Aborto em Portugal

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Em Portugal, o aborto voluntário (ou interrupção voluntária de gravidez) foi legalizado por referendo realizado em 2007 e é permitido até a décima semana de gravidez se assim quiser a mulher independentemente dos motivos.

A interrupção voluntária de gravidez é permitida até a décima segunda semana de gestação a pedido da grávida podendo ser realizada no sistema nacional de saúde ou nos estabelecimentos de saúde privados autorizados. A Lei nº 16/2007 de 17 de Abril indica que é obrigatório um período mínimo de reflexão de três dias e tem de ser garantido à mulher "a disponibilidade de acompanhamento psicológico durante o período de reflexão" e "a disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social, durante o período de reflexão" quer para estabecimentos públicos quer para clínicas particulares. A mulher tem de ser informada "das condições de efectuação, no caso concreto, da eventual interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da mulher" e das "condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade;". Também é obrigatório que seja providenciado "o encaminhamento para uma consulta de planeamento familiar."

Permitida até às dezesseis semanas em caso de violação ou crime sexual (não sendo necessário que haja queixa policial).

Permitida até às vinte e quatro semanas em caso de malformação do feto.

Permitida em qualquer momento em caso de risco para a grávida ("perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida") ou no caso de fetos inviáveis.

Nas situações permitidas a interrupção voluntária da gravidez pode ser realizada quer em estabelecimentos públicos quer em clínicas particulares devidamente autorizadas.

As mulheres que tenham realizado uma interrupção voluntária da gravidez ou tenham tido um aborto espontâneo têm direito a licença por um mínimo de 14 dias e um máximo de 30 dias.

O aborto provocado por terceiros sem consentimento da grávida é punível com dois anos de prisão, e com três no caso de consentimento da grávida. Estas penas são aumentadas em caso de "morte ou ofensa à integridade física grave da mulher grávida", ou no caso de tal prática ser habitual.

A própria mulher grávida que faça uma interrupção voluntária da gravidez ilegal é punível com três anos de prisão.

O aborto até 2015 foi isento de taxas moderadoras em Portugal.[1][2]

História da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher

Em 28 de junho de 1998 foi realizado um referendo no qual o não à despenalização ganhou com 51% dos votos expressos (apenas 31% do eleitorado foi às urnas). No referendo 1.308.130 pessoas votaram[3] sim, 1.356.754 votaram não e a pergunta era: «Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?».

Em outubro de 2006, a Assembleia da República, com os votos favoráveis do Partido Socialista (PS) e Bloco de Esquerda (BE), a abstenção do Partido Social-Democrata (PSD) e o voto contra do Partido Comunista Português (PCP), dos Verdes e do CDS-PP, decidiu convocar um novo referendo. O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva marcou o referendo para o dia 11 de Fevereiro de 2007. O referendo teve a seguinte pergunta: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?». O resultado oficial[4] foi 59,25% "sim" (2.231.529 votantes) e 40,75% "não" (1.534.669 votantes).

O comparecimento às urnas não foi suficiente para tornar vinculativo o referendo (tal como tem acontecido em todos os referendos até à altura realizados em Portugal). Porém, o Parlamento aprovou por ampla maioria a legalização do aborto até a 10ª semana de gravidez. Em abril de 2007, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sancionou a lei que não estabelece restrições adicionais, mas pede por um período obrigatório de reflexão de três dias antes que o procedimento seja realizado.

Em 17 de Abril de 2007 foi publicado no Diário da República as alterações que permitem a realização do mesmo a pedido da mulher de acordo com os resultados do referendo de 2007, com efeito prático 5 dias depois. No entanto o governo ainda terá de regulamentar a lei dispondo de 90 dias para tal.

Objeção de consciência

Diante da pressão exercida pelo governo para que seja retirado do código de deontologia médica a afirmação de que o "o aborto constitui uma falta deontológica grave", o então presidente da Ordem dos Médicos, que representa cerca de 35.000 médicos, defendeu o direito dos médicos à objeção de consciência no caso de aborto. Afirmou que "os médicos têm o direito de manter a sua própria opinião".

Ter uma opinião e princípios éticos é o que separa os seres humanos de um rebanho de ovelhas afirmou. Sob a ameça de que a questão seja levada aos tribunais, o presidente da Ordem redarguiu que o "o Código só pode ser modificado pelos médicos e não pelo ministro da Saúde." Nunes disse que um médico tem direito a perguntar-se se uma vida humana começa na concepão e, se assim o crê, "não deveria realizar abortos".[5]

No entanto, poucos meses depois a versão prévia, em discussão até Setembro de 2008, do novo código deontológico foi aprovado por unanimidade pelo conselho nacional executivo da Ordem dos Médicos permitindo a interrupção voluntária da gravidez segundo a lei vigente, deixando ao critério de cada médico decidir de consciência "quando começa a vida humana". [6]

Referendos

1998

O primeiro referendo em Portugal, sobre a despenalização do aborto (interrupção voluntária da gravidez), foi realizado a 28 de Junho de 1998, tendo a pergunta sido:

  • - "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

Os resultados foram os seguintes[7]:

Resposta Votos %
Sim 1.308.130

49,1 %

Não 1.356.754

50,9 %

Nulos 15.562

0,6 %

Brancos 29.057

1,0 %

Válidos 2.664.884

98,4 %

Abstenções 5.786.586

68,1 %

Votantes 2.709.503

31,9 %

Inscritos 8.496.089

100 %

2007

O segundo referendo, igualmente sobre a despenalização do aborto (interrupção voluntária da gravidez), foi realizado em 11 de Fevereiro de 2007. A pergunta colocada aos eleitores era em tudo semelhante à do primeiro escrutínio sobre a questão:

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?».

Os resultados foram os seguintes[8]:

Resposta Votos %
Sim 2.238.053

59,25 %

Não 1.539.078

40,75 %

Nulos 25.884

0,67 %

Brancos 48.094

1,25 %

Válidos 3.766.198

98,07 %

Abstenções 4.973.840

56,43 %

Votantes 3.840.176

43,57 %

Inscritos 8.814.016

100 %

A campanha eleitoral do segundo referendo sobre o aborto mobilizou muito mais pessoas e meios - e emoções - do que a de 1998. De acordo com dados da Comissão Nacional de Eleições (CNE), os grupos de cidadãos – alguns constituídos para o efeito, outros já existentes – que entregaram processos de legalização com vista à participação nos tempos de antena reuniram um total de 260.000 assinaturas, enquanto sete anos antes o total não ultrapassara 50.000, ou seja, cerca de cinco vezes menos.

Após a verificação dos processos, a CNE deu luz verde a 19 movimentos, cinco pelo “sim” e 14 pelo “não”: Aborto a pedido? Não!; Alentejo Pelo Não; Algarve pela Vida; Diz Não à Discriminação; Diz Que Não; Em Movimento Pelo Sim; Escolhe a Vida; Guard'a Vida; Jovens Pelo Sim; Juntos Pela Vida; Liberalização do Aborto Não; Mais Aborto Não; Médicos Pela Escolha; Minho Com Vida; Movimento Cidadania e Responsabilidade Pelo Sim; Movimento Voto Sim; Norte Pela Vida; Plataforma "Não Obrigada"; Vida, Sempre.

Na campanha participaram ainda dez partidos e coligações: BE (Bloco de Esquerda), CDS-PP (Partido Popular), PCP (Partido Comunista Português), PEV (Partido Ecologista "Os Verdes"), PH (Partido Humanista), PNR (Partido Nacional Renovador), POUS (Partido Operário de Unidade Socialista), PPD/PSD (Partido Social Democrata), PPM (Partido Popular Monárquico), PS (Partido Socialista)

Os partidários do “sim” argumentavam que só com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez se poderia pôr fim ao aborto clandestino, que constitui um grave risco não só para a saúde como para a própria vida da mulher. Sendo acompanhada num quadro hospitalar, a mulher teria acesso a aconselhamento médico, nomeadamente sobre métodos contraceptivos. Além disso, a nova lei não iria aumentar o número de interrupções voluntárias da gravidez nem obrigar nenhuma mulher a abortar.

Os partidários do “não” contrapunham que a vida humana deve ser protegida desde a concepção, sendo pois o aborto uma forma de discriminação contra o feto. Considerando que a lei vigente já protegia as mulheres, permitindo o aborto nos casos de risco para a saúde da mãe, de malformação do feto e violação, a despenalização mais não faria que aumentar a prática do aborto, alegadamente prejudicial à saúde física e psíquica da mulher, para mais recaindo os custos sobre os contribuintes.

Números

Segundo a PorData[9], o número de interrupções voluntárias de gravidez efetuadas em hospitais, por ano, foi de:

Ano Abortos em hospitais
1999 454
2000 576
2001 675
2002 828
2003 563
2004 710
2005 798
2006 1.215
2007 4.325
2008 13.541
2009 17.932
2010 17.261
2011 17.351
2012 15.751
2013 15.366

Ver também

Referências

Bibliografia

GALVÃO, Pedro - Ética do aborto - perspectivas e argumentos. Lisboa: Dinalivro, 2005.
OLIVEIRA DA SILVA, Miguel - Sete teses sobre o aborto. ISBN 9789722117463
PENICHE, Andrea - Elas somos nós: o direito ao aborto como reivindicação democrática e cidadã. Porto: Afrontamento, 2007. ISBN 978-972-36-0865-6
TAVARES, Manuela - Aborto e contracepção em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 2007. ISBN 9722412353