Saltar para o conteúdo

Ultimato britânico de 1890

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Ultimato britânico)
O Mapa Cor-de-Rosa, que originou o ultimato britânico de 1890.

O Ultimato britânico de 1890 foi um ultimato do governo britânico — chefiado pelo primeiro-ministro Lord Salisbury — entregue a 11 de Janeiro de 1890 na forma de um "Memorando" que exigia a Portugal a retirada das forças militares chefiadas pelo major Serpa Pinto do território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola (nos actuais Zimbabwe e Zâmbia), a pretexto de um incidente entre portugueses e Macololos.[1] A zona era reclamada por Portugal, que a havia incluído no famoso Mapa cor-de-rosa, reclamando a partir da Conferência de Berlim uma faixa de território que ia de Angola à contra-costa, ou seja, a Moçambique. A concessão de Portugal às exigências britânicas foi vista como uma humilhação nacional pelos republicanos portugueses, que acusaram o governo e o rei D.Carlos I de serem os seus responsáveis. O governo caiu, e António de Serpa Pimentel foi nomeado primeiro-ministro. O Ultimato britânico inspirou a letra do hino nacional português, "A Portuguesa". Foi considerado pelos historiadores Portugueses e políticos da época a acção mais escandalosa e infame da Grã-Bretanha contra o seu antigo aliado.[2]

Em meados do século XIX, durante a chamada "partilha de África", Portugal reclamou vastas áreas do continente africano baseado no "direito histórico", alicerçado na primazia da ocupação, entrando em colisão com as principais potências europeias. A crescente presença inglesa, francesa e alemã no continente ameaçavam a hegemonia portuguesa, como alertou Silva Porto, comerciante sediado no planalto do Bié que, assistindo aos movimentos, solicitou um destacamento português.[3] A partir da década de 1870 ficou claro que o direito histórico não bastava: à intensa exploração científica e geográfica europeia seguia-se muitas vezes o interesse comercial. Entre 1840 e 1872 David Livingstone explorou a África central, onde pouco depois se instalou a Companhia Britânica da África do Sul. Em 1874 Henry Morton Stanley explorou a bacia do rio Congo e foi financiado pelo rei Leopoldo II da Bélgica, que em 1876 criou uma associação para colonizar o Congo ignorando os interesses portugueses na região.[4]

Em 1875 setenta e quatro subscritores, entre os quais Luciano Cordeiro, fundaram a Sociedade de Geografia de Lisboa para apoiar a exploração, tal como as congéneres europeias[5]. Foi então criada a Comissão de África que preparou as primeiras grandes expedições de exploração científico-geográfica, financiadas por subscrição nacional, de Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Serpa Pinto, que entre 1877 e 1885 mapearam o território. Pretendiam fazer o reconhecimento do rio Cuango, das suas relações com o rio Congo e comparar a bacia hidrográfica deste com a do Zambeze, concluindo assim a carta da África centro-austral (o famoso Mapa cor-de-rosa) e mantendo "estações civilizadoras" portuguesas no interior do continente. Entretanto, o ministro dos negócios estrangeiros João de Andrade Corvo procurou reafirmar a tradicional Aliança Luso-Britânica, propondo abrir Moçambique e Goa ao comércio e navegação britânicos[6] que em troca reconheciam as suas exigências no Congo.

Em 1883 Portugal ocupou a região a norte do rio Congo. Contudo, na Conferência internacional de Berlim (18841885) convocada por Bismark para fixar as zonas de influência de cada potência em África e dirimir conflitos - incluindo a oposição Portuguesa e Britânica à expansão de Leopoldo II- a aliança decepcionou. Sob pressão da Alemanha e da França, Portugal perdeu o controlo da foz do Congo para Leopoldo II da Bélgica.[6] Do Congo português apenas Cabinda se manteve: em Fevereiro de 1885, os notáveis de Cabinda assinaram o Tratado de Simulambuco, pelo qual aceitavam ser um protectorado da coroa portuguesa.[7]

A exigência da «ocupação efectiva» sobre a ocupação histórica, determinada pela Conferência de Berlim [8] obrigou a agir. O estado português diversificou então os contactos internacionais, cedendo à França na Guiné, e à Alemanha no Sul de Angola,[9] em troca do reconhecimento às terras interiores entre Angola e Moçambique. Nascia assim o chamado Mapa Cor-de-Rosa, tornado público em 1886, reclamando uma faixa de território que ia de Angola à contra-costa ou seja, a Moçambique. Para sustentar a reclamação de soberania foram desencadeadas diversas campanhas de exploração e avassalamento dos povos do interior e a resistência foi combatida com as chamadas Campanhas de Conquista e Pacificação conduzidas pelas forças armadas.

Conflito e ultimato

[editar | editar código-fonte]
Mapa mostrando o controlo britânico quase completo da rota do Cabo ao Cairo, 1914

Em 1887, ao saber dos planos portugueses, o primeiro-ministro britânico lord Salisbury recusou reconhecer os territórios que considerou não "ocupados com forças suficientes para manter a ordem, proteger estrangeiros e controlar nativos". Portugal tentou fechar o Rio Zambeze à navegação, reclamou o vale do Niassa, numa faixa que isolava as colónias britânicas a sul.[10]

Em Janeiro de 1890 Paiva Couceiro estacionara com 40 soldados no Bié, em Angola, a caminho do Barotze para tentar obter a "avassalamento" do soba Levanica.[11]. Simultaneamente, junto ao lago Niassa, em Moçambique, as forças de Serpa Pinto arreavam as bandeiras inglesas, num espaço cobiçado e monitorizado pelo Reino Unido.

A 11 de Janeiro de 1890, a pretexto do «incidente Serpa Pinto», é exigida pelo Reino Unido a imediata retirada das forças militares portuguesas no território compreendido entre Moçambique e Angola, no actual Zimbabwe. Portugal abandonou as suas pretensões que Lord Salisbury considerava baseadas "argumentos arqueológicos" de ocupação:[10] a expansão colonial africana terminou.

As pretensões portuguesas expressas no mapa cor-de-rosa entravam em conflito com a Companhia Britânica da África do Sul e o megaprojecto inglês de criar uma ferrovia que atravessaria o todo o continente africano de norte a sul, ligando o Cairo à Cidade do Cabo. Este projecto promovido por Cecil Rhodes acabaria por nunca se realizar, pelas enormes dificuldades posta pela sua dimensão, os obstáculos do clima e geografia, e a oposição portuguesa com o mapa cor-de-rosa seguindo-se o Incidente de Fachoda entre 1898 e 1899, que colocou a França e Inglaterra à beira de uma guerra.

A impossibilidade de resistência levou à imediata queda do governo português[12], sendo nomeado a 14 de Janeiro um novo ministério presidido por António de Serpa Pimentel. Inicia-se um profundo movimento de descontentamento social, implicando directamente a família reinante, vista como demasiado próxima dos interesses britânicos, na decadência nacional patente no ultimato. Os republicanos capitalizam este descontentamento, iniciando um crescimento e alargamento da sua base social de apoio.

Alimentando esse ambiente de quase insurreição, a 23 de Março, António José de Almeida, estudante universitário em Coimbra e futuro presidente da república, publica um artigo com o título Bragança, o último, que será considerado calunioso para o rei e o levará à prisão. A 1 de Abril, no Cuíto, em Angola, o velho explorador Silva Porto imolou-se envolto numa bandeira portuguesa após negociações falhadas com os locais, sob ordens de Paiva Couceiro, que atribuiu ao ultimatum. A morte do que fora um dos rostos da exploração interior africana (chegando ao Barotze) gerou uma onda de comoção nacional[13] e o seu funeral foi seguido por uma multidão no Porto.[14] [15]. A 11 de Abril é posto à venda o Finis Patriae de Guerra Junqueiro ridicularizando a figura do rei.

Formalizando a cedência portuguesa, a 20 de Agosto é assinado o Tratado de Londres entre Portugal e a Grã-Bretanha, definindo os limites territoriais de Angola e Moçambique. O tratado foi publicado no Diário do Governo de 30 de Agosto e apresentado ao parlamento na sessão de 30 de Agosto, o que desencadeia novos protestos e nova queda do governo. Um ano depois, em 11 de junho de 1891, a Questão do Barotze, referente ao estabelecimento das fronteiras de Angola nos limites ocidentais do território de Barotze foi resolvida entre Portugal e a Grã-Bretanha foi declarado que o reino Barotse estava dentro da esfera de influência britânica com a arbitragem de Vítor Emanuel III da Itália.[16]

Em consequência da cedência aos interesses britânicos, aparece em Lisboa a Liga Liberal, movimento de protesto presidido por Augusto Fuschini com a participação de João Crisóstomo contra o Tratado de Londres. A Liga promoveu uma reunião, no Teatro de São Luís, em que participaram cerca de 400 oficiais fardados. Após 28 dias de crise política é nomeado a 14 de Outubro um governo extra-partidário, presidido por João Crisóstomo. O governo é apoiado pela Liga Liberal, retomando-se progressivamente a calma.

Estes acontecimentos desencadeados pelo ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890 marcaram de forma indelével a evolução política portuguesa, desencadeando uma cadeia de acontecimentos que levará ao fim da monarquia constitucional e à implantação da república em 5 de Outubro de 1910 e ao reforço na consciência colectiva portuguesa do apego ao império colonial, que depois teve pesadas consequências ao longo do século XX.

Referências

  1. Negócios Estrangeiros, Ministro e Secretário de Estados dos Negócios Estrangeiros (1890). Negócios externos: documentos apresentados ás Cortes na sessão legislativa de 1890 pelo Ministro e Secretario d'Estado dos Negócios Estrangeiros: Negócios da Africa oriental e central: correspondencia com a Inglaterra e documentos correlativos até 13 de Janeiro de 1890. Lisboa: Imprensa Nacional. p. 198-199 
  2. João Ferreira Duarte, The Politics of Non-Translation: A Case Study in Anglo-Portuguese Relations
  3. Santos, Maria Emília Madeira (1983). Silva Porto e os problemas da África portuguesa no século XIX. Série Separatas / Centro de Estudos de Cartografia Antiga. 149. Coimbra: Junta de Investigações Científicas do Ultramar. p. 27 
  4. Educaterra/ História por Voltaire Shilling. «Stanley e Leopoldo II». 2002. Consultado em 22 de Outubro de 2010. Arquivado do original em 5 de maio de 2010 
  5. Sociedade de Geografia de Lisboa. «História». 2010. Consultado em 22 de Outubro de 2010 
  6. a b Ramos 2009, pp. 550—551.
  7. Porto, João Gomes. «Cabinda. Notes on a soon-to-be-forgotten war». Institute for Security Studies. Consultado em 25 de outubro de 2010. Arquivado do original em 21 de agosto de 2010  |accessdate= e |acessodata= redundantes (ajuda)
  8. Hammond, Richard James (1966). Portugal and Africa, 1815-1910: a study in uneconomic imperialism. [S.l.]: Stanford University Press. ISBN 0804702969 
  9. Ramos 2009, p. 551.
  10. a b A.W. Ward, G.P. Gooch (1922). The Cambridge history of British foreign policy 1783-1919. [S.l.]: Cambridge University Press 
  11. «Vasco Pulido Valente, "Henrique Paiva Couceiro — um colonialista e um conservador". Análise Social, volume XXXVI (160), 2001, pp. 767-802.» (PDF) 
  12. 41.º Governo da Monarquia Constitucional
  13. Santos, Maria Emília Madeira (1983). Silva Porto e os problemas da África portuguesa no século XIX. Série Separatas / Centro de Estudos de Cartografia Antiga. 149. Coimbra: Junta de Investigações Científicas do Ultramar. p. 27 
  14. «Silva Porto: do Brasil a África». 24 de fevereiro de 2008. Consultado em 7 de maio de 2010 
  15. Pélissier, René (2006). Campanhas coloniais de Portugal, 1844-1941. [S.l.]: Estampa. p. 27. ISBN 9723323052 
  16. Encyclopædia Britannica (1911). «1911 Encyclopædia Britannica/Barotse and Barotseland». Consultado em 25 de Outubro de 2010 

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]