Realismo científico

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O realismo científico descreve a ciência a partir do seu objetivo e de suas conquistas. Ele interpreta que a ciência cria teorias científicas que visam descrever com veracidade as entidades (observáveis e inobserváveis) e os fenômenos que ocorrem no universo, considerando que eles são independentes da nossa capacidade de descobri-los. Além disso, a ciência seria capaz de construir conhecimento. De acordo com os realistas, as teorias científicas não são apenas instrumentos, mas também são descrições do mundo ou de certos aspectos do mundo.[1]

Na ciência, um "observável" significa, geralmente, algo que pode ser detectado a partir dos sentidos humanos. Para o realismo científico, um observável é aquilo que, em condições favoráveis, é capaz de ser percebido utilizando-se apenas do sistema sensorial. Então, nesse contexto, inobserváveis são elétrons, campos elétricos, prótons, entre outros.

Definição de realismo científico[editar | editar código-fonte]

Existem diferentes tipos de definições para o realismo científico, é útil distinguir aquelas que explicam-no em termos de suas conquistas daquelas que explicam-no em termos dos seus objetivos[2].

Objetivos do realismo científico[editar | editar código-fonte]

Podemos pensar a respeito do realismo científico em termos do objetivo epistêmico da investigação científica, ou seja, o que a ciência tem como objetivo fazer. O realista científico sustenta que a ciência tem como objetivo produzir descrições verdadeiras (ou aproximadamente verdadeiras) do mundo.

Conquistas do realismo científico[editar | editar código-fonte]

Existem também os que descrevem o realismo científico em termos das conquistas epistemológicas obtidas pelas teorias científicas e pelos modelos científicos. Nessa posição, alguns definem o realismo científico a partir da veracidade, ou da veracidade aproximada, das teorias científicas ou de alguns aspectos da teoria. Outros definem-no em termos do sucesso em relacionar observáveis e inobserváveis com os aspectos do mundo. Outros definem em termos da crença na ontologia das teorias científicas. Todas essas aproximações tem um compromisso com a ideia de que as melhores teorias científicas sobre observáveis e inobserváveis produzem um conhecimento sobre os aspectos do mundo.

Pode parecer que se o objetivo da ciência é descrever o aspectos do mundo com veracidade e supondo que a prática científica faz isso com sucesso, então a interpretação do realismo científico do ponto de vista do seu objetivo torna-se uma forma de caracterizá-lo a partir da sua conquista; no entanto, dizer que o objetivo da ciência é descrever o mundo não reflete no sucesso das práticas cientificas. Pensando dessa maneira, pode ser julgado que não é sempre que a ciência é efetiva, ou até mesmo a impossibilidade da sua realização. Sendo assim, normalmente os realistas comprometem-se em termos das conquistas das teorias científicas.

Três dimensões do realismo científico[editar | editar código-fonte]

O realismo tem compromissos metafísicos, semânticos e epistemológicos, que são descritos pelas seguintes proposições [2] [3]:

De acordo com a metafísica[4], o realismo científico compromete-se com a ideia de que o mundo em si não depende da existência das nossas mentes, ou seja, os fenômenos ocorrem e os objetos existem mesmo que não haja um estudo científico sobre eles. Com relação aos inobserváveis, é entendido que eles existam mesmo que não tenhamos a capacidade de medi-los.

Semanticamente, o realismo é comprometido com a interpretação literal das afirmações científicas sobre o mundo. Segundo os realistas, afirmações sobre entidades científicas, processos, propriedades e relações, sendo observáveis ou inobserváveis, devem ser interpretados literalmente possuindo valores verdadeiros. Logo, não faz sentido julgar que há algo oculto em uma teoria científica.

Epistemologicamente, o realismo está comprometido com a ideia de que as alegações teóricas têm interpretações literais e são independentes da nossa capacidade de medi-las, constituindo o conhecimento do mundo. Já os céticos acreditam que as teorias sobre inobserváveis não são capazes de formar conhecimento. Uma ideia geral é que as nossas melhores teorias científicas são descrições verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras de aspectos observáveis ou inobserváveis presentes no mundo e independem da nossa concepção. Embora essa visão epistemológica seja compartilhada por realistas, às vezes ela pode ser descrita de diferentes maneiras: alguns acreditam que a verdade é descrita pela teoria da correspondência [5] e outros veem como verdade deflacionária.

Os realistas acreditam que as nossas melhores teorias seguem os compromissos do realismo científico. É importante notar que o realista entende que algumas teorias científicas são descrições aproximadamente verdadeiras dos aspectos do mundo, e que mesmo com suas restrições para descrever fenômenos, elas podem auxiliar na criação de uma teoria mais completa que possa descrever com maior veracidade. Realistas asseguram a falseabilidade das teorias, ou seja, qualquer teoria pode ser refutada.

Defesa do realismo científico[editar | editar código-fonte]

Argumento do milagre[editar | editar código-fonte]

É um argumento[6] utilizado por realistas para justificar a visão que as nossa melhores teorias são provavelmente verdades. Se é feita uma afirmação teórica sobre uma entidade inobservável como uma explicação para um certo fenômeno, com base nisso é feita uma previsão. Supondo que a previsão é confirmada, se a teoria é dita errada, então o acontecimento da previsão foi apenas sorte, ou então os eventos preditos pela teoria ocorreram porque a teoria está correta. É muito mais coerente concluir que os eventos preditos pela teoria ocorreram porque a ela é correta, do que acreditar que foi um truque de sorte.

Corroboração[editar | editar código-fonte]

A corroboração [7] diz que se uma entidade ou propriedade inobservável é capaz de ser detectada por mais de um instrumento ou experimento, e estes usam processos ou mecanismos diferentes, e quando esses experimentos são reproduzidos mais de uma vez e obtêm o mesmo resultado, seria uma grande coincidência se o objeto de medida não existisse. Então, seria possível confirmar a existência da entidade ou propriedade.

Seletividade[editar | editar código-fonte]

Sabemos que existem teorias propostas que são falsas, e outras que são bem sucedidas, porém apoiam-se em princípios questionáveis. O desafio do realismo científico é definir quais são as “nossas melhores teorias”. Considerando que o sucesso das teorias está relacionado a aspectos que são verdadeiros, então, seria importante encontrá-los. Por isso a seletividade[7][2] é uma estratégia para identificar especificamente os aspectos de teorias científicas que atendem os compromissos (metafísicos, semântico e epistemológicos) que são requeridos pelo realismo científico, ao invés de considerar que qualquer teoria descreve verdadeiramente o mundo real. São apresentadas as três posições que defendem a seletividade e sustentam as ideias do realismo científico:

Explicacionista[editar | editar código-fonte]

Quando as entidades inobserváveis são indispensáveis para explicar por que essas teorias são bem sucedidas, podemos considerá-los como aspectos importantes da teoria. Por exemplo, se uma teoria que tem compromissos realistas postula a existência de um inobservável, e uma previsão inesperada é realizada tendo como explicação a presença deste inobservável e o processo de visualização (por exemplo um experimento) obtém sucesso, significa que o inobservável é um aspecto importante da teoria [2][7].

Realismo de entidade[editar | editar código-fonte]

Enfatiza a realidade de entidades[8] inobserváveis que podem ser fundamentadas na prática experimental, ou seja, é possível construir instrumentos que detectam diretamente ou indiretamente a presença da entidade. Isso apenas implica que que certas entidades postuladas por teorias científicas realmente existem.

Realismo estrutural[editar | editar código-fonte]

É a visão de que devemos ser realistas, não em conexão com as descrições das naturezas de objetos [9] (como entidades e processos inobserváveis) encontrados em nossas melhores teorias, mas sim no que diz respeito à sua estrutura. Ainda não convergiram sobre o que seria a estrutura, mas do ponto de vista epistêmico, podemos nos referir a estrutura como sendo descrições matemáticas da teoria científica.

Pensamentos contra o realismo[editar | editar código-fonte]

Antirrealismo[editar | editar código-fonte]

Qualquer posição que desacorde com o realismo é considerada antirrealista. Para isso, basta opor-se a um dos compromissos realistas (metafísico, semântico, epistemológico). Tradicionalmente, o instrumentalismo acredita que as entidades inobserváveis não existem e só podem ser utilizadas como ferramentas.

O idealismo ao contrário do realismo científico, acredita que o mundo é dependente de nossas mentes, ou seja, a realidade é essencialmente mental. A maioria das teorias científicas que são ditas falsas[6], como a mecânica newtoniana ainda seguem o pensamento realista, isso porque para baixas velocidades ou para corpos macroscópicos as leis de Newton ainda são válidas, então nesse caso a teoria é aproximadamente verdade, e isso é tolerado pelos realistas. Antes do século 19, acreditava-se que a luz era uma partícula sólida, porém no começo do mesmo século, constatou-se que a luz tinha propriedades de ondas, como a polarização e a interferência. Na época, as ondas precisavam de um meio para se propagar, no caso da radiação eletromagnética propuseram que esse meio era o éter. Esta teoria foi refutada pois descobriram que as ondas eletromagnéticas são explicadas em termos de um campo eletromagnético oscilante, e esses campos podem existir no vácuo. Nesse caso, os realistas não podem afirmar que a teoria era aproximadamente verdade ou não era bem sucedida. Eles afirmam que o que Augustin Fresnel chamou de éter, Albert Einstein chamou de campos eletromagnéticos, se Einstein tivesse referido-se a eles como éter, nós provavelmente acharíamos que o éter realmente existe, e a teoria do éter seria aproximadamente verdadeira [6].

Referências

  1. Popper, Karl (1980). Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora da Unb. p. 129 
  2. a b c d Edward N. Zalta (ed.). «Scientific Realism». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 3 de abril de 2015 
  3. Psillos, Stathis (2000). «The Present State of the Scientific Realism Debate». The British Journal for the Philosophy of Science 51: 705-728 
  4. Edward N. Zalta (ed.). «Challenges to Metaphysical Realism». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 2 de abril de 2015 
  5. Paulo Ghiraldelli Jr (ed.). «Teorias de Verdade – Brevíssima Introdução». Consultado em 3 de abril de 2015 
  6. a b c Cruse, Pierre (2003). «On Scientific Realism». Richmond Journal of Philosophy 3: 27-32 
  7. a b c de Assis, Emerson Ferreira (2010). Realismo e Racionalidade: o otimismo epistêmico em questão (Tese). São Paulo: Universidade de São Paulo (USP)  line feed character character in |título= at position 51 (ajuda);
  8. Sankey, Howard (2012). «Reference, Success and Entity Realism». Journal of Philosophy & Science: 31-42 
  9. Edward N. Zalta (ed.). «Structural Realism». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 3 de março de 2015