Geri e Freki
Geri e Freki (do nórdico antigo, onde ambos os nomes significam "o guloso" ou "o voraz"), na mitologia nórdica, são dois lobos que acompanham o Deus Odin. Eles são atestados nas obras Edda poética, compilação do século XIII de fontes mais antigas, Edda em prosa, escrita no século XIII por Snorri Sturluson, e na poesia dos escaldos. O par tem sido comparado a figuras semelhantes encontradas nas mitologias grega, na romana e védica, e também tem sido associado a crenças em torno do mito de Berserker.
Etimologia
O significado dos nomes Geri e Freki tem sido interpretado como "o guloso" ou "o voraz".[1] O nome Geri pode ser originado do adjetivo protogermânico *geraz, atestado no burgúndio girs, no nórdico antigo gerr e no alto alemão antigo ger ou giri, onde todos significam "guloso".[2] O nome Freki pode ser traçado no adjetivo do protogermânico *frekaz, atestado no gótico faihu-friks "ambicioso, avarento", no nórdico antigo frekr "guloso", no inglês antigo frec "desejoso, ganancioso, guloso, audacioso" e no alto alemão antigo freh "ganancioso".[3] John Lindow interpreta os dois nomes como adjetivos do nórdico antigo nominalizados. [4] Bruce Lincoln traça Geri voltando para a haste da Língua protoindo-europeia *gher-, que é a mesma que a encontrada em Garm, um nome referindo-se ao cão que guarda o reino de Hela e intimamente associado com os eventos de Ragnarök.[5]
Atestações
No poema Grímnismál da Edda Poética, o Deus Odin (disfarçado de Grímnir) fornece ao jovem Agnarr Geirröðsson informações sobre os companheiros de Odin. Agnarr diz que Odin alimenta Geri e Freki enquanto o próprio deus consome apenas vinho:
- Tradução de Benjamin Thorpe:
- Geri and Freki the war-wont sates,
- the triumphant sire of hosts;
- but on wine only the famed in arms,
- Odin, ever lives.[6]
- Tradução de Henry Adams Bellows:
- Freki and Geri does Heerfather feed,
- The far-famed fighter of old:
- But on wine alone does the weapon-decked god,
- Othin, forever live.[7]
- Tradução em português
- O acostumado às batalhas, o triunfante
- senhor de exércitos, sacia Geri e Freki,
- Mas ele, o famoso nas armas, Odin,
- Vive apenas de vinho.
- Original:
- Gera ok Freka seðr gunntamiðr
- hróðigr Herjaföður;
- en við vín eitt vápngöfugr
- Óðinn æ lifir.[8]
Os dois também são citados através do kenning "cães de Viðrir (Odin)" no Helgakviða Hundingsbana I, verso 13, onde é relatado que eles andam no campo "ávidos de pelos corpos daqueles que tombaram no campo de batalha".[9]
- Tradução de Benjamin Thorpe:
- The warriors went to the trysting place of swords,
- which they had appointed at Logafiöll.
- Broken was Frodi's peace between the foes:
- Vidrir’s hounds went about the isle slaughter-greedy.[10]
- Tradução de Henry Adams Bellows:
- The warriors forth to the battle went,
- The field they chose at Logafjoll;
- Frothi's peace midst foes they broke,
- Through the isle went hungrily Vithrir's hounds.[11]
- Tradução em português
- Os guerreiros rumaram ao combinado local das espadas,
- Que haviam escolhido em Logafiöll.
- A paz de Frodi entre os rivais foi quebrada:
- Os cães de Vidri chegaram à ilha ávidos de sangue.
- Original:
- Fara hildingar
- hiorstefno til
- þeirrar er la/gdo
- at Logafiollom;
- sleit Froþa friþ
- fianda a milli,
- fara Viþriss grey
- valgiorn vm ey.[12]
No livro Gylfaginning (capítulo 38) da Edda em prosa, a figura do entronada de Hár explica que Odin dá toda a comida da mesa para seus lobos Geri e Freki e explica que Odin não precisa de comida, pois para ele o vinho é tanto carne (comida) quanto bebida. Hár em seguida, cita o verso acima mencionado do poema Grímnismál em apoio.[13] No capítulo 75 do livro Skáldskaparmál da Edda em prosa há uma lista de nomes de wargs e lobos que inclui Geri e Freki. [14]
Na poesia dos escaldos Geri e Freki são usados como nomes comuns para "lobo" no capítulo 58 do Skáldskaparmál (citado em obras dos escaldos Thjodolf de Hvinir e Egill Skallagrímsson) e Geri é usado novamente como sinônimo para "lobo" no capítulo 64 do Háttatal, livro da Edda em prosa.[15] Geri é usado como kenning para a palavra "sangue" no capítulo 58 do Skáldskaparmál ("as cervejas de Geri" em um trabalho do escaldo Þórðr Sjáreksson) e para "carniça" no capítulo 60 ("pedaço de Geri" em um trabalho do escaldo Einarr Skúlason).[16] Freki também é usado como kenning para "carniça" ("refeição de Freki") em trabalho de Þórðr Sjáreksson no capítulo 58 do Skáldskaparmál.[17]
Registro arqueológico
Se a imagem da Böksta Runestone foi corretamente interpretada, ela representa Odin como um cavaleiro montado, e Geri e Freki participando da caça de um alce.[18]
Teorias
Freki é também um nome aplicado ao monstruoso lobo Fenris no poema Völuspá do Edda poética.
O historiador Michael Spiedel liga Geri e Freki com achados arqueológicos representando figuras vestindo peles de lobo e freqüentemente encontrados nomes relacionados com lobo entre os povos germânicos, incluindo Wulfhroc ("Túnica-de-Lobo"), Wolfhetan ("Lobo-Escondido"), Isangrim ("Máscara-Cinza"), Scrutolf ("Roupa-de-Lobo") , Wolfgang ("Passo-de-Lobo"), Wolfdregil ("Lobo-Corredor") e Vulfolaic ("Lobo-Dançarino") e mitos sobre guerreiros-lobos da mitologia nórdica (como os Berserker). Spiedel acredita que isso aponta para o culto pan-germânico de guerreiros-lobos centrado em torno de Odin, que diminuiu depois de Cristianização.[19]
Estudiosos também notaram que os lobos seriam divindades protoindo-europeias. O mitólogo Jacob Grimm observou conexão entre Odin e o deus grego Apolo, uma vez que para os dois corvos e lobos eram sagrados.[20] O filólogo Maurice Bloomfield ainda ligou Geri e Freki a dois cães de Yama da mitologia védica, e os viu como uma adaptação germânica de Cérbero.[21] Elaborando conexões entre lobos e figuras de grande poder Michael Speidel disse: "É por isso que Geri e Freki, os lobos ao lado de Odin, também ficavam ao lado dos tronos dos reis Anglo-saxões. Lobos-guerreiros, como Geri e Freki, não são apenas meros animais mas seres míticos; como seguidores de Odin, eles são parte de seu poder, e os fez lobos-guerreiros."[19]
Galeria
-
Ilustração datada de 1895 do pintor dinamarquês Lorenz Frølich, representando Odin segurando a Sleipnir, os corvos Hugin e Munin e Geri e Freki.
-
Odin cercado por seus lobos durante um banquete no Valhala
-
Böksta Runestone.
Referências
- ↑ Simek 2007, p. 90; 106
Lindow 2001, p. 120; 139 - ↑ Orel 2003, p. 132
- ↑ Orel 2003, p. 113
- ↑ Lindow 2001, p. 120; 139
- ↑ Lincoln 1991, p. 99
- ↑ Thorpe 1907, p. 21
- ↑ Bellows 1923, p. 92
- ↑ «Grímnismál 16-20 - Stanzas 16-20 with notes» (em inglês). Consultado em 12 de janeiro de 2012
- ↑ Lincoln vê essa atividade como a razão por traz dos apelidos "vorazes" ou "gulosos". Veja Lincoln 1991, p. 99.
- ↑ Thorpe 1907, p. 138
- ↑ Bellows 1936, p. 295-296
- ↑ «Helgakviða Hundingsbana» (em nórdico antigo). Consultado em 12 de janeiro de 2012
- ↑ Faulkes 1995, p. 33
- ↑ Faulkes 1995, p. 64
- ↑ Faulkes 1995, p. 135 e 204
- ↑ Faulkes 1995, p. 136 e 138)
- ↑ Faulkes 1995, p. 136
- ↑ Silén 1983, p. 88—91
- ↑ a b Spiedel 2004, p. 24—28
- ↑ Grimm 1882, p. 147
- ↑ Bloomfield também menciona outro par nórdico nessa conexão: Geri "Guloso" e Gifr "Violento" são dois cães que protegem Menglöð no Fjölsvinnsmál. Veja Bloomfeld (1908:316-318).
Bibliografia
- Bellows, Henry Adams (1923), The Poetic Edda, American-Scandinavian Foundation
- Bellows, Henry Adams (1936), The Poetic Edda, Princeton: Princeton University Press
- Bloomfield, Maurice (1908), Encyclopaedia of Religion and Ethics, 5, Edimburgo: T. & T. Clark
- Faulkes, Anthony (1995), Edda, ISBN 0-4608-7616-3, Everyman
- Grimm, Jacob (1882), Teutonic Mythology (Translated from the 4th Edition by James Steven Stallybrass), 1, Londres: George Bell & Sons
- Lincoln, Bruce (1991), Death, War, and Sacrifice: Studies in Ideology and Practice, ISBN 0-226-48199-9, Chicago: University of Chicago Press
- Lindow, John (2001), Norse Mythology: A Guide to the Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs, ISBN 0-19-515382-0, Oxford University Press
- Orel, Vladimir (2003), A Handbook of Germanic Etymology, ISBN 90-041-2875-1, Leida: Brill
- Simek, Rudolf (2007), Dictionary of Northern Mythology (translated by Angela Hall), ISBN 0859915131, D.S. Brewer
- Silén, Lars (1983). «Några Reflektioner Angående Bilderna på Balingsta-Stenen i Uppland» (PDF). Fornvännen. 78. Swedish National Heritage Board. pp. 88–91. Consultado em 23 de maio de 2011
- Spiedel, Michael (2004), Ancient Germanic Warriors: Warrior Styles from Trajan's Column to Icelandic Sagas, ISBN 0415311993, Routledge
- Thorpe, Benjamin (1907), Edda Sæmundar Hinns Frôða The Edda of Sæmund the Learned (Part I), Londres: Trübner & Co
- Bulfinch, Thomas (2006), O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis: (a idade da fábula): texto integral, ISBN 85 7232 656 1, São Paulo: Martin Claret