Saltar para o conteúdo

Língua camaiurá

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Línguas tupi-guaranis VII)
Camaiurá

Apyap

Pronúncia:[apɨap]
Outros nomes:kamaiurá ou kamayurá
Falado(a) em: apenas Mato Grosso,  Brasil
Região: Aldeia Camaiurá, no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, no  Brasil
Total de falantes: 604[1]
Família: Tupi
 Tupi-guarani
  Camaiurá
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---
ISO 639-3: kay
Parque Indígena do Xingu, lar de diversas tribos indígenas, incluindo a Aldeia Camaiurá

A língua camaiurá, kamaiurá, ou ainda kamayurá, é uma língua indígena falada pela tribo de mesmo nome (autodenominados Apyap, pronúncia: [apɨap]), localizada no Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, Brasil. Estabeleceram sua aldeia na região de confluência dos rios Kuluene e Kuliseu, na Bacia do Rio Xingu, na margem sul da lagoa Ipavu (do camaiurá "água grande").[1]

A língua camaiurá é pertencente ao tronco linguístico tupi-guarani[2] e possui cerca de 604 falantes[1], em sua maioria, nativos da Aldeia Camaiurá. É considerada uma língua ativa e apresentou grande crescimento nos últimos 50 anos: na década de 1970, contava com 150 falantes[3]. Em 2002, havia por volta de 300[1]. Atualmente, este número chega aos 600. Apesar disso, o camaiurá corre risco de extinção.[4]

O termo apyap, como os camaiurás se autodenominam, vem do tupi "aqueles que ouvem", "aqueles que sopram instrumentos", ou ainda, "aqueles que cheiram".[5]

Já o termo camaiurá, pelo qual a população e a língua são mais conhecidos, não tem origem na língua camaiurá, mas sim no aruaque "mortos no jirau" (kãmá + yúla), no sentido de ser moqueado, já que o povo aruaque iaualapiti, também habitante do Parque Indígena do Xingu, acreditava que estes eram canibais e os viam como uma ameaça. Ou seja, tal nome pode ser considerado pejorativo[6]. Por outro lado, os camaiurás dizem que o exônimo significa "povo da tatuagem" (kamara + iup)[5].

Distribuição

[editar | editar código-fonte]

O povo camaiurá, e consequentemente os falantes da língua camaiurá, habitam o Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, Brasil. Sua aldeia se localiza na região de confluência dos rios Kuluene e Kuliseu, na Bacia do Rio Xingu, à margem sul da lagoa Ipavu (do camaiurá "água grande").[1]

Dialetos e línguas relacionadas

[editar | editar código-fonte]

Os povos indígenas do Xingu estabelecem um intenso contato, principalmente na região sul do Parque, onde há grande uniformidade cultural que se mostra, por exemplo, através dos casamentos entre membros de diferentes tribos. Também se relacionam, em menor escala, com a cultura ocidental, eventualmente abrigando estudiosos e turistas. Apesar disso, as línguas de cada uma das tribos são independentes, e sofrem poucas influências daquelas que não pertencem ao mesmo tronco linguístico. As diferenças linguísticas se mostram uma forma de identidade étnica para os povos. Mesmo nos casos de matrimônio entre membros de diferentes origens, os filhos provenientes dessas relações aprendem as línguas materna e paterna separadamente, prevalecendo a língua do povo local. [7]

Atualmente, a troca cultural entre os povos do Xingu reflete-se, principalmente, nas línguas trumai e suiá, nas quais a presença de palavras de origem camaiurá é mais perceptível. Os camaiurá também possuem contato com a língua portuguesa, porém, esta é conhecida por poucos membros: apenas aqueles que tem altos cargos sociais, que envolvem contato intertribal e com pessoas de fora do Xingu.[7]

História do povo

[editar | editar código-fonte]

Segundo relatos do povo, seus antepassados viviam no nordeste do Mato Grosso, junto aos Tapirapé, e se separaram devido a ataques de homens brancos e outros grupos indígenas. Chegaram ao Xingu seguindo o rio Auaiá Missu, seu afluente, e prosseguiram subindo-o até se instalarem às margens do Ipavu. Durante o percurso, se relacionaram com outras tribos da região: foram atacados pelos suiá e pelos jurunas, e se juntaram aos waruá por certo tempo. Se deslocaram pelo rio Tuatuari durante um período, se dispersando, em parte, pelas aldeias aueti e meinaco, e retornaram ao Ipavu em meados do século XIX.[8] Outra versão diz que os camaiurá vieram do extremo norte do parque, da região de Wawitsa, ao lado de Morená.[1]

A expedição de Karl Von den Stein, em 1884, foi a primeira que estabeleceu o contato entre os camaiurá e a sociedade fora da região do Xingu. A partir daí, outras expedições passaram a visitar o local, e ganharam regularidade na década de 1940. Em 1946, com o início da Expedição Roncador-Xingu, liderada pelos irmãos Villas-Bôas, o contato intensificou-se, com a abertura de campos de pouso e a instalação de postos indígenas. Em 1961, foi fundado o Parque Nacional do Xingu, reserva indígena para preservação de povos da área.[1][9]

História da língua

[editar | editar código-fonte]

A língua camaiurá é aquela falada pelo povo de mesmo nome. Possui por volta de 600 falantes e pertence ao tronco linguístico tupi-guarani. Se reconhece como proveniente da mistura de dialetos de cinco grupos distintos, que, por motivos desconhecidos, se unificaram. É considerada uma língua ativa e apresentou grande crescimento nos últimos 50 anos: na década de 1970, contava com 150 falantes[10]; em 2002, havia por volta de 300[11]. Atualmente, este número dobrou. Apesar disso, o camaiurá corre risco de extinção.[12]

Os primeiros dados sobre a língua camaiurá se deram com as listas de vocabulário coletadas pelos etnólogos alemães Steinen e Schmidt, no final do século XIX, mas apenas na década de 1960, a fonologia segmental da língua passou a ser estudada por linguístas. Em 1973, foram publicadas as pesquisas iniciais de Ferreira e Seki, seguidas da "Fonologia Provisória do Kamayurá" de Saelzer, em 1976. [13]

Evolução Fonológica

[editar | editar código-fonte]

Sendo o camaiurá uma língua de origem tupi-guarani, percebe-se a manutenção e a modificação de características mais gerais em relação ao Proto-Tupi-Guarani (PTG), como as listadas e exemplificadas abaixo:[14]

  1. conservação das consoantes finais
  2. mudança de "tx" e "ts", ambos excluídos ou modificados para "h"
  3. mudança de "pw" para "kw" ou "h"
  4. conservação de "pj" em "ts"
  5. conservação do "j"
Exemplos:
caso PTG kay pt-br
1 akér aket eu durmo
2 jatxý jay lua
otsó oho ele vai
pytsatsu pyau novo
3 pwár hwat amarrar
4 epják etsak ver
5 jacaré jakare jacaré

O camaiurá apresenta um sistema de 14 consoantes, divididas entre vozeadas e desvozeadas, e 12 vogais, sendo 6 delas nasalizadas. Diferente das demais línguas da família tupi, não apresenta consoantes plosivas pré-nasalizadas. Ocorre o espalhamento de nasalidade à esquerda. A sílaba tônica é última sílaba do radical em palavras isoladas.[15]

O sistema consonantal do camaiurá apresenta 14 consoantes, divididas em dois grupos: as vozeadas (nasais, vibrantes e aproximantes) e as desvozeadas (plosivas, africadas e fricativas). Diferente das demais línguas da família tupi, não apresenta consoantes plosivas pré-nasalizadas.[16]

Os fonemas consonantais do camaiurá estão representados na tabela abaixo[16]:

Fonemas consonantais da língua camaiurá
Bilabial Dental Alveolar Palatal Velar Velar-labializada Glotal Glotal-labializada
Plosiva p t k kw ʔ
Africada t͡s
Nasal m n ŋ
Vibrante r
Fricativa h hw
Aproximante w j

O sistema vocálico do camaiurá apresenta 12 vogais, sendo 6 orais e as outras 6 suas correspondentes nasalizadas, com o espalhamento de nasalidade à esquerda. Em palavras isoladas, há acento na última sílaba do radical.[17]

Os fonemas vocálicos do camaiurá estão representados na tabela abaixo:[17]

Fonemas vocálicos orais da língua camaiurá
Anterior Central Posterior
Fechada i ĩ ɨ ɨ̃ u ũ
Semifechada e o õ
Aberta a ã

O acento camaiurá combina altura e intensidade, não é contrastivo, e cai na última sílaba em radicais com mais de uma sílaba. Prefixos adicionado são átonos, já os sufixos podem ser tanto tônicos, como "-ite", de negação de predicados, como átonos, como a "-a" de caso nuclear. Acentos secundários aparecem alternados a esquerda do acento principal.[18]

Exemplos:
kay IPA pt-br
jay [ja'ɨ] lua
tata [ta'ta] fogo
jaytata'i [jaɨtata'ˀi] estrela

O camaiurá é originalmente uma língua ágrafa, isto é, não apresenta um alfabeto escrito. As transcrições deste artigo se baseiam do trabalho de Lucy Seiki em "Gramática do Kamayurá": com exceção do fonema consonantal plosivo glotal (ʔ), que é representado com aspas simples ('), e do fonema vocálico fechado central (ɨ), que é representado por "y", a escrita camaiurá é idêntica a transcrição do IPA.[19]

Transcrição fonética da língua camaiurá
Letra Som (IPA) Pronúncia
p /p/ [p] como em pato
t /t/ [t] como em taça
ts /t͡s/ [t͡s] como em pizza
k /k/ [k] como em como
kw /kw/ [kw] como em quatro
' /ʔ/ [ʔ] como na pausa da expressão de negação ã-ã
h /h/ [h] como em hat, em inglês
hw /hw/ [hw] como em why, em inglês
m /m/ [m] como em mão
n /n/ [n] como em não
ŋ /ŋ/ [ŋ] como em unha
r /r/ [r] como em read, em inglês
w /w/ [w] como em mau
j /j/ [j] como em cai
i /i/ [i] como em ilha
ĩ /ĩ/ [ĩ] como em cinto
y /ɨ/ [ɨ] como em roses, em inglês
/ɨ̃/ [ɨ̃] sem equivalente em português
u /u/ [u] como em suco
ũ /ũ/ [ũ] como em muito
e /e/ [e] como em estrela
/ẽ/ [ẽ] como em sempre
o /o/ [o] como em novo
õ /õ/ [õ] como em ombro
a /a/ [a] como em pá
ã /ã/ [ã] como em lã

O camaiurá é uma língua que utiliza a técnica da aglutinação. Uma das suas principais características é o recorrente uso de partículas para caracterizar um radical, criando um extenso vocabulário. Possui 7 classes: nome, pronomes pessoais e demonstrativos, verbo, advérbio, posposição e partícula. Apresenta orações transitivas e intransitivas, cujas estruturas são sujeito-objeto-verbo e sujeito-verbo, respectivamente. Também há orações seguindo a estrutura objeto-verbo.[15]

No camaiurá, os nomes constituem uma classe aberta, caracterizados por receber sufixos casuais e o sufixo "-het" de passado nominal. Possuem a função sintática de núcleo em locuções nominais simples. [20]

Os gêneros no camaiurá, indicando masculino e feminino, não são morfologicamente diferenciados, sendo identificados pelo contexto das sentenças. Para humanos, há diferenciação para pessoas e relações de parentesco. Para animais, adiciona-se os termos "akwama'e" (homem, macho) e "kujã" (mulher, femêa) para definir seu gênero. Outros seres e entidades citados em narrativas, por exemplo, são neutros, mas são classificados de acordo com seu papel social no universo. [21]

Exemplos:
Masculino Feminino
kay pt-br kay pt-br
akwama'e homem kujã mulher
myra velho matyt velha
-up pai -i mãe
-irũ esposo -emireko esposa
jawara akwama'e onça macho jawara kujã onça fêmea
morerekwat o chefe morerekwara kujã a chefe

A categoria de número é aplicada majoritariamente a seres humanos, mas também é expressa nas palavras "wyra" (pássaro, ave) e "amo" (outro), sendo marcada no coletivo ou plural. Se referem a nomes de pessoas, grupos de idade e relações de parentesco. Pode ser expresso pelo sufixo "-met" e suas variações "-et" e "meret"; sufixo "-het"; ou pela nasalização da consoante final. Há ainda o sufixo "-wet" , caso exclusivo da palavra "tamỹj" (avô), para indicar antepassados.[22]

Exemplos:
Singular Plural
kay pt-br kay pt-br
paje pajé pajemet pajés
wyra pássaro wyrahet passarada
itutyt tio dele itutyn tios dele

A categoria de posse é caracterizada pela presença ou ausência de prefixos relacionais, que marcam nomes possuídos. Seguem a seguinte divisão:[23]

  • Prefixo relativo obrigatório: nomes inalienavelmente possuídos
  • Prefixo relativo facultativo: nomes alienavelmente possuídos
  • Prefixo relativo ausente: nomes não possuídos

Há quatro prefixos relacionais: "r-" de possuidor de uma expressão referencial; "i-" de possuidor contextualizado em terceira pessoa, que não seja sujeito da oração; "o-" de terceira pessoa reflexiva; e "t-" de possuidor indefinido em terceira pessoa.[23]

Ex1: "jerup"
je- -r -up
1ªp.sing. rel. pai
"meu pai"
Ex2: "ipyra amoete"
i- pyr -a amoete
3ªp. casa sufixo nuclear longe
"a casa dele é longe"
Ex3: "opyrim iko"
o- pyr -im i- ko -w
3ªp.refl. casa locativo 3ªp. verbo de ligação circusntancial
"ele está em sua própria casa"


Pronomes pessoais

[editar | editar código-fonte]

Os pronomes pessoais no camaiurá pertencem a uma classe fechada, diferente dos nomes, que possuem uma alta variedade de elementos pois recebem sufixos casuais. São divididos entre pronomes livres e pronomes clíticos, diferindo em suas funções sintáticas, melhor trabalhadas abaixo.[24]

A primeira pessoa do plural é separada entre inclusiva — falante e ouvinte — e exclusiva — falante e terceiros — , e é a única pessoa em que o pronome livre e clítico são idênticos. Nas demais, o segundo é uma redução do primeiro.[24]

Os pronomes pessoais do camaiurá estão tabelados abaixo:[24]

Pronomes pessoais da língua camaiurá
Pronomes Livres Pronomes Clíticos
1ª p. Singular ije je
2ª p. Singular ene ne
1ª p. Plural (inclusiva) jene jene
1ª p. Plural (exclusiva) ore ore
2ª p. Plural pehẽ pe

Percebe-se a ausência de pronomes na terceira pessoa. Nos pronomes livres, quando no singular, eles são substituídos pelos demonstrativos "a'e" (esse) e "pe" (aquele), que ocorrem como nominais marcados no caso nuclear. No plural, anexa-se a partícula "wan" (e outros) ao final destes pronomes demonstrativos. Já nos pronomes clíticos, adiciona-se o prefixo relacional "i-". [25]

Pronomes pessoais livres

Os pronomes pessoais livres são acentuados. Não são usados em orações subordinadas, nem assumem papel de possuidor junto a nomes ou de objeto de posposições e seu uso em orações copulativas é restringido.

Podem ocorrer como constituinte único em orações elípticas; como sujeito de orações com predicado nominal; como sujeito enfático ou contrastivo, ou objeto em outros tipos de orações independentes. [26]

Ex1: "ije morerekwat"
ije morerekwat
eu chefe
"eu sou chefe"
Ex2: "ene ruẽj oroetsak"
ene ruẽj oro- etsak
você neg. 1ª/2ªp. ver
"não é a você que eu vejo"

Pronomes pessoais clíticos

Os pronomes clíticos não são independentes, ou seja, sempre aparecem ligados a outro elemento. Ocorrem como possuidor, junto a nomes possuídos; como sujeito, junto a verbos descritivos; como objeto de posposições e de verbos transitivos; e como ambos, com certas formas verbais dependentes. [27]

Ex1: "jerekowe"
je- r- ekowe
1ªp.sing rel. coração
"meu coração"
Ex2: "jerehe"
je- r- ehe
1ºp.sing. rel. por
"por minha causa"

Pronomes demonstrativos

[editar | editar código-fonte]

Os pronomes demonstrativos do camaiurá formam uma classe fechada e se diferenciam pelos critérios de proximidade espacial (próximo ao falante, próximo ao ouvinte ou distante de ambos), temporal, visibilidade e audibilidade. Ocorrem como núcleo de locuções nominais, exercendo funções de sujeito e objeto de verbos e objeto de posposições, como modificadores, e como pronomes pessoais na terceira pessoa.[28]

Os pronomes demonstrativos da língua camaiurá estão listados e exemplificados abaixo:[28]

Pronomes demonstrativos da língua camaiurá
kay pt-br proximidade
ko este próximo ao falante, visível (pouco utilizado)
'aŋ este próximo ao falante, visível
okoj/okwoj esse próximo ao ouvinte, visível
ewokoj/ewokwoj esse próximo ao ouvinte, visível
pe aquele distante do falante e do ouvinte, visível ou não visível
a'e aquele de que se fala distante do falante e do ouvinte, visível ou não visível
po esse audível, não visível
apo esse cujo nome não é lembrado, fulano
Ex1: "'aŋa ruwa ereko"
'aŋ -a r- uw -a ere- ko
este sufixo nuclear rel. pai sufixo nuclear 2ªp.sing. verbo de ligação
"você é pai deste [menino]?"
Ex2: "'a'ea rak o'aawyky 'aŋa"
a'e -a rak o- 'awyky 'aŋ -a
esse sufixo nuclear atestado 3ªp. fazer este sufixo nuclear
"ele fez isto"

O verbo possui função sintática de predicado. É variado ao receber prefixos pessoais, prefixos relacionais, pronomes clíticos e sufixos que marcam modo, o que permite que sejam, também, elemento único da oração. São classificados em transitivos, intransitivos, verbo de ligação, ou ainda, descritivos.[29]

Verbos transitivos

[editar | editar código-fonte]

Os verbos transitivos do camaiurá são os únicos que recebem os prefixos "-oro" (2ªp.sing.) e "-opo" (2ªp.pl.); os nominalizadores "-tat" (agentivo), "-ipyt" (paciente) e "-emi-" (paciente/objeto); e o sufixo "-ukat" (causativo). Também pode receber prefixos relacionais e os prefixos "a-" (1ªp.sing.), "e-/ere-" (2ªp.sing.), "ja-" (1ªp.pl.incl.), "oro-" (1ªp.pl.excl.), "pe-" (2ªp.pl.), e "o-" (3ªp.). Assim como os nomes, recebem o prefixo "r-" ao se ligaram a pronomes clíticos. São derivados, a partir dele, elementos de outras classes por meio de prefixos causativos "mo-" e "ero-", e podem se tornar intransitivos ao receberem "je-" (reflexivo) e "jo-" (recíproco).[30]

Sintaticamente o verbo transitivo pode ocorrer com dois argumentos nominais marcados com o sufixo "-a" de caso nuclear. Recebe apenas um marcador de pessoa, eleito por uma hierarquia de referências que determina a concordância com o sujeito — de acordo com os prefixos "a-" (1ªp.sing.), "e-/ere-" (2ªp.sing.), "ja-" (1ªp.pl.incl.), "oro-"(1ªp.pl.excl.), "pe-" (2ªp.pl.), e "o-" (3ªp.) —, com o objeto - pronome clítico -, ou com ambos.[30]

Dentre os verbos transitivos, estão "-kytsi" (cortar), "-nupã" (bater), "-juka" (matar), "-kutuk" (furar), "-etsak" (ver), "-ekyj" (puxar), "-pyhyk" (pegar, segurar), "-ka" (quebrar).[30]

Ex: "jeretsak"
je- -r etsak
1ªp.sing. rel. ver
"você me vê"

Verbos intransitivos

[editar | editar código-fonte]

Os verbos intransitivos são caracterizados por não receberem os prefixos "-oro" (2ªp.sing.) e "-opo" (2ªp.pl.); receberem os nominalizadores atributivos "-ama'e" e "-uma'e" (negativo); não admitirem pronomes clíticos; e serem prefixados com "we-" (1ªp.sing.), "e-" (2ªp.sing.), "jere-" (1ªp.pl.incl.), "ore-"(1ªp.pl.excl.), "peje-" (2ªp.pl.), e "o-" (3ªp.) para indicar gerúndio. Marcam a categoria de pessoa com os prefixos pessoais "a-" (1ªp.sing.), "ere-" (2ªp.sing.), "ja-" (1ªp.pl.incl.), "oro-"(1ªp.pl.excl.), "pe-" (2ªp.pl.), e "o-" (3ªp.). Sintaticamente os intransitivos admitem apenas uma locução nominal.[30]

Os verbos intransitivos exigem decisão e controle por parte do participante, como "-je'eŋ" (falar), "-jan" (correr), "-'ata" (andar), "-karu" (comer), "-maraka" (cantar), mas também ações como "-manõ" (morrer), "-in" (estar sentado), "-kyje" (ter medo).[31]

Ex: "kunu'uma oket"
kunu'um -a o -ket
menino sufixo nuclear 3ª pessoa ver
"o menino está dormindo"

Verbos descritivos

[editar | editar código-fonte]

Em outras línguas, os componentes dessa subclasse dos verbos intransitivos são nomeados como adjetivos, indicando qualidades e relações. Não se sabe, entretanto, as especificidades que os diferenciam dos adjetivos na língua camaiurá. Os descritivos são divididos por tipo e estão tabelados abaixo:[32]

Descritivos da língua camaiurá
kay pt-br
Dimensão -atua'i baixo
-je'ya alto
-huku comprido
Propriedade física -akup quente
-atã duro
-pyw macio
Cor -jup amarelo
-tsiŋ branco
-pitsun preto
Propensão humana -oryp alegre
-koay zangado
Idade - myrã velho
- pyau novo
Valor -katu bom
-arõ bonito, gostoso
Velocidade -tykwara'ip apressado

Os descritivos são utilizados como predicado; como complemento nominal ou intransitivo, com os nominalizadores atributivos "-ama'e" e "-uma'e"; combinados com o verbo "-eko"; como imperativo. Diferem dos verbos ativos pois não ocorrem no modo circunstancial; nos modos indicativo, exortativo e imperativo recebem apenas prefixos relacionais e pronomes clíticos; são marcados no gerúndio pelo sufixo "-ram"; e podem atuar como modificador de verbos, prefixados com o relacional "i-" de terceira pessoa.[32]

Ex1:"i'ajura ihuku"
i- 'ajur -a i- -huku
3ªp. pescoço sufixo nuclear 3ªp. comprido
"o pescoço dele é comprido"
Ex2: "ikatuma'ea peko"
i- -katu -ma'e pe- -ko
3ªp. bom nominalizador 2ªp.pl verbo de ligação
"vocês são bons"
Ex3: "nekatu"
ne -katu -
2ªp.sing. bom imp.
"seja bom"

Verbo de ligação

[editar | editar código-fonte]

Há um verbo na língua camaiurá que pode atuar tanto como locativo, auxiliar ou verbo de ligação: "-eko" (ser, estar, ficar). É flexionado como intransitivo. Como locativo, é flexionado em todas as pessoas e é traduzido como "estar". Como verbo de ligação, traduzido como "ser", com apenas uma diferença na terceira pessoa: essa é indicada com o demonstrativo "a'e" junto ao sufixo atributivo "-ram".[33]

Ex1: "'am ako ikuewe"
'am a- -ko ikue -we
aqui 1ªp.sing estar ontem continuativo retrospectivo
"eu estou aqui desde ontem"
Ex2: "kara'iwa a'eram"
kara'iw -a a'e -ram
não-índio sufixo nuclear demonstrativo atributivo
"ele é não-índio"

Na língua camaiurá existem orações transitivas e intransitivas, cujas estruturas são sujeito-objeto-verbo e sujeito-verbo, respectivamente. Também há orações seguindo a estrutura objeto-verbo. Além disso, há orações com predicado nominal: as possessivas e identificadoras, que seguem a estrutura sujeito-objeto. Possuem alinhamento ergativo-absolutivo, visto que objeto em orações transitivas e o sujeito em intransitivas são marcadas da mesma forma: com um prefixo relacional ou pronome pessoal antecedendo o verbo. [34]

As principais estruturas das orações no camaiurá estão detalhadas abaixo.

Oração transitiva

[editar | editar código-fonte]

São aquelas formadas por verbos transitivos, com dois argumentos nucleares: um em função do sujeito, e um em função do objeto direto. Os pronomes sempre acompanham o verbo, e há três formas principais de estruturas, dependendo se o verbo concorda com o sujeito, com o objeto ou com ambos.[35]

Locução Nominal Locução Nominal Prefixo Subjetivo Verbo Transitivo
Ex: "kunu'uma ka'ia ruwaja wekyj"
kunu'um -a ka'i -a r- uwaj -a w- ekyj
menino sufixo nuclear macaco sufixo nuclear rel. rabo sufixo nuclear 3ª p. -puxar
"o menino está puxando o rabo do macaco"
Locução Nominal Pronome Clítico Prefixo Relacional Verbo Transitivo
Ex: "kunu'uma jeretsak"
kunu'um -a je- -r -etsak
menino sufixo nuclear 1ª p.sing. rel. ver
"o menino me viu"
Pronome oro-/opo- Verbo transitivo
Ex: "opaetsak"
opa- -etsak
1ªp.pl.excl. ver
"nós (excl.) vemos vocês"

Oração intransitiva

[editar | editar código-fonte]

São aquelas que admitem apenas um argumento nuclear e possuem um predicado intransitivo, que se expressa junto ao verbo, em forma prefixo subjetivo, podendo ser por uma locução nominal. Se esta é não pronominal, vem marcada no caso nuclear, e recebe o sufixo "-a".[36]

Pronome Subjetivo Verbo Intransitivo
Ex: "oket"
o -ket
3ª p. ver
"ele dorme"

Orações descritivas

[editar | editar código-fonte]

Aquela cujo predicado é um verbo descritivo, com um único argumento nuclear, junto ao verbo por pronomes clíticos ou prefixos relacionais, com uma locução nominal, marcada no caso nuclear, ou com uma locução nominal pronominal.[36]

Locução Nominal Pronome Clítico Prefixo Relacional "r-" Verbo Descritivo
Ex: " ene neroryp"
ene ne -r -oryp
você 2ªp.sing. rel. alegre
"você é alegre"
Prefixo Relacional "-i" Verbo Descritivo
Ex: "ihuku"
i- huku
3ªp. comprido
"ele é comprido"

Oração com verbo de ligação

[editar | editar código-fonte]

Caracterizada pelo verbo "-eko", possui um argumento nuclear e uma locução nominal como complemento.[37]

Locução Nominal Prefixo Subjetvo Verbo de Ligação
Ex: "paje ereko"
paje ere- -ko
pajé 2ªp.sing. verbo copulativo
"você é pajé"

Oração possessiva

[editar | editar código-fonte]

Diferente das anteriores, a oração possesiva não apresenta predicado verbal, mas sim, nominal. Indica posse com o uso de um prefixo relacional. [38]

Pronome clítico Prefixo Relacional "-r"
Ex: "jememyt"
je- - -memyt
1ªp.sing. rel. filho
"eu tenho filho"
Locução Nominal Prefixo Relacional "-i"
Ex: "imemyt"
i- memyt
3ªp. filho
"ela tem filho"

Orações identificadoras

[editar | editar código-fonte]

Orações com predicado nominal, equivalentes àquelas com os verbos "ser" e "estar" em português, são formadas por dois nomes, um marcado no caso nominal em função do sujeito, e o outro marcado em função do predicado: [39]

Sujeito Predicado
Ex: "jetutyra morerekwará"
je- tutyr -a morerekwar -a
1ªp.sing. tio sufixo nuclear chefe sufixo nuclear
"meu tio é o chefe"

Abaixo, encontra-se a uma Lista de Swadesh com o vocabulário principal do camaiurá e seus respectivos significados em português, baseada nos estudos de Menki Saelzer, "Fonologia Provisória da Língua Kamayurá"[40] e na transcrição de Lucy Seki. [19]

Lista de Swadesh: Português Brasileiro - Língua Camaiurá
pt-br kay
eu ije, je
tu, você ene, ne
nós (inclusivo) jene
nós (exclusivo) ore
vós, vocês pehẽ, pe
este, isto 'aŋ, ko
esse, isso (visível) okoj/okwoj, ewokoj/ewokwoj
esse, isso (audível, não visível) po
esse (cujo nome não é lembrado, fulano) apo
aquele, aquilo pe
aquele (de que se fala) a'e
aqui 'am
pem
quem awa
o que ma'a noat
onde umam
quando maramoe
como mawite
não anite
todos wetep
muito 'i'ajãŋ
alguns weruratsã
poucos, pequeno ta'ypiatsã
outro amo
um mojepete
dois mokõj
três mo'apyt
quatro mojo'irũ
cinco jenepomomap
grande tujap
comprido 'ihuku
largo, amplo 'ipypit
grosso, expesso 'i'ywau
pesadoa 'ipowyj
curto 'i'ayk
estreito, apertado 'ipo'i
delgado, fino 'i'iwa'i'i
mulher kujã
homem (homem adulto) akwama'e
pessoas, gente awa
criança pitaŋ
esposa hemireko
marido 'i'irũ
mãe 'ijy
pai tup
animal, bicho mijat
peixe ipira
ave, pássaro wyra
cachorro, cão wararujap
piolho 'ikyp
cobra moĩ
verme, minhoca ewo'i
árvore ywyra
bosque, mato, selva, folha ka'a
pau ywyra
fruta i'a
semente ha'yj
folha 'op
raiz hapo
casca 'ype
flor 'ipotyt
erva, capim, grama jawa'ip
corda tupaham
pele 'ipiret
carne ha'o
sangue 'itsapiraŋ
osso 'ikaŋ
gorduras, banha 'ikap
ovo hupi'a
chifre, corno hatsĩ
rabo way
pena, pluma hap
cabelo 'i'ap
cabeça 'i'akaŋ
orelha 'inami
olho hea
nariz 'itsĩ
boca 'ijuru
dente hãj
língua 'ikõ
unha 'yhwãpẽ
'ipy
perna hetymakaŋ
joelho 'iperenan
mão 'ihwã
asa 'ipepo
barriga (humana) 'ipy'a
entranhas, tripas, intestinos i'yepo
pescoço 'i'ajut
costas 'i'ape
peito 'ipotsi'a
coração hekowe
fígado 'ipere
beber o'yu
comer o'u
morder ou'u'u
chupar opytet
cuspir jewun
vomitar o'ywyjewyt
sobrar -
respirar ojepytuerut
rir ohuka
ver wetsak
ouvir o'anup
saber okwahap
pensar ojemoneta
cheirar wetun
temer, ter medo okyje
dormir oket
viver okowe
morrer omano
matar ojuka
lutar, brigar oju'akap
caçar ka'apuwut
golpear, bater onupã
cortar okytsi
rachar omowok
esfaquear, apunhalar -
raspar, coçar we'ỹj
cavar ojo'ok
nadar o'ytap
voar owewe
andar o'ata
vir o'ut
ser mentiroso juruewet
estar sentado o'apyk
estar em pé, ficar de pé o'am
voltar, dar a volta ojewyt
cair okuj
dar ome'eŋ
pegar, segurar pyhyk
apertar, o'ajywyk/
esfregar opin
lavar opotuka
limpar ikytsiŋoki
enxugar -
puxar wekyj
empurrar, jogar, arremessar omomot
atar, amarrar ohwat
coser, costurar opyat
contar opapat
dizer, falar i'i
cantar omaraka
brincar opujaru
boiar owewyj
passar, correr água kwap
gelar, congelar, refrigerar -
inchar owuwut
sol kwat
lua jay
estrela jaytata'i
água 'y
chuva aman
rio parana
lagoa 'yupawape
mar tywerap
sal jukyt
pedra ita
areia 'ytsiŋ
poeira, pó ywytsimot
terra 'iy
nuvem ywytsiŋ
neblina -
céu ywaka
vento ywytu
neve -
gelo amanau
fumaça tatatsiŋ
fogo tata
cinza ikohup
queimar okaj
caminho tape
montanha, monte, morro 'i'atyt
vermelho 'iwaŋ
verde 'itsowy
amarelo 'ijup
branco 'itsiŋ
negro, preto 'ipitsun
noite 'ypytun
dia 'at
ano kwarip
morno, quente hakup
frio 'ero'ytsaŋ
cheio de wot, wut
novo 'ypytun
velho myra
bom (é bom) 'ikatu
mau nikatuite
cruel -
sujo 'i'yaw
úmido, molhado 'i'akỹm
seco ku'itsiŋ
correto, certo awujete nekopy
perto awemejue
longe amoete
direita -
esquerda -
a, em pype
e, com nite
se -
por que ma'are
nome het

Referências

  1. a b c d e f g «Kamaiurá». Povos Indígenas no Brasil. Consultado em 15 Mar 2023 
  2. Seki 2000, p. 44.
  3. Saelzer, Meinke (1976). «Fonologia Provisória da Língua Kamayurá» (PDF). Summer Institute of Linguistics. Série Linguística (N° 5): 170. Consultado em 15 mar 2023 
  4. «Kamayurá». Endangered Languages Project. Consultado em 18 Mar 2023 
  5. a b Figueira, Andreia (2015). «O instante da cena do índio: a expressão poética de uma experiência» (PDF). UFMG: 37-38. Consultado em 22 Mar 2023 
  6. Menezes Bastos, Rafael (1993). «Indagação sobre os Kamayurá,o Alto-Xingu e outros nomes e coisas:uma etnologia da sociedade xinguara». UFSC: 227. Consultado em 22 Mar 2023 
  7. a b Seki 2000, capítulo 1.1.5.
  8. Seki 2000, pp. 34-35.
  9. Seki 2000, pp. 36-37.
  10. Saelzer, Meinke (1976). «Fonologia Provisória da Língua Kamayurá» (PDF). Summer Institute of Linguistics. Série Linguística (N° 5): 170. Consultado em 15 mar 2023 
  11. «Kamaiurá». Povos Indígenas no Brasil. Consultado em 15 Mar 2023 
  12. «Kamayurá». Endangered Languages Project. Consultado em 18 Mar 2023 
  13. Seki 2000, Capítulo 1.3.4.
  14. Rodrigues, A.D. (2013). «Relações internas na família linguística Tupí-Guaraní». Revista Brasileira De Linguística Antropológica 
  15. a b Seki 2000, p. 45.
  16. a b Seki 2000, capítulo 22.1.
  17. a b Seki 2000, capítulo 22.2.
  18. Seki 2000, p. 419.
  19. a b Seki 2000, p. 48.
  20. Seki 2000, p. 54.
  21. Seki 2000, pp. 59-60.
  22. Seki 2000, pp. 58-59.
  23. a b Seki 2000, pp. 54-58.
  24. a b c Seki 2000, p. 61.
  25. Seki 2000, pp. 61-62.
  26. Seki 2000, p. 62.
  27. Seki 2000, p. 63.
  28. a b Seki 2000, pp. 63-65.
  29. Seki 2000, p. 65.
  30. a b c d Seki 2000, p. 66.
  31. Seki 2000, pp. 66-67.
  32. a b Seki 2000, p. 67.
  33. Seki 2000, pp. 70-71.
  34. Seki 2000, Capítulo 4.
  35. Seki 2000, pp. 153-155.
  36. a b Seki 2000, p. 156.
  37. Seki 2000, p. 158.
  38. Seki 2000, p. 160.
  39. Seki 2000, p. 161.
  40. Saelzer 1976, pp. 161-169.

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]