Grupo modular

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 Nota: Para um grupo cujo reticulado de subgrupos é modular, veja grupo de Iwasawa.

Em matemática, o grupo modular é o grupo linear especial projetivo PSL(2, Z) de matrizes 2 × 2 com coeficientes inteiros e determinante um. As matrizes A e A são identificadas. O grupo modular age na metade superior do plano complexo por meio de transformações fracionárias lineares, e o nome "grupo modular" vem da relação com espaços de módulos e não da aritmética modular.

Definição[editar | editar código-fonte]

O grupo modular Γ é o grupo das transformações fracionárias lineares da metade superior do plano complexo, que têm a forma

em que a, b, c, d são inteiros e adbc = 1. A operação do grupo é a composição de funções.

Este grupo de transformações é isomorfo ao grupo linear especial projetivo PSL(2, Z), que é o quociente do grupo linear especial bidimensional SL(2, Z) sobre os inteiros por seu centro {I, −I}. Em outras palavras, PSL(2, Z) consiste em todas as matrizes

em que a, b, c, d são inteiros, adbc = 1, e pares de matrizes A e A são considerados idênticos. A operação do grupo é a multiplicação de matrizes usual.

Alguns autores definem o grupo modular como PSL(2, Z), e ainda outros definem o grupo modular como o grupo maior SL(2, Z).

Algumas relações matemáticas requerem a consideração do grupo GL(2, Z) de matrizes com determinante mais ou menos um. (SL(2, Z) é um subgrupo deste grupo.) Da mesma forma, PGL(2, Z) é o grupo quociente GL(2, Z)/{I, −I}. Uma matriz 2 × 2 com determinante unitário é uma matriz simplética e, portanto, SL(2, Z) = Sp(2, Z), o grupo simplético de matrizes 2 × 2.

Obtenção dos elementos[editar | editar código-fonte]

Para encontrar elementos de SL(2, Z) explicitamente, há um truque que consiste em considerar dois inteiros coprimos , colocá-los na matriz

e resolver a equação determinante
Observe que a equação do determinante força que sejam coprimos, pois caso contrário haveria um fator de tal modo que , , consequentemente
não teria soluções inteiras. Por exemplo, se então a equação do determinante se torna
então tomando e obtém-se , consequentemente
é uma das matrizes. Então, usando a projeção, tais matrizes definem elementos em PSL(2, Z).

Propriedades da teoria dos números[editar | editar código-fonte]

O determinante unitário de

implica que as frações ab, ac, cd, bd são todas irredutíveis, isto é, não têm fatores comuns (desde que os denominadores não sejam nulos, é claro). Mais geralmente, se pq é uma fração na forma irredutível, então

também é irredutível (novamente, desde que o denominador seja diferente de zero). Qualquer par de frações irredutíveis pode ser conectado dessa maneira; isto é, para qualquer par de frações irredutíveis pq e rs, existem elementos

de tal modo que

Elementos do grupo modular fornecem uma simetria no reticulado bidimensional. Sejam ω1 e ω2 dois números complexos cuja razão não é real. Então o conjunto de pontos

é um reticulado de paralelogramos no plano. Um par diferente de vetores α1 e α2 irá gerar exatamente a mesma rede se, e somente se,

para alguma matriz em GL(2, Z). É por esta razão que as funções duplamente periódicas, como as funções elípticas, possuem uma simetria de grupo modular.

A ação do grupo modular sobre os números racionais pode ser mais facilmente compreendida visualizando-se uma grade quadrada, com o ponto da grade (p, q) correspondendo à fração pq (ver pomar de Euclides). Uma fração irredutível é aquela que é visível a partir da origem; a ação do grupo modular sobre uma fração nunca leva uma visível (irredutível) a uma oculta (redutível), e vice-versa.

Observe que qualquer membro do grupo modular mapeia a reta real estendida projetivamente biunivocamente consigo mesma e, além disso, mapeia bijetivamente a reta racional estendida projetivamente (os racionais com o infinito) consigo mesma, os irracionais com os irracionais, os números transcendentes com os números transcendentais, os números não reais com os números não reais, o semiplano superior com o semiplano superior, etc.

Se pn−1qn−1 e pnqn são dois convergentes sucessivos de uma fração contínua, então a matriz

pertence a GL(2, Z). Em particular, se bcad = 1 para inteiros positivos a, b, c, d com a < b e c < d então ab e cd serão vizinhos na sequência de Farey de ordem max(b, d). Casos especiais importantes de convergentes de frações contínuas incluem os números de Fibonacci e as soluções para a equação de Pell. Em ambos os casos, os números podem ser organizados para formar um semigrupo que é subconjunto do grupo modular.

Propriedades da teoria de grupos[editar | editar código-fonte]

Apresentação[editar | editar código-fonte]

Pode-se mostrar que o grupo modular pode ser gerado pelas duas transformações

de modo que todo elemento do grupo modular pode ser representado (de forma não única) pela composição de potências de S e T. Geometricamente, S representa a inversão no círculo unitário seguida pela reflexão em relação ao eixo imaginário, enquanto T representa uma translação de uma unidade para a direita.

Os geradores S e T obedecem às relações e (ST)3 = 1. Pode-se mostrar[1] que estes são um conjunto completo de relações, portanto o grupo modular tem a presentação:

Esta presentação descreve o grupo modular como o grupo triangular rotacional D(2, 3, ∞) (infinito, pois não há relação em T) e, portanto, pode ser mapeado sobre cada grupo triângular (2, 3, n) adicionando a relação , que ocorre, por exemplo, no subgrupo de congruência Γ(n).

Usando os geradores S e ST em vez de S e T, mostra-se que o grupo modular é isomorfo ao produto livre dos grupos cíclicos C2 e C3:

Grupo de trança[editar | editar código-fonte]

O grupo de trança B3 é a extensão central universal do grupo modular

O grupo de tranças B3 é a extensão central universal do grupo modular, com estes sendo reticulados dentro do grupo de cobertura universal (topológico) SL2(R) → PSL2(R). Além disso, o grupo modular tem um centro trivial e, portanto, o grupo modular é isomorfo ao grupo quociente de B3 por seu centro; equivalentemente, ao grupo de automorfismos internos de B3.

O grupo de tranças B3 por sua vez, é isomorfo ao grupo de nós do nó trifólio.

Quocientes[editar | editar código-fonte]

Os quocientes por subgrupos de congruência são de interesse significativo.

Outros quocientes importantes são os grupos triangulares (2, 3, n), que correspondem geometricamente a descer em um cilindro, quocientando a coordenada x módulo n, como . O grupo triangular (2, 3, 5) é o grupo de simetria icosaédrica, e o grupo triangular (e os ladrilhos associados) é a cobertura para todas as superfícies de Hurwitz.

Apresentação como um grupo matricial[editar | editar código-fonte]

O grupo pode ser gerado pelas duas matrizes[2]

como

A projeção transforma essas matrizes em geradores de , com relações semelhantes às da presentação do grupo.

Relação com a geometria hiperbólica[editar | editar código-fonte]

O grupo modular é importante porque forma um subgrupo do grupo das isometrias do plano hiperbólico. Se considerarmos o modelo de meio plano superior H da geometria plana hiperbólica, então o grupo de todas isometrias que preservam a orientação de H consiste em todas as transformações de Möbius da forma

em que a, b, c, d são inteiros, em vez dos números reais usuais, e adbc = 1. Em termos de coordenadas projetivas, o grupo PSL(2, R) age sobre o semiplano superior H por projetividade:

Esta ação é fiel. Uma vez que PSL(2, Z) é um subgrupo de PSL(2, R), o grupo modular é um subgrupo do grupo de isometrias que preservam a orientação de H.[3]

Tesselação do plano hiperbólico[editar | editar código-fonte]

Um domínio fundamental típico para a ação de Γ sobre o semiplano superior

O grupo modular Γ age sobre H como um subgrupo discreto de PSL(2, R), ou seja, para cada z em H podemos encontrar uma vizinhança de z que não contém nenhum outro elemento da órbita de z. Isso também significa que podemos construir domínios fundamentais, que (aproximadamente) contêm exatamente um representante da órbita de cada z em H (É necessário cuidado com a fronteira do domínio.)

Existem muitas maneiras de construir um domínio fundamental, mas uma escolha comum é a região

delimitada pelas retas verticais Re(z) = 12 e Re(z) = −12, e a circunferência . Esta região é um triângulo hiperbólico. Ela tem vértices em 12 + i32 e 12 + i32, onde o ângulo entre as arestas é π3, e um terceiro vértice no infinito, onde o ângulo entre suas arestas é 0.

A transformação desta região pelos elementos do grupo modular, dá origem a uma tesselação regular do plano hiperbólico por triângulos hiperbólicos congruentes conhecida como mosaico triangular de ordem infinita V6.6.∞. Observe que cada um destes triângulos tem um vértice no infinito ou no eixo real Im(z) = 0. Esse mosaico pode ser estendido ao disco de Poincaré, onde cada triângulo hiperbólico tem um vértice na fronteira do disco. O mosaico do disco de Poincaré é dado de forma natural pelo J-invariante, que é invariante sob o grupo modular, e atinge todos os números complexos uma vez em cada triângulo dessas regiões.

Este mosaico pode ser ligeiramente refinado, dividindo cada região em duas metades (convencionalmente coloridas em preto e branco), adicionando uma transformação que inverte a orientação; então as cores correspondem à orientação do domínio. Adicionando (x, y) ↦ (−x, y) e tomando a metade direita da região R (onde Re(z) ≥ 0) obtém-se a tesselação usual. Este mosaico aparece pela primeira vez publicado em (Klein 1878/79a),[4] onde é creditado a Richard Dedekind, em referência a (Dedekind 1877).[5]

Visualização da transformação (2, 3, ∞) → (2, 3, 7) transformando os mosaicos associados.[6]

A transformação de grupos (2, 3, ∞) → (2, 3, n) (do grupo modular para o grupo triangular) pode ser visualizada em termos desse mosaico (produzindo um mosaico na curva modular), conforme representado no vídeo à direita.

Subgrupos de congruência[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Subgrupo de congruência

Alguns subgrupos importantes do grupo modular Γ, chamados subgrupos de congruência, são dados impondo relações de congruência nas matrizes associadas.

Existe um homomorfismo natural SL(2, Z) → SL(2, Z/NZ) dado pela redução das entradas módulo N. Isso induz um homomorfismo no grupo modular PSL(2, Z) → PSL(2, Z/NZ). O núcleo desse homomorfismo é chamado de subgrupo de congruência principal de nível N, denotado por Γ(N). Tem-se a seguinte sequência exata curta:

.

Sendo o núcleo de um homomorfismo, Γ(N) é um subgrupo normal do grupo modular Γ. O grupo Γ(N) é dado como o conjunto de todas as transformações modulares

em que ad ≡ ±1 (mod N) e bc ≡ 0 (mod N).

É fácil mostrar que o traço de uma matriz que representa um elemento de Γ(N) não pode ser -1, 0 ou 1, portanto, esses subgrupos são grupos livres de torção. (Existem outros subgrupos sem torção.)

O subgrupo principal de congruência de nível 2, Γ(2), também é chamado de grupo modular Λ. Visto que PSL(2, Z/2Z) é isomorfo a S3, Λ é um subgrupo do índice 6. O grupo Λ consiste de todas as transformações modulares em que a e d são ímpares e b e c são pares.

Outra família importante de subgrupos de congruência é o grupo modular grupo modular Γ0(N) definido como o conjunto de todas as transformações modulares para as quais c ≡ 0 (mod N), ou equivalentemente, como o subgrupo cujas matrizes tornam-se triangulares superiores após a redução módulo N. Observe que Γ(N) é um subgrupo de Γ0(N). As curvas modulares associadas a esses grupos são um aspecto do monstrous moonshine - para um número primo p, a curva modular do normalizador é gênero zero se, e somente se, p divide a ordem do grupo monstro, ou equivalentemente, se p é um primo supersingular.

Monoide diádico[editar | editar código-fonte]

Um subconjunto importante do grupo modular é o monoide diádico, que é o monoide de todas as strings da forma para inteiros positivos k, m, n,.... Este monoide ocorre naturalmente no estudo das curvas fractais e descreve as simetrias de autossimilaridade da função de Cantor, da função ponto de interrogação de Minkowski e do floco de neve de Koch, cada uma sendo um caso especial da curva de de Rham geral. O monoide também tem representações lineares de dimensões superiores; por exemplo, a representação N = 3 pode ser entendida para descrever a autossimetria da curva de manjar branco.

Aplicações do toro[editar | editar código-fonte]

O grupo GL(2, Z) consiste das transformações lineares que preservam o reticulado padrão Z2, e SL(2, Z) são as transformações que preservam a orientação e que preservam este reticulado; elas, portanto, se traduzem em auto-homeomorfismos do toro (SL sendo mapeado para transformações que preservam a orientação), e de fato correspondem isomorficamente ao grupo (estendido) de classes de aplicações do toro, o que significa que todo auto-homeomorfismo do toro é isotópico a uma aplicação desta forma. As propriedades algébricas de uma matriz como elemento de GL(2, Z) correspondem à dinâmica da aplicação induzida no toro.

Grupos de Hecke[editar | editar código-fonte]

O grupo modular pode ser generalizado para os grupos de Hecke, nomeados em homenagem a Erich Hecke e definido como segue.[7]

O grupo de Hecke Hq com q ≥ 3, é o grupo discreto gerado por

em que λq = 2 cos πq. Para pequenos valores de q ≥ 3, tem-se:

O grupo modular Γ é isomorfo a H3 e eles têm propriedades e aplicações em comum - por exemplo, assim como tem-se o produto livre de grupos cíclicos

mais geralmente tem-se

que corresponde ao grupo triangular (2, q, ∞). Da mesma forma, há uma noção de subgrupos de congruência principais associados aos ideais principais em Z[λ].

História[editar | editar código-fonte]

O grupo modular e seus subgrupos foram estudados em detalhes pela primeira vez por Richard Dedekind e por Felix Klein como parte de seu programa Erlangen na década de 1870. No entanto, as funções elípticas intimamente relacionadas foram estudadas por Joseph Louis Lagrange em 1785, e outros resultados sobre funções elípticas foram publicados por Carl Gustav Jakob Jacobi e Niels Henrik Abel em 1827.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Alperin, Roger C. (abril de 1993). «PSL2(Z) = Z2Z3». Amer. Math. Monthly. 100: 385–386. JSTOR 2324963. doi:10.2307/2324963 
  2. Conrad, Keith. «SL(2,Z)» (PDF) 
  3. McCreary, Paul R.; Murphy, Teri Jo; Carter, Christian. «The Modular Group» (PDF). The Mathematica Journal. 9 
  4. Le Bruyn, Lieven (22 de abril de 2008), Dedekind or Klein? 
  5. Stillwell, John (janeiro de 2001). «Modular Miracles». The American Mathematical Monthly. 108: 70–76. ISSN 0002-9890. JSTOR 2695682. doi:10.2307/2695682 
  6. Westendorp, Gerard. «Platonic tessellations of Riemann surfaces». www.xs4all.nl 
  7. Rosenberger, Gerhard; Fine, Benjamin; Gaglione, Anthony M.; Spellman, Dennis. Combinatorial Group Theory, Discrete Groups, and Number Theory. [S.l.: s.n.]