Vodu dominicano

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O vodu dominicano, também conhecido como las 21 divisiones ou gagá, é uma religião de matriz africana originária da República Dominicana. Intimamente relacionada ao vodu haitiano, a las 21 divisiones surgiu a partir do forte fluxo imigratório e cultural entre os dois países da Hispaniola, adquirindo características próprias em território dominicano. À semelhança da cultura vodu no Haiti, cultua-se no vodu dominicano o deus supremo conhecido como Papa Bon Dye (do crioulo haitiano, Papai Bom Deus),[1] que, embora tendo criado todas as coisas, se afastou de sua criação. Apesar disso, criou os luases (singular de lúa, a partir do termo em crioulo haitiano lwa) também conhecidos como sanses, sanes ou mistérios,[2] a quem os devotos se dirigem para rogar por favores, quer para o bem ou para o mal.[3]

Cada um dos luases possui diferentes atribuições, são representados por diferentes cores e sincretizados com devoções católicas.[3] Para além deles, os devotos cultuam um miríade de espíritos agrupados em 21 falanges, cada uma das quais chefiada por um lúa, de onde se origina a designação 21 divisiones.[4] Os fiéis do vodu dominicano acreditam que os luases e os espíritos a eles subordinados poderiam se fazer presentes entre os humanos mediante a possessão dos devotos.[5] Acreditam, de mesmo modo, na intensa intervanção dos espíritos na vida material, de modo que a má-sorte e os maus acontecimentos são constantemente ligados à fúria de um determinado espírito sobre o indivíduo, podendo ser abrandada com a realização de sacríficios ou outras ofertas à entidade perseguidora.[6]

Dentre os luases mais populares está o Barón del Cementerio (do castelhano: Barão do Cemitério). Sincretizado com São Elias,[7] cuja representação hagiográfica o mostra brandindo a espada contra um homem caído - que a tradição popular associa a um cadáver -,[8] o Barón del Cementerio rege os mortos, possibilitando seu contato com os vivos[9]. Seus fiéis o cultuam às segundas-feiras, sendo o seu santuário a sepultura do primeiro homem enterrado num cemitério.[10] Seu correspondente feminino e esposa é a Baronesa Brigitte, cultuada, à semelhança do Barón, na tumba da primeira mulher a ser enterrada em território consagrado.[9]

Anaysa Pye, entidade exclusiva das 21 divisiones, por sua vez, é guardiã do amor, do sexo, da fertilidade e protetora dos homossexuais,[9] sendo sincretizada com Santa Ana[4] e tendo como cores rituais o amarelo e o rosa.[9] Candelo, à semelhança de Anaysa Pye, também não encontra qualquer correspondente no vodu haitiano.[1] Sincretizado com São Carlos Borromeu,[4] sua cor é o vermelho e, quando incorpora num devoto, aprecia assistir a brigas de galo.[9] Os fiéis o invocam em especial para resolução de problemas financeiros.[3] Outros luases incluem Belié Becan, sincretizado com São Miguel, Ogún Balenyo, sincretizado com Santiago Apóstolo e Ogún Badagrí, sincretizado com São Jorge.[4]

Para além do culto a certas entidades distintas, o vodu dominicano também se diferencia do haitiano por uma tradição musical de origem diversa.[11] Os rituais dominicanos mostram-se mais simples que os correspondentes haitianos, carecendo de rituais de iniciação complexos.[12] A nível de sincretismo, percebe-se uma maior influência do catolicismo, kardecismo e xamanismo indígena no sistema de crença dominicano.[6]

A influência do sincretismo católico sobre o vodu dominicano, aliás, é profunda, uma vez que virtualmente todos os praticantes desta religião se designam católicos,[9] apesar de a Igreja considerar a prática vodu como maligna.[13] Além disso, cada um dos luases é associado - e por vezes confundido - a um santo católico,[4] e as oferendas alimentares, sacrifícios animais, [6] e toques de atabaques, de notórias raizes africanas, convivem lado a lado com preces e festividades católicas. Como exemplo, pode-se citar o profundo significado místico da semana santa para os praticantes do vodu, o que demonstra sua profunda simbiose com a doutrina católica oficial.[3]

Características[editar | editar código-fonte]

O vodu dominicano é praticado através de uma linhagem Tcha-Tcha (“maraca” – o que significa chocalho).[14] No Haiti, o Vodoo surgiu e se tornou mais popular através de outra linhagem conhecida como Asson. No entanto, antes de Asson, a linhagem Tcha-Tcha era a linha de destaque no Haiti. Assim, a linhagem Tcha-Tcha é uma das linhagens mais antigas da tradição vodu em toda a ilha.[14]

Os praticantes de vodu dominicano são frequentemente chamados "Caballos”, "Brujos" ou "Servidores" mas eles também são conhecidos como Papa Bokos e Papa Loa (masculino); e Mama Mambos e Mama Loa (feminino). Quem obteve esse título passou pelo último e mais alto nível de iniciação, que pode levar de três a nove dias e noites, além de ter passado algum tempo trabalhando para a comunidade.[14]

Referências

  1. a b Kail ([199?], p. 106)
  2. Brown (1999, p. 74)
  3. a b c d Brown (1999, p. 76)
  4. a b c d e Deive (1992, p. 226)
  5. Mapril e Blanes (2013, p. 40)
  6. a b c Pinn (2009, p. 192)
  7. Kapferer (2003, p. 49)
  8. Ibero-americana (1991, p. 81)
  9. a b c d e f Brown (1999, p. 75)
  10. Deive (1992, p. 184)
  11. Roof (2012, p. 310)
  12. Mapril e Blanes (2013, p. 41)
  13. Walske ([201?], p. 56)
  14. a b c Las 21 Divisiones ~ Dominican Vodou

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BROWN, I. Z. Culture and Customs of the Dominican Republic. Westport: Greenwood, 1999.
  • DEIVE, C. E. Vodú y magia en Santo Domingo. Fundacioń Cultural Dominicana, 1992
  • IBERO-AMERICANA. Nordic journal of Latin American studies. Volumes 21-23. Instituto de Estudios Ibero-Americanos, 1991.
  • KAIL, T. M. Magico-Religious Groups and Ritualistic Activities: A Guide for First Responders. Boca Raton: CRC Press, [199?]
  • KAPFERER, B. Beyond rationalism: Rethinking Magic, Witchcraft, and Sorcery. 3 ed. Oxford, Nova Iorque: Berghahn, 2003.
  • MAPRIL, J e BLANES, R. Sites and Politics of Religious Diversity in Southern Europe. Leida: Brill Academic Publishers, 2013
  • PINN, A. B. African American Religious Cultures. Volume 1. Santa Barbara, CA: Greenwood, 2009.
  • ROOF, W. C. Encyclopedia of Global Religion. Thousand Oaks: SAGE, 2012.
  • WALSKE, C. Z. Dominican Republic in Pictures. Disponível em <www.vgsbooks.com>. Acesso em 17 jan. 2015.