Infoeducação

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A infoeducação é uma abordagem teórico-prática (especialidade acadêmica) das relações entre os domínios da informação e educação, voltada à compreensão de vinculações entre apropriação simbólica e dispositivos culturais, como condição à sistematização de referenciais teóricos e metodológicos necessários ao desenvolvimento de aprendizagens e dispositivos informacionais pautados na noção do conhecimento como um processo que implica sujeitos de palavra em diálogos com o patrimônio simbólico, como elemento essencial à formação de protagonistas culturais.[1] Ou seja, abordagem para vencer os reducionismos via informacionismo e pedagogismo. A infoeducação é concebida como um conjunto articulado de saberes e fazeres focados nas vinculações entre Informação e Educação, considerando-se seus aspectos conceituais, atitudinais e procedimentais. É modo de interrogar a informação, compreendê-la e participar afirmativamente de seus processos em perspectiva que ultrapassa aquela do exclusivo desenvolvimento de habilidades e competências para acesso e uso da informação por sujeitos competentes; na Infoeducação está em causa a relação, de um sujeito de palavra com a informação, como ato de produção de sentidos.[2][3]  

Origem do termo[editar | editar código-fonte]

No ano 2000, o então grupo de pesquisa Programa Serviços de Informação em Educação (PROESI), que tinha como criador e diretor científico o professor Edmir Perrotti, organizou um colóquio internacional na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) onde lançou a proposta da Infoeducação, termo cunhado por Perrotti para indicar a necessidade de trabalhar em uma abordagem teórico-prática que conseguisse vencer reducionismos colocados tanto pelo informacionismo como pelo pedagogismo. Com esse neologismo (informação + educação) buscou sintetizar, em termos conceituais e práticos, certas questões que vinham sendo observadas em pesquisas realizadas sob sua orientação  e que tinham como objetivo, naquele momento, a produção de conhecimentos teóricos e práticos em torno das relações entre Biblioteca e Educação especificamente no contexto brasileiro. De um lado, a Infoeducação constituiu um ponto de chegada de pesquisas que tiveram início no começo dos anos de 1980, na ECA/USP, primeiramente desenvolvidas individualmente sendo que ao final desta década já havia o envolvimento de outros pesquisadores, constituindo equipes multidisciplinares. De outro lado, a Infoeducação passa a configurar um ponto de partida para novas pesquisas que passaram a ser desenvolvidas inscrevendo seus objetos de estudo em quadros mais amplos que implicam as relações entre os campos da Informação e Educação.  Com isso, as pesquisas passam a se ocupar da dimensão formativa da informação, tomada como dispositivo que implica diversos aspectos de conteúdo e de formas tecno-semio-pragmáticas.[2][4]  

A criação do termo sinalizava então para a importância da superação de perspectivas que fragmentam os saberes em compartimentos estanques e de ações educativas  e culturais  que transferem aos aprendizes a responsabilidade por estabelecer conexões entre saberes sem lhes fornecer condições para tanto, como se a apropriação simbólica fosse ato natural que dispensa aprendizagens.[3]

Abordagem teórico-prática[editar | editar código-fonte]

O contexto informacional contemporâneo, marcado pela explosão informacional, não diz respeito unicamente a novos modos de produção, distribuição e recepção de signos. Refere-se, sobretudo, a novos modos de nos definirmos, de ser estar e se relacionar com o mundo, pois a relação com os signos é ato de produção de sentidos. Nesse sentido, a problemática das relações entre Informação e Educação demandava redimensionamentos, com vistas a novos olhares e formulações ao enfrentamento da questão da relação dos sujeitos com o patrimônio simbólico.[3]

Nesse sentido, a Infoeducação emerge como abordagem teórico-prática num contexto de transformações que não podem ser desconsideradas e, tampouco, acatadas como se tivessem origem no mundo dos fenômenos naturais. Assumindo-se tais transformações em sua dimensão sociocultural, a Infoeducação não reduz os processos educacionais a uma estratégia de sobrevivência face ao inevitável, e assume a educação como processo que implica criação e imaginação, dimensões que estabelecem intrínseca relação com o repertório simbólico – as informações.  Logo, aprender é tomado como ato afirmativo de sujeitos com o conhecimento, saberes, signos e significações, é ato criador que se dá em processos de trocas mútuas com a cultura, com o mundo e consigo mesmo. Com isso, a infoeducação se filia a concepções educacionais situadas além das instrucionais.[4]

Em face disso, na abordagem da Infoeducação além do acesso às informações, está em causa saber avaliá-las, selecioná-las e situá-las em relação à nossa qualidade de vida, enquanto seres humanos que vivem juntos num mundo comum a todos. Portanto, cabe aos sujeitos definir e não apenas serem definidos pelos contextos culturais em que vivem, perspectiva que implica tomar os sujeitos, em suas relações com o universo informacional, como protagonistas culturais, sujeitos de palavra que produzem sentidos e não apenas os assimilam. Volta-se então à autonomia intelectual, a formação de sujeitos aptos a transformarem informação em conhecimentos.[3][5] Se, de um lado, algumas respostas vêm sendo dadas pelas bibliotecas ao enfrentamento da problemática da relação dos sujeitos com o universo simbólico, por outro, cabe indicar que em geral seguem uma direção técnica ou então didática. Na abordagem técnica a modernização tecnológica está em causa e confunde-se acesso a suportes com acesso à informação. Já na abordagem didática alia-se a distribuição de recursos tecnológicos ao desenvolvimento de competências, portanto, além do acesso a conteúdos informacionais está em causa ensinar a informação, perspectiva que amplia o papel educativo das bibliotecas, propondo que adentre na esfera de ensinar objeto que lhe é próprio: a informação.[2][6]

No entanto, essas discussões vêm sendo amplamente apresentadas sob a forma de procedimentos e habilidades para acesso e uso da informação, deixando de lado interrogações sobre a própria informação em termos ontológicos, históricos e sociais desconsiderando, assim, dimensão epistêmica essencial e inerente aos processos educativos. Ou seja, são perspectivas que se limitam a problematizar níveis funcionais, procedimentais de uso da informação[2]Embora prescrições possam ter um efeito prático importante, dada sua imediatez adaptativa, quando tomadas como categorias fundantes no campo do conhecimento, desconsideram condições atuantes e afirmativas implicadas nos atos de apropriação cultural. Essas questões levam então a interrogar “Como ensinar informação para além de procedimentos de uso?” o que leva a pontuar que, antes que prescrever, a Infoeducação visa explicar. Ou seja, ela compreende a dimensão epistêmica tanto dos saberes como das aprendizagens informacionais. Portanto, como se informar e informar são elementos articulados a outras questões como: por que informar e se informar? Qual a razão de se informar e informar questões essenciais a serem consideradas seja em condições de falta ou saturação informacional.[2]

Trama conceitual[editar | editar código-fonte]

Os seguintes conceitos compõem a rede conceitual da Infoeducação:

Apropriação cultural[editar | editar código-fonte]

A apropriação cultural refere-se ao ato de transformar aquilo que se recebe (algo que existe) em algo próprio a partir das experiências individuais[7] (CHARTIER 1999). A apropriação é então um modelo de posse em que se objetiva adaptar alguma coisa a si, transformando-a em suporte de expressão de si mesmo. Ou seja, além de tomada de um objeto/conteúdo, a apropriação cultural é modo de agir com/no mundo e seus fenômenos sendo, portanto, ação implicada na construção do sujeito, aquele que intervém no real.[8]

Dialogia[editar | editar código-fonte]

O diálogo tem condições de possibilidade quando há reciprocidade, quando o indivíduo vivencia a relação do eu com o outro, também, a partir do lugar do outro, sem, entretanto, abdicar de sua especificidade. Dialogar, nessa perspectiva, não implica sons ou gestos, mas, sim, um encontro verdadeiro, quando cada um volta-se ao outro tornando o outro também presente. Nesse sentido, a própria existência do Eu somente é possível quando me dirijo ao outro – ao Tu – aceitando-o em sua alteridade. De outro lado, se o Eu somente se realiza plenamente quando em relação com o mundo, com o outro, a construção de uma relação dialógica visará a atitude dos sujeitos em suas relações consigo, com os outros e com o mundo[9].Em relação aos dispositivos informacionais, como as bibliotecas, essa noção sinaliza para a importância da busca de meios ao estabelecimento de relações entre um dispositivo de caráter técnico e seus públicos. De outro lado, se o Eu somente se realiza plenamente quando em relação com o mundo, com o outro, a construção de uma relação dialógica visará a atitude dos sujeitos em suas relações consigo, com os outros e com o mundo, incluindo-se aí o universo simbólico. Perspectiva que coloca em pauta o desafio da biblioteca ser constituída enquanto instância ocupada com processos de construção de novos saberes a partir de uma situação dialógica que promova a interação e o compartilhamento de mundos distintos, contudo, inscritos numa mesma coletividade[10]

Infoeducador[editar | editar código-fonte]

Infoeducador é profissional que atua tendo em vista auxiliar processos de apropriação cultural, de desenvolvimento de saberes informacionais e atitudes, contribuindo para que as pessoas conheçam o que é a informação. Na medida em que a Infoeducação é dinâmica e orgânica, o Infoeducador atua nos processos de relações dos sujeitos com a informação também como um aprendiz em meio a uma experiência colaborativa.[4] Diversos atores podem estar envolvidos no processo da infoeducação como: professores, bibliotecários, museólogos, arquivistas entre outros profissionais diretamente implicados em processos de disseminação de informação.[11]

Mediação cultural[editar | editar código-fonte]

A noção de mediação cultural é difundida especialmente no período posterior à Segunda Guerra Mundial, contexto em que a informação passa a adquirir centralidade na vida cotidiana[12]. A mediação cultural é conceito empregado para descrever e analisar processos diversos em contextos específicos. Portanto, é possível abordar  mediação cultural em teatros, museus, bibliotecas, etc., sendo que nas bibliotecas pode envolver processos que vão desde o desenvolvimento dos acervos até sua disponibilização ao público[13]. A mediação realiza-se tanto pelo emprego de técnicas como de saberes específicos, constituindo-se como esfera de significação. O termo compreende diferentes elementos que envolvem o ser humano em sua trajetória como ser vivente, desde sua natureza, sua história e o meio em que se encontra[14]. A mediação cultural é conceito que contribui às discussões teóricas sobre questões simbólicas relativas à comunicação da espécie humana.  A mediação é fenômeno que auxilia a compreender a difusão – no espaço e no tempo – de formas da linguagem e de formas simbólicas que produzem significação partilhada em dada sociedade. Embora compreenda um processo individual, a mediação é ação compartilhada e colaborativa, produz sentidos, ela entra em relação com os sentidos dos objetos, dos sujeitos e dos respectivos contextos[15][16] É possível caracterizá-la como

conjunto de práticas sociais desenvolvidas em distintos domínios institucionais e que objetivam construir um espaço determinado e legítimo para as relações que neles se manifestam.[15]

Protagonismo cultural[editar | editar código-fonte]

Protagonismo cultural é termo que compreende ação afirmativa de sujeitos em processos simbólicos, considerando-se dimensões plurais da vida sociocultural e pública na contemporaneidade. As ações daquele que é protagonista, por um lado, apresentam dimensão própria, inscrita na condição de indivíduo do sujeito e, de outro, revelam dimensão plural daquele que pertence e é, também, pertencido por um grupo, uma cultura e uma espécie inserido num mundo que é comum a todos. A apropriação simbólica - de informação e cultura - é ato de protagonistas, distinta de abordagens que delimitam usuários e consumidores culturais nos domínios da educação e cultura. O protagonista, em suas inter-relações com conhecimento e cultura, cria e também se recria em meio a uma dinâmica na qual é ao mesmo tempo sujeito e objeto dos processos em que se encontra inserido[1].

Saberes informacionais[editar | editar código-fonte]

Os saberes informacionais caracterizam-se como meta-conhecimentos, ou seja, conhecimentos sobre o próprio conhecimento. São, ao mesmo tempo, instrumentais e essenciais, procedimentais e conceituais, transversais e específicos, auxiliam a conhecer o conhecimento, servindo como instrumento para que os sujeitos possam atuar em diversos campos do conhecimento, refletindo sobre sua natureza e processos[3] . Portanto, não se trata de conteúdos conceituais ou procedimentais de determinadas áreas. Sob o termo está reunido:

conjunto complexo de habilidades, competências e atitudes que, devidamente descrito e inter-relacionado, permite não só a apropriação de tais saberes sob perspectivas operacionais, indispensáveis à sobrevivência nas ‘sociedades da informação”, como também o questionamento de seus princípios, dinâmicas e processos, tendo em vista a compreensão e a atuação afirmativa na lógica de nosso tempo[3].

Teses e dissertações[editar | editar código-fonte]

A seguir estão relacionadas teses e dissertações desenvolvidas em diálogo com a abordagem da Infoeducação:

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Perrotti, Edmir & Pieruccini, Ivete (2007). «Capítulo Infoeducação: saberes e fazeres da contemporaneidade» (PDF). In: Lara, Marilda Lopez G.; Fujino, Asa & Noronha, Daisy Pires. Informação e contemporaneidade: perspectivas. Recife: Néctar. pp. 46–97 
  2. a b c d e Perrotti, Edmir; Pieruccini, Ivete (2016). «Infoeducação: ceci n´est pas une pipe : à la recherche d´une troisième rive». Mediadoc. 16: 18-23 
  3. a b c d e f Perrotti, Edmir & Pieruccini, Ivete (2013). «Capítulo Novos saberes para a educação do século XXI» (PDF). In: Mendonça, Rosa Helena & Martins, Magda Frediani. Salto para o futuro: tv, educação e formação de professores : salto para o futuro 20 anos, volume 4. Brasília: TV Escola. pp. 9–25. ISBN 978-85- 60792-05-4 
  4. a b c Perrotti, Edmir. jul/dez. 2016. «Infoeducação: um passo além científico-profissional.». Inf.Prof. Informação@Profissões 
  5. Morin, Edgar (2000). Os setes saberes necessários à educação do futuro. (PDF). Brasília: UNESCO 
  6. Serres, Alexandre (2014). «Capítulo Culture de l'information à l'université: savoir en jeux, enjeux de savoirs». In: Liquete, V. Cultures de l'information. Paris: CNRS Editions. pp. 115–137 
  7. Chartier, Roger (1999). A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP: Imprensa Oficial 
  8. Serfaty-Garzon, Perla (2003). «L'appropriation». Dictionnaire critique de l´habitation et du logement. Paris: Armand Colin. pp. 27–30 
  9. Buber, Martin (1982). Do diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva 
  10. Zitkoski, José (2008). «Diálogo/dialogicidade». In: Streck, Danilo; Redin, Euclides & Zitkoski, Jaime. Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica. pp. 117–118 
  11. Perrotti, Edmir (2008). A aventura de conhecer: entre a falta e excesso de informação. (PDF). [S.l.]: Salto para o futuro. ISSN 1982-0283 
  12. Perrotti, Edmir; Pieruccini, Ivete (2014). «A mediação cultural como categoria autônoma». Informação & informação: 1-22. Consultado em 13 março 2021 
  13. Davallon, Jean (2007). «A mediação: a comunicação em processo?». Porto. Prisma.com: revista de ciências e tecnologias de informação e comunicação: 4-37. Consultado em 14 março 2021 
  14. Matín-Barbero, Jesús (1987). De los medios a las mediaciones: comunicacion, cultura y hegemonia. Barcelona: Gustavo Gili 
  15. a b Caune, Jean (2000). «La médiation culturelle: une construction du lien social». Les enjeux de l’information et de la communication. Consultado em 14 de março de 2021 
  16. Santos, Bruna Bomfim Lessa dos & Gomes, Henriette Ferreira (2015). «Bibliotecas públicas do Brasil e o uso de dispositivos de comunicação da web social: o Facebook como espaço de mediação da informação». ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 16, 2015, João Pessoa. Anais.... João Pessoa: UFPB