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Júlio César Ribeiro de Sousa

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Julio Cezar Ribeiro de Sousa
Júlio César Ribeiro de Sousa
Nascimento 13 de junho de 1843
Acará
Morte 14 de outubro de 1887 (44 anos)
Belém
Nacionalidade brasileiro(a)
Ocupação Jornalista
Inventor

Julio Cezar Ribeiro de Souza[1] (Acará, Pará, 13 de junho de 1843Belém, Pará, 14 de outubro de 1887) foi um escritor e inventor brasileiro, reconhecido como precursor da dirigibilidade aérea.

Infância e juventude

De família pobre, Júlio Cézar Ribeiro de Souza estudou no seminário do Carmo em Belém, Pará. Praça voluntária em 28 de maio de 1861, transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro, à época capital do Império Brasileiro, onde completou o curso preparatório da Escola Militar. Em 1866, seguiu para Montevidéu, para combater na Guerra do Paraguai. Em 1870, retornou ao Pará, passando e dedicar-se ao jornalismo, à poesia e, a partir de 1874, ao estudo das "ciências aeronáuticas".

A Memória sobre a navegação aérea

Manuscrito de Júlio Cézar Ribeiro de Souza contendo estudos aeronáuticos próprios.

Após seis anos de pesquisas, Ribeiro de Souza concluiu que os balões deveriam ter formato assimétrico, com o centro de empuxo à frente. Após realizar uma conferência no Pará acerca do sistema de navegação aérea que idealizara, viajou para o Rio de Janeiro, onde conheceu o Barão de Tefé, respeitado na comunidade científica brasileira, e entregou-lhe a Memória sobre a Navegação Aérea que escrevera. O Barão de Tefé analisou os estudos de Julio Cezar Ribeiro de Souza, ficou entusiasmado e pesquisou por um mês material europeu sobre aeronáutica. Redigiu um parecer favorável ao sistema do paraense e o documento foi assinado por dois consócios do Instituto Politécnico Brasileiro, então a maior instituição científica da América Latina. Graças a esse apoio, Ribeiro de Souza conseguiu uma verba (20 contos de réis) da província do Pará.

O Le Victoria

Com estes recursos, Souza embarcou para a França e na Casa Lachambre, em Paris, encomendou a construção do balão Le Victoria, assim chamado em homenagem à esposa, Victoria Philomena Hippolita do Valle. Conferenciou acerca do sistema de dirigibilidade que criara na Sociedade Francesa de Navegação Aérea, não sem antes patentear o projeto do balão dissimétrico. Registrou o invento nos seguintes países: França, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Rússia, Portugal, Bélgica, Áustria e Brasil. Em 8 de novembro de 1881, em Paris, foi realizado o primeiro voo público e cativo do aeromodelo, que subiu avançando para frente, feito repetido no dia 12. Aparentemente, presenciando tais experiências em Paris, esteve também o capitão francês Charles Renard, que presidira a Sociedade Francesa de Navegação Aérea até junho de 1881, e que ao assistir o balão avançar contra o vento, haveria afirmado: "Como eu lamento que o inventor não seja um francês!".[2] No Brasil, foram feitas demonstrações no dia 25 de dezembro de 1881, no Pará, e em 29 de março de 1882, no Rio de Janeiro, sendo que nesta última o balão sofreu um rombo, ficando seriamente avariado.

O Santa Maria de Belém

Júlio Cézar Ribeiro de Souza conseguiu no Pará a liberação de mais 36 contos de réis. Retornou a Paris e encomendou a construção de um grande balão, com 52 m de comprimento e 10,4 m de maior diâmetro. Em 12 de julho de 1884, na Praça da Sé em Belém, ele fez uma tentativa de ascensão com o balão, denominado Santa Maria de Belém. A fim de produzir o hidrogênio necessário para inflar o balão, ele contou com a ajuda de pessoas esforçadas, mas inexperientes. Os materiais e equipamentos foram manipulados de forma incorreta, o que acabou por danificar e impossibilitar a experiência. Menos de um mês depois, dois capitães franceses, Charles Renard e Arthur Constantin Krebs, a bordo do balão La France, que media 50,4 m de comprimento por 8,4 m de maior diâmetro , executaram o primeiro circuito fechado em um balão.

Plágio?

Semelhanças entre o La France e o Santa Maria de Belém

Em 9 de agosto de 1884, na França, os capitães Renard e Krebs decolaram do campo militar de Chalais Meudon no balão La France, de 1864 m³, provido dum motor elétrico de 9 cv. Retornaram ao ponto de partida após percorrerem 7.600 m em 23 minutos, numa média de 20 km/h, fato amplamente noticiado pela imprensa. A notícia chegou ao Brasil no mês seguinte, sendo divulgada pelo jornal A Província do Pará de 19 de setembro. Ao tomar conhecimento do acontecido, Julio Cezar Ribeiro de Souza imediatamente supôs haver sido plagiado. Quando viu o desenho do La France, constatou que o formato do balão francês era o mesmo do Le Victoria e do Santa Maria de Belém. Convenceu-se então de que fora vítima de plágio. Escreveu um extenso protesto intitulado A direção dos balões, publicado em três partes no jornal paraense A Província do Pará, nos dias 23, 24 e 25 de outubro de 1884. Uma versão em francês foi publicada em duas partes pelo mesmo jornal no mês seguinte (dias 01 e 9 de novembro), sob o título La direction des ballons, quando foram incluídas gravuras dos balões Le Victoria, La France e do balão de Dupuy de Lôme. Ainda em dezembro de 1884, o periódico inglês Invention and Inventors' Mart publicou um artigo com um resumo do protesto, incluindo o desenho tanto do balão de Ribeiro de Souza como daquele de Renard e Krebs. O periódico britânico registrou que Ribeiro de Souza havia exposto por meio de seu protesto robusta prova de ser ele o inventor do sistema comum aos dois balões, e dispunha-se a publicar a defesa de Renard e Krebs. A edição da Enciclopédia das Enciclopédias – Dicionário Universal Português, publicada em Lisboa, imediatamente posterior a estes fatos, reproduziu na íntegra o protesto do brasileiro.  O comentarista da publicação portuguesa afirmou que, embora não se pudesse deixar de reconhecer o mérito dos capitães franceses Renard e Krebs, é lamentável que não tenham feito ao engenhoso inventor paraense a devida justiça, conservando-lhe perante o mundo científico a glória indiscutível da idéia por eles aproveitada. Prosseguia o comentarista dizendo que o maior argumento para a condenação dos franceses era seu silêncio diante de tão veemente protesto realizado por Ribeiro de Souza, dirigido às sociedades e às publicações científicas de todo o mundo culto da época. Tanto o Le Victoria e o La France foram construídos sob orientação de uma mesma pessoa: Henri Lachambre.

Diferenças entre o La France e o Santa Maria de Belém

O La France possuía diferenças em relação ao Santa Maria de Belém: a hélice era tratora, enquanto no balão brasileiro era propulsora; o balão francês era movido por um motor elétrico de 9 cv, e para o Santa Maria de Belém estava previsto um motor a vapor de apenas 4 cv; o La France possuía um leme vertical, o Santa Maria de Belém não; o La France não empregava planos laterais móveis, o Santa Maria de Belém sim; a cubagem do La France era de 1.864 m, e a do balão brasileiro, de 2.882.

O Cruzeiro

Em 1886, Júlio Cézar Ribeiro de Souza conseguiu da Assembleia do Governo do Pará a quantia de 25 contos de réis e com esses recursos retornou à França e construiu um último balão: o Cruzeiro, com o qual realizou demonstrações públicas. Ao chegar a Paris, propôs debates com Renard e Krebs na Sorbonne e na Academia de Ciências da França, mas foi ignorado pelos militares. No editorial de 13 de maio de 1886, o jornal parisiense L'Opinion publicou um histórico das realizações de Ribeiro de Sousa, desde a aprovação de suas teorias no IPB no início de 1881 até aquela data, mencionando que o protesto do brasileiro havia merecido comentários favoráveis dos países que o receberam, e fazendo votos de que se fizesse justiça a quem de direito. Este artigo foi enviado pelo próprio Ribeiro de Sousa a membros do governo e às academias francesas, a Renard e Krebs, e a toda a imprensa parisiense, sem ter recebido nem apoio nem contestação durante esta que foi a sua última estada na França.

Doença e morte

Julio Cezar Ribeiro de Souza morreu pobre em Belém a 14 de outubro de 1887, vítima de beribéri.

Homenagens

  • Ocupa a cadeira número 17 dentre os Patronos do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica - INCAER.
  • Uma das mais importantes avenidas de Belém, que liga o centro ao Aeroporto Internacional, leva seu nome: Av. Júlio César.
  • A Lei nº 12.446, de 15.7.2011, inscreveu o nome de Júlio Cezar Ribeiro de Souza no Livro dos Heróis da Pátria.
  • A Lei nº 12.228, de 13.4.2010, denominou o principal aeroporto de Belém como "Aeroporto Internacional de Belém / Val-de-Cans / Julio Cezar Ribeiro".
  • Julio Cezar Ribeiro de Souza recebeu (post morten) a Ordem do Mérito Aeronáutico, no Grau de Grande-Oficial, em 23 de outubro de 2013.

Documentário

O inventor Julio Cezar Ribeiro de Souza é a personagem do documentário O Homem do Balão Extravagante ou as Tribulações do Paraense que Quase Voou, um dos ganhadores do concurso DOC-TV 2005, dirigido por Horácio Higuchi (biólogo e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi).

Ver também

Notas

  1. Nos poucos documentos conhecidos e assinados por Ribeiro de Souza, o nome do inventor é sempre grafado Julio Cezar Ribeiro de Souza.
  2. Teffé, Almirante Barão de. O Brasil – Berço da ciência aeronáutica. Imprensa Naval. Rio de Janeiro, 1924, p. 105.

Bibliografia

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  • AMARAL, Fernando Medina do. Do voo dos pássaros à dirigibilidade da navegação aérea. 1ª edição. Conselho Estadual de Cultura. Coleção Cultura Paraense. Série Theodoro Braga. Belém, Pará, 1987.
  • AMARAL, Fernando Medina do. Julio Cesar – o verdadeiro arquiteto da aeronáutica. 1ª edição. Editado pela família do autor. Niterói, Rio de Janeiro, 1989.
  • AMARAL, Fernando Medina do; CRISPINO, Luís Carlos Bassalo; e SOUSA, Júlio César Ribeiro de. "Júlio César Ribeiro de Sousa – Memórias sobre a Navegação Aérea". Série Memórias Especiais, Vol. II. Organizadores: BASSALO, José Maria Filardo; ALENCAR, Paulo de Tarso dos Santos; CRISPINO, Luís Carlos Bassalo; e BECKMANN, Clodoaldo Fernando Ribeiro. Editora da Universidade Federal do Pará, Pará, 2003.
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Ligações externas