do Homem do Sambaqui[11]. Tal projeto de reconstrução digital, apelidado "Sambaqui de 5000 anos" foi fruto de uma parceria envolvendo o IPHAN DF e o 3D designer Cícero Moraes. Inicialmente foram efetuadas 32 fotografias do crânio em um círculo completo. Estas fotos foram enviadas a um algoritmo computacional que digitalizou a peça em 3 dimensões pela técnica de fotogrametria. Uma vez que o crânio estava virtualizado, o artista pode posicionar uma série de pinos, conhecidos como marcadores de espessura de tecido mole. Estes marcadores informa qual a espessura da pele em determinados pontos do crânio. Junto a estes dados foram modelados os músculos principal e a pele moldou-se sobre os pinos e músculos com o auxílio da escultura digital. Ao final pigmentou-se a pele e os cabelos foram inseridos.[11][12]

Características dos sambaquis e suas populações[editar | editar código-fonte]

Modelo de estratificação das camadas de um sambaqui do litoral sul catarinense, no Brasil.

Os sambaquis predominam em regiões costeiras de recorte acentuado, como baías, enseadas, restingas, ilhas próximas à costa ou estuários, como o litoral catarinense, Baía da Guanabara, Baía de Todos os Santos e a região de São Vicente, no litoral paulista. Como eram fonte fácil e abundante de calcário para a construção, muitas destas áreas serviram de base para as povoações iniciadas pelos europeus,[1] colaborando com a destruição de muitos desses sítios arqueológicos.

Cada comunidade construía os seus sambaquis para atender finalidades específicas, como: demarcação de território, mirante, ritual funerário etc. e era composta por diversos materiais.[13]

Os grupos que construíam os sambaquis alimentavam-se de moluscos, frutos silvestres e caça de pequenos animais. Análises químicas revelam que sua dieta era farta também em peixes, o que permite concluir que, embora representassem uma cultura tipicamente de pescadores-coletores, também poderiam levar uma vida de hábitos sedentários.[1] Esses povos tinham o costume de acumular os restos de alimentos, enfeites que usavam no corpo e artefatos quebrados e inteiros no entorno de sua moradia. Outro hábito comum era o de realizar sepultamentos no próprio sambaqui, com o tempo era aplainado o terreno e rearrumada a camada de cima do local.

Peças de cerâmica encontradas no sambaqui Jaboticabeira.

Várias atividades do cotidiano eram feitas no lugar onde eles moravam. Por exemplo, objetos como raspadores de conchas e facas de pedra encontradas nos sambaquis sugerem que eles fabricavam no próprio local objetos de madeira, couro e fibra. Os batedores, suportes de pedra e a grande quantidade de lasquinhas indicam a fabricação de objetos de pedras. Os restos de fogueiras mostram que também lá preparavam alimentos e se aqueciam.

Os mortos eram enfeitados com objetos que resistiam ao tempo. É comum encontrar entre os esqueletos, dentes e vértebras de animais como tubarões, macacos, porcos-do-mato, além de conchas trabalhadas, que formavam colares. Outros objetos, como pontas de osso e lâminas de machado, também são achados junto com os mortos. Enterrar as pessoas envolvia cuidados como preparar a cova, muitas vezes forrando-a com argila, areia, corantes, palha e madeira, mas isso nem sempre é observado.

Os moradores tinham perto de onde moravam o material necessário para seus artefatos (ossos de animais, conchas, quartzo, gnaisse e diabásio), que deviam ser simples de serem fabricados. Só as esculturas esmeradamente feitas em pedra polida, chamadas zoólitos, parecem ter exigido mais trabalho.

Sambaquis no Rio Grande do Sul[editar | editar código-fonte]

Os sambaquis localizados no Rio Grande do Sul foram alvos de estudos sistemáticos pelos arqueólogos. Podemos constatar que esses depósitos de conchas eram feitos pelos caçadores e coletores que chegaram, vindos pela calha do rio Uruguai numa primeira onda migratória, por volta de 12.000 anos atrás, que adentrou a região que hoje conhecemos como Rio Grande do Sul. Eram grupos que migraram de outras regiões e acabaram se adaptando ao clima da planície litorânea durante o final do ultimo período de glaciação

Sambaquis são construções antrópicas que contém muitos vestígios da cultura material que retratam uma sociedade de grupos milenares de caçadores e coletores. São os povoadores do litoral e podemos constatar que 95% dos vestígios alimentares eram de fauna lacustre e de farta fauna marinha, mas se alimentavam também de de animais de pequeno e médio porte como roedores, cervos, etc.

Os sambaquis do litoral do RS são relativamente "jovens" comparados aos sambaquis que se estendem desde o Espírito Santo até o litoral do Rio Grande do Sul. Datações mais recuadas no tempo indicam 3000, 3600 anos atrás.

Podemos destacar os dois maiores e mais conhecidos sambaquis no RS: o Sambaqui de Itapeva e de Xangri-Lá.

Museus sobre sambaquis no Brasil[editar | editar código-fonte]

Coleção de zoólitos encontrados em sambaquis, no Museu do Homem do Sambaqui, em Florianópolis.

No Brasil podemos encontrar alguns museus focados neste tipo de achado arqueológico[14]:

Além destes, há ainda seções sobre os sambaquis nos seguintes museus (entre outros)[14]:

Referências

  1. a b c Revista História Viva, Ano V nº 60
  2. «Os Homens do Sambaqui: Uma viagem pela história dos pré-históricos da Ilha de SC | ND». ndmais.com.br. 6 de setembro de 2018. Consultado em 9 de junho de 2021 
  3. Cavalcante, Messias Soares. Comidas os Nativos do Novo Mundo. Barueri, SP. Sá Editora. 2014, 403p.ISBN 9788582020364
  4. Andrade, Marcela Nogueira de; Gaspar, Maria Dulce (30 de dezembro de 2019). «O protagonismo do Museu Nacional entre a pesquisa e a defesa pela preservação do patrimônio arqueológico de Itaipu (Niterói/RJ)». Revista de Arqueologia (2): 86–103. ISSN 1982-1999. doi:10.24885/sab.v32i2.704. Consultado em 9 de junho de 2021 
  5. Gaspar, Maria Dulce; Bianchini, Gina Faraco; Berredo, Ana Luiza; Lopes, Mariana Samor (30 de dezembro de 2019). «A ocupação sambaquieira no entorno da Baía de Guanabara». Revista de Arqueologia (2): 36–60. ISSN 1982-1999. doi:10.24885/sab.v32i2.695. Consultado em 9 de junho de 2021 
  6. QUINTO, Antonio Carlos. Arqueólogos encontram sambaqui mais antigo do Brasil. Agência USP de Notícias. Disponível em: http://www.usp.br/agen/?p=5853
  7. Giovanaz, Daniel Piassa (21 de maio de 2016). «Sítio arqueológico com peças de 6 mil anos está ameaçado por casas em SC». Uol. Consultado em 18 de maio de 2021 
  8. «Pirâmides Brasileiras». Istoé. 14 de março de 2001. Consultado em 18 de maio de 2021 
  9. FAPESP, Revista (2000). «Muito antes da chegada de Cabral» (PDF). Revista FAPESP. Março de 2000. pp 46-49. Consultado em 11 de agosto de 2019 
  10. a b c Okomura, Maria (2007). «Diversidade morfológica craniana, micro-evolução e ocupação pré-histórica da costa brasileira». Tese de Doutorado em Atropologia pela USP. Consultado em 11 de agosto de 2019 
  11. a b «Designer recria rosto de crânio de 5 mil anos que estava em acervo da PF, no DF». G1 
  12. Bom Dia DF | Trabalho em 3D reconstrói rostos de ilustres e pessoas comuns | Globoplay, consultado em 11 de junho de 2018 
  13. DIDONÊ, Débora. O Brasil antes do Brasil. Revista Nova Escola, ano XXIII, n. 212, maio, 2008.
  14. a b Coelho, Christianne (2017). «Sambaquis e Museus: relações entre acervos in situ e ex situ» (PDF). Tese de Conclusão de Curso em Museologia pela UFSC 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]