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Estado de sítio no governo Artur Bernardes

Contexto[editar | editar código-fonte]

O estado de sítio na Primeira República[editar | editar código-fonte]

No período de 1889 a 1930, estado de sítio foi aplicado onze vezes no Brasil, por um total de 2 365 dias, conforme levantamento do Senado Federal. No somatório, foram mais de seis anos, ou cerca de 15% do período.[1]

A suspensão das garantias constitucionais tinha interpretações mais conservadoras, com restrições mais drásticas aos direitos individuais, e interpretações liberais. Além das bases teóricas, o debate também era pautado pelo apoio ou oposição ao indivíduo na Presidência da República. Os governistas e conservadores normalmente prevaleciam. Os liberais prevaleceram na proteção da imunidade parlamentar.[2]

A inviolabilidade do lar e a liberdade de imprensa não deveriam ser afetadas pelo instituto.[1]

O primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, decretou um estado de sítio preventivo e fechou o Congresso.[1] Seu sucessor, Floriano Peixoto, usou o instituto para deter e desterrar dezenas de políticos (incluindo deputados e senadores) e jornalistas de oposição.[3]

Floriano Peixoto

De 1910 em diante, o estado de sítio e a intervenção federal tornaram-se instrumentos rotineiros de governo.[4]

A normatização do instrumento foi um dos principais pontos na discussão da reforma constitucional de 1926, durante o governo Bernardes.[5]

Na prática, a iniciativa partia quase sempre do Executivo.[6]

reduzia a autonomia dos Estados, expandia as competências do Poder Executivo federal e restringia direitos de liberdade individual[7]

Tendência autoritária[editar | editar código-fonte]

Mais tarde na sua carreira, quando foi deputado estadual, Bernardes teria feito uma autocrítica sobre esse período: "como presidente da República, eu fui apenas um chefe de polícia. E chefe de polícia ante as pressões revolucionárias, só sabia fazer uma coisa: prender, perseguir, conter pelo terror".[8] O estado de sítio foi sua ferramenta para incorporar a imagem de um governante forte e centralizador, que impunha modernizações de cima para baixo. Isto demonstrava a influência de pensadores nacionalistas autoritários como Oliveira Viana, Francisco Campos e Azevedo Amaral, que não formavam um movimento político próprio, mas encontravam terreno propício às suas ideias no período entreguerras, quando a democracia parecia desmoralizada e pairava o exemplo de Mussolini.[9] Até mesmo a oposição tenentista era influenciada pelos mesmos pensadores antiliberais.[10]

Os anos 1920 foram de confronto aberto de dissidentes contra o Estado,[11] e o governo de Bernardes, em especial, foi marcado pela grave crise social, a exceção da ordem jurídica, a reorganização do direito brasileiro e das relações entre o Estado e o indivíduo.[12] A revisão constitucional de 1926, além de abordar o estado de sítio, indicou as situações em que poderia ocorrer a intervenção federal nos estados, deu poder de veto parcial do presidente aos projetos aprovados pelo Congresso e restringiu a aplicabilidade do habeas corpus. A tendência era o fortalecimento do Presidente em detrimento dos outros poderes e da esfera estadual.[13]

Até então, o instituto do habeas corpus tinha aplicação ampla, podendo ser usado pelos cidadãos contra qualquer tipo de ação do Poder Público que violasse um direito fundamental. O número de processos de habeas corpus no STF cresceu no governo de Bernardes,[14] justamente como instrumento de resistência ao estado de sítio.[15] habeas corpus era o único instrumento jurídico com o qual os advogados conseguiram ser produtivos. Ele permitia revisar os processos de deserção, restituir descontos de gratificação ou descontos de pagamentos nas prisões, regularizar vencimentos integrais futuros, cessar a incomunicabilidade, conseguir transferências e outras possibilidades.[16] A reforma procurou reduzir o instituto ao sentido estrito de uma garantia à liberdade de locomoção.[17] Essas mudanças fizeram a oposição acusar Bernardes de intenções ditatoriais.[12]

Mas o STF tinha postura clara contra os tenentistas.[15]

"a ordem social precisa estar armada de aparelhos mais expeditos para repressão de culpados e absolvição de inocentes"[18][19]

Ao solicitar a revisão à Constituição, Bernardes criticou o "idealismo entusiástico e generoso" dos legisladores passados, que teria produzido leis "excessivamente adiantadas e pouco adequadas ao nosso país, à nossa raça, à nossa índole, à nossa cultura social e política".[20] pena de morte[21]

Inimigos de Bernardes[editar | editar código-fonte]

Nas palavras de Francisco Moacir Assunção Filho, "em favor de Bernardes, entretanto, pode-se dizer que nenhum outro presidente da chamada República Velha enfrentou tantas adversidades durante seu mandato". intransigência[8] um dos governos que mais enfrentou oposição na Primeira República[22] militares, anarquistas, jornalistas e parlamentares[8] Os operários organizados podiam realizar graves e atentados a bomba, mas os tenentistas envolviam altos escalões militares, empregavam armamento pesado e possuíam simpatias na elite civil[23] greves, manifestações, jornais[24] Inicialmente as autoridades tinham certa tranquilidade, chegando a conceder um extenso habeas corpus em janeiro e fevereiro de 1923. Foi a partir das revoltas de 1924, com sua maior eficiência, número de adesões e regiões conflagradas, que a repressão se acentuou.[25] A "ameaça revolucionária" era usada para justificar ações urgentes e alheias aos trâmites convencionais da lei.[26] Supressão de liberdades civis e prática de violências e arbitrariedades[27]

Os dissidentes nas primeiras décadas da Repúblbica eram tipicamente partes da intelectualidade, operariado (entre eles anarquistas e comunistas) e Forças Armadas. Eles podiam exigir reformas sociais, o cumprimento da Constituição, o fim da corrupção e do clientelismo e a moralização da administração pública. As demandas operárias focavam nas condições de vida e trabalho[28]

Conseguiu alargar os dispositivos legais à sua disposição e anular os opositores[29] Recomposição da autoridade no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia[29] Políticos de oposição ainda acreditavam na luta armada do Exército como forma de atingir os ideais da Reação Republicana[30]

rebeliões militares[31] além das conspirações que se materializaram em revoltas, muitas outras foram desbaratadas pela polícia política[32]

Ao longo da Primeira República, a imprensa operária e a grande imprensa frequentemente relatavam o policiamento de organizações de trabalhadores e a repressão violenta a greves.[33] O movimento operário era ameaça mais à ordem social do que à política[33] atingiu o auge nas greves de 1917–1919[34][35]

Ao início de seu governo, Bernardes consolidou sua autoridade eliminando seus adversários da eleição, a Reação Republicana[36] o sítio foi importante no desmonte da máquina política niilista no Rio de Janeiro[37]

tenentismo era contra as oligarquias cafeeiras[38] barrar a posse de Bernardes, derrubar o regime[39]

Barrar os atores políticos que tentavam chegar ao poder por vias diretas[40] em seu discurso de posse, Bernardes deixou claro que não permitiria uma alteração do regime político de fora para dentro[18]

imigrantes, operários e sindicalistas; tenentistas foram a maioria dos presos em Clevelândia[41]

Os anarquistas haviam sido a principal facção nas lutas operárias do início do século, mas nos anos 1920 perdiam espaço no meio sindical para o recém-fundado Partido Comunista.[42] Almejando a definitiva abolição do Estado, os anarquistas desestabilizavam o governo republicano.[43][44] A polícia identificava e fichava militantes operários, independente dos seus alinhamentos políticos[45] Expulsão de estrangeiros[46] No sistema político da Primeira República, as chances eleitorais dos militantes operários eram nulas[47] Greves eram associadas a insurreições anarquistas[48] intelectuais + operários[49]

Alexandre Samis ressalta a prisão de indivíduos sem culpa criminal, enquanto Edson Machado de Brito argumenta que isso desqualifica a potência revolucionária desses sujeitos.[50]

Para Alexandre Samis, a polícia tolerava os comunistas, pois via os anarquistas como os "sujeitos revolucionários por excelência".[51]

Carlo Romani, que tem afinidade ideológica com o anarquismo,[52]

Relação anarquista-comunista-tenentista,[53][54] ausência de participação anarquista direta[46] Do ponto de vista anarquista, o governo republicano, os tenentistas e os comunistas igualavam-se pela ambição comum de controlar o Estado. Eles chegaram a acusar os comunistas de terem tido relações amistosas com o governo Bernardes. Em resposta, os comunistas insistiam que seus companheiros também foram presos em Clevelândia.[55]

Para Carlo Romani e Ângela de Castro Gomes, a repressão do governo Bernardes, e não o fracasso da militância nos sindicatos, foi a causa do declínio.[52] Segundo Edson Machado Brito, historiadores prévios de Clevelândia, como Samis, Pinheiro e Romani apresentaram, cada um a seu modo, a colônia penal como "marco da derrota da resistência". Ele, por outro lado, enfatiza que as dissidências não foram exterminadas no local.[56]

A repressão aos comunistas só se intensificou nos anos 1930[57]

estrangeiros[58]

Explicações oficiais[editar | editar código-fonte]

Nas suas mensagens presidenciais ao Congresso, Bernardes tratou sucintamente do estado de sítio[59]

medida repressiva/preventiva, “quase que como uma medida ordinária à disposição da administração pública”.[60]

deputados estaduais não gozavam de imunidade parlamentar[61]

Em suas declarações, Bernardes apresentou o sítio como medida constitucional preventiva e relativamente normal, "uma situação que pode ser comparada ao regime constitucional sob o qual vivem normalmente muitos povos mais adiantados e livres", garantindo a tranquilidade dos cidadãos[62] medidas só atingiriam os subversivos[37]

A revisão constitucional de 1926 impediu recursos judiciários contra a declaração do estado de sítio e negou aos tribunais o conhecimento dos atos praticados pelo Executivo e Legislativo em decorrência do sítio.[63]

segundo ele, a contragosto[64] "esquecida de que vivemos em uma democracia, regime de opinião, em que prevalece a vontade da maioria, expressa nas urnas, uma minoria facciosa e ameaçadora pretendeu governar, impondo-se pelo terror e indo ao ponto de conceber e proclamar o intuito de assenhorear-se do poder custasse o que custasse"[65]

Conforme o presidente do Paraná, Caetano Munhoz da Rocha, "ninguém sofre no Paraná por ser adversário do governo ou desafeto do Presidente ou prosélito de qualquer crença religiosa. Todos gozam da mesma liberdade, a todos se faz justiça"[66]

em 15 de novembro de 1926, o Jornal do Comércio argumentou que "o estado de sítio evoluiu ao ponto de não ser ao menos pressentido pelo povo. Só os maldizeres e os conspiradores se aperceberam dele. A nação ordeira mal crê que estejamos em sítio".[67]

Período de vigência da medida[editar | editar código-fonte]

o estado de sítio foi declarado em 5 de julho de 1922, no governo de Epitácio Pessoa,[64] enquanto as granadas do Forte de Copacabana explodiam não muito longe da Câmara.[procurar fonte] Sítio estabelecido contra a Revolta dos 18 do Forte prolongou-se ao final do mandato em caráter preventivo[68]

Quando Bernardes tomou posse, o estado de sítio estava em vigor até 31 de dezembro de 1922. Em 1.° de janeiro ele decretou sua continuidade no Distrito Federal e estado do Rio de Janeiro até 30 de abril (coincidindo com o recesso parlamentar). Em 23 de abril ele renovou a medida até 31 de dezembro.[37] Ao final do ano, ele parecia estar em controle completo[37]

Por cerca de seis meses, de 23 de dezembro de 1923 a 5 de julho de 1924, não houve estado de sítio.[69] em 19 de março de 1924 o sítio foi decretado por 30 dias para o estado da Bahia[70] A revolta em São Paulo fez o Congresso imediatamente aprovar a medida para o Distrito Federal e os estados do Rio de Janeiro e São Paulo por 60 dias. O sítio foi estendido para os estados de Sergipe, Bahia, Amazonas, Pará e Mato Grosso à medida que apareceram novas revoltas. Em três de setembro o estado de sítio foi prorrogado ao final do ano e estendido ao Paraná e Rio Grande do Sul.[71]

No primeiro dia de 1925, a medida foi renovada por 120 dias, mais tarde prorrogados até o final do ano. O sítio durou todos os 365 dias do ano e teve sua maior extensão territorial, abrangendo o Amazonas, Pará, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.[66] Em 31 de dezembro, Bernardes estendeu a medida até 30 de abril de 1926 e incluiu o estado de Goiás, por onde passava a Coluna Prestes. A 23 de abril o sítio foi prorrogado até o final do ano e estendido ao estado do Ceará, também por causa da Coluna Prestes. Em outros estados, a medida foi gradualmente encerrada.[59]

Dentre todos os presidentes do período, Bernardes destacou-se pelo uso do estado de sítio.[1] foi o estado de sítio mais repressivo[67]

1 287 dias sob estado de sítio em algum ponto do território nacional, ou 88,15% do total de 1 460 dias do mandato. Assim, a medida excepcional tornou-se normalidade. Enfraquecimento do Congresso em relação ao Executivo[72]

O Congresso continuamente aprovou as extensões da medida, apesar de alguns votos contrários.[64] As vitórias do governo no Congresso Nacional eram esmagadoras, como em 1924, quando a Câmara votou por 117 votos contra dez pela prorrogação do estado de sítio, e o Senado, por 33 votos contra quatro. Um reduzido núcleo de oposição usava a tribuna para denunciar os abusos do estado de sítio. Na Câmara dos Deputados ele incluía Azevedo Lima, Arthur Lemos, Leopoldino de Oliveira e Henrique Dodsworth. No Senado, eram Soares dos Santos, Benjamin Barroso, Jerônimo Monteiro, Justo Chermont, Muniz Sodré, Lauro Sodré e Barbosa Lima. Eles tentavam suspender o estado de sítio ou impedir sua prorrogação, e na Câmara, alegavam que o governo havia executado operações econômicas ilegais, que contribuíram ao desequilíbrio fiscal. O governo tinha seus defensores, como os deputados Antonio Carlos e Nicanor Nascimento e o senador Bueno Brandão.[73]

Desequilíbiro nas contas públicas e desconfiança no cenário internacional[69]

Houve muitas suspensões locais do estado de sítio para a realização de eleições municipais, estaduais e federais[67]

Relação com a imprensa[editar | editar código-fonte]

O governo central controlou as notícias nos principais jornais do país para abafar a repercussão das rebeliões. As informações eram liberadas de 3 a 15 dias após os eventos, e com forte viés pró-governo.[74]

"censura de imprensa no incitamento à anarquia e ao crime"[75]

O episódio das cartas falsas havia contribuído à revolta de 1922. Desde esse ano uma nova lei da imprensa foi debatida, num clima pesado, em meio ao estado de sítio e à censura à imprensa.[76]

A polícia invadiu as redações do Jornal do Brasil, Gazeta de Notícias, O Imparcial, A Rua, O Trabalho e O Jornal do Povo. Nos primeiros dias de julho de 1924, o delegado Cristóvão Cardoso prendeu Edmundo Bittencourt, proprietário do Correio da Manhã, e seu diretor, diretor substituto, gerente, secretário de redação e agente de publicidade. O diretor interino, Pinheiro da Cunha, foi intimado a depor e recebeu voz de prisão quando se recusou a publicar uma nota de retratação pelo que o jornal havia publicado sobre o presidente Bernardes. Em 31 de agosto, o Ministro da Justiça mandou fechar o jornal como medida de ordem pública.[77]

Um visto da mesa das casas legislativas era necessário para a liberação à imprensa dos debates parlamentares. Após a definição de Washington Luís como candidato do governo, deputados denunciaram que os jornais estavam proibidos de criticá-lo.[78]

O Combate foi suspenso, e em seu lugar foi lançado O Povo em março de 1925, com a mesma linha editorial[79]

5 de Julho[80]

Mesmo os revoltosos numa colônia penal tinham acesso a jornais e conseguiam publicar entrevistas e manifestos e obter informações.[81] A situação jurídica dos revoltosos aparecia continuamente nos jornais.[82] Cada embarque, prisão, fuga, tiroteio, entrevista na prisão e morte rendia notícias.[83]

era o proprietário fundador dos jornais oposicionistas Diário Carioca e O Imparcial, primo do tenente revoltoso Edmundo de Macedo Soares e anfitrião de rebeldes na sua fazenda em Maricá.[84]

Aparato policial e de vigilância[editar | editar código-fonte]

Ficheiro:O Malho 9 de abril de 1927 Carneiro da Fontoura.jpg|miniaturadaimagem|Sátira na revista O Malho sobre a polícia política de Carneiro da Fontoura]] Para a Chefia de Polícia, um cargo até então ocupado por bacharéis em Direito, Bernardes nomeou o marechal Carneiro da Fontoura,[85] que havia reprimido a Revolta dos 18 do Forte quando comandava a 1.ª Região Militar.[86] 4.ª Delegacia Auxiliar

O estado de sítio fortalecia o Chefe de Polícia em detrimento do Judiciário, permitindo-o prender suspeitos sem julgamento[87] Aproveitava um aparato jurídico-institucional iniciado pelo governo Epitácio Pessoa, quando surgiram novas leis regulamentando a expulsão de estrangeiros, associações públicas e repressão ao anarquismo e novos regulamentos e organizações para as instituições carcerárias.[88] A partir dos governo Bernardes, até as casas de diversões públicas precisavam de autorização policial para operar.[89] conjunto de dispositivos[39]

A caça aos militares desertores e foragidos obrigava-os a uma vida de identidades falsas, peregrinações e fugas.[90]

Conforme o deputado Henrique Dodsworth, "não há queda do fruto, rumor de folhagem, voo de pássaro nos jardins do Palácio [do Catete] que, imediatamente, não se interprete como funesto ao futuro da República". Policiais nos fundos do Catete controlavam a velocidade dos carros.[91]

Em abril de 1926, com o perigo tenentista diminuindo, Carneiro da Fontoura foi substituído por um experiente promotor público, Carlos da Silva Costa, que buscou acalmar a opinião pública. Ele nomeou à chefia da 4.ª Delegacia o tenente-coronel Bandeira de Melo, um oficial da Polícia Militar e crítico ao que chamava de politização excessiva do departamento.[92]

quatro officiaes revolucionários... alugaram o prédio nº 101 da rua Bueno de Andrada, ali fixando residência. Para maior garantia, trataram esses corajosos officiaes incluírem-se nas listas eleitoraes do P. R. P., alistados com nomes trocados, por intermédio de um centro político a serviço da candidatura do sr. Julio Prestes. [...] Ante-hontem, á noite, um amigo dos officiaes revolucionários foi visital-os. [...] Sahindo de casa, desceram pelas ruas Octavio Gomes, Conselheiro Furtado até a rua da Gloria, sendo seguidos, no entanto, por dois agentes de policia – um mulato gordo e um moço bem vestido. Antes de chegar á rua da Gloria foram abordados pelos secretas e intimados a comparecer perante o dr. Laudelino de Abreu, delegado da Ordem Politica e Social. Afim de não trahir sua qualidade de revolucionários promptificaram-se a exhibir aos agentes os seus documentos, que eram, principalmente, as cadernetas de eleitores ‘perrepistas’. Pensaram, assim, despistar os policiaes.

Ao levar a mão ao bolso para tirar a prova de identidade, pensando os inspectores que elles iam reagir, fizeram fogo contra o rapaz que ia em companhia do major Emigdyo de Miranda. Este, ante o ataque, reagiu engalfinhando-se com um dos secretas, ao mesmo tempo que o seu companheiro, empunhando uma arma de grosso calibre, fez fogo sobre o outro policial, que é o de nome João Abreu e Silva, ferindo-o gravemente no ventre. Emquanto se desenrolava a lucta tremenda surgem á frente da casa suspeita, vários caminhões pejados de soldados de policia que (iam?) cercar a residência dos revolucionários. Os soldados que acorreram aos estampidos, iniciaram, então, terrível fuzilaria contra os dois perseguidos. [...] Cessado o fogo, que foi ensurdecedor, conseguiram os policiaes prender o major Emigdyo Miranda, o mesmo não acontecendo com o seu companheiro, que conseguiu desvencilhar-se, fugindo.[93]

Reflexos na política externa[editar | editar código-fonte]

Levas de tenentistas emigraram em 1922-23 e após as revoltas de 1924. No exílio, eles refaziam seus contatos militares e civis e reorganizavam-se para novas lutas, num processo que culminaria na Revolução de 1930.[94]

de Foz do Iguaçu, os rebeldes podiam receber e disseminar informações através dos jornais argentinos e uruguais (Macaulay, p. 49)

Aparato militar[editar | editar código-fonte]

anistia[71] O processo judicial foi rigoroso[95] As investigações soltaram alguns por falta de provas e comprovação de inocência, e outros conseguiram habeas corpus para responder em liberdade.[95] Expulsão do Exército através de penas de prisão superiores a dois anos[96]

forças estaduais e batalhões patrióticos[59]

Os oficiais simpatizantes da revolução eram apelidados de "empatas"[97] Alguns oficiais leais ao governo simpatizavam com os tenentistas[98]

Prisões[editar | editar código-fonte]

O estado de sítio dava poderes discricionários ao Chefe de Polícia do Distrito Federal para prender em massa sem inquérito, mandado judicial ou culpa formada.[99][100] As cadeias passaram o período superlotadas,[91] e prisioneiros foram transferidos a locais remotos e isolados.[101] O advogado e tenentista Lourenço Moreira Lima estimou em pelo menos 10 mil o número de presos em São Paulo logo após a saída dos rebeldes da cidade.[102] Houve tortura nesses estabelecimentos; conforme o historiador Hélio Silva, "o cano de borracha, a água fria, o isolamento, subnutrição e os maus tratos, de toda a hora" foram a "página negra da reação legalista".[103] O caso Conrado Niemeyer, suposto suicídio ocorrido no prédio da Polícia Central, e vários casos de tortura chegaram a ser discutidos na Câmara. A responsabilidade pela tortura pode ser traçada na hierarquia até os marechal Carneiro da Fontoura e Setembrino de Carvalho e o general Antenor Santa Cruz Pereira de Abreu, Chefe da Casa Militar da Presidência da República.[104]

Perfis dos presos[editar | editar código-fonte]

Advogados, médicos, dentistas, farmacêuticos, estudantes e funcionários públicos[105] Prisões de parentes[106]

Centenas de militares tenentistas, além de civis revoltosos, foram encarcerados sob a custódia da 4.ª Delegacia Auxiliar e das Forças Armadas.[107][108] Ao final do mandato de Epitácio Pessoa havia 118 militares presos em decorrência da revolta de 1922.[109] A investigação da revolta de 1924 indiciou 667 pessoas: 193 militares do Exército e 63 da Força Pública de São Paulo, 405 civis e seis não identificados.[110] Clevelândia recebeu contingentes de 250 militares do Rio de Janeiro e São Paulo, 119 do Amazonas e Pará, 23 do Rio de Janeiro e cerca de 400 da batalha de Catanduvas, na campanha do Paraná.[111] A maioria dos tenentistas não abandonou seu projeto político e viveu entre a clandestinidade, a prisão e o exílio. As adversidades enfrentadas coletivamente imprimiram-lhes uma identidade comum e solidificaram um núcleo de revoltosos profissionais.[112][107] Revoltosos de localidades distantes eram presos juntos e formavam novas alianças.[113][114]

A prisão de militares em grupo amenizava as agruras do cárcere. Nesse ambiente os revoltosos reviam seus companheiros, recebiam notícias, planejavam novas ações,[115] escreviam a seus advogados e à imprensa e lutavam pela liberdade.[116] Por ser homens letrados numa sociedade analfabeta, os oficiais tinham contatos importantes e conhecimentos jurídicos para organizar sua própria defesa.[117] O status de oficial do Exército era um privilégio, mesmo na prisão,[118] embora esta significasse a "morte social" de um indivíduo que, em liberdade, teria presença significativa na sociedade.[119] Em Clevelândia, os soldados presos eram protegidos por seus tenentes. Parte dos militares jurou lealdade ao governo, abandonando suas convicções, e formou uma elite dentre os presos.[120]

José Oiticica e Everardo Dias[46] Desarticular e intimidar o movimento no meio operário[121] em 27 de dezembro de 1923, o deputado Sales Filho denunciou a invasão da União dos Operários em Fábricas de Tecido, União dos Operários em Construção Civil, União dos Empregados em Padarias e outras associações operárias pela polícia, que prendeu incomunicáveis vários de seus trabalhadores.[122]

No Rio de Janeiro, "canoas" policiais prendiam homens que circulavam na cidade após determinadas horas[123] após a Revolta Paulista, vários indivíduos foram presos por manifestações públicas de "derrotismo" em bares e botequins. Mas as prisões por distribuir folhetos de propaganda revolucionária foram mais numerosas.[124] "limpeza da cidade"[125] punguistas[126] cafetões[127] pequenos comerciantes, desempregados e menores capturados pela polícia nas patrulhas[128] em alguns casos, transeuntes e curiosos[129] Confusão deliberada entre prisioneiros políticos e comuns[130][131] conforme Everardo Dias, os criminosos comuns iam de falsificadores de leite e dinheiro a ladrões e assassinos[132]

O acadêmico de medicina e menor de idade José Celso Uchôa Cavalcanti foi enviado à Ilha das Flores sem ser interrogado ou informado de sua infração. Quando escreveu uma carta ao Dr. Mello Mattos, juiz de menores, para que intercedesse junto ao Ministério da Justiça, o censor devolveu a carta, informando-o de que ele estava incomunicável. Cavalcanti só foi solto depois de enviar uma carta clandestinamente.[133]

Destinos e transferências[editar | editar código-fonte]

Militares foram isolados em estabelecimentos de diversos ministérios[101] desterro na Constituição[134]

Motivadas por sumários de culpa, julgamentos, pedidos dos prisioneiros ou isolamento contra novas revoltas, as transferências eram tão frequentes que é difícil acompanhar as trajetórias dos militares presos.[135]

Everardo Dias relata como qualquer um que desejasse informações sobre um conhecido preso enfrentava assessores, cartas, permissões e sucessivas respostas negativas das autoridades. A insistência nas solicitações por si só já colocava o indivíduo como suspeito; "quando o amigo, que acaba de pedir a liberdade do suspeito, transpõe porta da Central, para ganhar a rua, é detido e vai para o calabouço, entrando aí um amigo por quem intercedera". Quando não havia base legal para a prisão de um indivíduo, a polícia negava que ele estivesse sob sua custódia.[136] Todas as mercadorias eram caras na prisão, e o dinheiro pedido a familiares era tomado pelos guardas e outros prisioneiros, os "piratas".[137] "descrições apavorantes da geladeira, de espancamentos a borracha, de palmatoadas, de longas estadias a pão e a água, em furnas ignotas, do xadrez dos malandros onde se bate e se rouba com requintes de malvadez"[138]

No Rio de Janeiro, a Casa de Correção, a Casa de Detenção e a Polícia Central serviram de prisões. Os militares ficaram nos quartéis do Corpo de Bombeiros, Escola de Estado Maior, Batalhão Naval, 1.° e 2.° Regimentos de Cavalaria Divisionária, Hospital Central da Marinha, Hospital Central do Exército, Fortaleza de Santa Cruz e Forte da Laje. Nos portos, os prisioneiros foram aos navios Alfenas, Benevente, Belmonte, Cuiabá, Jaceguay, Campos, Jahu, Manaus e Baependi, requisitados pelo Lloyd Brasileiro, e os rebocadores Audaz, Mario Alves, Tonelero, Laurindo Pinta e Tenente Cláudio. Outros detentos foram transportados para a Ilha Grande, Ilha de Bom Jesus, Ilha das Flores e Ilha Rasa. Em São Paulo, os detentos ficaram na Hospedaria dos Imigrantes, Delegacia de Polícia Política e 4.° Batalhão de Caçadores. A colônia penal de Clevelândia, na fronteira com a Guiana Francesa, e a Ilha da Trindade foram destinos de desterro.[139]

Conforme Carlos Chevalier, em outubro de 1926, pelo menos 70 oficiais do Exército presos no Cuiabá estiveram prontos para aderir à revolta naval de Protógenes Guimarães, com a anuência de seus carcereiros.[140] encouraçado São Paulo[141]

Mesmo as ilhas próximas ao Distrito Federal expressavam um simbolismo de isolamento desejado pelo governo.[142] habeas corpus e destinos ermos. O mais remoto foi a colônia penal de Clevelândia.[143]

Casas de Correção e Detenção[editar | editar código-fonte]

Militares na Casa de Correção

A Casa de Correção foi o principal destino, tendo suas galerias nove e dez designadas especificamente para os detidos em decorrência do estado de sítio. Presos de maior repercussão à opinião pública passavam dali para as ilhas da Baía de Guanabara (Ilha Rasa, Ilha das Flores e Ilha de Bom Jesus).[144] Da Casa de Detenção, muitos presos sem repercussão na opinião pública, considerados "irredutíveis" pelo governo, eram transferidos ao navio-prisão Campos.[145] Sob condições precárias de higiene, saúde e alimentação, eram obrigados a picar a ferrugem da sucatada[145]

Os presos políticos na Casa de Detenção eram segregados conforme sua origem social. Uma das extremidades tinha quatro "salões". O primeiro recebia advogados, professores, engenheiros e outros presos mais graduados, que tinham privilégios como banho de sol, alimentação melhor, camas, lavatório, etc. O segundo salão cabia a estudantes, funcionários e outros presos recomendados ao diretor, também com privilégios. O terceiro salão era para presos de bom padrão social, mas sem padrinho ou que se recusavam a pedir favores à direção. O quarto salão era para os "incorrigíveis", operários e ativistas. Presos mais pobres ficavam nos subterrâneos.[146] Com as cadeias superlotadas, o governo recorreu às ilhas[147]

O complexo penitenciário das Casas de Detenção e Correção[a] era administrado pelo Ministério da Justiça. O Diretor era o mesmo e respondia ao Chefe de Polícia. As Casas eram destinada essencialmente a estadias passageiras, como as de presos sem condenação. Nenhum preso deveria ficar mais de oito dias detido sem início no seu processo. Na realidade a prisão ficou superlotada e muitos presos políticos não tiveram andamento no processo. As condições já eram precárias nas décadas anteriores, como atesta o Relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores de 1910-1911. Um pavilhão especial para os doentes com tuberculose teve que ser criado em 1923. Everardo Dias relata de corpos de doentes ou vítimas de tortura arrastados pelos corredores e assim descreveu uma cela:[148]

Imaginai um quarto com dez ou doze pessoas a dormir, a comer, a lavar-se, a trocar roupa, a aliviar-se, a fazer, enfim, tudo que é obrigado um ser humano – sem outro ambiente que esse quarto. Imaginai que esse quarto é escuro, sujo, humido, com uma cinta de dois metros, pintado de pixe, apenas com uma porta menor que uma janela comum, revestida de grossas grades... e tereis uma idéia aproximada dessa prisão. Agora calculai uma estadia de dois mezes em tal cubículo, sem ar, sem luz, humido e triste, vivendo numa promiscuidade intolerável, sem se poder quasi se mexer, pois as tarimbas e enxêrgas tomavam todo o espaço... E além disso tudo, aquele ar, que é carbono, tóxico, filtro de contaminações, que desnutre, envenena, mata – era o ar que respiravamos

A Constituição de 1891 estabelecia que os prisioneiros políticos seriam mantidos à parte dos comuns, mas isto não foi respeitado nas Casas de Correção e Detenção. Na sua correspondência ao Supremo Tribunal Militar, o tenente Carlos Chevalier listou os nomes de falsários, ladrões e assassinos, como Rocca, Carlitto, Oldemar Lacerda, Piolho de Cobra, Dente de Burro, Sete Coroas, Meia Noite, Sete Estrelas e 13 da Lapa, misturados aos nomes de generais e coronéis com os quais estavam presos. Os prisioneiros políticos tinham o mesmo tratamento dos comuns, exceto na obrigação a trabalhar nas oficinas de dia, da qual os oficiais do Exército conseguiram uma isenção.[149]

De 5 a 6 de julho de 1924 a Casa de Correção recebeu militares, políticos e jornalistas como Mauricio de Lacerda, José Oitica, Paulo Bittencourt, Evaristo de Moraes, Paulo P. de Lacerda, Raul Paula Lopes, Edmundo Bittencourt, José Macedo Soares, José Joaquim Teixeira, o general Ximeno de Villeroy e Mário Rodrigues. A situação jurídica foi resolvida por um decreto de 5 de novembro designando a 9.ª e 10.ª galerias "como prisão privativa para detenção por effeito do estado de sítio".[150]

O trabalho dos prisioneiros foi aproveitado em diversas obras públicas e, segundo o tenente Chevalier, em "presentes para o governo", como um prisioneiro árabe que encadernou a biblioteca particular de Artur Bernardes. O trabalho era remunerado, embora o valor fosse provavelmente irrisório. O artigo 43 do Código Penal de 1890 autorizava o trabalho obrigatório como pena a ser aplicada aos prisioneiros.[151]

Navios-prisão[editar | editar código-fonte]

Esses navios eram em sua maioria de origem alemã, adquiridos pelo governo brasileiro como indenização de guerra no Tratado de Versalhes. Eles pertenciam ao Lloyd Brasileiro e foram requisitados e incorporados provisoriamente pela Marinha, pois os navios de guerra já não tinham mais espaço para os prisioneiros.[152]

O Alfenas foi comandado por oficiais da Marinha de 10 de julho a 6 de dezembro de 1922, servindo de primeiro navio-prisão aos rebeldes desse ano.[153] O Benevente servia de prisão em abril de 1924, quando os revoltosos embarcados foram transferidos ao Cuyabá, fundeado na Ilha Grande. Militares da Marinha e do Exército, de diversas localidades, passaram por esse navio.[154] O Jaceguay recebeu militares presos em São Paulo.[155]

O Campos tinha a pior reputação. Ele recebeu operários, soldados, marinheiros e sargentos, mas nenhum oficial. Muitos deles já chegavam fisicamente debilitados da 4.ª Delegacia e Casa de Detenção, às vezes retornando à enfermaria desta última. Conforme relatos de prisioneiros, eles eram submetidos a torturas, incluindo chibatadas, desferidas por criminosos comuns empregados como supervisores. Os pertences pessoais eram por vezes roubados pelos funcionários. A alimentação consistia num copo de café e pão pela manhã, uma concha de feijão com farinha no almoço e outra no jantar. Os prisioneiros tinham uma jornada de dez horas de trabalho na pintura, batimento de ferrugem, limpeza de convés, máquinas e caldeiras, desfiagem de cordas e faxina, rancho e lavagem de roupas. Dormia-se numa chapa de ferro no porão.[156]

Ilhas[editar | editar código-fonte]

As instalações da Marinha na Ilha das Cobras, entre elas o Batalhão Naval e o presídio colonial, receberam dezenas de oficiais do Exército em 1922 e numerosos marinheiros, cabos e suboficiais no final de 1924. A carta de um prisioneiro a Moniz Sodré descreve celas subterrâneas apertadas e pouco iluminadas, onde vários padeceram de doenças de contágio, bronquites e tuberculose.[157]

A Ilha Rasa, a duas horas de viagem do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, recebeu presos do Batalhão Naval, militares da Marinha do aviso hidrográfico Jaceguay e outros civis e militares, como Aristides Dias Lopes, Everardo Dias, José Oiticica, Edmundo Bittencourt, Paulo Bittencourt, general Augusto Ximeno de Villeroy, Maurício de Lacerda e José Eduardo Macedo Soares. A ilha tinha vista para a cidade do Rio de Janeiro, mas era isolada e estéril, com vegetação rala e terreno rochoso. Inexistia atendimento médico, o alojamento consistia em barracões de madeira com teto de zinco e a água para beber era o que se podia recolher dos telhados e poças. O contato com o mundo exterior era exclusivamente por cartas censuradas e artigos entregues três vezes por semana por um rebocador. Macedo Soares foi resgatado por um grupo de pescadores e deixado em Copacabana; pouco depois, pediu asilo na embaixada da Argentina. Para evitar novas fugas, sentinelas ficaram de guarda nos pontos mais altos da ilha e embarcações de pescadores passaram a ser advertidas com tiros quando se aproximavam demais.[158][159]

A infraestrutura era melhor na Ilha das Flores, onde havia uma Hospedaria de Imigrantes administrada pelo Ministério da Agricultura. Presos militares ficavam num pavilhão com quartos separados, enquanto civis ficavam no porão de bagagens.[160][159] Alguns prisioneiros foram transferidos para a Ilha do Bom Jesus por uma questão de jurisdição: a Ilha das Flores ficava no antigo estado do Rio de Janeiro, enquanto a Ilha do Bom Jesus pertencia ao Distrito Federal, e portanto, não era considerada destino de desterro. O local ficava a cem metros da Ilha de Sapucaia, onde havia um depósito de lixo. Um dos prisioneiros foi Maurício de Lacerda, que em carta ao deputado Azevedo Lima, denunciou alojamentos insalubres, má alimentação, ausência de atendimento médico e ameaças de morte.[161]

A Ilha Grande, a 150 quilômetros do Rio de Janeiro e 400 quilômetros de São Paulo, tinha dois estabelecimentos prisionais, o Lazareto, antigo centro de quarentena de imigrantes convertido em prisão política, e a Colônia Correcional de Dois Rios (CCDR), que recebia contraventores. O presídio do Lazareto foi designado como prisão militar privativa em 15 de janeiro de 1925, recebendo então muitos presos militares, enquanto a população carcerária da CCDR estava em declínio.[162][163]

A Ilha da Trindade, a 1 167 quilômetros do litoral do Espírito Santo e 2 400 quilômetros da África, recebeu sua primeira leva de presos, civis e militares, em dezembro de 1924. Trindade recebeu uma centena de presos militares e tinha trinta praças e alguns oficiais como guardas em junho de 1926. Ela foi escolhida como local de desterro por seu difícil acesso e inexistência de infraestrutura: ela era desabitada e os prisioneiros foram alojados em barracões de lona. Ela tinha apenas uma praia de desembarque seguro, por onde chegava a tropa de revezamento, provisões, médicos e notícias. Estas visitas de navio não traziam carne e os prisioneiros recorreram à caça e a pesca. Quando o penúltimo navio trouxe novilhos vivos, alguns prisioneiros já tinham avitaminose. Outros padeceram de beribéri e polineurite. Esta última teve cinco casos fatais, conforme um telegrama enviado à Ilha das Cobras em 21 de junho de 1926. Apesar das mortes, os prisioneiros tiveram tempo para ler, caminhar e batizar a geografia local com nomes revolucionários.[164][165][166]

Clevelândia[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Colônia penal de Clevelândia

Bernardes ganhou de seus detratores o apelido de "Presidente Clevelândia". Até sua morte ele seria associado à colônia penal organizada no atual distrito de Clevelândia do Norte, Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa.[167] O "Núcleo Agrícola Cleveland" havia sido inaugurado nas margens do rio Oiapoque em 1922. Sua população inicial de 200 funcionários e comerciantes e colonos, atraídos pela propaganda de uma terra fértil, salubre e civilizada, já estava em declínio em 1924, quando o primeiro paquete de prisioneiros chegou à foz do Oiapoque em 26 de dezembro.[168] As estimativas do número de prisioneiros variam de 946, no relatório oficial, até 1 630.[111] Eles eram tenentistas, sindicalistas, anarquistas, criminosos comuns e indigentes, capturados no Amazonas, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.[169][111] A segurança era responsabilidade do 26.° Batalhão de Caçadores.[170][171]

Segundo Bernardes, a ideia era do ministro da Agricultura Miguel Calmon ou do engenheiro-chefe Gentil Norberto.[172] A censura escondeu o assunto da imprensa até o final do estado de sítio,[173] após o qual a "verdade sobre Clevelândia" foi grande polêmica.[174] Governistas descreviam o local como uma "comuníssima colônia agrícola" e "pacíficas plantações de mandioca",[175] e oposicionistas, como o "inferno verde", "Sibéria brasileira" e outros apelidos com a conotação de degredo e vazio demográfico.[176]

A bibliografia especializada demonstra uma elevada mortalidade dos prisioneiros.[177] O relatório "Viagem ao Núcleo Colonial Cleveland", apresentado ao Ministério da Agricultura, quantifica 262 evasões e 491 óbitos de um total de 946 presos.[178][179] O local era quente e úmido e doenças como o impaludismo e as disenterias proliferaram-se sem que houvesse atendimento médico suficiente.[180] O historiador Carlo Romani caracteriza Clevelândia como um espaço de trabalho forçado dos prisioneiros[181] Outro historiador, Paulo Sérgio Pinheiro, também usou o termo, enquanto Alexandre Samis usou apenas "colônia penal".[182]

Distensão no governo Washington Luís[editar | editar código-fonte]

Fim da censura em 1927[183][184] Relaxada a censura, a imprensa manifestou alguma simpatia a decisões liberais do novo presidente, mas principalmente a ironia e as acusações contra o governo.[185]

O novo chefe de polícia, Coriolano de Góes, libertou 356 detidos sem processo na Colônia de Dois Rios e outros 161 da prisão militar da Ilha das Cobras. Havia uma expectativa geral de melhora na atmosfera carregada[186]

Quando Washington Luís assumiu, o estado de sítio ainda estava em vigor até o final do ano. Com base nos movimentos da Coluna Prestes em Mato Grosso e numa revolta em curso no sul do país (a Coluna Relâmpago), o novo presidente prorrogou o sítio até 28 de fevereiro de 1927. Os últimos revoltosos em atividade no país rumaram ao exílio.[186]

batalha na imprensa sobre o que aconteceu em Clevelândia,[174] tornando-se um dos principais temas políticos[187] Os jornais estampavam enunciados como "os horrores de Clevelândia", "o extermínio de presidiários", "os crimes do governo Bernardes", "o desterro da peste e da morte" e "a hecatombe de Clevelândia"[188]

Em 1928 Washington Luís anunciou que "não há, não pode haver revoluções ou revoltas no país. Não existem para isso nem ambiente nem elementos, todos estão dentro de seus deveres. Podemos considerar encerrado o período de motins e rebeldias". Entretanto, no final do mandato ele foi deposto pela Revolução de 1930.[189]

Notas

  1. "A Casa de Detenção correspondia - até o ano de 2003, quando inicia-se a demolição do complexo Frei Caneca, ao Presídio Milton Dias Moreira. Ele foi extinto em 2006 e era mais conhecido como Presídio Político (ou popularmente como P.P.), por abrigar presos incursos na Lei de Segurança Nacional durante o período dos governos militares no Brasil. Estava situado ao lado do Instituto Félix Pacheco, no Estácio, na cidade do Rio de Janeiro. A antiga Casa de Detenção foi construída dentro da Casa de Correção. Esta última chamava-se, recentemente de Penitenciária Lemos de Brito. O complexo penitenciário Frei Caneca possuía uma parte em funcionamento até esse ano, tendo, seu último prédio, sido demolido em julho de 2010" (Aragão 2011, p. 182).

Referências[editar | editar código-fonte]

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Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Categoria:Artur Bernardes]] Categoria:Tenentismo]]