Escravidão moderna em Bento Gonçalves

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Crime de
Escravidão em Bento Gonçalves
Crime
no Código Penal Brasileiro
Título Bento Gonçalves tem cerca de 115 mil moradores e foi colonizada por migrantes italianos

Escravidão moderna em Bento Gonçalves refere-se a um caso em que 207 trabalhadores eram mantidos em situação análoga à escravidão na cidade de Bento Gonçalves, na região vinícola do Rio Grande do Sul. O crime foi desmantelado em fevereiro de 2023, após três homens fugirem do local onde ficavam confinados e procurarem a polícia. O Ministério Público Federal (MPF) declarou que as pessoas foram "resgatadas (...) em condições degradantes".[1][2][3]

Pedro Augusto Oliveira de Santana, dono da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, que recrutava os trabalhadores, a maioria da Bahia, foi acusado pelo crime. Ele chegou a ser preso, mas aguarda o final das investigações em liberdade. Segundo o portal Metrópoles, Santana "já teve uma de suas empresas investigadas por crimes semelhantes em Santa Catarina", em 2012 e 2015.[4][1][5]

O caso repercutiu na grande imprensa nacional, em portais como o g1, CNN Brasil, Folha de S.Paulo, entre outros.[6][7]

Contexto[editar | editar código-fonte]

Parreiral em Bento Gonçalves: colheita da uva atrai centenas de trabalhadores todos os anos (imagem meramente ilustrativa)

Todos os anos, durante a vindima - época da colheita da uva - centenas de trabalhadores temporários são contratados para trabalharem na serra gaúcha, tanto em grandes propriedades, como nas menores.[1]

Crime[editar | editar código-fonte]

A maioria dos trabalhadores havia vindo da Bahia, recrutados para a temporada da vindima de 2022-2023. Eles ficaram alojados numa propriedade do bairro Borgo, em Bento Gonçalves, onde eram submetidos a trabalho análogo à escravidão e maus-tratos. Para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) eles contaram que foram sujeitos a situações de agressão com choques elétricos e spray de pimenta, cárcere privado e agiotagem. "Como foram recrutados na Bahia, já vieram na viagem para o local de trabalho com dívidas de alimentação e transporte. Fora isso, todo o consumo deles no alojamento era anotado num caderno do mercado local, que vendia os produtos a preços extorsivos. Além disso, eles relataram que iniciavam o trabalho as quatro da manhã e iam até as oito ou nove horas da noite, numa jornada extremamente exaustiva", reportou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).[1][2]

Duzentos e sete (207) trabalhadores foram resgatados.[3]

Envolvimento de grandes vinícolas[editar | editar código-fonte]

Entre as grandes vinícolas da região, a Aurora, a Garibaldi e a Salton usaram a mão-de-obra terceirizada e, após o crime ser descoberto, pediram desculpas públicas, com todas repudiando o caso de escravidão moderna. A Aurora, última a se manifestar, divulgou uma nota onde se lê que "os recentes acontecimentos envolvendo nossa relação com a empresa Fênix nos envergonham profundamente".[1]

Investigações, prisão e julgamento[editar | editar código-fonte]

Após três dos trabalhadores conseguirem fugir do alojamento e procurarem a Polícia Rodoviária Federal (PRF), os policiais comunicaram o (MTE). O auditor fiscal do Trabalho, Vanius João de Araújo Corte, fez a inspeção do local, constatando as denúncias, e, na noite de 22 de fevereiro, numa quarta-feira, a PRF resgatou, inicialmente, 150 trabalhadores.[2][5]

Pedro Augusto Oliveira de Santana, de 45 anos e nascido em Valente, na Bahia, foi preso e encaminhado para a delegacia da Polícia Federal (PF) de Caxias do Sul, sendo depois levado para um presídio em Bento Gonçalves.[5]

Santana foi solto posteriormente, através de um habeas corpus.[1]

Segundo o portal Metrópoles, o empresário "já teve uma de suas empresas investigadas por crimes semelhantes em Santa Catarina", em 2012 e 2015.[4]

Reações[editar | editar código-fonte]

No dia 22 de fevereiro de 2023, após a ação do MTE, a prefeitura de Bento Gonçalves se solidarizou e disponibilizou imediatamente um ginásio com colchões e outros equipamentos para receber os trabalhadores resgatados. O MTE também acordou com os envolvidos o pagamento das indenizações e direitos trabalhistas e liberou o pagamento de três (03) parcelas de seguro-desemprego.

No dia 27, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, disse durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, que "o caso dos trabalhadores resgatados em situação semelhante à de escravo (...) mostra a necessidade de uma Política Nacional de Direitos Humanos”.[8]

No dia 28, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) suspendeu a participação das vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton de suas atividades. "A ApexBrasil é um serviço social autônomo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que promove os produtos brasileiros no exterior", explica o g1.[1]

Também no dia 28, na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, o vereador bolsonarista Sandro Luiz Fantinel (Patriota), em um discurso xenofóbico, posicionou-se favoravelmente ao acusado, dizendo, entre outras coisas:[9]

"E agora o patrão vai ter que pagar empregada para fazer a limpeza todo dia para os 'bonitos' também? É isso que tem que acontecer? Temos que botar eles em hotel cinco estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho? Não contratem mais aquela gente 'lá de cima'."

Eduardo Leite, governador do RS, condenou o crime

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, no mesmo dia, repudiou a fala: "não representa o povo do Rio Grande do Sul. Não admitiremos esse ódio, intolerância e desrespeito na política e na sociedade. Os gaúchos estão de braços abertos para todos, sempre", escreveu no Twitter. Em reunião, ele também criou um grupo de trabalho para intensificar a fiscalização no estado de trabalhadores que trabalham nas colheitas da uva e maçã.[10][11]

A fala causou revolta entre membros do partido Patriota, e Fantinel foi expulso a sigla em 1.º de março. Ele também virou réu numa ação do MPF por "discurso de caráter xenofóbico e discriminatório em relação à origem geográfica, em especial a população que nasceu ou vive no estado da Bahia."[2]

No dia 02, a Câmara Municipal de Caxias do Sul aprovou, por unanimidade (21 votos favoráveis e nenhum contrário), a abertura de processo de cassação do mandato de Fantinel. Dias antes, o presidente da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, José Pascual Dambrós (PSB), havia dito que "a fala de um vereador não representa a cidade".[12][13]

Desdobramentos[editar | editar código-fonte]

No dia 10 de março, as três vinícolas acordaram num Termo de Ajuste de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) o pagamento de R$ 7 milhões de indenização por danos morais individuais e coletivos, sendo que R$ 2 milhões serão destinados aos trabalhadores resgatados e R$ 5 milhões, revertidos para entidades, fundos ou projetos voltados para a reparação do dano. Já Pedro Santana se negou a assinar a TAC, tendo a Justiça autorizado o bloqueio de 3 milhões de reais pertencentes ao empresário para o pagamento de indenizações.[14]

Referências

  1. a b c d e f «Vinícola Aurora pede desculpas e diz estar envergonhada por usar mão de obra de trabalhadores em situação semelhante à escravidão». G1. Consultado em 5 de março de 2023 
  2. a b c «Inspeção do Trabalho resgata 208 trabalhadores de trabalho análogo ao de escravo em Bento Gonçalves (RS)». Ministério do Trabalho e Previdência. Consultado em 5 de março de 2023 
  3. a b «Unidades do MPT na Bahia e no Rio Grande do Sul divulgam nota conjunta». 3 de março de 2023 
  4. a b «Preso por trabalho escravo no RS já foi investigado em SC | Metrópoles». www.metropoles.com. 2 de março de 2023. Consultado em 5 de março de 2023 
  5. a b c «Empresário é preso por manter 150 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves, diz polícia». G1. Consultado em 5 de março de 2023 
  6. CNN, Da. «MPT dá 10 dias para vinícolas entregarem documentos sobre denúncias de trabalho escravo no RS». CNN Brasil. Consultado em 5 de março de 2023 
  7. «Vereador gaúcho é alvo de processo de cassação após discurso contra baianos». Folha de S.Paulo. 2 de março de 2023. Consultado em 5 de março de 2023 
  8. «Ministro dos Direitos Humanos pede ações sobre trabalho escravo no Sul». Agência Brasil. 27 de fevereiro de 2023. Consultado em 5 de março de 2023 
  9. «Sandro Fantinel: quem é o vereador gaúcho bolsonarista que ofendeu baianos e foi expulso do Patriota». Estadão. Consultado em 8 de março de 2023 
  10. «Governador do RS condena fala de vereador contra baianos em caso de trabalho escravo: 'nojento'». G1. Consultado em 5 de março de 2023 
  11. «Estado forma grupo de trabalho para alinhar ações sobre o caso dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão». Portal do Estado do Rio Grande do Sul. 28 de fevereiro de 2023. Consultado em 5 de março de 2023 
  12. «Câmara de Caxias do Sul abre processo de cassação contra vereador». Agência Brasil. 2 de março de 2023. Consultado em 5 de março de 2023 
  13. «Vereador de Caxias do Sul que fez discurso contra baianos é expulso de partido». G1. Consultado em 5 de março de 2023 
  14. «Salton, Aurora e Garibaldi pagarão R$ 7 milhões em indenização após resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão». G1. Consultado em 10 de março de 2023