História do transporte ferroviário em Portugal

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Estação Ferroviária de Lisboa-Santa Apolónia, que foi, até à abertura da Gare do Oriente, em 1998, a principal interface dos caminhos de ferro em Portugal.

A história dos caminhos de ferro em Portugal reveste-se de uma elevada importância para o conhecimento da evolução histórica deste país, a partir de meados do século XIX. O desenvolvimento operado no país nos séculos XIX e XX fica a dever-se, no âmbito das vias de comunicação, maioritariamente ao meio ferroviário.[1]

As primeiras tentativas para a implementação deste meio de transporte iniciaram-se da Década de 1840[2], embora as obras da primeira ligação ferroviária só se tenham iniciado em 1853[3]; o primeiro troço, entre Lisboa e o Carregado, foi aberto 3 anos depois, e o caminho de ferro chegou à fronteira com Espanha em 1863[3] e ao Porto em 1877.[3] Em 1882 e 1887, foram concluídas, respectivamente, as Linhas da Beira Alta, e do Douro; em 1891, terminou-se a Linha do Oeste, e, em 1904, a Linha da Beira Baixa e o Ramal de Vendas Novas.[4] A Sul, as cidades de Setúbal, Évora e Beja foram ligadas ao Barreiro, respectivamente, em 1861, 1863, e 1864[5], tendo o caminho de ferro chegado a Faro em 1889[6], e a Vila Real de Santo António em 1909.[4]

Análise

A ausência de um plano geral, que fornecesse as orientações sobre os trajectos das ligações ferroviárias, e as várias dificuldades técnicas encontradas, resultaram na construção de uma rede bastante desordenada; por outro lado, a evolução do transporte ferroviário em Portugal ficou marcada, desde logo, por vários interesses políticos e económicos, a níveis regional e nacional, e pela elevada instabilidade política, o que provocava uma alteração constante nas regras e orientações, complicando a construção de novos caminhos de ferro.[7] A rede resultou, assim, com grandes deficiências, especialmente em termos de traçados, que não se souberam adaptar da melhor forma às condições geográficas; com efeito, alguns dos traçados directos entre as grandes localidades ficaram mal planeados, e várias regiões do território nacional ficaram servidas de forma imperfeita.[7] Além disso, a rede ficou condicionada pelas poucas pontes aonde se podiam atravessar os Rios Tejo e Douro, e as ligações a Espanha foram criadas de forma desequilibrada, existindo, em meados do Século XX, duas linhas internacionais a Norte do Rio Douro, mais 3 na região centro, e nenhuma no Sul; esta organização resultou de uma preocupação excessiva com o tráfego internacional, cujo movimento se revelou muito inferior ao previsto, em detrimento das comunicações internas.[7]

Século XIX

António Bernardo da Costa Cabral.

Primeiros projectos

No Século XIX, as vias de comunicação no interior do país eram muito deficientes, especialmente as estradas, sendo as modalidades mais utilizadas a navegação marítima e fluvial.[8] Assim, durante o governo de António Bernardo da Costa Cabral, iniciaram-se as primeiras tentativas para a instalação de um sistema ferroviário no país[2], tendo, em Agosto de 1844, Benjamim de Oliveira apresentado a construção, com capitais britânicos, de uma ligação ferroviária entre Lisboa e o Porto.[2] No entanto, este projecto foi recusado, porque, naquela altura, se considerava que um caminho de ferro entre Lisboa e Alcácer do Sal seria mais útil, e lucrativo.[2] Em Dezembro do mesmo ano, foi instituída, por iniciativa de José Bernardo da Costa Cabral, a Companhia das Obras Públicas, sendo um dos principais objectivos desta empresa a instalação de uma ligação ferroviária entre Lisboa e Espanha e à rede ferroviária europeia, e de edificar, na capital portuguesa, um grande porto para navios transatlânticos[2]; este projecto, criado por iniciativa de D. Luís I, previa que passageiros viriam, por via férrea, de toda a Europa até Lisboa, aonde poderiam retomar a sua viagem até às Américas em navios.[2]

No dia 19 de Abril de 1845, o governo português assinou um contrato com a Companhia das Obras Públicas, para o objectivo de construir e melhorar as vias de comunicação no interior do país; uma das cláusulas neste contrato previu a instalação de uma via férrea entre Lisboa e a fronteira com Espanha.[3] No entanto, este empreendimento foi atrasado por vários conflitos políticos, sentidos em 1846, pelo que o interesse por este projecto só voltou após o regresso a uma situação mais calma; assim, em 1853, um empresário de nacionalidade inglesa, Hardy Hislop, apresentou uma proposta para uma ligação a Espanha através de Badajoz, passando pela localidade de Santarém.[9]

Primeira fase da construção (1850-1860)

A primeira fase, que decorreu nas Décadas de 1850 e 1860, correspondeu ao início da construção de várias linhas fundamentais no centro e Sul de Portugal; assistiu-se, assim, a um surto inicial de construção, que ganhou ritmo após meados da Década de 1860.[10] Desde o princípio, um dos principais objectivos do transporte ferroviário firmava-se na construção de ligações até às regiões mais isoladas do país, de forma a facilitar o transporte de mercadorias; por exemplo, a Rota do Trigo foi estabelecida para escoar a produção cerealífera do Alentejo para a região metropolitana de Lisboa.[11]

A implementação do caminho de ferro em Portugal foi muito incentivada pelo primeiro-ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, tendo, com o seu sentido prático e empenho, logrado reunir os recursos financeiros e técnicos necessários para fazer arrancar um ambicioso programa de obras públicas, no qual se apostava fortemente no transporte ferroviário; outro apoiante desta modalidade foi o Rei D. Pedro V, que intervinha directamente nas obras e operações ferroviárias, tendo escrito um artigo sobre o traçado da Linha do Leste na Revista Militar.[12] Em 1852, foi organizado um concurso para a construção e exploração do troço entre Lisboa e Santarém; a obra foi atribuída, de forma provisória, à Companhia Central e Peninsular dos Caminhos de Ferro em Portugal.[3] No dia 30 de Agosto, foi instituído o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, que veio trazer um grande impulso aos projectos de desenvolvimento nacional, como os transportes ferroviários.[3] Em 1854, o Conselho Superior de Obras Públicas e Minas apresentou um parecer, que delineava a construção de várias ligações ferroviárias, incluindo as futuras Linhas do Norte e Leste, com ramais até Salamanca, Régua, Évora por Estremoz, Alcácer do Sal e Mértola.[7] O troço até ao Carregado foi inaugurado no dia 28 de Outubro de 1856[3], tendo, no ano seguinte, sido introduzida, em Portugal, a telegrafia eléctrica, que se revelaria indispensável para o funcionamento do transporte ferroviário.[13] Apesar de em Espanha se utilizar a bitola ibérica, a influência dos engenheiros franceses e britânicos levou a que, inicialmente, se construíssem as linhas em bitola europeia, com uma largura de 1,44 metros; no entanto, face à necessidade de ligar com a rede ferroviária do país vizinho, decidiu-se adaptar as vias à bitola ibérica.[7]

O governo contratou, posteriormente, o empresário espanhol José de Salamanca y Mayol, que fundou a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, para construir e gerir as Linhas do Norte e Leste.[3] O Caminho de Ferro do Leste chegou até Santarém em 1 de Julho de 1861, até Abrantes em 7 de Novembro do ano seguinte, e atingiu a fronteira com Espanha em 24 de Setembro de 1863; a Linha do Norte foi concluída em 7 de Julho de 1864, até Vila Nova de Gaia, só restando construir uma passagem sobre o Rio Douro.[3]

Em 1861, as localidades de Vendas Novas e Setúbal foram unidas ao Barreiro por via ferroviária[14] pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo[15]; dois anos depois, foi aberta a ligação até Évora[14], e, em 1864, até Beja[16], ambas pela Companhia do Sueste[17]

Segunda fase da construção (1870-1880)

Ponte D. Maria Pia, durante as obras de construção.

A segunda fase, entre as Décadas de 1870 e 1880, assistiu a um aumento considerável no ritmo de construção, tendo sido concluídas as ligações fundamentais no Norte e Sul de Portugal, e o início da construção de algumas complementares.[18] Com efeito, a inauguração da linha até Campanhã teve lugar em 5 de Novembro de 1877, concluindo a Linha do Norte[3], e, em 1880, abriu o Ramal de Cáceres; em 1882, foi terminada a Linha da Beira Alta[4], e a Linha do Minho chegou até Valença[19], tendo a ligação até à Galiza sido concretizada no ano de 1886.[4] No ano seguinte, foi inaugurada a Linha do Douro.[4]

No Sul, a companhia dos Caminhos de Ferro do Estado, sucessora da Companhia dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, leva a Linha de Évora até Estremoz em 1873[20][21], e o Caminho de Ferro do Sul até Faro em 1889.[22]

As primeiras linhas de carros americanos de Lisboa entraram ao serviço em 1873, entre Santa Apolónia e Santos.[23]

Em Novembro de 1887, começou a circular o Sud-Express, entre Calais, em França, e Lisboa, transitando por Madrid[24]; no dia 30 de Setembro de 1889, foi inaugurado o primeiro troço da Linha de Cascais, até Pedrouços[25], e, em 1890, abriu a Estação do Rossio[26], e a Linha do Dão.[27]

Nas duas últimas décadas do Século XIX, a quantidade de material circulante rebocado aumentou consideravelmente, tendo duplicado o número de carruagens e de vagões; a aquisição das locomotivas, no entanto, aumentou apenas ligeiramente, mas as compradas detinham uma maior potência.[28] Este tipo de investimento, cujo peso relativo cresceu constantemente desde a Década de 1860, revelou-se como um das principais exemplos da injecção de capital na economia portuguesa.[28]

Terceira fase da construção (1890-início da Primeira Guerra Mundial)

Na terceira fase, entre a Década de 1890 e o deflagrar da Primeira Guerra Mundial, reduziu-se a cadência na construção de novas vias férreas, tendo-se assistido, principalmente, à conclusão de algumas linhas complementares[29]; a rede no continente atingiu, em 1895, cerca de 2344 quilómetros de extensão.[30] Em 1891, foi inaugurada a Linha do Oeste.[31]

Século XX

Estação de Vila Real de Santo António, no Distrito de Faro.

Início do Século XX ao fim da Primeira Guerra Mundial

Nos inícios do Século XX, existiam, em território nacional, cerca de 2380 quilómetros de via, sendo 2 terços, que correspondiam a parte da rede de via larga e toda a via estreita, geridos por várias sociedades privadas.[32] O transporte ferroviário era, nessa época, o mais eficaz e económico, razão pela qual o objectivo da política de transportes, nessa época, era concluir o plano ferroviário, de forma a cobrir totalmente o país, ligando as regiões mais isoladas, e gerando crescimento económico.[32]

Em 1902, 1903, 1904 e 1905, foram terminados, respectivamente, os Ramais de Moura[33], Portimão[4], Vendas Novas[34], e Vila Viçosa[35]; a Linha da Beira Baixa abriu em 1904[4], a Linha do Algarve chegou a Vila Real de Santo António em 1906[36], e o Ramal de Mora foi concluído em 1908.[36] Em 8 de Setembro de 1911, foi inaugurada a Linha do Vouga[37], e, em 1915, a Linha do Vale do Sado.[4]

Em 16 de Dezembro de 1910, iniciou-se uma greve dos ferroviários, que alastrou a todo o país em 7 de Janeiro do ano seguinte[38]; em 3 de Maio, foi instituída a Guarda Nacional Republicana, sendo um dos objectivos desta organização o policiamento dos caminhos de ferro.[39] Em Janeiro de 1914, foi realizada outra greve geral dos trabalhadores ferroviários, com cerca de 7900 grevistas[40], aonde foram efectuados vários actos de sabotagem, como a destruição da placa giratória na Estação do Entroncamento[41]; e, em 1920, houve outra greve nos caminhos de ferro.[42]

Com o início da Primeira Guerra Mundial, verificou-se um acréscimo no preço do carvão, que se reflectiu na redução da quantidade armazenada, e no aumento do uso de lenha nas locomotivas; isto resultou em maiores custos de manutenção.[41] Este conflito também provocou um aumento generalizado nos preços, que as empresas combateram com sobretaxas e cortes nos custos, o que resultou em problemas sociais e greves por parte dos trabalhadores.[43] Apesar destes problemas, deu-se um aumento considerável no número de passageiros nos meios urbanos, especialmente na Linha de Sintra.[41]

Período entre as Guerras Mundiais

A Primeira Grande Guerra deixou as operadoras ferroviárias portuguesas muito fragilizadas em termos económicos, tendo sido necessários apoios do estado; no dia 11 de Maio de 1927, as linhas de via larga da companhia dos Caminhos de Ferro do Estado foram entregues à gestão das Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses[43] A expansão do transporte rodoviário, principalmente a partir da Década de 1930, retirou o monopólio ao caminho de ferro, e provocou uma profunda regressão nas receitas, inicialmente de passageiros, e depois das mercadorias; a Companhia reagiu com orçamentos restritivos, reduzindo as despesas, despedindo pessoal, cortando nos horários, e eliminando a renovação das vias férreas, o que provocou um aumento nas despesas de manutenção.[43] Começaram, igualmente, a ser estudados novos métodos e soluções, como a introdução de automotoras e locomotivas a gasóleo.[43]

Em 1926, foi inaugurada a tracção eléctrica na Linha de Cascais, começando a circular as primeiras locomotivas eléctricas em Portugal.[44] No princípio da Década de 1930, a rede atingia já 3424 quilómetros de extensão.[32] Em 30 de Julho de 1922, o caminho de ferro chegou a Lagos.[45]

Situação durante a Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial veio degradar, de forma considerável, a situação dos caminhos de ferro em Portugal, uma vez que provocou uma forte escassez de combustíveis líquidos e sólidos, especialmente após a entrada dos Estados Unidos da América na guerra; com a queda nas importações de carvão, deixou-se de se poder assegurar os serviços ferroviários, pelo que a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses começou a experimentar, entre 1941 e 1942, a adaptação das fornalhas das locomotivas da óleos combustíveis.[46] As experiências foram bem sucedidas, mas a Companhia não quis expandir o uso deste sistema, devido às dificuldades de aprovisionamento que já nessa altura se sentiam.[46] Assim, começou a utilizar, nas locomotivas, carvões nacionais, de pior qualidade, e lenhas; isto gerou, no entanto, problemas ambientais, devido à quantidade de lenha necessária, e provocava irregularidade nas marchas.[46] Para resolver este problema, foi feito um acordo com o Ministério da Economia, que garantiu um fornecimento estável de óleo combustível à Companhia, pelo que esta foi avante com a adaptação da sua frota, o que permitiu regularizar a circulação ferroviária.[46]

Outra questão que se verificou nesta altura foi o facto de grande parte do parque de material motor deter já uma avançada idade, o que resultava em problemas na tracção de comboios de passageiros e mercadorias; com efeito, em 1943, existiam 406 locomotivas em funcionamento, das quais 41 por cento apresentavam 50 ou mais anos de idade, 29,5 por cento detinham 30 a 50 anos, e as restantes tinham 20 ou menos anos.[46] Para renovar a frota, foram feitas várias negociações no estrangeiro, que culminaram com a compra de 22 locomotivas a vapor da American Locomotive Company, que utilizavam óleo combustível.[46]

Concentração da exploração ferroviária

Automotora da Série 0100, de origem Sueca, na Estação de Évora em 2004.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a normalização do comércio internacional, entre 1946 e 1947, o crescimento massivo do parque automóvel[47], e a introdução das linhas aéreas tiveram efeitos nefastos para o transporte ferroviário em todo o mundo[32]; para responder a esta ameaça, aproveitou-se a reconstrução da rede ferroviária na Europa atingida pela Guerra para a requalificar e modernizar, com novos traçados, material circulante, e infra-estruturas, como estações, pontes e vias.[47] Em contraste, em Portugal, as infra-estruturas não foram reconstruídas, uma vez que não tinham sido atingidas pela Guerra, mas estavam obsoletas, devido ao isolamento geográfico, acentuado pela Guerra Civil Espanhola; por outro lado, verificou-se um movimento de certo abandono pelo caminho de ferro, liderado pelo ministro Duarte Pacheco, que afirmava que este meio de transporte não possuía qualquer futuro.[48]

Assim, acentuou-se a crise no transporte ferroviário em Portugal, e começou-se a planear a concentração de todas as operadoras numa só empresa, que seria responsável por toda a rede em território nacional; o primeiro passo foi dado ainda em Setembro de 1945, com a publicação da Lei n.º 2008, que autorizou o governo a estabelecer um plano de substituição de todas as concessões ferroviárias por uma só.[43][49] Em 1947, o professor Vicente Ferreira apresentou um relatório, aonde propôs a formação da Rede Unificada Portuguesa, um aglomerado aonde seria integrada a gestão de todas as linhas ferroviárias.[50] A exploração única da rede iniciou-se em 1 de Janeiro de 1947, com a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses como única gestora nacional; a única exploração independente foi a da Linha de Cascais, porque tinha sido contratada, em 1926, à Sociedade Estoril, por um período de 50 anos.[50] Este processo foi confirmado oficialmente pela assinatura, em 1951, do Contrato de Concessão Única, entre o Governo Português e a Companhia dos Caminhos de Ferro; este documento possuía, além de várias bases para a exploração da rede, uma cláusula que ordenava a elaboração imediata de um plano de recuperação e modernização dos caminhos de ferro.[50] Este projecto nunca foi, contudo, executado, devido aos elevados montantes necessários, pelo que decidiu-se continuar um regime de prestações suaves à Companhia, que tinha sido até então praticado; por outro lado, também se começaram a realizar várias acções concertadas entre o Estado e a Companhia, como a aquisição, entre 1946 e 1949, de vagões, locomotivas e locotractoras americanas, e de automotoras originárias da Suécia.[50]

Modernização da rede de caminhos de ferro

A partir dos Anos 50, a visão do transporte ferroviário alterou-se, deixando de ser um meio de transporte universal, que transportava tudo para qualquer sítio, para passar a ser uma forma de assegurar a deslocação de certos bens e passageiros, para destinos específicos; a natureza dos passageiros e da carga transportada sofreu uma transformação, com um acréscimo nos passageiros de longa distância, e uma aumento na tonelagem das mercadorias, para destinatários específicos.[32]

Para mitigar a estagnação do caminho de ferro, foi apresentado o I Plano de Fomento, que previa o investimento de 100 milhões de escudos por ano entre 1953 e 1958[51], e ao abrigo do qual foram realizados os projectos de electrificação da Linha de Sintra e de parte da Linha do Norte.[50] Um valor semelhante foi utilizado no II Plano de Fomento, levado a cabo entre 1959 e 1964, e que cresceu para 300 milhões no Plano Intercalar, entre 1965 e 1976[51] Além disso, também recebeu fundos do Plano Marshall, com o qual adquiriu algumas locomotivas e outro material circulante.[43] Com estes apoios financeiros, a Companhia pôde modernizar-se, tendo substituído as suas carruagens de madeira por metálicas, mais seguras.[51]

Não obstante estes investimentos, nos finais da Década de 1960, continuaram a existir grandes problemas em grande parte da rede, especialmente em termos de idade e qualidade de infra-estruturas, o que fazia com que, em certas linhas, ainda existissem pontes com grandes restrições de peso, que não possibilitavam a passagem das novas locomotivas utilizadas; além disso, nalguns troços, o estado da via não permitia velocidades superiores a 40 quilómetros por hora.[52] Faltavam, igualmente, instalações oficinais e de apoio, e muitas estações não dispunham de vias suficientes para resguardo e manobras.[52] Assim, o terceiro Plano de Fomento, activo entre 1968 e 1973, e que envolveu cerca 900 milhões[51], debruçou-se mais para a manutenção das infra-estruturas, tendo sido organizados programas plurianuais de renovação de cerca de 2000 quilómetros de via, que, apesar de onerosas e lentas, de forma a não prejudicarem a exploração, eram absolutamente necessárias.[52]

Assim, verificou-se uma renovação nas vias, tendo todo o armamento da via sido reforçado, e as camadas de balastro alteradas, ganhando volume e altura, passando a ser feitas com melhores materiais e granulometria; as travessas, até aí feitas predominantemente em pinho nacional, foram substituídas por travessas de betão em bi-bloco, ou em betão pré-esforçado.[51] Os carris ganharam peso unitário, passando de 40 quilogramas por metro para 54 e 60, e começaram a soldados em plena via, fora das estações; também passaram a ser utilizados novos métodos de conservação e manutenção de via, com apoio de automatismos, e um maior rigor na detecção e correcção de erros no traçado, quer na planta, quer no alçado.[51]

Em termos de material circulante, foram modificados os vagões, que se puderam, assim, adaptar aos novos padrões para o transporte de mercadorias, tendo, a partir da Década de 1960, o peso por eixo dos vagões subido para 20 toneladas, e depois 22 toneladas; também foram introduzidos novos vagões específicos para contentores, cuja uso se encontrava em expansão.[51] O parque de material motor também começou a ser substituído, especialmente nos inícios da Década de 1970, tendo sido um dos precursores na Europa na utilização de corrente alterna na catenária, a 25000 volts e 50 Hz.[51] Em termos de material circulante, destaca-se, principalmente, a compra de automotoras italianas, para realizar os serviços rápidos Foguete, que se iniciaram em 1953.[47]

Ainda nessa Década, foi constituído o Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres, um organismo do Ministério das Comunicações que tinha sido criado para auxiliar na elaboração dos estudos portugueses na Conferência Europeia dos Ministros de Transportes[52], mas que depressa se afirmou como um excelente pólo de divulgação dos estudos económicos dos transportes, e que defendia que o caminho de ferro, ao contrário das ideias correntes, ainda era um transporte com potencialidades em Portugal, se fosse melhor organizado.[53] Embora o Gabinete tenha sido extinto pouco tempo depois, já tinha dado um enorme impulso à modernização do transporte ferroviário em Portugal, tendo formado os quadros necessários para uma nova geração de gestores da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, elaborado os primeiros estudos para os nós ferroviários de Lisboa e Porto e a travessia do Rio Tejo, e começado a preparar os empreendimentos a serem integrados no Quarto Programa de Fomento, no âmbito da Primavera Marcelista.[53] Previa-se, nessa altura, que as intervenções no caminho de ferro, totalizando cerca de 20 mil milhões de escudos, iriam principiar em meados de 1974.[53]

A Revolução dos Cravos e a nacionalização dos Caminhos de Ferro Portugueses

Em 25 de Abril de 1974, no entanto, deu-se uma Revolução, que teve profundos efeitos sobre a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses; com efeito, a empresa foi alvo de inspecções, que verificaram a existência de graves problemas laborais, até então escondidos pela própria organização, e cuja resolução veio fragilizar a já instável situação económica da Companhia[53], devido ao aumento das despesas com pessoal, que não puderam ser compensadas com ajustes nas tarifas.[32] Por outro lado, também se descobriram vários problemas sociais, de educação, saneamento básico, e de higiene, ocultados pelo regime do Estado Novo, que necessitavam de ser urgentemente solucionados, e que retiraram fundos ao caminho de ferro.[53] Um terceiro factor foi a crise económica, exacerbada pelas Crises do petróleo de 1973 e 1978, e que reduziu substancialmente o tráfego ferroviário.[53] A Companhia foi nacionalizada em 1975, mas este processo teve poucos efeitos na prática, uma vez que a empresa já antes se encontrava sobre o controlo do estado.[54]

Desta forma, o governo suspendeu o Quarto Plano de Fomento, e passou a fornecer à Companhia apenas alguns fundos de subsistência, com os quais se podiam realizar algumas acções moderadas de manutenção de via, a construção de acessos ao Complexo Industrial de Sines, e continuar com o programa de substituição da tracção a vapor, que se tinha iniciado cerca de 30 anos antes.[55] Mesmo assim, verificaram-se alguns esforços de progresso no seio da Companhia, como a introdução dos serviços InterCidades, em 1978, que, no entanto, apresentavam graves irregularidades nos horários, e a entrada de novos gestores, que iniciaram reformas na organização e celebraram vários importantes contratos de transporte de mercadorias.[54]

Da Década de 1980 até ao final do Século XX

Comboio da ferroviária Fertagus, para travessia sobre o Rio Tejo em Lisboa, pela Ponte 25 de Abril.
Ponte de São João, junto à cidade do Porto.

O investimento no transporte ferroviário só voltou a crescer significativamente a partir de 1986[51], na sequência da entrada do país na União Europeia[56], tendo atingido um novo auge na Década de 1990, com a ampliação e modernização das principais estações, dentro e fora das zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto, electrificação de várias linhas importantes, como a da Cintura e Braga, e da resolução de grandes estrangulamentos de tráfego, através da quadruplicação de parte da Linha do Norte, e da abertura da travessia sobre o Rio Tejo, pela Ponte 25 de Abril[51], e do Rio Douro, pela Ponte de São João, em 1992.[57] Também foram corrigidos os traçados em planta de vários troços, o que permitiu o aumento da velocidade, e renovados cerca de 1000 quilómetros de via.[56] Após este esforço de modernização, o transporte ferroviário pôde continuar a assegurar o seu papel, insubstituível, entre os sistemas de transportes em Portugal.[56]

Em 1993, o recorde de velocidade ferroviária em Portugal foi atingido no troço entre as Estações de Espinho e Avanca.[58]

Século XXI

Em 2009, o Ramal da Figueira da Foz foi encerrado pela Rede Ferroviária Nacional, por motivos de segurança[59]; e, em 1 de Fevereiro de 2011, foram extintos os serviços Regionais no Ramal de Cáceres.[60]

Ver também

Referências

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