Arquitetura barroca
A arquitetura barroca (AO 1945: arquitectura barroca) é o estilo arquitectónico praticado durante o período barroco, que, precedido pelo renascimento e maneirismo, inicia-se a partir do século XVII, durante o período do absolutismo,[1] e decorre até a primeira metade do século XVIII.[2] A palavra portuguesa "barroco" define uma pérola de formato irregular (Perola imperfeita)
Considerando que o Renascimento contou com a riqueza e o poder dos tribunais italianos e era uma mistura de forças seculares e religiosas, o Barroco foi, pelo menos inicialmente, diretamente ligada à Contra-Reforma, um movimento dentro da Igreja Católica a reformar-se, em resposta à Reforma Protestante.[3] A arquitetura barroca e seus enfeites eram por outro lado mais acessíveis para as emoções e, por outro lado, uma declaração visível da riqueza e do poder da Igreja. O novo estilo manifestou-se, em particular, no contexto das novas ordens religiosas, como os Teatinos e os jesuítas que visam melhorar a piedade popular.
Contexto histórico
O século XVII foi um período caracterizado por uma variedade de tendências nunca antes experimentadas. A concepção do cosmos tinha sido completamente revolucionada no século anterior, enquanto que as divisões desenvolvidas no interior da Igreja haviam-se tornado símbolo de uma desintegração de um mundo unificado e absoluto. No campo da arte, o sentimento de dúvida e a consequente alienação do indivíduo haviam encontrado expressão no maneirismo.
Entre finais do século XVI e princípios do século XVII poder-se-ia observar alterações na atitude humana. Descartes, tendo aprendido que de tudo se podia duvidar, chegara à conclusão de que a dúvida era a única certeza; separando o ato de duvidar de qualquer elemento desconhecido, ele acabou por escrutinar os fundamentos do cepticismo. O homem voltaria então a perseguir a certeza, escolhendo entre as alternativas que lhe eram oferecidas na época; o novo mundo tornou-se "pluralístico", oferecendo ao homem uma variedade de escolhas e alternativas, tanto de carácter religioso como filosófico, económico e político.[4]
Enquanto que o universo renascentista era reservado e estático, a atitude fundamental da época barroca tornou-se, por conseguinte, o de pertencer a um sistema absoluto e integrado, mas ao mesmo tempo abeto e dinâmico. Tal postura foi favorecida pelas grandes viagens de exploração, pela descoberta de um mundo mais amplo, pela colonização e desenvolvimento da pesquisa científica. Isto determinou um aumento da especialização da atividade humana, com a consequente rotura do binómio arte e ciência, combinação esta que havia criado as bases do homem universal do Renascimento.[5]
A destruição do velho mundo culminou com a Guerra dos Trinta Anos, que no início do século XVII paralisou parte da Europa Central. Neste período, a reforma protestante difunde-se por várias partes da Europa, dando início ao desenvolvimento de diversas igrejas reformadas. A consequente Contra-reforma, iniciada pela igreja católica com o Concílio de Trento, teve repercussões significativas nas artes: fomentou importância didáctica das imagens e foram definidas uma série de normas no campo das artes, acentuando a distinção entre o clero e os fiéis.[6] Esta postura estendeu-se a todas as religiões do mundo católico, graças ao trabalho dos jesuítas e, apesar do seu carácter rígido e defensivo, favoreceu o desenvolvimento da arte barroca. De facto, no século XVII, a Igreja Católica procurava um compromisso com o poder político, parando de lutar contra as intromissões da realidade histórica[7] e tentando conciliar as questões da fé com as inerentes à vida mundana; por esta razão o barroco tornou-se num estilo capaz de expressar tanto os dogmas da fé como as frivolidades da mundanidade.[6]
Esta dupla expressão da arte barroca pode ser encontrada no ordenamento urbano idealizado por Domenico Fontana em Roma, durante o pontificado de Sisto V: a melhoria das coligações entre as igrejas mais importantes da cidade conduziu à formação d amplas praças ornamentadas com obeliscos e fontes, tornando-se portanto, símbolo de uma vitalidade e de um dinamismo não apenas religioso.[8]
Periodização
A arquitetura barroca, que se prenuncia já em meados do século XVI nalgumas obras de Miguel Ângelo, desenvolveu-se em Roma e atingiu maior expressão entre 1630 e 1670; difundiu-se na restante península e no mundo ocidental, afirmando-se no século XVII e decorrendo até à primeira metade do século XVIII; quando Roma voltar-se-ia, de novo, para o classicismo, a exemplo de Paris.[9]
Em Itália, o primeiro período barroco corresponde à atividade de artista e arquitetos como Carlo Maderno, Annibale Carracci, Caravaggio, Peter Paul Rubens. Um segundo período surge a partir da terceira década do século XVII, com as obras de Gian Lorenzo Bernini, Pietro de Cortona e Francesco Borromini, que fizeram de Roma o maior centro de atrações artísticas de toda a Europa. Mais precisamente nos pontificados de Urbano VIII Barberini, de Inocêncio X Pamphili e Alexandre VII Chigi, o barroco torna-se num estilo internacional que da capital dos Estados Pontifícios e sede do papado católico, se difunde por todo o mundo ocidental.[10] O termo está relacionado com a decadência da Santa Sé, principalmente após a morte do Papa Alexandre VII, em 1667;[11] a destituição de Gian Lorenzo Bernini do projeto de ampliação do Louvre coincide com o início do declínio de Roma como principal centro irradiador de influência artística, e a afirmação de Paris neste contexto.[12]
Em França, a periodização do Barroco não está relacionada à obra individual de artistas, mas deve-se sobretudo à política cultural de Luís XIV que tratou de identificar este estilo com o nome do próprio soberano.[13] Recorde-se, aliás, que em finais do século XVII, a revogação do Édito de Nantes provocou a migração de numerosos huguenotes franceses nos Países Baixos e na Inglaterra: o primeiro caso, representaria o fim da autonomia da comunidade local, desenvolvida há algumas décadas com a ascensão política e cultural de Amesterdão; no segundo caso, a migração francesa coincide com o ponto de viragem da arquitetura barroca na Inglaterra.[13]
A influência do barroco não se restringiu apenas ao século XVII; em bem verdade, no início do século XVIII, a afirmação do Rococó, que embora não seja uma simples continuação do primeiro,[14] pôde ser entendido como uma última fase do Barroco.[15]
Características da arquitetura barroca
Contrariamente à tese de que o barroco teve origem no maneirismo,[16] diversos estudos sustentam que foi o classicismo tardio que deu início ao novo estilo.[17] De facto, a arquitetura maneirista não foi suficientemente revolucionária ao ponto de alterar radicalmente, no sentido espacial e não apenas a nível ornamental, o estilo da antiguidade para fins populares e retóricos num ambiente contra-reformístico;[17] por outras palavras, o maneirismo não correspondia às exigências artísticas da Contra-Reforma, por carecer de características relativas à clareza, realismo e intensidade emotiva requeridas pela Igreja do final do século XVI.[18]
Já no século XVI, Miguel Ângelo havia prenunciado o barroco nas formas colossais e maciças da cúpula da Basílica de São Pedro, em Roma;[9] as alternâncias de proporções e forças expressadas pelo mesmo arquiteto no vestíbulo da Biblioteca Medicea Laurenziana adicionadas à enorme cornija do Palácio Farnésio tinham despertado, à época, reações, justamente pela veemente alteração das proporções clássicas. Não obstante, noutras obras, Miguel Ângelo tinha cedido à influência da corrente maneirista. Entretanto, apenas quando o maneirismo chegava ao fim é que se redescobriria Miguel Ângelo como o pai do barroco.[9]
As principais características do barroco definem-se como uma reação à simetria e às formas rígidas do Renascimento: utilizam o dinamismo plástico, a suntuosidade e a imponência, reforçados por intensa emotividade conseguida através de sinuosidades, elementos contorcidos e espirais, produzindo diferentes efeitos perspéticos e ilusórios, tanto nas fachadas quanto no desenho das plantas e dos interiores das edificações. A intenção da criação de ilusão do movimento; combinação e abundância de linhas opostas que reforçam o efeito cénico;[1] o uso de jogos de claro-escuro pela construção de massas salientes e reentrantes (sinuosas ou lisas). Os elementos construtivos usados como elementos puramente decorativos: uso de colunas torsas, helicoidais, duplas ou triplas e escalonadas; os frontões são compostos ou interrompidos, que reforçam o movimento ascencional das fachadas; o uso de decorações naturalistas convertem-se em elementos característicos do estilo.[1]
O Barroco, no entanto, não se limitou a reavaliar novas tendências dos antigos padrões, mas criou uma nova concepção espacial, com a interpenetração das partes resultantes de uma visão espacial unitária, da qual são exemplo as igrejas San Carlo alle Quattro Fontane e Sant'Ivo alla Sapienza de Borromini, ou ainda, a Basílica de Vierzehnheiligen de Johann Balthasar Neumann.[19] Neste contexto, o historiador Bruno Zevi definiu o barroco como a libertação espacial, libertação mental das regras dos tratadistas, das convenções, da geometria elementar e da estática. É a libertação da simetria e da antitese entre o espaço e interior e o espaço exterior.[20]
O século XVII propusera, contudo, uma multiplicidade de sistemas religiosos, filosóficos e políticos; não é possível, portanto, determinar um conceito unitário da arquitetura barroca. Porém, todos os sistemas barrocos tinham em comum o facto de operarem através da "persuasão", da "participação", do "transporte", que se traduziram em termos de centralização, integração e extensão espacial.[21]
O barroco e a religião
O Concílio de Trento, o 19º concílio ecuménico, convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica, realizou-se de 1545 a 1563, no contexto da reação da Igreja Católica à cisão vivida na Europa do século XVI, diante da Reforma Protestante. É conhecido como o Concílio da Contra-Reforma e foi o mais longo da história da Igreja.[2]
O Concílio emitiu numerosos decretos disciplinares, em oposição aos protestantes e estandardizou a missa, abolindo largamente as variações locais. Regulou também as obrigações dos bispos e confirmou a presença de Cristo na eucaristia.
Definiu, de forma explícita, que a arte deve estar a serviço dos ritos da Igreja, através de imagens, tidas como elementos mediadores entre a humanidade e Deus. Os protestantes iconoclastas criticam precisamente esse amplo uso de imagens sagradas. Para os teóricos da Contra-Reforma, no entanto, tais imagens constituem um meio privilegiado de doutrina cristã e da história sagrada.
O barroco e a forma
Em termos artísticos, o barroco via utilizar a escala como valor plástico de primeira grandeza. Os efeitos volumétricos são também elementos essenciais na arquitectura barroca.
Principais artistas e obras da arquiteturas barroca
Os últimos edifícios romanos de Michelangelo, particularmente a Basílica de São Pedro, podem ser considerados precursores da arquitetura barroca. Seu discípulo Giacomo della Porta continuou esse trabalho em Roma, especialmente na fachada da igreja jesuíta Il Gesù, o que leva diretamente para a mais importante fachada da igreja do início do barroco, Santa Susanna (1603), de Carlo Maderno.[22]
Características distintivas de artistas da arquitetura barroca podem incluir:
- Francesco Borromini, que entre muitas obras construiu em Roma o San Carlo alle Quattro Fontane. Surge aí a associação entre elementos retos e elementos curvos, utilizando formas ambivalentes. A fachada é visualmente dinâmica, o que não deixa os espectadores parados. Exibe uma complexidade em termos de organização, côncava, convexa e retas; é este dinamismo que o barroco impõe. Cria-se um portal monumental, que joga com várias formas, desloca-se o sino para a zona da fonte, em vez da zona central, destacando assim também a importância da fonte, como elemento criativo e funcional integrado na arquitectura. Borromini foi ainda o autor de igreja de Sant'Agnese in Agone, na Piazza Navona, e de Sant'Andrea delle Fratte, ambas em Roma.
- O francês François Mansart é um dos mais importantes arquitectos do barroco, com obras tão importantes como Château de Masons (hoje Château de Masons-Laffitte), a igreja do Val-de-Grâce'' e o Temple du Marais (estes dois últimos em Paris).
- Louis Le Vau foi o autor do Château de Vaux-le-Vicomte, considerada como uma das influentes obras da época. A relação pátio-jardim é verdadeiramente revolucionária. Os jardins, projectados por André Le Nôtre, deixam de ser um mero complemento do edifício e ganham um prolongamento que vai para além da construção do château em si. Os jardins de Le Nôtre, sempre fortemente marcados pela axialidade, tocam, a partir do olhar do observador, no horizonte, realizando o que o autor C. Norberg Schulz chama de experiência de um espaço infinito.
- Jules Hardouin-Mansart é outro importante arquiteto do barroco, cujas obras mais importantes são o Palácio de Versailles, em que a planta é elíptica e os jogos de luz criam contrastes visuais. A Catedral de Saint-Louis-des-Invalides e o Grand Trianon também são de sua autoria.
- Claude Perrault é outro importante arquitecto francês, ainda que menos célebre. A fachada oriental que desenhou para o Palais du Louvre é um excelente exemplo da arquitectura barroca francesa. Em todo o espaço cria-se uma multiplicidade cenográfica. O muro não é entendido como um limite, mas como realidade espacial privilegiada para conter movimento.
Ver também
Referências
- ↑ a b c N. Pevsner, J. Fleming, H. Honour, Dizionario di architettura, Turim 1981, Barocco.
- ↑ a b Ana Lucia Santana. «Barroco». InfoEscola. Consultado em 02 de junho de 2013 Verifique data em:
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(ajuda) - ↑ O Concílio de Trento (1545–1563) é geralmente considerado como o início da Contra-Reforma.
- ↑ C. Norberg - Schulz, Architettura Barocca, Martellago (Veneza) 1998, p. 5.
- ↑ C. Norberg - Schulz, Architettura Barocca, cit., p. 6.
- ↑ a b R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, Bari 1999, p. 339.
- ↑ A. Hauser, Storia sociale dell'arte, Torino 1956, volume II, p. 283.
- ↑ R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., p. 340.
- ↑ a b c N. Pevsner, Storia dell'architettura europea, Bari 1998, p. 154.
- ↑ R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., p. 340.
- ↑ R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., pp. 337-338.
- ↑ R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., p. 341.
- ↑ a b R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., p. 338.
- ↑ R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., p. 409.
- ↑ N. Pevsner, J. Fleming, H. Honour, Dizionario di architettura, cit., capítulo Rococò.
- ↑ Esta tese, que afirma, em rigor, uma continuidade entre o Classicismo (o Renascimento), Maneirismo e Barroco, serve apenas como terminações convencionais e sintéticas (e, portanto, imprecisas) voltadas para a realidade e complexidade dos vários projetos arquitectónicos, que foi suportada por ilustres estudiosos. Veja-se por exemplo: Arnaldo Bruschi, Borromini, manierismo spaziale oltre il barocco, 1978; Manfredo Tafuri, L'architettura del manierismo nel cinquecento europeo, 1966.
- ↑ a b R. De Fusco, Mille anni d'architettura in Europa, cit., p. 305.
- ↑ R. Wittkower, Arte e architettura in Italia, 1600-1750, Torino 2012, p. 7.
- ↑ B. Zevi, Saper vedere l'architettura, Turim, 2012, pp. 88-89.
- ↑ B. Zevi, Saper vedere l'architettura, cit., p. 86.
- ↑ C. Norberg - Schulz, Architettura Barocca, cit., p. 204.
- ↑ Para a discussão da fachada de Maderno, veja Wittkower R., Art & Architecture in Italy 1600–1750, 1985 edn, p. 111.