Reino Haféssida

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Reino Háfsida
الحفصيّون

1207 ou 1236 – 1574

Bandeira de Reino Háfsida

Bandeira
Localização de Reino Háfsida
Localização de Reino Háfsida
Mapa político do Norte de África e Mediterrâneo Ocidental ca. 1400
Continente África
País  Tunísia,  Argélia,  Líbia
Capital Tunes
Língua oficial árabe e berbere
Religião Islão
Governo Monarquia
Período histórico Idade Média e Idade Moderna
 • 1207 ou 1236 Fundação
 • 1574 Dissolução
Mesquita da Casbá, em Tunes, construída entre 1231 e 1235 pelo soberano háfsida Abu Zacaria Iáia

Os Háfsidas (em árabe: الحفصيون‎; romaniz.:al-Ḥafṣiyūn) ou Banu Hafiz (Banu Hafs) foram uma dinastia berbere que governou a Ifríquia (atual Tunísia) de 1229 a 1574. No seu zénite, os seus territórios estendiam-se desde o que é hoje o leste da Argélia até ao oeste da atual Líbia.[1][nt 1]

História

A dinastia deve o seu nome a Maomé ibne Abu Hafiz, um berbere da tribo Masmuda de Marrocos, que foi nomeado governador de Ifríquia pelo califa almóada Maomé an-Nasir entre 1198 e 1213.[2] Os Banu Hafiz eram grupo poderoso entre os almóadas e eram descendentes de Omar Abu Hafiz al-Hentati, também conhecido como Omar Inti, um membro do conselho de dez membros do império e um companheiro próximo de ibne Tumart. O seu nome original era Fesga Oumzal, que foi depois mudado para Abu Hafiz Omar ibne Iáia al-Hentati, seguindo a tradição de ibne Tumart de dar outros nomes aos seus companheiros mais chegados quando eles aderiam aos seus ensinamentos religiosos.[3][nt 1]

Como governadores em nome dos almóadas, os Háfsidas enfrentaram ameaças constantes dos Banu Ghaniya, descendentes dos príncipes almorávidas que foram derrotados pelos almóadas e substituídos por estes como dinastia reinante. OS Háfsidas foram governadores de Ifríquia até 1229, quando se declararam independentes sob a liderança de Abu Zacaria Iáia, filho de Maomé ibne Abu Hafiz, que reinou entre 1229 e 1249. Abu Zacaria organizou a administração e tornou Tunes o centro económico e cultural do seu império. Ao mesmo tempo, muitos muçulmanos da Andaluzia, fugidos da Reconquista levada a cabo por Castela e Aragão foram acolhidos e integrados no império, Conquistou Tremecém em 1242 e tornou os Abdelwadidas seus vassalos. O seu sucessor Maomé I al-Mustansir (r. 1249–1277) tomou o título de califa.[nt 1]

No século XIV, o império sofreu um declínio temporário. Embora por alguma tempo os Háfsidas tenham logrado subjugar o império dos Abdelwadidas (ou Zianidas) de Tremecém, entre 1347 e 1357, foram derrotados duas vezes pelos Merínidas de Marrocos. Contudo, os Abdelwadidas não conseguiram derrotar os Beduínos. Durante o período de declínio, deu-se igualmente uma grande perda de população devido a uma epidemia de peste, que enfraqueceu ainda mais o império. Os Háfsidas acabariam por recuperar o seu império.[nt 1]

Sob os Háfsidas, o comércio com a Europa cristã cresceu significativamente,[2] mas o mesmo se passou com a pirataria contra navios cristãos, particularmente durante o reinado de Abdal Azize II (r. 1394–1434). Os lucros desta foram usados para um vasto programa de construção e para apoiar a arte e cultura. Contudo, a pirataria também provocou retaliações por parte do Reino de Aragão e da República de Veneza, que várias vezes atacaram as cidades costeiras tunisinas. Durante o reinado de Otomão (r. 1435–1488) os Háfsidas atingiram o seu zénite, com o comércio de caravanas através do Saara e com o Egito a serem ainda mais desenvolvidos, bem como o comércio marítimo com Veneza e Aragão. Mas ao mesmo tempo, os Beduínos e as cidades do império tornaram-se em grande parte independentes, com os Háfsidas a controlarem mais diretamente apenas Tunes e Constantina.[nt 1]

No século XVI os Háfsidas viram-se envolvidos nos combates entre Espanha e os corsários apoiados pelo Império Otomano. Estes conquistaram Tunes em 1534 e mantiveram-na durante um ano. Devido à ameaça otomana, os Háfsidas tornaram-se vassalos de Espanha depois de 1535. Os Otomanos voltaram a conquistar Tunes em 1569, desta vez mantendo-a por quatro anos. João de Áustria retomou a cidade em 1573 e no ano seguinte os Háfsidas reafirmaram a sua vassalagem. Maomé IV,[necessário esclarecer] o último califa háfsida, foi levado para a capital otomana, Constantinopla, e acabaria por ser executado devido à sua colaboração com Espanha e ao desejo do sultão otomano de tomar o título de califa, pois então controlava as cidades santas de Meca e Medina. A linhagem dos Háfsidas sobreviveu ao massacre otomano através dum ramo da família que foi levado pelos espanhóis para a ilha de Tenerife.[nt 1]

História

Fundação

No início do século XIII, o Magrebe ainda se encontrava sob o domínio dos soberanos almóadas. Após a irrupção na Berbéria oriental dos irmãos Ali e Yahia Ben Ghania, descendentes do Almorávidas que tinham sido depostos pelo almóada Abde Almumine. Depois de terem atravessado a Argélia vitoriosamente, os dois irmãos fundam um principado no Jerid. Ali é morto, mas o seu irmão Iáia inicia a conquista do centro e norte da Ifríquia. Logra apoderar-se de Mahdia, Cairuão e Tunes em 1202, prendendo o governador almóada e os seus filhos. Seguidamente, Ben Ghania pilha as cidades, as hortas e os animais que encontra.[nt 2]

Perante esta situação de perigo, o califa Maomé an-Nasir, que reinava em Marraquexe, parte ele mesmo à reconquista da Ifríquia e em fevereiro de 1206 entra em Tunes, que entretanto tinha sido abandonada pelo inimigo. O califa almóada permaneceu durante um ano em Tunes para restabelecer a autoridade almóada sobre o conjunto do território tunisino. Antes de voltar para Marrocos confia o governo da província a um dos seu fiéis lugar-tenentes, o xeque Abu Maomé Abdal Uaide ibne Abi Hafiz (ou mais simplesmente Abdal Uaide ibne Hafiz, uma forma arabizada do nome berbere Fazkat, cujo ancestral era Inti da tribo Hintata dos Masmudas.[nt 2]

O novo governo foi investido de poderes mais alargados que no passado: passou a recrutar as tropas que necessitasse para manter e paz e preparar eventuais guerras, nomear os funcionários do estado, os cádis (juízes), etc. Após a morte de Abdal Uaide, o seu filho Abu Zacaria Iáia sucede-lhe em 1228. Um ano depois da sua nomeação, proclama-se independente do califa de Marraquexe sob o pretexto de que este tinha aderido ao sunismo, fundando assim a dinastia háfsida que reinará na Berbéria oriental durante três séculos e torna Tunes a capital do seu reino.[nt 2]

Esplendor e declínio

Abu Zacaria alarga as fronteiras do seu estado submetendo o Magrebe central, chegando a impôr a sua suserania ao reino de Tremecém, ao Marrocos setentrional e aos nasridas de Granada, no sul da península Ibérica. Os háfsidas obtêm formalmente a independência total em 1236. O sucessor de Abu Zacaria, Maomé I al-Mustansir, proclama-se califa em 1255 e continua a política do seu pai. É durante o seu reino que tem lugar a segunda cruzada de São Luís de França que redunda em fracasso. Tendo desembarcado em Cartago, o rei francês morre de disenteria rodeado pelo seu exército dizimado pela doença em 1270.[nt 2]

Depois da morte de Maomé al-Mustansir, estalam distúrbios que duram 40 anos. A estes juntam-se os ataques do Reino de Aragão com o qual Maomé al-Mustansir tinha mantido boas relações. A dinastia háfsida atravessa então um ligeiro declínio. O sul da Tunísia e a Tripolitânia separam-se da autoridade háfsida e posteriormente o sul da região de Constantina sob o controlo do emir de Bugia tornou-se praticamente independente em 1294. Bugia torna-se novamente um centro de comércio, científico e cultural próspero sob o domínio dos háfsidas.[nt 2]

Abu Iáia Abu Baquir Mutavaquil reunifica a unidade do estado háfsida, mas após a suas morte, o reino é novamente dividido em três partes: Tunes, Bugia e Constantina e depois em duas, quando Bugia e Constantina passam a estar sob a mesma autoridade em 1366. O estado é finalmente reunificado por Abu Abas Amade al-Fadi Mutavaquil. O país conhece então um grande desenvolvimento económico e torna-se um centro de comércio da bacia do Mediterrâneo. O desenvolvimento dá-se igualmente ao nível cultural — é nesta época que vive o historiador e precursor da sociologia ibn Khaldun.[nt 2]

Quando chegou ao poder em 1394, Abu Faris Abdal Azize Mutavaquil reforçou a autoridade do poder central, pacifica o sul, apodera-se de Argel, impõe a suserania ao soberano de Tremecém, rechaça um ataque dos aragoneses contra Djerba e mantém boas relações com a generalidade dos estados cristãos. O seu neto Abu Amir Otomão prosseguiu a sua obra nos mesmos campos. Com a morte de Abu Amir Otomão inicia-se um novo período de decadência, desta vez irremediável, marcada por lutas pelo poder. No século XVI, os háfsidas vêem-se envolvidos nas lutas entre as potências otomana e espanhola. Aliados desta última, são derrotados em 1574 na batalha de Tunes. A Tunísia torna-se então uma província do Império Otomano. Nos séculos XV e XVI muitos mouriscos e judeus perseguidos em Espanha procuraram refúgio em território háfsida.[nt 2]

Economia

Zocos

A maior parte da atividade económica das cidades háfsidas concentrava-se nos zocos (suques, mercados), constituídos por redes de ruelas cobertas onde se encontravam lojas de comerciantes e de artesãos agrupadas por especialidades. Usualmente situadas em volta de uma grande mesquita, os bairros dos zocos expandiram-se fortemente durante o período háfsida. Maomé al-Mustansir organizou em corporações os tecelões e criou fábricas de tecelagem de seda que ficaram conhecidos como funduques. Além disso fundou oficinas do estado chamadas tiraz.[nt 2]

Moeda

Os sultões háfsidas cunhavam como moeda o dinar de ouro, que pesava cerca de 4,72 gramas, e o dirham de prata, que pesava cerca de 1,5 gramas.[nt 2]

Alfândega

A administração aduaneira era uma instituição do estado que atingiu um certo grau de de aperfeiçoamento sob os háfsidas. O diretor das alfândegas, ou superintendente era sempre considerado um dos principais xeques do império. Colaborava na conclusão dos tratados e era frequente receber plenos poderes para os negociar. A alfândega era também o lugar onde se efetuava grande parte das operações de compras e vendas entre europeus e árabes.[nt 2]

Comércio

Os negociantes estabelecidos em Tunes nessa época eram quase todos originários dos estados da península Itálica com os quais o sultão háfsida tinha assinado tratados de comércio: genoveses, venezianos, pisanos, florentinos, mas também catalães.[nt 2]

Os comerciantes cristãos alojavam-se em funduques ou caravançarais situados fora das muralhas das cidades. Os funduques eram grandes edifícios quadrados fechados com paredes sem janelas, que tinham uma só porta que dava acesso a um pátio para o qual se abriam os alojamentos e as lojas dos mercadores. Na época háfsida, o funduque dos genoveses e o dos venezianos dispunham de capelas onde era celebrada missa todas as manhãs.[nt 2]

O comércio de exportação e importação com a Europa estava maioritariamente nas mãos dos negociantes italianos. Exportava-se trigo, azeite, tâmaras, amêndoas e sobretudo lãs, couros e peles. Importavam-se grandes quantidades de lã, algodão e seda, vinho, papel, armas e lingotes de ouro e de prata para a cunhagem de moeda e joalheria. Todos estes produtos pagavam, em princípio, um imposto de 10%, ou dízimo. O comércio de especiarias fazia-se também com o Oriente.[nt 2]

Cultura

Vida intelectual

Na corte háfsida brilhavam os poetas, versejadores hábeis cuja principal produção literária era o elogio do soberano. O interesse de Abu Zacaria Iáia pela cultura em geral levou-o a constituir uma biblioteca de 30 000 manuscritos que punha à disposição dos letrados. Alguns médicos, a maioria deles do al-Andalus, mantiveram a qualidade da medicina ligada às tradições médicas legadas pelas escola de Cairuão, mas sem originalidade nem descobertas.[nt 2]

O reino háfsida também deixou a sua marca na história intelectual da humanidade através do historiador e filósofo ibn Kaldun.[nt 2]

A vida intelectual da Ifríquia está ligada indiretamente ao percurso de alguns europeus. O maiorquino Anselm Turmeda (ou Abdalá at-Tarjuman; 1355–1423) renunciou ao cristianismo e converte-se ao islão quando chegou a Tunes em 1388. Leão, o Africano foi feito prisioneiro em Trípoli em 1520, quando regressava duma viagem ao Oriente, e levado para Nápoles, onde redige em italiano a sua famosa obra Descrição de África; batizado em Roma pelo papa, provavelmente morreu em Tunes antes de 1550.[nt 2]

Notas

  1. a b c d e f Trechos baseados no artigo «Hafsid dynasty» na Wikipédia em inglês (acessado nesta versão).
  2. a b c d e f g h i j k l m n o p Trechos baseados no artigo «Hafsides» na Wikipédia em francês (acessado nesta versão).

Referências

  1. Fyle, C. Magbaily (1999), Introduction to the History of African Civilization: Precolonial Africa (em inglês), University Press of America, p. 84 
  2. a b U.S. Library of Congress. «Hafsids» (em inglês). countrystudies.us. Consultado em 10 de fevereiro de 2013. Cópia arquivada em 22 de janeiro de 2013 
  3. al-Baydhaq, Muhammad (século XII), Benmansour, Abdelwahab, ed., Kitab al-Ansab fi Marifat al-Ashab (publicado em 1971), p. 32  templatestyles stripmarker character in |author= at position 23 (ajuda)


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