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Ordem da Santíssima Trindade: diferenças entre revisões

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A Ordem, recentemente, sentiu-se interpelada diretamente por alguns discursos de [[Paulo VI]] e de [[João Paulo II]] que confirmam a atualidade do projeto trinitário de libertação e denunciam, ainda hoje, a realidade do sofrimento físico sofrido pelo nome de Cristo<ref>Trata-se de redentores entendidos como libertadores de acordo com o carisma da instituição e do programa operativo de João de Matha colocados sobre a experiência e sobre a mensagem de Cristo que é redentor, libertador e salvador, segundo as explicações bíblicas evidentes.</ref>.
A Ordem, recentemente, sentiu-se interpelada diretamente por alguns discursos de [[Paulo VI]] e de [[João Paulo II]] que confirmam a atualidade do projeto trinitário de libertação e denunciam, ainda hoje, a realidade do sofrimento físico sofrido pelo nome de Cristo<ref>Trata-se de redentores entendidos como libertadores de acordo com o carisma da instituição e do programa operativo de João de Matha colocados sobre a experiência e sobre a mensagem de Cristo que é redentor, libertador e salvador, segundo as explicações bíblicas evidentes.</ref>.


==Notas e referências==
***Este artigo está sendo completamente reformulado, em breve todo artigo bem como as devidas referencias estarão disponíveis***


=== A espiritualidade: Trindade e redenção ===
=== A espiritualidade: Trindade e redenção ===
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A Ordem, enquanto aprofundou, em dois congressos especiais, as duas dimensões sobreditas da sua espiritualidade: em [[1979]] sobre a Trindade, e em [[1982]] sobre o apostolado redentor-misericordioso, confiou o encargo estável da pesquisa ao Instituto histórico e ao de espiritualidade. Esta atenção se exprime também através do Centro de estudos trinitários de Salamanca que publica, entre outros, a revista '''Estudios Trinitarios'''.
A Ordem, enquanto aprofundou, em dois congressos especiais, as duas dimensões sobreditas da sua espiritualidade: em [[1979]] sobre a Trindade, e em [[1982]] sobre o apostolado redentor-misericordioso, confiou o encargo estável da pesquisa ao Instituto histórico e ao de espiritualidade. Esta atenção se exprime também através do Centro de estudos trinitários de Salamanca que publica, entre outros, a revista '''Estudios Trinitarios'''.

=== Prática devocional e penitencial ===
Este aspecto da espiritualidade da Ordem é menos original por razões evidentes. Ele depende largamente do ''Liber Ordinis'' dos Canônicos regulares de S. Vítor de Paris. O liame íntimo desta congregação e dos seus abades com as origens da Ordem, na redação da regra e na atualização de 1267, são fatos relevantes. As influências principais, citações explícitas do ''Liber Ordinis'' na regra, são aquelas sobre a celebração das horas e sobre a tonsura dos frades. Os capítulos LI V- LXI do ''Liber Ordinis'' devem ser reconhecidos como normas assumidas integralmente pela Ordem. Deles deriva o encaminhamento litúrgico, mas estas disposições se tornaram mais simples pela regra, em relação com a atividade da Ordem e com o reduzido número d os religiosos. A regra trinitária estabelece que se podem abandonar as “''pausationes''” (pausas) e “''prolixitates''” (prolixidades) da Ordem litúrgica de S. Vítor. A distribuição do tempo no cotidiano da espiritualidade da Ordem depende da atenção radical e privilegiada para com o “''captivus''” (cativo) e o “''pauper''” (pobre). São evidentes, ainda que devam ser aprofundados, os influxos do ''Liber Ordinis'' sobre outros aspectos da vida interna, como o silêncio e o alimento dos religiosos.

O complexo das normas que regulam as cerimônias, os ofícios e o cotidiano da Ordem é mais organizado a partir do séc. XV com o livro Defuncto ministro, que depende também ele quase totalmente do Liber Ordinis. Com o advento da recolhida, e depois do descalçamento, nota-se a maior importância dada ao tempo da oração, às práticas penitenciais e àquela atitude espiritual e prática de redução dos contatos com o mundo exterior. Uma contribuição do descalçamento à espiritualidade própria é sem dúvida a aquisição do quarto voto de não ambicionar os cargos.

=== As devoções ===
==Notas e referências==
***Este artigo está sendo completamente reformulado, em breve todo artigo bem como as devidas referencias estarão disponíveis***

==Ligações externas==


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Revisão das 01h54min de 11 de julho de 2013

Ordem da Santíssima Trindade e dos Cativos
(CRUZ TRINITÁRIA)
Ordem da Santíssima Trindade
Lema "Gloria tibi Trinitas et captivis libertas"
Tipo Ordem Religiosa de Direito Pontifício
Fundação 1193
Fundador(a) São João de Matha e São Felix de Valois
Sítio oficial www.trinitarios.com.br
São João de Matha, Fundador da Ordem da Santíssima Trindade
Ordem da Santíssima Trindade
João de Matha recebe a aprovação da Ordem por Inocêncio III
Portal dos Santos

A Ordem dos Tinitários, em LatimOrdo Sanctae Trinitatis et captivorum“ foi também dita, para explicitação do título, “Ordo Sanctae Trinitatis et redemptionis captivorum” (Ordem da Santa Trindade e da redenção dos cativos) e “Ordo Sanctae Trinitatis de/pro redemptione captivorum” (Ordem da Santa Trindade da/pela redenção dos cativos).

Deste título, com maior ou menor destaque dado à Trindade ou à obra da redenção, os religiosos da Ordem foram chamados Frades da Trindade (em francês Frères de la Trinité, em espanhol Frailes de la Trinidad, em italiano Frati della Trinità, em inglês Trinity Friars), ou Frades Redentores. Na França, são conhecidos com o nome de “Mathurins”, pela sua fundação em Paris, e como “Frères aux ânes” (fratres asinorum) (frades dos asnos) no séc. XIII, com referência à cavalgadura pobre, estabelecida pela regra para as viagens. O título atual oficial é: “Ordo Sanctissimae Trinitatis” (Ordem da Santíssima Trindade). A regra da Ordem é uma regra própria e foi aprovada por Inocêncio III aos 17.12.1198. A sigla da Ordem é OSST.

AS ORIGENS

Esclarecidas, enfim, as reservas dos Bulandistas (v. bibl.) e de Paul Deslandres (v. bibl.), os quais, criticando as falsificações e amplificações introduzidas na história das origens da Ordem por parte dos escritores trinitários dos séc. XVII - XVIII, chegaram a pôr em dúvida até mesmo documentos de autenticidade segura, as origens da Ordem trinitária podem ser assim sintetizadas.

A visão de 1193

Roma, São Tomé in Formis: Jesus segura pelas mãos dois cativos acorrentados, um branco e outro negro. O mosaico, colocado sobre o portal do hospital, é obra dos marmoreiros romanos da família dos Cosmati e remonta aos primeiríssimos anos da fundação dos Trinitários.

Uma visão – segundo uma narração anônima do séc. XIII (“vidit maiestatem Dei”) (viu a majestade de Deus) e o texto de uma adição pouco posterior ao “Liber de adventu fratrum Minorum in Angliam” do franciscano Tomás de Eccleston (“apparente sibi Christo Jehsu”) (aparecendo-lhe Jesus Cristo) – durante a primeira missa de São João de Matha aos 28.1.1193/4, está na raiz da fundação da Ordem.

Este fato terá o conforto da adesão de Inocêncio III e de outros sucessores seus, e permanecerá a constante histórica e de tradição da Ordem, que motivará as representações iconográficas, entre as quais – de importância excepcional – o mosaico contemporâneo colocado na fachada externa sobre a porta principal da fundação de ''São Tomé in Formis'' em Roma (por volta de 1210).

A experiência de Cerfroid

Depois desta iluminação, o fundador se retirou para Cerfroid, uma localidade da região de Valois, aproximadamente a 80 kms ao nordeste de Paris e então diocese de Meaux, levando ali vida solitária com alguns eremitas já presentes no lugar, o mais importante dos quais foi São Félix de Valois.

Não se sabe por quanto tempo João de Matha permaneceu em Cerfroid, mas fixando a data do propósito em coincidência com a sua primeira missa, pode-se opinar que a sua permanência neste bosque se prolongou por 4 ou 5 anos. Os elementos essenciais desta experiência podem ser assim resumidos: João de Matha, magister da universidade de Paris, manteve-se em relação com a Igreja de Paris, fazendo conhecer a sua comunidade, já constituída como “domus”; em Cerfroid se delineia e se robustece uma observância de vida regular; a comunidade inicia novas fundações em Bourg-la-Reine (diocese de Paris) e em Planels (diocese de Meaux).

O complexo destas datas fez com que vários Chronicon ou Annales do séc. XIII tenham oferecido variedade de datas em torno ao “incepit” (o começo) da Ordem. Entre todos citamos os Annales Novesienses, que datam a origem da Ordem em torno de 1195, sublinhando a finalidade de aproximação desarmada e humanitária com o mundo dos Sarracenos.

A aprovação pontifícia

A carta do papa Inocêncio III de 16.5.1198, sete meses antes da aprovação da regra, fala da existência de um estilo de vida já praticado nas casas presentes naquela data: o Papa fala, de fato, de “ordo”. Segundo as fontes até agora conhecidas, 1198 é o ano dos primeiros contatos diretos de João de Matha com a Santa Sé. Sabemos de suas duas viagens a Roma durante este ano, testemunhadas pela fonte narrativa do Anônimo e das duas cartas de Inocêncio III, de maio e de dezembro de 1198.

Com a proteção apostólica concedida por Inocêncio III às casas da Ordem existentes em maio de 1198 e com a aprovação da regra aos 17.12.1198, a Ordem torna-se de direito público.

A REGRA TRINITÁRIA

Efígie de Inocêncio III, no Congresso dos Estados Unidos, referido como um dos grandes legisladores da história e do mundo.

Ela atesta-se como ponto de referência no balanceamento das novas exigências dos movimentos religiosos do fim de 1100 e dos inícios de 1200 e como alternativa não traumática à dependência estreita das regras monásticas e canonicais, com seu lugar próprio na história e evolução da vida religiosa e do direito dos religiosos.

A redação da regra

Um trâmite redacional é conhecido pelas palavras do próprio Inocêncio III, contidas na bula de 17.12.1198 com a qual a aprova. Pela arenga sabemos da conveniência de aderir à exigência do fundador “praesertim quod queritur Jesu Christi est”. A parte de promulgação e da narração da bula exprime de modo circunstanciado e qualificado o tempo da redação da regra.

João de Matha foi pessoalmente falar com o Papa, apenas eleito, nos primeiros meses de 1198, antes de maio: temos, de fato, uma carta de 16 de maio do mesmo ano, endereçada “Fratri Johanni et aliis fratribus domus sancte Trinitatis Cervifrigidi”, com a qual o Papa estende a proteção apostólica a algumas casas. Inocêncio III quer se informar mais amplamente sobre este novo projeto de vida religiosa e por esta razão reenvia o fundador a Odo de Sully, bispo de Paris (1196-1208), e a Bernardo (+ 26 -7.5.1198), abade de S. Vítor de Paris (substituído depois por Absalão, 1198-1203), para conhecer melhor aquilo que desejava o fundador, a fim de que “assensum nostrum tibi possemus securius et efficacius impertiri”.

O verão e o outono de 1198 representam o tempo no qual o bispo de Paris e o abade Vitorino prepararam as informações para o Papa. Em torno da sucessiva viagem do fundador a Roma deve-se notar o envio das informações e do texto da regra por parte de Odo e de Absalão, e também a intervenção direta de Inocêncio III na redação da regra: “cum hiis, que de dispositione nostra et petitione tua, fili minister, duximus adiugenda”. Não conhecemos, porém, que coisa tenha exigido o fundador e que coisa tenha disposto Inocêncio III em mérito à “adiugenda”.

O texto da regra

Este leva em conta a inspiração fundamental de João de Matha e ressente um pouco do influxo do mundo canonical dos Vitorinos de Paris, expressamente citados pelo que diz respeito aos costumes e liturgia.

Até agora não se encontrou o texto original da regra, dado aos destinatários “Johanni ministro et fratribus sancte Trinitatis“ e presumivelmente enviado a Odo de Sully, bispo de Paris e a Absalão, abade de S. Vítor. O texto nos chegou pela cópia do registro das cartas do primeiro ano de pontificado de Inocêncio III (Reg. Vat. 4. F. 126v - 8r, an. I, n°. 481). Em seguida, especialmente desde a segunda metade do séc. XVI até os nossos dias, produziram-se dois tipos de subdivisão do texto: uma, segundo capítulos, outra, segundo números. Entre todas as edições é útil recordar aquela de 1570, e a edição de Stellartius (v. bibl.), retomada depois por Holstenius.

A repartição do texto foi produzida livremente. Aqui propomos uma divisão por capítulos que leva em conta as novas aquisições historiográficas, também em vista de uma edição sinóptica em paralelo com outras regras. Têm-se 12 capítulos: I. Dos três votos e do nome do prelado – II. Da divisão dos bens “et de redemptione captivorum” (e da redenção dos cativos) – III. Do título de todas as igrejas e da organização de vida comunitária: número dos religiosos, hábito, alimento, habitação, igualdade, enfermos. – IV. Da hospitalidade – V. Do trabalho – VI. Do silêncio e diálogo – VII. Do capítulo semanal e da correção fraterna – VIII. Do capítulo geral e dos negócios particulares das casas – IX. Do ministro maior e menor – X. Da admissão na Ordem – XI. De algumas prescrições – XII. Da oração comum, das horas canônicas e da tonsura.

As linhas essenciais da regra

Um capítulo da Ordem trinitária. Miniatura da Regula Fratrum Sanctae Trinitatis et Redemptionis Captivorum, de 1429. (Paris, Bibl. Mazarine, manuscrito 1765)

Foram evidenciadas em três grandes temáticas: uma devoção particular à Trindade; um estilo de vida religiosa mais evangélico; o empenho social pela “redemptio captivorum” (redenção dos cativos) e pelas obras de misericórdia. Estas três chaves de leitura podem ser precisadas, examinando as normas que regulam a atividade e a vida da Ordem “infra ambitum domus” (no âmbito interno da casa) e “extra ambitum domus” (no âmbito externo da casa).


a) A atenção à Trindade é expressa de modo visível, longe da especulação filosófica ou teológica: que os frades se chamem frades da Casa da Santa Trindade, que todas as igrejas sejam intituladas à Trindade, que o ministro se nomeie ministro da Casa da Santa Trindade, etc. Omitindo outras referências, bastará recordar que o hábito religioso da Ordem: lã branca (o branco não era novo como hábito religioso) com a cruz vermelha e azul (escura e/ou lívida) exprime de modo único a iconografia do mistério trinitário com a referência às três Pessoas divinas.


b) O comportamento religioso, organizado dentro e fora da casa, deve ser lido através da exigência de maior evangelização, frente aos fermentos religiosos do tempo, unido à funcionalidade da obra redentora. O primeiro capítulo da regra exprime com sobriedade a exigência radical da vida religiosa e a propensa atitude ao serviço: “Fratres domus Sanctae Trinitatis sub obedientia prelati domus suae, qui minister vocabitur, in castidade et sine próprio vivant” (Os Frades da casa da Santa Trindade vivam sob a obediência do prelado de sua casa, que se chamará Ministro, em castidade e sem nada de próprio). É interessante notar (é a primeira vez, de fato, que isto acontece numa regra) que os três votos são bem definidos, colocados todos os três juntos imediatamente no início da regra. Semelhante formulação se releva distante da sistematização das Ordens militares, as quais faziam referência à castidade também para o estado matrimonial de alguns de seus membros. O voto de castidade aqui deve ser entendido como voto de celibato. Numerosos outros artigos da regra impõem simplicidade e pobreza de vida: a pobreza se caracteriza com a obrigação de investir a terceira parte dos bens no empenho da redenção e uma outra parte no empenho da hospitalidade; é permitido, para as viagens, utilizar somente os asnos como cavalgadura (disposição de apelo evangélico claro, evidenciada também pelo cardeal Jacques de Vitry na sua Historia occidentalis e pela Chronica do séc. XIII de Emone e de Alberico das Três Fontes); as vestes serão pobres; é vetado o uso do linho e os frades se contentarão de ter uma só túnica; o regime alimentar dos religiosos é o dos pobres. Há ainda as exigências ligadas à caritas inter fratres (à caridade entre os frades), como a igualdade entre os clérigos e os leigos a respeito da alimentação, vestes, dormitório e refeitório; ou como a norma da correção fraterna inspirada no Evangelho. Os jejuns e as abstinências de carne são numerosos. É vedado comprar carne, peixe e vinho, salvo para os doentes e os pobres, como também por ocasião de grandes solenidades.

Os frades farão a “communis oratio” todas as noites, “ad minus in hospitali coram pauperibus”.

Em aplicação do conteúdo evangélico do conceito de superior/servo, no capítulo os frades prestarão conta ao ministro e o ministro aos frades.

O capítulo geral era realizado cada ano (à semelhança dos Cistercienses e dos Vitorinos) na oitava de Pentecostes, na qual toda a Ordem celebrava a festa da Santíssima Trindade; o ministro geral, figura bem distinta dos abades e dos priores do tempo, era vitalício e tinha jurisdição sobre todas as casas da Ordem. Para a vida litúrgica, a regra remete explicitamente à Ordem dos Vitorinos. A admissão dos aspirantes, o postulantado, a vestição do hábito religioso, o noviciado e a profissão, o tipo de tonsura a ser usada pelos frades refletem o direito comum dos religiosos de então, particularmente o dos Vitorinos.

Também as duas atividades desenvolvidas no interior da casa, isto é, a cura hospitum et pauperum (o cuidado com os hóspedes e com os pobres) e o ministério sacerdotal, se relacionam sem originalidade particular aos delineamentos precedentes de vida religiosa.


c) O empenho social pela redenção e pela hospitalidade está estritamente ligado à pobreza, caracterizada – como se disse – pela obrigação de investir uma terceira parte dos bens no empenho da redenção[1]. Para as outras obras de misericórdia, assim como para o sustento moderado dos frades serão reservados os outros dois terços dos bens. O tipo de obras é especificado como “cura hospitum et pauperum et omnium euntium et redeuntium”. Quanto profundamente importava ao fundador a questão da tripartição dos bens, resulta do c. II da regra, que mandava recusar as ofertas dos benfeitores não dispostos a conceder a terceira parte para o resgate (cláusula que depois será supressa, quando se notará que ela se tornava danosa para a própria obra de redenção).

A atualização de 1267

São Félix de Valois, co-Fundador da Ordem da Santíssima Trindade
Ordem da Santíssima Trindade
Nascimento ca. 16 de abril de 1127
Amiens, Valois, França
Morte 04 de novembro de 1212 (85 anos)
Cefroid, França
Festa litúrgica 04 de novembro
Portal dos Santos

Como sabemos pela “rubrica” o texto da regra já fora retocado por Inocêncio III no seu último ano de pontificado e depois por Honório III; mas ele recebeu as mais interessantes modificações com uma releitura confiada por Urbano IV em dezembro de 1262 a Reginaldo, bispo de Paris, a Roberto, abade de S. Vítor de Paris, e a Teobaldo, abade de Santa Genoveva, que será aprovada pelo seu sucessor Clemente IV em 1267 e será conhecida como regra modificada ou mitigada[2]. As adições mais consideráveis dizem respeito às normas que estabelecem a tripartição dos bens, à separação da terceira parte em favor da obra redentora e às interpretações sobre a vontade do doador, já evidenciadas no tempo de Honório III. A atualização consiste nos seguintes pontos: "far-se-á sempre presente ao doador a obrigação da separação da terceira parte sobre todos os bens, mas se respeitará a sua vontade".

Sobre as doações já possuídas se procurará conhecer a vontade dos doadores; mas sobre as rendas se aplicará a terceira parte. Os frutos da terra poderão ser utilizados para o sustento ordinário, mas em caso de venda ou de conversão do produto “de fructu arborum potus”, se aplicará a terceira parte. Com as ofertas recolhidas na igreja e com aquilo que se recebe para a igreja, se providenciará o seu sustento; o restante será dividido. No caso em que os bens dos quais provêm rendas fossem destruídos “calamitate aliqua vel casu”, se poderá inferir dos bens para a restauração, com a permissão do ministro maior ou seu vigário ou do visitador da província.

Na regra de 1267 encontramos a menção explícita das cores da cruz do hábito (já evidente no mosaico de 1210), das províncias, e algumas normas que regulam a atividade itinerante. O contato dos religiosos com o dinheiro e relativa economia são outros pontos representativos de atualização ou modificação, assim como a decisão de mudar a celebração do capítulo geral da festa da Trindade para o IV Domingo depois da Páscoa.

O texto da regra de 1267 (que se encontra rubricado e subdividido com títulos de parágrafo já no tempo do ministro geral Gaguin na segunda metade do séc. XV) dirigirá a vida da Ordem até a primeira metade do séc. XVII, quando, recolhendo as solicitações do tempo das reformas e do concílio de Trento, a Ordem terá vários textos de regra conforme os influxos das várias reformas.

Regra trinitária e regra franciscana

Alguns paralelos indiretos (não existe ainda um trabalho que proponha de modo sistemático paralelos diretos com outras regras que precederam ou seguiram imediatamente a regra trinitária), ajudam compreender melhor o texto da regra no seu conjunto. Na regra não estão presentes intenções de estudo ou especulativas, nem atenção para a pregação ou o cuidado das almas em nível de igreja matriz. O texto, além disso, exclui positivamente os elementos típicos de índole militar como o serviço armado, a preponderância de leigos na Ordem, a possibilidade de “religiosos” que vivam a castidade matrimonial.

A regra se atesta como precedente histórico e, em certo sentido, antecipação a respeito da sistematização operada pelas Ordens mendicantes. Um confronto com a regra franciscana (a de 1223 é posterior de 25 anos) permite notar as semelhanças e os valores entrados também no âmbito franciscano: a tríade dos votos, o nome de frades, o nome de ministro para designar o prelado da Ordem; a obediência a prestar ao ministro; o capítulo geral e a data da celebração. Além disso, se poderá relevar a importância dada por São Francisco à devoção à Santíssima Trindade. Entre as diferenças, nas semelhanças, se poderá notar a ordem dos votos. Regra trinitária: “sub obedientia prelati domus sue... in castitate et sine proprio...”; regra reconhecida dos Menores: “vivendo in obedientia, sine proprio et in castitate”. Para a regra trinitária cada prelado, mesmo aquele da casa particular, se diz “minister” (ministro), enquanto, em dependência da regra dos Menores, os outros ministros se chamarão também “custódios” e “guardiões”.

As constituições

Como práxis geral tomada junto aos monges e aos canônicos regulares, também a Ordem trinitária teve, ao lado da regra, as constituições para o ordenamento da vida cotidiana. As mais antigas que se conhecem são posteriores a 1230. Elas foram regularmente atualizadas nos vários séculos e permaneceram válidas para toda a Ordem até 1429, quando começaram a se redigir constituições provinciais. As constituições de 1429 estão ainda em vigor em 1586, reimpressas imediatamente depois do texto da regra de 1276.

A ATIVIDADE FUNDAMENTAL: A LIBERTAÇÃO DOS CATIVOS

A “captivitas

A obra de redenção libertadora dos Trinitários. Pintura a óleo do séc. XVII

A Ordem trinitária nasce para a libertação dos prisioneiros (cativos) cristãos que sofrem por motivo de Cristo. Este nascimento e organização subseqüente são precedidos por uma sensibilidade já presentes na Igreja (entre outros, a abadia de Silos e a Ordem militar de Santiago já se ocupavam do resgate), mas que ainda não tinha alcançado uma sistematização em nível de cristandade. A obra redentora, porém, está totalmente fora do problema da emancipação da escravidão, naquele momento aceita também pela Igreja.

A captivitas e as leis jurídicas que tratam dela são conceitos claros na cristandade no momento do nascimento da Ordem e fincam suas raízes no conceito de captivitas ab hostibus. O captivus é aquele que foi subtraído com violência do complexo dos valores que pertencem a ele e ao seu grupo ou sociedade, e que ainda não se tornou servus, servilizado. Os valores ou realidades que pertencem ao captivus são particularmente: religião, cultura e cidadania.

A Ordem trinitária nasceu particularmente para a redenção captivorum, qui sunt incarcerati pro fide Christi (dos cativos que foram encarcerados por causa de Cristo), que se traíssem, isto é, aceitassem outra religião, cultura e cidadania, estariam fora do cárcere, ou como libertos ou como servos.

Viu-se na Igreja uma preocupação pelos cristãos que caíram nas mãos do inimigo, com os perigos evidentes para a fé. A primeira solução da cristandade frente ao problema dos cristãos prisioneiros (que incomodava, no campo adversário, o próprio Islã para os muçulmanos caídos prisioneiros dos cristãos) é assumida pela Ordem trinitária. Como dizer, a primeira solução ao problema posto pelo confronto aproximado das duas religiões é reconduzir (enquanto possível) cada fiel ao âmbito da própria religião, para não privá-lo das possibilidades de salvação eterna que ela traz, “redimindo-o”, isto é, pagando um resgate em moeda por ele ou trocando-o com cativos do adversário ou parte contrária. Paradoxalmente, a obra de redenção provocou um número maior de cativos. A certeza do resgate incentivou a avidez de ganho e a atividade hostil muçulmana para procurar cativos cristãos.

A Ordem desenvolveu atividade redentora até os inícios do séc. XX; depois, mudadas as condições sociais e vários outros fatores levaram a se interrogar sobre como realizar o fim fixado pelo fundador (v. infra).

A organização prática da obra redentora

Caixinha para o resgate. Obra policroma do séc. XVII, (Studio Cardon – Dunkerque)

Esta se funda e se desenvolve em dependência de algumas passagens da regra. As mais significativas são duas: aquela relativa à repartição dos bens: a terceira parte para a redenção dos cativos, e aquela relativa às disposições que regulam os religiosos itinerantes “in via profecti ad redimendum captivos”. Esta prática da tertia pars, originalíssima e única na história das instituições religiosas, tem caráter vinculante para toda a Ordem. Segundo as disposições da regra, com as outras duas partes os religiosos deverão prover ao próprio sustento e às obras de misericórdia no âmbito doméstico da hospitalidade. Com tais disposições é claro que a economia da casa fundava-se sobre a impossibilidade constitucional de poder enriquecer e a pobreza – com a imprescindível manipulação dos bens – era para um contínuo investimento na caridade.

Já na primeira metade do séc. XIII os Trinitários são isentados de pagar o dízimo in subsidium terre sancte. É evidente o reconhecimento, por parte da Sé apostólica, do empenho da Ordem na tripartição dos bens.

As casas da Ordem são concebidas naturalmente como casas funcionais para as obras: redentora e de misericórdia. O investimento das pessoas tem um duplo grau: alguns religiosos estão indiretamente próximos da atividade redentora, também por motivo de geografia das instalações da Ordem; outros estão diretamente. Para os religiosos diretamente envolvidos queremos recordar o papel de redentor (a tarefa mais importante, normalmente confiada aos ministros), mendicante, pregador e/ou promulgador de indulgências ou de bandos de redenção, procurador.

O pessoal de colaboração na obra da Ordem podia ser particular e corporativo: neste último caso temos a presença da confraria (v. infra). Os privados, ao invés, podiam ser clérigos ou leigos, homens ou mulheres. Geralmente esta ajuda temporária se estabelecia através de um contrato de procuração, com limitações de tempo e de espaço e se explicava nos termos de promulgação das indulgências, voltadas para obter o resgate, e da mendicância para recolher as esmolas destinadas ao mesmo fim.

Um aceno deve ser feito à figura do “procurator” (procurador), isto é, daquele que, mediante remuneração e permissão da Ordem (o qual podia ultrapassar os limites diocesanos por causa dos privilégios concedidos pelos papas), promulgava as isenções, os privilégios e as indulgências por eles concedidas para a obra de redenção realizada pela Ordem. Recentes descobertas no âmbito do registro das economias paroquiais permitem ver a passagem dos Trinitários itinerantes por motivo do resgate.

A confraria trinitária

A sua história coincide com a história da atividade libertadora praticada pela Ordem. De qualquer modo, por claro influxo local, houve particular fisionomia hospitaleira. Ela é uma associação, análoga às outras “fraternitates” (fraternidades) presentes junto aos mosteiros e às Ordens, nas quais eram reunidas pessoas que, de fora da instituição religiosa propriamente dita, condividiam os objetivos e prestavam a sua contribuição para realizá-los. Na documentação trinitária, utilizam-se os seguintes termos: “confratria, fraternitas, college, cohoperatores, confratres, consorores, confratrices”. Como para outras Ordens, também a confraria trinitária evoluiu no curso dos séculos, mas os seus lineamentos essenciais, e de certo modo próprios, são os seguintes: o seu ordenamento comum é regulado por disposições gerais emanadas pelos pontífices; os seus membros gozam dos mesmos privilégios (por vezes também no campo civil) dos religiosos da Ordem; ela nasce com a intenção de colaborar diretamente no empenho de libertação; goza, mesmo que limitadamente, da liberdade e imunidade da Ordem, por motivo da mesma obra.

A menção mais antiga de “confratria” (confraria – irmandade) chegou-nos através do privilégio solene de Inocêncio III de 21.6.1209.

A obra redentora pressupunha necessariamente ingentes somas de dinheiro e, além da auto taxação da Ordem na medida da terceira parte de todas as entradas, necessitava de outras fontes de ganho: daqui a presença necessária de homens e mulheres, leigos mas também clérigos, na confraria para a redenção.

Para poder fazer parte da confraria e gozar dos privilégios espirituais, era preciso versar para a Ordem uma taxa anual, cujo valor era fixado pelo ministro (às vezes, porém, pelo próprio Papa). Sendo os confrades e as co-irmãs estritamente associados à sobredita obra, houve, às vezes, também divergências com os membros da Ordem acerca da utilização do dinheiro.

Constituídos junto de cada casa trinitária, mas presentes também em muitas outras paróquias (isto é, até onde podiam chegar os pregadores da Ordem e segundo os caminhos dos redentores e dos redimidos) os sodalícios da confraria difundiram-se, sobretudo, a partir de 1500 em diante, contando-se muitas centenas deles. Com a estruturação das províncias e com o nascimento das reformas no seio da Ordem, houve divergências sobre quem poderia erigir as confrarias, e se estabeleceu o princípio do respeito da territorialidade das casas e das províncias, e que um ramo da Ordem não poderia criar sodalícios onde um outro ramo já tivesse erigido ou agregado, mas deveria enviar ao outro ramo os agregados para a inscrição, de modo a salvar a unidade da instituição. Quando, no fim de 1700, a obra da redenção veio praticamente a cessar, a irmandade lentamente mudou a fisionomia e se transformou em Ordem Terceira (evoluindo depois, em nosso tempo, em laicato trinitário; v. infra).

Os cativos redimidos

Monumento a Frei João Gil (25.11.1535 - † provavelmente em 1604 em Arévalo Espanha. Na descrição da estátua: Religioso y Redentor General de la Orden de la Santísima Trinidad

A obra redentora comportava riscos particulares. Documentação de proveniência estranha à Ordem, através de escritura pública, atesta a abnegação de alguns Trinitários que permaneceram voluntariamente como reféns em troca da libertação de cativos, já no séc. XIV, enquanto no séc. XVI se mencionam Trinitários mártires, mortos porque redentores. Os estudos realizados até agora não permitem indicar, nem mesmo com aproximação, o total dos cativos redimidos nem a soma global das despesas, também por falta de estatísticas. Somente das redenções efetuadas pelo ramo reformado da Ordem (Trinitários descalços) no período 1625-1785 se tem uma estatística quase completa, com 90 expedições redentoras e cerca de 10.000 cativos libertados. Das redenções operadas pelo ramo principal da Ordem (Trinitários calçados), que esteve empenhado desde 1198 até a revolução francesa, falta toda estatística relativa aos quatro primeiros séculos e, para os dois séculos sucessivos, existem dados fragmentários.

Do conjunto se destaca que a maior parte das expedições redentoras reconduziu para a pátria um número de cativos inferior a cem unidades, uma grande parte delas 100-200, várias 200-300, poucas 300-500, raras aquelas que superaram o número de 500 resgatados. A redenção mais copiosa que se conhece é aquela efetuada em Túnis em 1769, conjuntamente pelos espanhóis João da Virgem (dos Trinitários descalços), Alonso Cano (dos Trinitários calçados) e Emanuel de Artalejo (dos Mercedários): ali foram redimidos 1.402 cristãos.

Liberación de Miguel de Cervantes

Deixando de lado as despesas gerais, o preço de cada um dos cativos variou segundo os tempos, a qualidade das pessoas (grau social, idade, capacidade de trabalho, etc.), o número e remessa de cativos tratados, e por vezes também segundo o capricho dos patrões. Algumas cifras indicativas: Miguel Cervantes de Saavedra, o célebre escritor espanhol, foi resgatado por frei João Gil ao preço de 500 escudos de ouro. Em 1765 por 92 cativos foram pagos mais de 200.000 francos. Em 1773, num contrato estipulado pelo frei Inácio da Conceição com o Bey de Argel foram fixados os preços seguintes: por um cativo capitão ou chefe de navio: 12.450 L; para cada operário: 6.400 L; para cada marinheiro simples: 4.500 L, etc; por resgate mediante permuta: dois cativos turcos por um cativo cristão. Em 1785, última expedição importante, pelo resgate de 315 cativos foram pagos 573.094 francos. Ainda em 1824 foi resgatado José Esperson.

Um importante cerimonial para o acolhimento processional do redimido atesta o empenho da confraria dos Penitentes Brancos sob o título da Trinité et Notre Dame d’Aide. Não obstante tudo isso, reconhece-se que no séc. XIX passa-se da redenção dos cativos prisioneiros de guerra em mãos de um inimigo da religião, à atenção para o resgate das “jovens negras” e para hospitais em terra de missão, particularmente no norte da África. Pelos documentos sobre o Maghreb do arquivo histórico da Sagrada Congregação de Propaganda Fide sabemos, de fato, da presença de Trinitários em terras muçulmanas no curso do séc. XIX.

Os hospitais

O ciclo de uma expedição redentora não se fechava ordinariamente com o desembarque em terra cristã dos cativos cristãos redimidos. À parte as quarentenas, era preciso cuidar dos doentes e pensar em alguma sistematização para aqueles que não tinham nem casa nem parentes para recebê-los. Daqui a exigência de ter disponíveis locais suficientes e idôneos para acolhê-los e para organizar a viagem de retorno à família.

Tal exigência esteve na origem dos três primeiros hospitais administrados pela Ordem, os de Marselha, de Arles e de St-Gilles, todos os três situados na foz do Ródano (zona de partida e de chegada para as embarcações que faziam serviço entre a França, Terra Santa e África) e que São João de Matha obtém em 1199, apenas alguns meses depois do desembarque no porto de Marselha dos primeiros 186 cativos resgatados no Marrocos.

O fundador não descuidou da orientação mais ampla das obras de misericórdia a serem praticadas em todas as casas. Segundo as bulas pontifícias, em 1203, três das oito fundações existentes tinham um hospital; em 1209, 12 sobre 21; em 1219, 17 sobre 43. Mas, deve -se supor que todas as casas, também sem hospital, observassem a obrigação da hospitalidade dos necessitados. Além disso, o próprio crescimento da Ordem estava, por vezes, condicionado e facilitado pelas aceitações de hospitais. As fundações importantes de Lérida (1203), de Toledo (1206), de Burgos (1207) reatam-se a hospitais do lugar, dos quais o fundador aceitou a administração.

A domus de Meaux da primeira metade do séc. XIII revela-se singularmente interessante pela continuidade de serviço de religiosas e religiosos trinitários, atestada ainda no séc. XVI.

É interessante notar, já no séc. XIII, a locução “hospitale captivorum” (hospital dos cativos) da Ordem. O hospital trinitário, com a finalidade imediata de socorrer os cativos, teve uma aplicação também no norte da África do séc. XVII em diante.

A gestão e cuidado de hospitais, assumidos antes de tudo em função e dependência direta ou indireta com o fim específico da Ordem, se estenderam, em seguida, a não poucos casos, nos quais a relação com o fim específico não foi assim imediato.

HISTÓRIA DA ORDEM

De 1198 a 1429

Fixemos o termo ad quem deste período em 1429, porque é o ano no qual se redigem as constituições válidas para todas as regiões geográficas da Ordem e porque é o tempo de passagem para a época do Renascimento que abre um período diverso na história da Ordem.

As intervenções pontifícias

Imediatamente depois da aprovação da regra em 1198, Inocêncio III, com a bula de 4.1.1199 e o privilégio solene de 3 de fevereiro do mesmo ano, concedeu à Ordem imunidades e isenções, confirmando a proteção apostólica para as suas fundações. A data de 8.3.1199 se revela importante no contato entre a cristandade e o mundo do Islã, no momento em que Inocêncio III escreveu ao chefe dos Almohadesregi Marrochetano” e apresentou, com presumível interesse e condescendência, a alternativa da cristandade expressa através da Ordem, para tentar tanto um enlace pacífico como uma nova modalidade para resolver o problema da catividade. Esta carta é emblemática no seu desígnio pacífico de uma solução, justamente porque o próprio Inocêncio III aos 28 de abril do mesmo ano convida os religiosos de Calatrava a se armar para resolver o contraste com os Sarracenos.

Honório III, muitas vezes, em 1217 divulgou e recomendou as obras da Ordem. Depois Inocêncio IV, com carta de 9.8.1245, endereçada a todos os fiéis cristãos, divulgou novamente a obra da Ordem. Em seguida, aos 19.1.1256, Alexandre IV escreveu um a carta do mesmo conteúdo endereçada aos fiéis cristãos, ampliando o tempo das indulgências concedidas com carta do seu predecessor Inocêncio IV. O papa Urbano IV, com carta de 15.5.1263, chamou de novo a Ordem à sua primitiva e peculiar finalidade.

Ao lado desta atenção dos pontífices pela obra redentora e de misericórdia, notamos a proteção apostólica estendida pelo papa Gregório IX, aos 30.12.1237, às fundações (e seus bens) realizadas na Terra Santa e, também, a presença estável ou temporária dos Trinitários naquelas regiões. Os bens mencionados – ligados às instalações de Acri, Beirute, Cesaréia e Jafa – eram casas, igrejas, hospitais e outros bens imóveis e rendas anuais. As fundações no Oriente Médio, todavia, já eram mencionadas num documento de 1228, no qual o ministro maior era chamado ministro “totius Ordinis Sancte Trinitatis, citra et ultra mare” (de toda a Ordem da Santa Trindade, aquém e além mar).

A respeito da legislação da Ordem e da documentação pontifícia, os fatos mais salientes são a promulgação das constituições de 1319, a célebre carta de Clemente V de 19.9.1309, em seguida citada e confirmada freqüentemente pelos papas: e as intervenções de João XXII e de Clemente VI.

As cartas dos papas, além de confirmar a isenção e recomendar as obras da Ordem, querem induzir o clero a facilitar a divulgação. Notável é o documento de Clemente V, de 1309, com o qual o Papa assumiu a Ordem, pessoas e bens, “in ius et proprietatem Beati Petri et Apostolice Sedis”. Significativa é a carta de Clemente VI de 1343: os Trinitários tinham-se voltado ao Papa para denunciar o fato que alguns sacerdotes não queriam recebê-los e por vezes os expulsavam das suas igrejas, enquanto outros chegavam a exigir uma parte das ofertas e a impedir o depósito dos legados contidos nos testamentos dos seus paroquianos. O Papa interveio ameaçando de excomunhão tais sacerdotes, se permanecessem obstinados. Na mesma carta, Clemente VI confirmou a indulgência de 3 anos e de 40 dias e concedeu que os confrades e as co-irmãs que davam uma certa quantidade dos seus bens à Ordem pudessem escolher como confessor um sacerdote idôneo.

A expansão da Ordem

Eis como se apresentava em 1540 o convento de Cerfroid (França) segundo uma incisão de 1633.

Na Europa a Ordem se estendeu do norte da França para o sul e, seguindo uma curvatura mediterrânea, se expandiu para a Castilha e para as costas mediterrâneas da Espanha, segundo os espaços oferecidos pela reconquista. A extensão se propagou para as ilhas britânicas. O entusiasmo do tempo do primeiro desenvolvimento e da pureza de aplicação da regra foram reconhecidos e evidenciados particularmente pelo card. Jacques de Vitry e pelo geral dos Frades Pregadores, Humberto de Romans.

As constituições de 1231-1248 exortavam os religiosos a investir realmente a tertia pars, ao ponto que, se alguém morresse sendo proprietário ou escondendo algum bem ou como sócio “in deposito”, devia ser arrastado (do resto, em linha com outros testemunhos do mundo monástico-religioso) pelos pés ao campo e sepultado com os cães, fora do cemitério.

Mesmo o contato necessário com o dinheiro, para a obra da redenção, e as isenções concedidas pelos papas, produziram em alguns bispos resistências, medos e dificuldades para que se estabelecessem instalações da Ordem nas suas dioceses. Entre outras “compositiones” (composições), que previam por vezes condições duríssimas impostas pelos bispos à Ordem, notam-se aquelas estabelecidas com os Ordinários de Marselha (outubro de 1203), Arles (novembro de 1203), Toledo (1206), Cambrai (1221), Montpellier (1225), Valência (1256), Évora (1280). A matéria destas composições vertia seus direitos para administrar os sacramentos, a configuração da casa-hospital e os direitos de sepultura.

Pela regra sabe-se que a Ordem é, na sua maioria, clerical. Isto será largamente comprovado pelo tipo de presença dos religiosos nas casas particulares. Malgrado este fato, a presença do sacerdote não teve um emprego direto na cura das almas, freguesias ou paróquias. O ministério sacerdotal tem sido exercitado, pois, no interior da casa. Além disso, este serviço oferecia a possibilidade de assumir a responsabilidade de capelanias senhoriais e de capelanias entendidas como fundações de altares nas igrejas da Ordem. Um exemplo singular é oferecido pela casa de Cerfroid com a fundação de 1269 de Teobaldo, rei de Navarra e conde palatino de Champagne e de Brie, que atravessou os séculos.

Além da apreciação dos papas, podem-se observar algumas avaliações significativas sobre a Ordem por parte de figuras autorizadas do séc. XIII: Gonzalo, bispo de Segóvia; Juhel de Mothefelon, arcebispo de Tours; Jacques de Vitry, cardeal; Alberico, monge da abadia de Trois Fontaines; Humberto de Romans, mestre geral dos Frades Pregadores[3].

A Ordem está fora da história da Inquisição; não produz escritores, e embora João de Matha fosse magister e a casa de Cerfroid estivesse próxima à universidade de Paris, resulta que, normalmente, os religiosos não se desviaram com atividades acadêmicas. Anote-se, contudo, que alguns Trinitários na França, também pelos incontestáveis dotes pessoais, se afirmam como pregadores-oradores célebres. Um só exemplo claro de cuidado das almas em nível de igreja matriz se encontra em Portugal, o que demonstra o alheamento da Ordem neste tipo de atividade.

Pessoas eminentes e fraternidade

São Luiz Rei da França (1214-1270) - terciário trinitário. Óleo sobre tela de El Greco c.1587. Museu do louvre.

As pessoas estavelmente presentes nas casas da Ordem são: frades, irmãs, noviços, conversos, domésticos, donados e donadas; as pessoas temporariamente presentes são: hóspedes, pobres, enfermos, peregrinos; as pessoas fora do âmbito da casa são: confratres, confratrices, college, amigos, queridos, benfeitores. Sobre a função de cada uma destas pessoas observa-se que os frades e as irmãs eram pessoas que tinham emitido a profissão e levavam o hábito religioso; em seguida, isto será concedido também aos noviços durante o ano de noviciado; as irmãs não se pode entender de clausura por motivo da mesma regra e da vocação apostólica da Ordem; os frades eram tanto clérigos como leigos; os domésticos levavam um hábito semelhante àquele da Ordem e seguiam disposições particulares. A menção certa e mais antiga de donados advém de 15.3.1236/7. O ato de doação é relativo a dois cônjuges de Châteauneuf-lès-Martigues, que doavam a si mesmos e os seus bens à fundação da Ordem do mesmo lugar.

Como fato de relevo do século XIII pode-se recordar a célebre bula Adaperiat Dominus de 1272, enviada, sob a data de 31.3. e de 25.8., por Gregório X às maiores potências marítimas do tempo; em ordem: capitães, conselho e comuna de Gênova, "viguier" da cidade de Marselha, conselho e comuna de Veneza, doge de Veneza, autoridade, conselho e comuna de Pisa e, aos 25 de agosto, aos cônsules e a todo o povo da cidade e burgo de Narbona; ao governador e cidade de Montpellier.

Segundo o Chronicon de Alberico das Três Fontes, escrito na primeira metade do séc. XIII, os Trinitários tinham então pequenas comunidades na França, Lombardia, Espanha e também além mar “usque ad sexcentas”, e algumas delas eram “personis multis abundantes”.

Os ministros maiores efetuavam redenções e governavam a Ordem sem dificuldade. Entre eles emerge por importância frei Nicolau, por ter morado vários anos na Palestina e por ter estado ao lado de Luís IX de França em Damietta, segundo o testemunho de Joinville.

Frei Juliano, templário e senhor de Saieta, passou à Ordem trinitária e morreu em Trípoli em 1275. Reginaldo de La Marche, ministro geral (1392-1410), pregador e orador diante do rei da França, distinguiu-se pela energia demonstrada contra o antipapa Bento XIII e seus mensageiros.

O capítulo geral, tido em Cerfroid em 24.4.1429, representa um ponto luminoso de referência para a vida de toda a Ordem. De fato, ele promulgou as constituições válidas para toda a Ordem, antes das legislações particulares para as várias zonas geográficas. Elas estabeleceram que quem quisesse ir redimir, pedisse a permissão ao ministro maior; que a taxação da terceira parte fosse remetida cada ano “totaliter et integre”; que a partir de 1430, a cada 10 anos se fizesse um cálculo exato do rendimento, para que assim se pudesse ter uma justa e razoável taxação da terceira parte; que em cada casa “hospitalitatem sectantes” se preparassem convenientemente seis leitos para os pobres.

A expansão da Ordem segue os tempos da reconquista e a importância das áreas para as redenções. Entre as principais instalações podemos recordar: Paris, Fontainebleau, Poitiers, Toulouse, Lérida, Burgos, Segóvia, Toledo, Santarém, Lisboa, Alvito, depois Avinhão, Arles, Marselha, Saint-Gilles, Montpellier, Narbona, Palma de Maiorca, Valência. Entre as instalações do norte da Europa notamos: Vianden, Meaux, Bastogne, Arras. Na Grã Bretanha: Knaresborough, Thelsford, Ingham, Hounslow. A Itália se encontra quase desprovida de instalações trinitárias: é um caso à parte a fundação romana de São Tomé in Formis, no monte Célio, doação do papa Inocêncio III a João de Matha.

O apoio das autoridades civis

Também as autoridades civis se mostraram favoráveis à Ordem, e entre elas Luís IX, rei da França, e seu irmão Alfonso de Poitiers, Teobaldo de Champagne, o Jovem. Luís IX doou aos Trinitários a relíquia de um pedaço da “verdadeira cruz”.

Já o rei Pedro I (+13.9.1213), de Catalunha, tinha concedido um privilégio para a obra da redenção, segundo o que atesta seu filho Tiago I, o Conquistador, num documento de 1234. O rei concedeu ao ministro e aos frades da casa de Lérida poder redimir “et emere captivos christianos et sarracenos”. É interessante notar a troca dos cativos como possibilidade de resgate. Este documento é confirmado ainda, após a solicitação do ministro da casa de Lérida, pelo rei João I, el Cazador, em 28.12.1388.

Uma carta deste rei, de 23.4.1392, enviada ao ministro geral da Ordem, propõe um outro aspecto da atenção régia em torno da obra redentora. O documento oferece, ao mesmo tempo, testemunho do desenvolvimento da província de Aragão: da pobreza desta por motivo do investimento dos bens na obra da redenção, da unidade orgânica de toda a Ordem na finalidade libertadora e do fato que a sobredita obra absorvia inteiramente os bens da província aragonesa. Por isso o rei sugere ao ministro geral que as províncias da França e da Occitânia ajudem a província aragonesa na sua pobreza para melhor coordenar a obra redentora.

Um privilégio rotado de 1421, do rei João II, interessantíssimo também em nível paleográfico, repropõe e confirma transuntados doze privilégios reais que interessam estritamente a atividade redentora através de uma larga facilitação, para que se peçam esmolas “para tirar cativos das terras dos mouros”. O mais antigo diploma reproduzido é de 1304 e foi solicitado por frei Domingos, ministro de Toledo e provincial nos seus reinos e em Portugal, junto ao rei Ferdinando IV. Nos anos 80 do séc. XV, também para as esmolas em favor da “cruzada” contra os mouros, a autoridade civil na Espanha controlou e limitou as esmolas dadas à Ordem para o resgate.

Para Portugal o apoio régio foi constante até pela metade do séc. XV, quando o rei Alfonso V, o Africano, arrogou para si a obra da redenção instituindo um procurador e um tribunal “dos cativos”.

Entre os princípios de organização da obra redentora propostos pela autoridade local, é altamente significativa a intervenção de João, bispo do Porto, de 15.4.1394. O bispo ordena que seja favorecida a promulgação das indulgências ligadas à obra redentora e a prodigalidade nas esmolas quando frei Vasco, da Ordem, ou seus mensageiros confirmados se apresentarem às suas igrejas. A ocasião imediata desta intervenção foi o fato de que, para libertar três cativos e, faltando dinheiro, frei Ayres, trinitário, permanecera refém nas mãos dos mouros no reino de Granada.

A atividade redentora

Bruges, igreja de St. Gilles: quadro de J. Garemyn (1750), proveniente da confraria da Santíssima Trindade e representando as negociações pela primeira redenção de prisioneiros cristãos no Marrocos (1199).

A atividade redentora estava voltada particularmente para aqueles que não podiam se auto resgatar através da intervenção das próprias famílias e, portanto, se resolvia costumeiramente sem recorrer, como garante, a um oficial público, comumente um tabelião. Em todo caso, tal normalidade resulta do fato de que as notícias de redenção ou de tentativas de redenção nos chegaram somente através de atas que exigiam a presença e a garantia de um oficial público, e estas atas dizem respeito, normalmente, ao resgate de pessoas influentes ou ao movimento de notáveis somas de dinheiro.

A tipologia da documentação se atesta em torno de alguns casos, mais comumente: por ocasião de atos testamentários, de “promissio redemptionis” e atas de procuração, para pregar as indulgências e mendigar.

Três testemunhos de “promissio redemptionis” são do ano 1398, e se referem à atividade redentora da casa de Tarascon, relativamente à zona geográfica de Martigues. Uma ata notarial de 29 de maio do mesmo ano testemunha que o ministro da casa de Marselha fora eleito pelo “capitulum generale dicte domus ad redimendum captivos in partibus seu possessione sarracenorum existentes”. Uma ata de 15.6.1385 atesta de uma “preconizatio” em Palma de Maiorca. No bando da cidade foi promulgado que, como os Trinitários estão para ir ao lugar de Bugia para resgatar, se deposite o dinheiro junto deles. Algumas intervenções diretas do ministro maior que residia em Cerfroid ilustram o seu papel acerca da unidade da Ordem, através de atas de procuração e testificações sobre a confraria. João de la Marche, aos 15.1.1376, escreve aos ministros de Valência e Toledo sobre o depósito da tertia pars para a obra da redenção e adverte os dois ministros para que “in virtute sancte obedientie salutaris et sub excommunicationis sententia” se façam presentes ao próximo capítulo geral em Cerfroid e regulem a entrega da terceira parte. O mesmo ano, em data de 3 de abril, Bernardo Ruffacha, ministro da casa de Valência e provincial de Aragão, elege, respectivamente, frei João Bernat seu procurador para tudo aquilo que diz respeito à redenção dos cativos. Em 10.10.1376, o mesmo ministro elege seu procurador, em toda a província de Aragão, Pedro de Podio, ministro da casa de Lérida, para que possa recolher esmolas, doações e legados para a redenção dos cativos. Geralmente, o âmbito da área de pregação e da mendicância levava em conta outras instalações da Ordem e das jurisdições diocesanas.

DE 1429 A 1599

Estes 170 anos apresentam profundas mutações na história da Ordem, com movimentos de reforma e assunção de obras que eram estranhas às escolhas originárias.

A documentação pontifícia

Ela tem ainda, entre os escopos principais, o de propagar, proteger e defender a Ordem e as suas obras; contemporaneamente a continuidade se exprime no incentivar e encorajar a confraria para a obra da redenção. Entre os papas mais atentos: Eugênio IV, Pio II, Sisto IV, Inocêncio VIII e Júlio II. Sobre todos sobressai a intervenção de Inocêncio VIII que, entre 1485 e 1486, mais vezes intervém sobre a organização da confraria. Em 14.4.1485, o Papa recorda as esmolas dadas pelos fiéis para as obras da Ordem, e a divisão dos bens em três partes. Confirma as concessões feitas por Alexandre IV, por Clemente VI e por Sisto IV, relativas aos membros “utriusque sexus” das confrarias. Ora, por parte de Roberto Gaguin, ministro maior (1473-1501), foi exigida uma maior determinação por motivo das dúvidas sobre a concessão outorgada por Clemente VI aos confrades e co-irmãs da Ordem, “qui pro sustentatione dicti Ordinis darent et concederent certam quantitatem bonorum suorum annuatim fratribus”. O Papa estabelece que “singuli confratres et consorores” (cada um dos confrades e co-irmãs) no seu primeiro ingresso na confraria dêem 30 denários de Tours, mais 5 denários a cada ano. Em 14.7.1486, o Papa retornará sobre a importância da confraria e sobre as facilitações em seu favor, recordando o conteúdo da “petitio” (petição) de Gaguin e de todos os ministros das casas da Ordem, das quais se faz presente a penúria por motivo da prática da tripartição dos bens.

A legislação da Ordem

Neste período, a Ordem se baseia sobre a regra modificada de 1267 e sobre as constituições de 1429. De fato, a edição de “Regula et statuta“ (Douai 1586), que tem presente as disposições do concílio de Trento, torna a propor para toda a Ordem os dois textos legislativos preditos.

As características da Ordem neste período

As características principais deste período consistem numa espécie de descentralização. As províncias adquirem importância e de 1429 notamos os “Statuta Ordinis pro Hispaniae Provinciis a capitulo generali anno 1429 Cervifrigidi habito approbata”. A cada 5 anos se enviavam procuradores ao capítulo geral para que os estatutos regionais permanecessem conformes com os estatutos gerais.

A partir do fim do séc. XV os capítulos provinciais terão uma freqüência trienal. Cada casa provia aos seus noviços, como anteriormente, segundo a regra. Seguindo o exemplo da França, cujos estudantes eram levados, das quatro províncias do norte, para Paris para os estudos, também na Espanha toma-se a decisão de enviar os estudantes para Valladolid. Parece que na primeira metade do séc. XVI se aceitavam vocações também entre gente que não sabia nem ler nem escrever; por esta razão, a abertura para os estudos, além da dependência das provocações humanísticas e o exemplo do ministro maior Roberto Gaguin (que organizou uma rica biblioteca em S. Maturino em Paris), deve-se atribuir à necessidade de melhorar o nível cultural que resultava decadente. A casa de S. Maturino chegou a ser um dos centros habituais de reunião para as atividades acadêmicas da universidade de Paris.

Não obstante as novas exigências dos tempos mudados, nota-se a atenção a não aceitar a cura de almas em nível paroquial, em praticar a obra redentora e em cultivar com interesse a obra de hospitalidade em cada uma das casas. Ao fim do século XVI, segundo “Regula et statuta” de 1586, a Ordem contava 153 casas e estava subdividida nas seguintes províncias: França (Ilha de França, com 12 casas), Champagne (11), Picardia (14), Normandia (14), Languedoc (14), Provence (10), Inglaterra (6), Escócia (6), Aragão (26), Portugal (5), Velha Castilha (15), Nova Castilha e Andaluzia (21).

Um fato deste período com conseqüências trágicas foi a supressão da florescente província britânica por obra de Henrique VIII (15.09.1547). A este respeito deve-se assinalar a atividade (desde 1621) de alguns religiosos irlandeses de revitalizar a Ordem na Irlanda, mas a tentativa não teve êxito duradouro.

Além da “adição” do estudo, notamos também uma certa abertura para a pregação (provocação huguenote na França) e para a evangelização missionária, provocada pelas primeiras viagens para a descoberta de novas terras. Parece que as primeiras viagens das quais tomaram parte religiosos Trinitários sejam as de Cristóvão Colombo em 1493, e de Vasco da Gama, em 1497-1498.

Por causa dos vários compromissos dos ministros, começam a ser freqüentes os casos de procuração com os quais se estabelecem diante de um tabelião pessoas fora da Ordem como procuradores para a pregação das indulgências e para a mendicância. Em 1477, o provincial trinitário de Provence elegerá seu procurador um religioso mercedário. É interessante a atividade redentora desenvolvida pessoalmente pelos ministros gerais.

Um discurso impresso em 1582 por ordem do geral Bernardo de Metz, que trata da libertação de 186 “tant chrestiens que chrestiennes captifs d’entre les mains des Turcs et Barbares”, (tanto cristãos como cristãs cativos nas mãos dos Turcos e Bárbaros) inaugura na França um gênero literário particular que se pode dizer “récit de redemption” (narração de redenção). Algumas relações de viagens pela libertação são particularmente iluminantes sobre os perigos, a sensibilidade e o estado de ânimo dos cativos e dos redimidos que encontravam-se nas negociações da redenção. Será útil a referência ao resgate de Miguel de Cervantes, realizada em 1580 pelos trinitários João Gil e Antônio de la Bella, e ao martírio de alguns Trinitários que deram a vida pela obra da libertação.

Um trinitário representativo do espírito empreendedor e organização da atividade hospitaleira é Frei Miguel Contreiras, que se pode ter como um iniciador da organização hospitaleira moderna (Santas casas de misericórdia) em Lisboa entre o fim do séc. XV e o início do séc. XVI. A atividade hospitaleira se organiza em certos casos com a prática de cuidados médicos por doenças ou necessidades particulares. Neste mesmo período, se enviam de Meaux para Paris as sorores para aprender como cuidar dos doentes e os mais idôneos princípios de organização hospitaleira.

As reformas

Simão de Rojas (1552-1624, quadro de Pedro el Mudo (Fundación Montesdeoca García-Sáenz, Las Palmas de Gran Canaria)

A correspondência de várias nunciaturas européias com a Santa Sé, a partir da segunda metade do séc. XVI, lança luz sobre as reformas da Ordem que eram esperadas. As queixas mais significativas sobre a Ordem se referiam à conduta dos gerais que se dedicavam à pregação e deixavam de atender a visita das províncias; a falta de empenho na obra redentora e a dispersão em outras obras; a falta de empenho do investimento da terceira parte. A urgência da reforma da Ordem, contudo, já estava presente em capítulos provinciais celebrados em Málaga, Valladolid, Talavera, como também em Arles, Tarascon e Marselha. Um fato emblemático é a edição do “Reformatorium fratrum Ordinis Sanctissimae Trinitatis redemptionis captivorum Aragoniae provinciae” (Reformatório dos frades da Ordem da Santíssima Trindade da redenção dos cativos da província de Aragão), ultimada em julho de 1563 em Barcelona antes da última sessão do concílio de Trento, celebrada em dezembro do mesmo ano.

Adverte-se para o título “Reformatorium” que exprime a sensibilidade de uma das províncias mais ricas de casas e imediatamente próximas da obra principal da redenção, e a exigência de remediar à inobservância de ter em cada casa a regra e as constituições gerais e provinciais. A edição do “Reformatorium” de 1563 resulta o cumprimento de uma exigência anterior de cerca de 30 anos: mas a decisão de realizar a redação de um livro de constituições foi tomada no capítulo provincial celebrado em Játiva em 1547.

a) A reforma portuguesa. Entre as reformas realizadas neste período, a primeira, em ordem de tempo, foi a de Portugal. Ela teve origem da reforma geral de todas as Ordens religiosas nesta nação, desejada pelo rei Dom João III e ordenada pelo papa Paulo III, como se verifica nas cartas apostólicas de 21.9.1546 que foram comunicadas, por último, também aos Trinitários.

A Ordem tinha em Portugal uma só província com 8 conventos, nos quais não se tinha relaxado a observância regular. Os Trinitários reformados portugueses, porém, não constituíram uma congregação separada do ramo primitivo, continuaram a ser uma simples província da Ordem, com superiores próprios, mas na dependência do geral que então residia em Paris. Continuaram a seguir a regra mitigada de 1267 com exclusão das dispensas posteriores a ela. A inovação principal introduzida por eles foi que a nomeação para os ofícios deviam ser trienais e não vitalícios. Primeiro provincial foi frei Roque do Espírito Santo. Ele conseguiu obter do rei a restituição do direito de organizar livremente a redenção dos cativos: direito pacificamente exercitado por eles desde 1218, quando chegaram em Portugal, mas que, em 1461, por vontade do rei Dom Alfonso V – como acima mencionado –, foram constrangidos a suspender, deixando-o aos representantes do Governo. Algumas constituições foram compostas pelo frei Cristóforo de Jesus, provincial e vigário geral (depois bispo de Évora), que as fez imprimir em 1592. A elas foram acrescentadas outras durante o provinciliato do frei Bernardino de S. Antônio, aprovadas por Paulo V em 1618.

b) A reforma francesa. Tomou vida da experiência francesa de Cláudio Aleph e Júlio de Nantonville. Já eremitas nos arredores de Laon (Aisne, França), e expulsos dali pelos Huguenotes, os reformados franceses obtiveram do arcebispo de Rouen poder morar no eremitério de St. Michel, junto de Pontoise (Val-d’Oise). Aí ficaram alguns anos, durante os quais foram seguidos por uma dezena de discípulos, atraídos pelas suas vidas pias e austeras.

Em 1577, foram a Roma para pedir ao Papa a ereção do seu eremitério em comunidade reformada da Ordem.

Gregório XIII, com breve de 8.3.1578, encorajou o seu desejo; e o frei Francisco Bouchet, procurador geral dos Trinitários em Roma, impôs-lhes o hábito da Ordem. Retornados para a França, foram benevolamente recebidos pelo geral Bernardo Dominici que lhes concedeu poder realizar o noviciado no convento de Cerfroid. Ali emitiram a profissão aos 8.9.1580; e depois disto retornaram à sua residência de Pontoise, que se tornou, assim, a primeira casa canônica dos Trinitários reformados na França.

Personalidades eminentes da Ordem

Roberto Gaguin (1433-1501), Humanista e Ministro Geral (de 1473-1501) da Orden da Santíssima Trindade em gravura de Nicolás III de Larmessin.

No tempo do Renascimento se encontram na Ordem personalidades de prestígio, que até aquele momento não existiam. Uma personalidade de destaque foi o cardeal Antônio Cerda (1449-1459), de Maiorca, que foi comitente de vários códices manuscritos e organizou uma biblioteca interessante. O religioso trinitário que se revela uma personalidade das mais brilhantes e que permanece uma raridade na história da Ordem, é Roberto Gaguin, nascido por volta de 1433, ministro geral da Ordem (1473-1501). A representatividade deriva-lhe da sua presença em vários campos de atividade dentro e fora da Ordem. Ele mesmo vai a Granada para redimir os cativos; durante o seu generalato promove as obras da Ordem e abre para a atividade acadêmica. Como literato está em contato com [[Erasmo de Roterdam] e com Pico della Mirandola. A sua produção literária é vasta: dela pode-se reter o poema sobre a Imaculada Conceição de Maria e, como historiador, o “Compendium de Francorum origine et gestis” (Compêndio sobre a origem e atos dos franceses). Empreendeu missões na Itália, Alemanha, Espanha e Roma. É enviado por Luís IX e Carlos VIII em missão diplomática na Alemanha, Itália, Inglaterra e Palatinato. Em 1484-1485, encontramo-lo “orator destinatus” por parte do rei Carlos junto do papa Inocêncio VIII. Pelo ano 1497, notamos a sua carta clara ao provincial e a seu vigário, aos ministros, confrades, irmãs, donados, oblatos e conversos “per regnum Castelle et Granate”. Gaguin dá algumas disposições “vestre reformationis”, entre as quais a eleição trienal do provincial. A carta foi enviada por ocasião da aprovação das constituições particulares.

Outra personalidade de relevo foi o jeronimita Jerônimo Guadalupe Luna, que em 1597 deixou a sua Ordem para entrar na Ordem trinitária, distinguindo-se como eminente teólogo, legado de Filipe II e amigo do célebre orientalista e humanista Benito Arias Montano.

Note-se, enfim, que em cerca de 90 anos (1509-1597) temos o revezar-se de só três gerais: Nicolau Musnier (1511-1545), Teobaldo Molitor (1546-1568) e Bernardo de Metz (1570-1597).

DE 1599 AO CONCÍLIO VATICANO II

Com o séc. XVII definem-se as reformas e se inicia o “descalçamento” e com ele a inevitável diferenciação entre calçados, reformados e descalços, até a reunificação das várias famílias, operada em 1900.

Por motivo dos influxos de Propaganda Fide e da expansão colonial espanhola e portuguesa, nota-se um interesse missionário mais vivaz, também pelo constituir-se do Patronato português e espanhol. Contudo, deve-se dizer que a Ordem permaneceu quase à margem da “febre de ir” às novas terras em relação a outras Ordens religiosas. Todavia, existirão bispos trinitários, particularmente nas sedes episcopais das nova s terras. Entre todos, deve -se mencionar João de Almoguera (+1676), bispo de Arequipa (Peru), que com os seus escritos defendeu os índios contra as injustiças e os maus costumes dos conquistadores e do clero espanhóis.

Hortensio Paravicino de El Greco c.1609

A atividade hospitaleira “doméstica” demonstra um certo esfriamento, devido à orientação tridentina e às exigências do clima de reforma. Ela é evidente para o norte da África em ligação com a atividade redentora. Esta permanece de grande interesse a ponto que, separadamente ou em união, malgrado compreensíveis diferenças e litígios, as várias famílias trinitárias, às vezes com os Mercedários, realizaram resgates no Oriente e no norte da África. Um material copioso editado (Turim, Roma, Nápoles, Rouen, Madri, Praga, Barcelona, Valência) sobre a confraria (regra, estatutos, privilégios e indulgências) testemunha do grande desenvolvimento desta presença leiga na obra redentora da Ordem.

Entre o séc. XVII e o XVIII se produz uma abundante bibliografia dedicada à obra redentora e às redenções efetuadas. Trata -se de livros e numerosos manifestos, “catálogos/notícias/listas” de redenções e resgatados, com o nome, a profissão, o preço pago e o lugar do sequestro, entre outros detalhes.

Entre os livros escritos por Trinitários, que tratam da aproximação da Ordem com o mundo islâmico por motivo dos resgates, alguns têm valor literário além do histórico, e foram traduzidos em várias línguas. Entre os trabalhos poder-se-ão recordar os de Bernardino de S. Antônio (1624), Pedro Dan (1637), Bartolomeu Serrano (1670), Francisco Ximénez (1700), Filemon de la Motte (1703), Domingos Busnot (1714), João de la Faye (1726). (Voltaire no seu Essai sur les moeurs (Ensaio sobre os costumes ) reconhece a grande utilidade dos Trinitários e define heróico o seu instituto).

No nosso período notamos também a atividade da pregação, objeto de atenção na Ordem. Entre todos deve-se recordar S. Simão de Rojas (+1624) e Hortêncio Paravicino y Arteaga, do qual El Greco nos deixou um retrato precioso.

Também a atividade literária é vivaz neste período, mas a grande produção nem sempre é de boa qualidade, especialmente a produção histórica. Destacam-se os escritos do reformador S. João Batista da Conceição (+1613): 8 grossos volumes na edição romana de 1830[4], nos quais encontramos tratados espirituais e místicos de grande importância, a história da reforma trinitária, um comentário à regra trinitária e a exposição detalhada do estilo de vida dos Trinitários descalços. Merecem uma menção especial também S. Simão de Rojas, que nos deixou uma obra estimável com o título La oración y sus grandezas (A oração e suas grandezas ), e S. Miguel dos Santos (+1625), místico, trinitário descalço, autor de duas preciosidades literárias: o pequeno tratado La tranquilidad del alma (A tranqüilidade da alma), e um poema sobre a união transformadora (ambos traduzidos para o italiano).

De 1609 a Ordem é contada entre os Mendicantes.

1666 é o ano da canonização de João de Matha e de Félix de Valois.

Na metade do séc. XVIII notamos a fundação em Roma (atual Trinità di via Condotti). Ela foi realizada pelo interesse do arcebispo de Lima, o trinitário Diego Morcillo y Auñón, com a intenção de facilitar os contatos com a Santa Sé e seguir de perto as causas de beatificação. O trinitário Alonso Cano y Nieto, provincial de Castela e depois bispo de Segorbe, foi dinâmico formador e reitor na fundação romana.

A legislação da Ordem

Até aquele momento unitária apesar da diferenciação de cada província, agora se divide entre as duas famílias: calçada e descalça. Para esta última são de importância vital as intervenções que estabelecem o novo estilo de vida com uma nova versão da regra trinitária aprovada por Urbano VIII em 1631, com o acréscimo do quarto voto “non ambiendi dignitates” (não ambicionar dignidades). Em 1635, imprime-se, em Madri, uma interessante “expositio” da regra primitiva dos frades descalços e em 1637 são editadas as constituições “fratrum discalceatorum congregationis primitivae observantiae ordinis Sanctissimae Trinitatis pro redemptione captivorum” (dos frades descalços da congregação da observância primitiva da Ordem da Santíssima Trindade pela redenção dos cativos). Enfim, são importantes as constituições Alexandrinas (referentes somente aos Trinitários da antiga observância ou calçados), compiladas em Roma em 1657 por ordem de Alexandre VII, com o fim, sobretudo, de modificar o sistema vigente para a eleição do ministro geral que, por séculos, era eleito somente pelos ministros locais das 4 províncias da França do norte, com exclusão de todo o resto da Ordem. Atinge-se assim a igualdade das províncias na participação dos capítulos gerais e nas eleições a eles delegadas.

Em 1768, redigem-se as constituições dos Canônicos regulares da Ordem da Santíssima Trindade e da redenção dos cativos para a família calçada; elas serão impressas em 1772. O título Canônicos regulares parece ser uma referência, mesmo se muito distante no tempo, à proximidade que os primeiros Trinitários tiveram com os Canônicos regulares de São Vítor e, com toda probabilidade, por motivo da preponderância de sacerdotes em relação aos leigos.

As reformas

a) A reforma francesa. Encaminhada no séc. XVI e correspondendo ao desejo geral da época, ela encontrou a simpatia das autoridades eclesiásticas, civis e o apoio de benfeitores.

Ao convento de Pontoise se ajuntaram os de Caillouet em 1599 e de Montmorency em 1601. Neste ano, Clemente VIII aprovou definitivamente a congregação francesa dos Trinitários Reformados. Em 1607, eles se estabeleceram em Gisors, e em 1608 ocuparam o antigo convento de Marselha com o consentimento do geral da Ordem, o qual nomeou Pedro Dagneaux ministro do dito convento e visitador dos outros até que se tivesse uma província reformada. Com a passagem à reforma dos antigos conventos de Tarascon em 1608 e de Arles em 1612, o número dos conventos reformados subiu para 7.

Infelizmente, as relações entre os Reformados e o novo geral da Ordem, Luís Petit, eleito no verão de 1612, não foram nem cordiais nem serenas. Se ele não viu com bons olhos o afirmar-se da reforma, foi também pela atitude nem sempre correta dos principais superiores dela. Contudo, a ordem dada a eles pelo geral de não aceitar – sem seu consentimento escrito – novas fundações especialmente nos lugares onde já existiam conventos trinitários, deu início a perturbações e conflitos que se prolongaram por bom tempo. As tratativas para a abertura de uma casa reformada em Paris, sem que o geral, ausente, soubesse, provocaram um processo no Parlamento, no qual a pretensão dos Reformados foi rechaçada.

Encerrado o incidente, a Santa Sé, a qual tinha tomado a sério a reforma, encarregou o cardeal de Retz (1618) de guiá-los e defendê-los nas contendas pendentes ou que surgissem no futuro com o seu geral (mais tarde o mesmo encargo foi confiado ao cardeal de Rochefoucauld). O breve de Paulo V (de 25.2.1619), em seguida, permitiu aos Reformados anexar os conventos trinitários da antiga observância “que o tivessem pedido espontaneamente”. Com isso, no prazo de poucos anos, uma vintena de conventos trinitários franceses, especialmente na Provence e na Linguedoc, passaram aos Reformados. Até Cerfroid, casa-mãe da Ordem, com a permissão do rei (17.12.1632) e o apoio do bispo de Meaux, foi ocupada pelos Reformados em maio de 1633, não obstante os protestos do geral e da própria comunidade, que foi constrangida a sair dali.

Somando os sobreditos conventos ocupados com os de nova fundação, a congregação reformada pôde constituir duas províncias, governadas por superiores próprios (vigário geral, provinciais e ministros locais), eleitos cada três anos e sujeitos, em certa medida, ao geral de toda a Ordem.

A Santa Sé estaria disposta a lhes conceder um geral próprio, se tivessem escutado as insistentes recomendações de adotar a regra primitiva, e não a mitigada que seguiam os Trinitários não reformados. Mas sobre este ponto nem as sugestões do cardeal Otávio Brandini, protetor da Ordem, nem as recomendações do papa Gregório XV (carta de 4.8.1622 ao frei Carlos Dagneaux) foram ouvidas. Consequentemente, o seu pedido de autonomia completa, com geral próprio, foi rejeitada pelo papa Urbano VIII (carta de 30.9.1624 ao frei Ambrósio Coffin, vigário geral).

Na realidade, os Reformados, depois dos inícios promissores, viram-se estacionados a meio caminho sobre a estrada da reforma. Feita exceção das nomeações trienais aos ofícios e de algum outro ponto de não grande relevo, no resto não se distinguiam dos Trinitários da antiga observância. Além disso, enquanto lutavam contra o geral Luís Petit para sustentar a própria congregação, estavam, depois, aliados com ele para obstacular o desenvolvimento da congregação dos Trinitários descalços franceses.

Em 1646, depois de 30 anos de contendas, o geral Luís Petit pensou poder realizar um acordo entre as partes. A idéia foi retomada em 1654 pelo seu sucessor, Cláudio Ralle; e depois de outros três anos, um esquema proposto aos 3.5.1657, pelo bispo de Meaux, foi aceito como base e colocado em estudo. Finalmente, em 11.6.1659, Pedro Mercier, geral da Ordem, e Mateus Gossart, vigário geral dos Reformados, subscreveram o texto definitivo do acordo, redigido em 17 artigos e indicado comumente como Les articles de Meaux (Os artigos de Meaux).

O segundo século de vida dos Reformados transcorreu sem elementos de relevo e sem aumento notável de membros. Depois disso, os Reformados se orientaram para a fusão com o ramo antigo. Na primeira metade do séc. XVIII tomaram, aqui e ali, a imitação dos não Reformados, o hábito e o nome de Canônicos regulares de S. Agostinho da Ordem da Santíssima Trindade; e o seu capítulo geral, realizado em Cerfroid em 1749, estatuiu tal uso.

A fusão completa com o ramo antigo da Ordem, já decidida pela Comissão dos Regulares, foi posta em votação e aprovada no capítulo geral da congregação em 1767, e dois anos depois foi confirmada por Clemente XIV com a bula de 17.11.1769. Em pouco tempo sobreveio a revolução; e foi o fim para todos os Trinitários na França.

b) Trinitários descalços franceses. Pode-se dizer que estes são uma filiação da reforma francesa precedente. O promotor principal desta nova reforma foi, de fato, o frei Jerônimo Hélie, um dos melhores sujeitos que os Reformados calçados tinham nos inícios do séc. XVII.

Enviado para Roma em 1614, juntamente com o frei Ambrósio Coffin, com a missão de tratar da fundação de uma casa-procuração, encontrou acolhida cordial e generosa junto ao cardeal Otávio Bandini, protetor da Ordem. Este não somente colocou à sua disposição uma casa com jardim na rua das Quatro Fontes (Quattro Fontane) (ata de 20.3.1620), mas interpôs os seus bons ofícios tanto junto ao cardeal Vigário, García Millini (1562-1629), como junto ao papa Paulo V, o qual, na data de 6.4.1620, concedeu o rescrito para a ereção canônica da nova comunidade.

Durante os trabalhos para a adaptação do edifício existente, e depois para a construção do convento e igreja de S. Dionísio, os Descalços franceses foram freqüentemente hóspedes dos Descalços espanhóis do convento de S. Carlos às Quatro Fontes, chamado de S. Carlino[5], situado sobre a mesma estrada a poucos passos de S. Dionísio. Nos contatos freqüentes com eles, amadureceu no frei Jerônimo e seus companheiros a decisão de ir mais adiante no caminho da reforma, adotando a regra primitiva da Ordem trinitária e não a seguida pelos Reformados calçados. Aos 25.5.1622 assumiram o empenho formal na presença do frei Carlos Dagneaux, seu vigário geral. Este, antes de retornar para a França, dispôs que a comunidade de S. Dionísio, para tudo o que diz respeito à formação dos membros e à instrução dos noviços, ficassem por 5 anos sob a direção de um dos Trinitários espanhóis de S. Carlino. Aos 6.10.1623, os neoreformados tomaram também o hábito dos Trinitários descalços.

O futuro não foi fácil para eles, que tiveram que lutar contra as resistências do geral Luís Petit e dos próprios Trinitários Reformados. Com dificuldades os Descalços franceses puderam se estabelecer durante o séc. XVII em poucas vilas do sudeste francês, entre as quais Faucon, e nas cidades de Turim e Livorno na Itália.

Embora o papa Urbano VIII tivesse estabelecido (12.9.1629) que os Descalços franceses teriam constituído uma província distinta no seio da Ordem, esta só pôde ser canonicamente erigida 40 anos mais tarde (30.7.1670), sob o pontificado de Clemente X, quando tinha atingido o número prescrito de 8 casas formadas com ao menos 8 professos em cada uma. O total dos conventos subiu para 12 em 1684, com uma centena de professos.

No curso do séc. XVIII, a penúria dos meios e a dificuldade de recrutamento na França (era uma congregação de Franceses) enfraqueceram o ímpeto inicial e começou o declínio. Em 1769, a Comissão dos Regulares decidiu que os três ramos dos Trinitários franceses (isto é: Calçados, Reformados e Descalços) fossem reunidos num só. Os Descalços, depois de algumas dificuldades, no capítulo provincial de 12.5.1771, aceitaram a fusão. Clemente XIV, com decreto de 13 de agosto do mesmo ano, aboliu todos os Descalços da França. E 20 anos depois, eles foram destruídos pela revolução. Também o convento de S. Dionísio em Roma, enquanto propriedade dos Franceses, foi seqüestrado pelo governo revolucionário em 1797.

Entre os membros beneméritos da congregação são recordados: Jerônimo (Hélie) do Santíssimo Sacramento (+ 30.5.1637), iniciador da reforma; Francisco (Collin) de S . Lourenço, ativo propagador da reforma, muitas vezes redentor de cativos e autor do dossier que serviu para o reconhecimento do culto ab immemorabili dos fundadores da Ordem; Inácio de S. Antônio (Antônio Laugier), homem de estudo, pesquisador de notícias e documentos relativos à história da Ordem, recolheu um copioso material e colocou em ordem a redação do primeiro dos 5 volumes previstos dos “Annales Ord. SS. T.”, (Anais da Ordem da Santíssima Trindade) que depois, um pouco remanejado, foi impresso em 1684 pelo irlandês Boaventura Baron, OFMRec.

c) Trinitários descalços espanhóis. Na Espanha, na segunda metade do séc. XVI, a Ordem trinitária era muito florescente. Contava com 3 províncias com aproximadamente 70 conventos e mais de 1000 religiosos, alguns bispos, tanto na pátria como nos domínios espanhóis (Filipinas e América do Sul). Contudo, sentia-se a necessidade de reforma e a questão já tinha sido tratada em diversos capítulos provinciais, a partir daquele celebrado em 1547 em Jávita (Valência). Chegou-se, assim, ao capítulo nacional, realizado em Valladolid (maio de 1594). Nele ficou estabelecido que cada província tivesse 2 ou 3 conventos de recolhida, nos quais a regra fosse observada sem mitigações, e onde os religiosos, que o quisessem, poderiam se retirar, livres para voltar, em seguida, ao seu convento de origem.

Quem deu firmes bases ao movimento de reforma, depois dos insucessos iniciais, foi o trinitário S. João Batista Rico (1561-1613), que se chamou, depois, João Batista da Conceição. No capítulo provincial, reunido em Sevilha na primavera de 1596, ele foi eleito ministro da comunidade descalça de Valdepeñas (Cidade Real), onde tinha tido início a reforma. Depois de um ano de superiorato constatou a impossibilidade de uma reforma séria por causa do desempenho dos superiores (o provincial e o vigário geral), e decidiu então partir para Roma e pedir à Santa Sé uma certa autonomia.

São João Batista da Conceição, Reformador, Ministro, Escritor e Místico da Ordem da Santíssima Trindade.

As tratativas se prolongaram por 16 meses. Finalmente, em 20.8.1599, Clemente VIII instituiu a “Congregatio fratrum reformatorum et discalceatorum”, (Congregação dos frades reformados e descalços), cujas características podem ser resumidas nos dois pontos seguintes. Lei fundamental: a regra primitiva da Ordem, aprovada em 1198 por Inocêncio III, restabelecida a norma da tertia pars destinada ao resgate dos cativos, etc. Regulamento provisório: os ministros das casas reformadas estarão nas dependências de um visitador, nomeado pelo núncio apostólico de Madri, até a celebração do primeiro capítulo provincial, que seria convocado quando a reforma tivesse conseguido ao menos 8 conventos com 12 religiosos cada um.

Outros elementos de diferenciação foram: a mudança da forma da cruz do hábito, a adoção de um sobrenome religioso e, obviamente, o “descalçamento”. Na prática, a vontade de recolhimento produziu, pois, divisão e rivalidade no interior da Ordem (mas também em relação com os Carmelitas descalços) através das diferenciações não previstas pela recolhida idealizada em 1594. Entre os conteúdos mais eminentes do novo estilo de vida religiosa trinitária há o complexo dos valores da clausura, segundo o clima pós-tridentino, que multiplicou o tempo de oração e circunstanciou as práticas de austeridade. Contribuição de novidade particular, mas já entrevista em alguns atos de capítulos gerais e provinciais do séc. XVI, é o quarto voto de não ambicionar dignidades nem direta nem indiretamente.

O primeiro capítulo provincial da nova reforma ocorreu em Valladolid aos 8.11.1605, sob a presidência do núncio apostólico. Nele foram promulgados alguns estatutos e o frei João foi eleito provincial ad triennium. A reforma se difundiu depois não só nos pequenos centros, mas também em cidades importantes, como Alcalá, Salamanca e Baeza (casas de estudo junto às universidades), Madri, Valladolid, Pamplona, Córdova, Sevilha, Saragoça, Toledo, Granada e Roma.

À morte do frei João Batista da Conceição (1613), a congregação contava com 18 conventos. Em 1614, ela teve um vigário geral e em 1631, o primeiro ministro geral, sancionando assim a total autonomia dos Descalços em relação aos Calçados.

As suas primeiras constituições completas foram as elaboradas no primeiro capítulo geral (1614) e publicadas em 1629. As aprovadas em 1.7.1676 por Clemente X, chamadas por isso Clementinas, permaneceram substancialmente idênticas, exceto retoques marginais e sua adaptação ao CIC de 1917, até o tempo do concílio Vaticano II.

Na segunda metade do séc. XVII, a Reforma estava solidamente estabelecida em diversas regiões da Espanha, onde contava já com 3 províncias: da Imaculada, do Espírito Santo e da Transfiguração. A reforma se difundiu primeiramente na Itália, em Roma, com a fundação de S. Carlino. Depois, por influência direta dos Descalços espanhóis, deu origem (em 1685) às instalações da Ordem na Polônia. Vista a rápida expansão das fundações, em 1726 se constituiu a província de S. Joaquim que teve cerca de um século de vida, por motivo dos desmembramentos territoriais da Polônia. Em 1791 contavam-se na província 25 casas e cerca de 300 religiosos; as casas se encontravam: 13 na Rússia, 7 na Lituânia, 15 na Polônia. As casas mais importantes eram as de Lublin, Vilna, Cracóvia, Varsóvia e Woew. Em 1782, graças ao desenvolvimento, esta província deu origem à província de S. Félix de Valois com os conventos que pertenciam às terras hasbúrgicas, mas teve vida breve, de apenas dois anos, por motivo da supressão do imperador José II.

O interesse pela “geografia islâmica” se deslocou, particularmente depois da reconquista de Granada, para o Oriente e assim também a atenção da Ordem se deslocou para tal geografia. Conhece-se o estado de defesa-ofensa do séc. XVII com o célebre assédio de 1683 do qual foi vítima Viena, e por esta razão em 1687 os Descalços, partidos da Espanha, alcançaram Viena. Pela expansão das fundações no império, em 1728 foi estabelecida a província de S. José , composta de 12 casas: entre as mais importantes figuravam as de Praga, Belgrado e Constantinopla. Bastará acrescentar para o quadro de conjunto, que também em Portugal e na Itália se realizaram fundações por obra de religiosos descalços espanhóis. Na Itália, além de S. Carlino em Roma, eles realizaram fundações em: Milão, Alexandria, Pellestrina Veneta, Forlì e S. Maria alle Fornaci[6] em Roma. Esta última foi realizada com intentos missionários. Já em 1722, ela é chamada “Colégio dos RR. PP. Missionários apostólicos da Ordem dos Trinitários descalços do resgate fora dos muros de Roma alle Fornaci”. Estas fundações, com as outras realizadas pelos Descalços franceses, deram origem à província de S. João de Matha.

As supressões

O fim do séc. XVIII e o s inícios do séc. XIX representam o tempo das supressões, exílios e por vezes verdadeiras perseguições vividas e sofridas pela Ordem. Entre 1782 e 1784 foram suprimidas as casas no império austro-húngaro. Malgrado o eco recente das viagens de redenção de 1785, nas quais foram resgatados 313 cativos junto com os religiosos mercedários, a Revolução Francesa dispersou a Ordem na França. Entre 1809 e 1810 foram suprimidos quase todos os conventos da província de S. João de Matha. Em 1832 foram suprimidas quase todas as casas da Polônia. Em 1835, por causa das escolhas de Mendizábal, a Ordem foi supressa totalmente na Espanha. Na Itália a Ordem foi supressa nos anos 18661873.

Estas supressões mencionadas representaram a antecâmara da extinção para os Trinitários calçados. Foram reduzidos ao único convento romano da rua Condotti, que foi dado aos Dominicanos – não obstante as súplicas dos Trinitários descalços que o tinham pedido para si para que ali instituíssem um colégio para a formação de missionários espanhóis que partiam para as Filipinas. O frei Antônio Martín y Bienes, último vigário geral dos Trinitários calçados (jamais renascidos depois), morreu em Roma aos 28.1.1894. O último trinitário calçado morreu nos inícios deste século (séc. XX). (Veja-se a propósito: J. Pujana, Antonio Martín y Bienes, 1806-1894, último superior mayor de los Trinitarios Calzados. Entre os Trinitários calçados do séc. XIX merece ser recordado o frei Miguel Ferrer i Bauçá (1770-1857), fecundo escritor que deixou uma regra para as Trinitárias de Maiorca.

Sobreviveram a comunidade de Trinitários espanhóis de S. Carlino alle Quattro Fontane em Roma, e um grupo de italianos tanto em Roma como em outros lugares, os quais, embora secularizados, permaneceram como párocos ou reitores de igrejas ex-conventuais que ficaram abertas ao culto. Passado o furor supressivo, estes, todos Trinitários do ramo descalço, organizaram a reconstrução da Ordem na Itália e na Espanha, e nos inícios do séc. XX, a transplantaram nas Américas e nas terras de missão.

A restauração

Esta se efetuou com repetidas tentativas conforme os condicionamentos políticos. Merece atenção a restauração da província de S. João de Matha dos Trinitários descalços, até conseguir, em 1853, a fundação da província da Natividade do sul da Itália, que será depois dispersa em 1865 e se extinguirá nos inícios do séc. XX. Em 1847, Pio IX concedeu aos Trinitários a basílica de S. Crisógono em Trastevere.

Em conseqüência das várias supressões e dispersões não é fácil escrever sobre a atividade hospitaleira e redentora no séc. XIX. Motivo de esperança neste período de grandes provas foi o surgir de novas congregações trinitárias femininas. A restauração da Ordem na Espanha se inicia em 1879 com a reabertura do convento de Alcázar de San Juan. Se houve, depois, outras fundações, em 1891 realizou-se o capítulo provincial na Espanha e em 1897, com a aprovação da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, chega-se à nomeação de um superior geral para a Espanha. A Ordem se encontra assim com dois superiores gerais (um na Itália e outro na Espanha) e duas casas generalícias. O grupo italiano protesta e, ainda uma vez, com o acordo da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, chega-se em 1900 à união das duas famílias trinitárias descalças numa única Ordem.

Da união de 1900 até hoje

O primeiro geral do tempo da união dos Trinitários dentro e fora da Espanha foi o frei Gregório de Jesus e Maria. Já em 1903 submeteu ao papa Pio X o propósito de querer trabalhar para o fim primário da Ordem “ad opus redemptionis captivorum apte restabiliendum”. É com esta motivação que a Ordem desenvolveu o seu apostolado na Somália de 1904 a 1924. Já precedentemente, nos anos 80 do séc. XIX, a Ordem estava em contato com o cardeal Lavigerie, particularmente sensível ao problema da escravidão. Com esta atividade, porém, a Ordem se punha no campo da escravidão, seguindo os sinais do tempo. Durante a guerra civil espanhola, vários Trinitários foram mortos.

No clima de vida nova, depois da viagem de fundação em Cuba em 1893, no Chile em 1902, os Trinitários chegaram aos USA em 1912, na Argentina em 1913, no Canadá em 1924, em Madagascar em 1926. Em 1974, chegada dos primeiros frades trinitários no Brasil (Amazonia); em 1992, fundação do Convento em São Paulo (chegada: 15.10.1992) e em 1994 se dá a ereção canônica da casa (14.02.1994).

Um impulso supra nacional e clarividente para expandir a Ordem foi dado pelo frei Antonino da Assunção (1867-1943), aos vértices da Ordem por mais de 40 anos e benemérito pelas suas pesquisas sobre a história da Ordem.

Depois da união, em 1907 e em 1933 foram impressas as constituições da Ordem e pela primeira vez na história da Ordem as constituições de 1907 omitiram o capítulo dedicado à redenção dos cativos, colocando em primeiro plano a obra missionária entre os infiéis, graças à qual se libertavam as almas da escravidão do pecado e do erro. A partir de 1919 a Ordem iniciou a publicação da coleção “Acta Ordinis”.

O fim do séc. XIX e os inícios do séc. XX trouxeram notáveis mudanças sociais. Antes de tudo, o reconhecimento dos direitos de prisioneiros de guerra (a convenção de Genebra de 1864 sancionou a obrigação de assistência aos enfermos e feridos sem distinção de nacionalidade, e a de 1929 o respeito da liberdade religiosa e de culto), portanto a difusão de um clima de tolerância religiosa, que não tornava mais impossível a vida aos prisioneiros; enfim, a praga da escravidão propriamente dita, que se encaminhava para a extinção, ao menos em nível de direito internacional. Devido a estas mudanças, a Ordem trinitária se interrogou sobre a função que devia desempenhar na Igreja. A reflexão pós-conciliar levou os Trinitários a fixar como fim próprio, além do culto da Trindade, o de levar a todos os homens os benefícios da redenção e de se dedicar a obras de misericórdia mais consoantes com as necessidades hodiernas e ao mesmo tempo ao seu primitivo escopo de redentores. Nesta sua atividade se enquadra também a obra das missões. Depois de 1980 os Trinitários se fizeram presentes na Alemanha, Polônia, Bolívia, Guatemala, Nova Guiné, Índia e Congo.

As últimas constituições foram aprovadas em 17.12.1983, depois de 20 anos de reflexões e congressos sobre a atualização. Entre os resultados práticos poder-se-á indicar a instituição (1971) de centros permanentes de pesquisa no campo da história e da espiritualidade.

A Ordem, recentemente, sentiu-se interpelada diretamente por alguns discursos de Paulo VI e de João Paulo II que confirmam a atualidade do projeto trinitário de libertação e denunciam, ainda hoje, a realidade do sofrimento físico sofrido pelo nome de Cristo[7].

A espiritualidade: Trindade e redenção

São João de Matha e São Félix de Valois assistidos por Nossa Senhora do Bom Remédio e pela Santíssima Trindade, Cordoba sec. XVlll.

No período que das origens chega até 1429, a espiritualidade trinitária não suscitou interesse especulativo nem interesse para uma pregação popular específica, nem uma tradição homilética. A devoção é simplesmente vivida e praticada através de sinais imediatamente compreensíveis. Será útil lembrá-los: eles são a Trindade como titular da Ordem, das igrejas, das casas, dos ministros , dos frades e, já no séc. XIII, notamos que é titular dos bens. É interessante a referência evangélica à pobreza da arquitetura das igrejas da Ordem, que se une à Trindade titular de todas as igrejas. As cores do hábito exprimem uma iconografia trinitária própria. O capítulo geral se realizará, por disposição da regra, no Domingo da Trindade. Neste dia, se celebra em toda a Ordem, a festa da Trindade, já no fim do séc. XII (portanto, antes que fosse inserida no calendário romano). Segundo o cardeal Jacques de Vitry, a tripartição dos bens exprime honra a Trindade. Humberto de Romans, escrevendo sobre os frades da Ordem, diz que estes devem ser cultores especiais da Trindade e reconduz o apelativo “fratres de Trinitate” também ao fato que na regra está estabelecido que em cada casa haja três frades clérigos e três frades leigos, além do ministro. À devoção trinitária deve ser reconduzida a liturgia particular celebrada por ocasião das viagens de redenção: partida e retorno.

Esta espiritualidade, especialmente do séc. XVII, será acompanhada de outras práticas devocionais externas, algumas vezes preponderantes. Referimos, por ex., às exposições e procissões dos cativos resgatados e às procissões devocionais mais variadas.

Particularmente do séc. XVIII em diante notamos uma atenção literária para com o mistério trinitário.

As primeiras indulgências foram concedidas já no séc. XIII no contexto da obra redentora. Anteriormente ao capítulo geral de 1429, já tinha sido estabelecido pelos ministros gerais e pelos capítulos gerais, com a autoridade do sumo pontífice, a celebração das nove leituras: da Trindade toda Quinta-feira e da Virgem Maria todo Sábado. Do séc. XVIII notam-se algumas práticas próprias da Ordem. Em 1631 vê a luz a edição do “Rosário a Santíssi ma Trindade”; em 1701 temos um manual de adoração perpétua da Santíssima Trindade; a partir da metade do séc. XVIII teremos o Triságio e várias novenas à Trindade. Uma contribuição particular à devoção foi dada pelo já recordado frei Miguel Ferrer i Bauzá, que em 1837 escreveu “Utilidad del Trisagio o corona de la Trinidad” (Utilidade do Triságio ou coroa da Trindade); em 1840, a sua “Devoción a la Santísima Trinidad” (Devoção à Santíssima Trindade) alcança a terceira edição.

O conteúdo da espiritualidade redentora, da permuta e, portanto, de libertação, consiste em pagar pessoalmente com auto-taxação aritmética e na referência necessária aos sofrimentos “pro fide Christi” (pela fé de Cristo). Com a mais experiente organização da obra redentora, escolheram-se textos de oração para acompanhar a viagem de redenção, para render graças pelo retorno dos resgatados e para acompanhar a procissão dos libertados.

A espiritualidade redentora teve uma grande ressonância externa por motivo da operosidade da confraria trinitária. Com a premissa da atenção constante dos papas e da Ordem para os “confratres e confratrices”, especialmente entre o séc. XVII e o XVIII, notamos uma copiosa produção de Máximas cristãs, catálogos de indulgências e privilégios, Diretórios, Notícias, Manuais e pequenos tratados sobre a história e sobre o desenvolvimento da confraria trinitária; além das referências bíblicas à idéia de catividade e libertação, o trecho de S. Ambrósio (Off., lib. 2, c. XXVIII: PL 16, 139-42) é citado com freqüência. Também a carta de 8.3.1199 de Inocêncio III a al-Nasir, chefe dos Almohadi, é freqüentemente recordada.

A geografia de edição deste material é significativa: ela está dispersa, na prática, sobre toda a Europa: Lisboa, Madri, Barcelona, Gand, Rouen, Lião, Paris, Marselha, Aix-en-Provence, Milão, Turim, Locarno, Veneza, Viena, Praga, Roma, Nápoles. Neste período, a confraria tem uma ideia clara e mais organizada de si mesma: unida à Ordem, particularmente através da colaboração na obra da redenção. O escapulário ou sinal distintivo e de uma certa pertença à Ordem é um fato que se encontra já na primeira metade do séc. XIII; as constituições da Ordem permitem aos familiares sobrepor o “signum tau” à sua veste segundo o próprio costume.

Ao longo dos séculos os membros da confraria gozaram do privilégio de poder vestir o escapulário da Ordem. Especialmente do início do séc. XIX, por motivo do número exíguo dos religiosos e para uma mudança nem sempre bem definida de mentalidade, a espiritualidade redentora será, por assim dizer, absorvida pela trinitária e a confraria, que já tinha evoluído em confraria da Santíssima Trindade e de Nossa Senhora do Remédio (Bom Remédio), será mudada em Ordem Terceira e confraria, depois em Ordem Terceira com a única referência à devoção à Trindade.

A espiritualidade redentora da Ordem está unida ao empenho de solidariedade e de compartilha para com os pobres, para os quais o Trinitário deve pagar pessoalmente e destinar uma parte consistente dos bens. Seguindo os ditames da regra, o reformador S. João Batista da Conceição colocou às claras o liame que une a oração e a pobreza com as obras de misericórdia. Reza-se com e para os cativos e os pobres; renuncia-se a muitas coisas, jejua-se para dar mais aos pobres. Unem-se num único empenho a comunhão com a Trindade e a comunhão com os pobres.

A Ordem, enquanto aprofundou, em dois congressos especiais, as duas dimensões sobreditas da sua espiritualidade: em 1979 sobre a Trindade, e em 1982 sobre o apostolado redentor-misericordioso, confiou o encargo estável da pesquisa ao Instituto histórico e ao de espiritualidade. Esta atenção se exprime também através do Centro de estudos trinitários de Salamanca que publica, entre outros, a revista Estudios Trinitarios.

Prática devocional e penitencial

Este aspecto da espiritualidade da Ordem é menos original por razões evidentes. Ele depende largamente do Liber Ordinis dos Canônicos regulares de S. Vítor de Paris. O liame íntimo desta congregação e dos seus abades com as origens da Ordem, na redação da regra e na atualização de 1267, são fatos relevantes. As influências principais, citações explícitas do Liber Ordinis na regra, são aquelas sobre a celebração das horas e sobre a tonsura dos frades. Os capítulos LI V- LXI do Liber Ordinis devem ser reconhecidos como normas assumidas integralmente pela Ordem. Deles deriva o encaminhamento litúrgico, mas estas disposições se tornaram mais simples pela regra, em relação com a atividade da Ordem e com o reduzido número d os religiosos. A regra trinitária estabelece que se podem abandonar as “pausationes” (pausas) e “prolixitates” (prolixidades) da Ordem litúrgica de S. Vítor. A distribuição do tempo no cotidiano da espiritualidade da Ordem depende da atenção radical e privilegiada para com o “captivus” (cativo) e o “pauper” (pobre). São evidentes, ainda que devam ser aprofundados, os influxos do Liber Ordinis sobre outros aspectos da vida interna, como o silêncio e o alimento dos religiosos.

O complexo das normas que regulam as cerimônias, os ofícios e o cotidiano da Ordem é mais organizado a partir do séc. XV com o livro Defuncto ministro, que depende também ele quase totalmente do Liber Ordinis. Com o advento da recolhida, e depois do descalçamento, nota-se a maior importância dada ao tempo da oração, às práticas penitenciais e àquela atitude espiritual e prática de redução dos contatos com o mundo exterior. Uma contribuição do descalçamento à espiritualidade própria é sem dúvida a aquisição do quarto voto de não ambicionar os cargos.

As devoções

Notas e referências

      • Este artigo está sendo completamente reformulado, em breve todo artigo bem como as devidas referencias estarão disponíveis***

Ligações externas

Referências

  1. Preferimos a palavra redenção por motivo do vasto uso no tempo coevo da regra trinitária. Na verdade, a palavra redenção foi e é de uso comum nos campos mais variados, como o dos estudos bíblicos, da teologia, do direito e do comércio. Em ligação de qualquer modo ao significado entendido no medievo e tendo presente o emprego moderno da língua, falamos de resgate como soma de dinheiro para o contrato de redenção; de redenção como ação jurídica do recomprar/reobter; de libertação como ação com a qual o cativo redimido retoma posse de todas as suas liberdades perdidas no momento da captura.
  2. Entendemos este texto como regra dos Trinitários da primitiva observância ou calçados, e como regra mitigada nas referências comuns dos trinitários assim chamados descalços do séc. XVII em diante. Na verdade, mais que faci lidades e abrandamentos de severidade, a parte mais relevante das intervenções sobre a regra trinitária se refere às interpretações a serem dadas sobre eventualidades não previstas no tempo da redação do texto da regra aprovada em 1198, justo no contexto d e maior funcionalidade e eficácia da obra redentora no interesse evidente da libertação dos cativos. Por estas razões, portanto: dar serenidade às consciências escrupulosas e incentivar a obra da redenção, chamamos a regra trinitária aprovada em 1267 regra atualizada ou adaptada.
  3. Entre os autores contemporâneos que ofereceram detalhes sobre a vida e sobre os costumes dos Trinitários, poder-se-á reter o ‘minorita’ de Erfurt, Rutebeuf, Huon o Rei de Cambrai.
  4. este link contêm as obras completas: http://www.intratext.com/IXT/ESL0108/
  5. Site oficial da Igreja de San Carlino: http://www.sancarlino.eu/index1.asp
  6. Site oficial da Igreja: http://www.trinitaridematha.it/ESP/laiglesia.html
  7. Trata-se de redentores entendidos como libertadores de acordo com o carisma da instituição e do programa operativo de João de Matha colocados sobre a experiência e sobre a mensagem de Cristo que é redentor, libertador e salvador, segundo as explicações bíblicas evidentes.