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Frithjof Schuon: diferenças entre revisões

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'''Frithjof Schuon''' ([[Basileia]], Suíça, 18 de junho de [[1907]] – [[Bloomington]], Estados Unidos, [[5 de maio]] de [[1998]]), foi um escritor suíço de ascendência alemã. Ao lado de [[René Guénon]] e [[Ananda Coomaraswamy]], Schuon é reconhecido como um dos fundadores da [[escola perenialista]] ou tradicionalista de pensamento. Foi autor de mais de vinte obras em francês sobre [[metafísica]], [[espiritualidade]], [[religião]], [[antropologia]] e [[arte]]. Schuon também foi pintor e poeta. Iniciado pelo Cheikh [[Ahmad al-Alawi|Ahmad al-Alawī]] na ordem [[Sufi]] Shādhiliyya, Schuon fundou a [[Tariqa Maryamiyya]].
'''Frithjof Schuon''' ([[Basileia]], Suíça, 18 de junho de [[1907]] – [[Bloomington]], Estados Unidos, [[5 de maio]] de [[1998]]), foi um [[escritor]], [[Religião comparada|estudioso das religiões comparadas]], [[Xeque (título)|Sheikh]], [[pintor]] e [[poeta]] [[suíço]]. Schuon foi fundador da [[Tariqa Maryamiyya]], uma ramificação da [[Ba 'Alawiyya|Tariqa Ba 'Alawiyya]] e uma das primeiras confrarias [[Esoterismo|esotéricas]] [[Islão|islâmica]] trazidas ao Brasil.<ref>SILVA FILHO, Mário Alves da et al. A mística islâmica em Terræ Brasilis: o sufismo e as ordens sufis em São Paulo. 2012. p.113</ref>


Em sua obra, Schuon subscreve e desenvolve a ideia característica do [[Escola Perenialista|perenialismo]] segundo a qual, em cada uma das grandes revelações religiosas há a expressão de uma mesma verdade fundamental, manifestada, contudo, em diferentes formas.<ref name='stoddart'>"A ideia central da Filosofia Perene de Schuon e Guénon é que a Verdade é una, perene e universal, e as distintas religiões são como as diferentes expressões desta Verdade una". Cf. ''Lembrar-se num mundo de Esquecimento'', de William Stoddart (ed. Kalon, São José dos Campos, 2013)</ref> Contudo, se até então as ideias do perenialismo diziam respeito a abstrações [[metafísicas]], [[simbolismo]] e críticas a certas teses da modernidade, Schuon não só refinou alguns desses tópicos, como expandiu bastante o escopo de temas, desenvolvendo campos [[antropologia|antropológicos]], [[estéticos]] e [[morais]] coerentes com os postulados desta escola de pensamento. Schuon também manteve especial interesse pelas [[Povo dacota|tribos Lakota, Nakota e Dakota]], integrando seus ritos e religiosidade aos estudos das religiões comparadas.<ref name='lako'/> Por isto, é usualmente considerado, ao lado de [[René Guénon]] e de [[Ananda Coomaraswamy]], um dos fundadores do perenialismo.<ref>Martin Lings: Frithjof Schuon and René Guénon Temenos Academy on July 14, 1999</ref>
Em seus escritos, ele enfatiza a universalidade da doutrina metafísica, juntamente com a necessidade de praticar uma religião; também insiste na importância das virtudes e da beleza. Schuon sustenta que o homem é potencialmente capaz de um conhecimento suprarracional, e empreende uma crítica daquilo que classificou como mentalidade moderna, para ele entendida como uma mentalidade desvinculada de raízes tradicionais. Schuon se via na esteira de autores como [[Platão]], [[Plotino]], [[Adi Shankara]], [[Meister Eckhart]] e [[Ibn Arabi|Ibn Arabī]] ao afirmar a unidade metafísica entre o princípio e sua manifestação.

Schuon cultivou relações estreitas com várias figuras de diversos horizontes religiosos e espirituais. Ele demonstrou um interesse particular pelas tradições dos [[Índios das Planícies|índios das pradarias]] da América do Norte, manteve uma sólida amizade com vários de seus líderes e foi adotado tanto por uma tribo [[Povo dacota|Lakota]] [[Sioux]] quanto pela tribo [[Crows|Crow]]. Depois de passar grande parte de sua vida na França e na Suíça, ele emigrou para os Estados Unidos aos 73 anos de idade.


==Biografia==
==Biografia==
Schuon nasceu em [[Basel]], [[Suíça]]. Seu pai era violinista, natural do sul da [[Alemanha]], enquanto sua mãe vinha de uma família [[Alsácia|alsaciana]]. Schuon viveu em Basileia e frequentou a escola lá até a morte prematura de seu pai. Após este fato, mudou-se com sua mãe e seu irmão para as proximidades de [[Mulhouse]], na [[França]], tornando-se cidadão francês. Alfabetizado em alemão, ele recebeu sua educação posterior em francês e, assim, dominou ambos os idiomas desde cedo.<ref name='suny'>Aymard, J. B., & Laude, P. (2004). Frithjof Schuon: life and teachings. SUNY press.</ref>
===Basileia, Suíça (1907-1920)===
[[File:Cheikh_Al_Alawi.jpg|thumb|right|[[Ahmad al-Alawi]] iniciou Schuon no sufismo.]]
Frithjof Schuon nasceu em [[Basileia]], na zona de fala alemã da Suíça, no dia 18 de junho de 1907. Era o filho mais novo de Paul Schuon, violinista, de origem alemã, e de Margarete Boehler, [[Alsácia|alsaciana]]. Em sua casa estava presente não só a música, mas também a literatura e a religião. Os Schuon, ainda que católicos, inscreveram seus filhos no [[catecismo]] [[luterano]], denominação predominante na Basileia.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 1–2</ref><ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, pp. 5–7</ref>
Quando criança, Schuon tinha prazer em desenhar e pintar, mas nunca recebeu nenhum treinamento formal nas artes. Logo na juventude, teve contato com as escrituras [[hindus]], como os [[Upanishads]] e o [[Bhagavad Gita]]. Ainda morando em Mulhouse, descobriu as obras do escritor [[esoterismo|esotérico]] [[René Guénon]], que influenciaram suas ideias e seus escritos posteriores. Schuon viajou para [[Paris]] depois de servir por um ano e meio no [[exército francês]].<ref name='suny'/> Lá ele trabalhou como designer têxtil e começou a estudar árabe na escola da mesquita local. Viver em Paris também trouxe a oportunidade de ser exposto a várias formas de arte, especialmente as artes da Ásia com as quais ele tinha afinidade desde a juventude. Este período de crescente familiaridade intelectual e artística com a cultura oriental foi seguido pela primeira visita de Schuon à [[Argélia]] em 1932. Foi então que ele conheceu o célebre [[Ahmad al-Alawi]] e foi iniciado em sua ordem [[sufi]].<ref>AL-ʿALAWÎ, SHAYKH AHMAD. "THE MAKING OF A SUFI SAINT OF THE TWENTIETH CENTURY: SHAYKH AHMAD AL-ʿALAWÎ (1869-1934)." Journal of the History of Sufism 6 (2015): 225-240.</ref>

Na escola primária, Schuon conheceu o futuro metafísico e especialista em arte [[Titus Burckhardt]], que foi seu amigo toda a vida.<ref>Jean-Baptiste Aymard, "Connaissance et voie d'intériorité: approche biographique", revista ''Connaissance des religions'', numéro hors-série Frithjof Schuon, 1999, p. 5</ref> Desde os dez anos, a busca de Schuon pela verdade o levou a ler não só a Bíblia, mas também os [[Upanixade|''Upanishads'']], a ''[[Bagavadeguitá|Bhagavad-Gītā]]'' e o [[Alcorão]], bem como [[Platão]], [[Ralph Waldo Emerson|Emerson]], [[Goethe]] e [[Schiller]]. Schuon diria mais tarde que desde bem jovem quatro coisas sempre o tinham comovido profundamente: "o sagrado, o grande, o belo e a inocência da infância".<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 3, 6</ref>

===França (1920-1940)===
Em 1920 seu pai faleceu.
Sua mãe decidiu voltar com os filhos pequenos para a sua cidade natal, [[Mulhouse]], na França,<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 9</ref> onde Schuon, como consequência do [[Tratado de Versalhes]], tornou-se cidadão francês.<ref name="PMS321">Pierre-Marie Sigaud, ''Dossiers H : René Guénon'', L’Âge d’Homme, 1984, p. 321 [https://books.google.ch/books?id=emRGdNwTYFgC&pg=PA321]</ref>. Um ano depois, aos 14 anos de idade, foi batizado como católico. Em 1923, seu irmão ingressou num monastério [[trapista]] e Schuon deixou a escola para manter a família, encontrando trabalho como desenhista têxtil.<ref name=JBA10>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 10</ref>

Neste período, mergulhou no mundo da ''Bhagavad-Gītā'' e do [[Vedanta|''Vedānta'']]; este chamado do Hinduísmo o sustentou durante dez anos, ainda que estivesse totalmente consciente de que ele próprio não poderia se tornar [[hindu]].<ref name=JBA10 /> Em 1924, enquanto ainda vivia em Mulhouse, descobriu as obras do filósofo francês [[René Guénon]], que serviram para confirmar suas intuições intelectuais e apoiar sua já iniciada descoberta dos princípios metafísicos.<ref name=BPxiv>Barbara Perry, "Introduction" in Frithjof Schuon, ''Art from the Sacred to the Profane'', World Wisdom, 2007, p. ''xiv''</ref> Schuon diria mais tarde, de Guénon, que este era "o teórico profundo e poderoso de tudo o que [eu] amava".<ref name=JBA10 />

Em 1930, depois de 18 meses de serviço militar passados em [[Besançon]], Schuon estabeleceu-se em Paris. Ali, retomou sua profissão de desenhista têxtil e começou a estudar árabe na [[mesquita]] local.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 26</ref>

[[File:Cheikh_Al_Alawi.jpg|thumb|right|O xeique Ahmad al-Alawi]] No final de 1932, completou seu primeiro livro, em alemão, ''Leitgedanken zur Urbesinnung'' (''Ideias diretivas para a meditação primordial''). Seu desejo de abandonar o Ocidente, cujos valores modernos eram tão contrários a sua natureza, junto com seu crescente interesse pelo [[islã]], o levou a ir a [[Marselha]], o grande porto de saída para o Oriente. Ali, conheceu dois personagens-chave, ambos discípulos do [[xeique]] [[Ahmad al-Alawi|Ahmad Al-Alawī]], mestre [[sufismo|sufi]] de [[Mostaganem]], [[Argélia]]. Schuon viu nestes encontros um sinal de seu destino e embarcou para aquele país.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, pp. 16–17</ref> Em Mostaganem, ingressou no islã e passou quatro meses na [[Zauia|''zāwiya'']] do xeique, o qual lhe deu a iniciação e o nome de `Īsā Nūr al-Dīn ("Jesus, Luz da Religião"). Contudo, sob pressão das autoridades coloniais francesas, Schuon logo se viu obrigado a voltar para a Europa.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 32, 34</ref>

Schuon não considerou sua afiliação ao islã como uma conversão, já que não repudiou o cristianismo; em cada religião, ele via a expressão de uma única e mesma verdade, sob diferentes formas. Ele entendia, contudo, que o cristianismo já não oferecia a possibilidade de seguir-se um "caminho do conhecimento" sob a direção de um mestre espiritual, enquanto este caminho continua a existir no sufismo, o esoterismo islâmico.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 40</ref><ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 61</ref>

Schuon relata que uma noite de julho de 1934, enquanto estava mergulhado na leitura da ''Bhagavad-Gītā'', vivenciou uma experiência espiritual particular: o Nome divino [[Alá|''Allāh'']] tomou posse de seu ser, e durante três dias ele não pôde fazer outra coisa senão invocá-lo sem cessar. Pouco depois, foi informado de que seu xeique tinha falecido naquela mesma noite.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 36–37</ref>

Em 1935, Schuon voltou à ''zāwiya'' de Mostaganem, onde o xeique Adda bin Túnis, sucessor do xeique Al-Alawī, lhe conferiu a função de ''muqaddam'', autorizando-o assim a dar a iniciação a aspirantes à confraria Alawī. Ao retornar à Europa, Schuon fundou uma ''zāwiya'' na Basileia, outra em [[Lausanne]] e uma terceira em [[Amiens]]. Retomou também sua profissão de desenhista têxtil, na Alsácia, durante os quatro anos seguintes.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, pp. 21–22</ref>

Uma noite no final de 1936, depois de uma experiência espiritual, Schuon sentiu, sem a menor dúvida, que tinha sido investido com a função de mestre espiritual, de xeique. Isto, segundo relatou mais tarde, foi confirmado por sonhos visionários que vários de seus discípulos disseram ter tido naquela mesma noite.{{refn|group=nota|Este também foi o caso da investidura de xeique al-Alawī – o mestre de Schuon – pois o xeique al-Būzīdī não havia designado um sucessor. Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, pp. 22–23 + Martin Lings, ''A Sufi Saint of the Twentieth Century'', George Allen and Unwin, 1971, p. 63.}} As diferenças de perspectiva entre Schuon e a ''zāwiya'' de Mostaganem o levam a assumir gradualmente sua independência,{{refn|group=nota|Como fez seu próprio xeique, Ahmad al-Alawī, em relação à ''tarīqa'' Darqāwīyyah. Martin Lings, ''A Sufi Saint of the Twentieth Century'', George Allen and Unwin, 1971, p 84.}} apoiado por Guénon.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, pp. 23–24</ref>

Em 1938, Schuon viajou para o Egito, onde conheceu pessoalmente Guénon, com quem tinha mantido correspondência por sete anos.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 42</ref> Um ano mais tarde, embarcou para a Índia com dois discípulos, fazendo uma longa escala no [[Cairo]], onde voltou a ver Guénon. Pouco de pois de chegar a [[Bombaim]], irrompeu a [[Segunda Guerra Mundial]], o que o obrigou a retornar à Europa. Servindo no exército francês, foi feito prisioneiro pelos [[nazistas]], que planejavam incorporar ao exército alemão todos os soldados de origem alsaciana, para lutarem no fronte russo. Schuon escapou para a Suíça, que seria então seu lar por quarenta anos.<ref name=BPxiv /><ref>Jennifer Casey (ed.), DVD ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2012, 43'10"</ref>

===Lausanne, Suíça (1941-1980)===
Instalou-se em Lausanne, onde continuou a colaborar para a revista [[René Guénon|guénoniana]] ''Études Traditionnelles'', como tinha feito desde 1933. Em 1947, após ler ''[[Black Elk Speaks]]'' (''Alce Negro Fala''), de John G. Neihardt, Schuon, que tinha sempre tido um profundo interesse pelos [[povos nativos dos Estados Unidos]], convenceu-se de que [[Alce Negro]] sabia muito mais sobre a tradição [[Sioux]] do que estava contido no livro. Pediu então a seus amigos norte-americanos que procurassem o velho chefe. Em consequência, o etnólogo Joseph Epes Brown recolheu de Alce Negro a descrição dos sete ritos Sioux que compõe o livro ''The Sacred Pipe'' (''O cachimbo sagrado'').<ref>Harry Oldmeadow, ''Black Elk, Lakota Visionary. The Oglala Holy Man and Sioux tradition'', World Wisdom, 2018, p. 116</ref>

Em 1948, Schuon publicou seu primeiro livro em francês, ''De l’unité transcendante des religions'' (''Da unidade transcendente das religiões''). Todas as suas obras posteriores, mais de vinte, foram escritas em francês.

Em 1949, Schuon se casou com Catherine Feer, suíça-alemã de educação francesa que, além de estar profundamente interessada na religião e na metafísica, também era uma talentosa pintora.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 35</ref> Pouco depois de seu matrimônio, Schuon recebeu a cidadania suíça.<ref name=PMS321 /> Sem deixar de escrever, Schuon viajou muito, acompanhado da esposa. Entre 1950 e 1975, o casal visitou o Marrocos cerca de dez vezes, e também foi a muitos países europeus, entre eles a Grécia e a Turquia; perto de [[Éfeso]], visitaram aquela que foi, supostamente, a última [[casa da Virgem Maria]].<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 74–75</ref>

[[File:Thomas_Yellowtail.jpg|thumb|left|Thomas Yellowtail]] No inverno de 1953, Schuon e sua esposa viajaram a Paris para assistir às representações organizadas por um grupo de dançarinos [[Crows|Crow]]. Formaram laços de amizade com [[Thomas Yellowtail]], futuro [[xamã|''medicine man'']] e líder da Dança do Sol. Cinco anos mais tarde, os Schuon visitaram a [[Expo 58|Feira Mundial de Bruxelas]], onde 60 índios Sioux faziam apresentações sobre o tema "[[Velho Oeste]]". Também nesta ocasião, novas amizades se formaram. Foi assim que em 1959 e, depois, em 1963, a convite de seus amigos índios, os Schuon viajaram para o Oeste americano, onde visitaram várias tribos da pradarias e tiveram a oportunidade de presenciar muitos aspectos de suas tradições sagradas. Durante a primeira dessas visitas, o casal foi adotado pela família do chefe Sioux James Red Cloud (James Nuvem Vermelha), neto do chefe [[Nuvem Vermelha]], e, algumas semanas depois, num festival índio em [[Sheridan (Wyoming)|Sheridan]], no Wyoming, foram recebidos oficialmente na tribo Sioux.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 85, 89</ref><ref name=BPxv>Barbara Perry, "Introduction" in Frithjof Schuon, ''Art from the Sacred to the Profane'', World Wisdom, 2007, p. ''xv''</ref> Os escritos de Schuon sobre os ritos centrais da religião dos índios norte-americanos e suas pinturas sobre temas de sua vida dão fé de sua particular afinidade especial com esse universo espiritual.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 39</ref>

A década de 1970 viu a publicação de três importantes obras compostas por artigos previamente publicados na revista francesa ''Études Traditionnelles'':
*''Logique et transcendance'' (''Lógica e transcendência'', inédita em português), na qual o autor examina a filosofia moderna, as provas de Deus, a Substância universal, o [[emanacionismo]] e o [[criacionismo]], o intelecto e o sentimento, as qualificações para a via espiritual, o amor de Deus, a realização espiritual, o mestre espiritual, a beleza, a inteligência e a certeza;
*''Forma e Substância nas Religiões'': Verdade e Presença divinas, as religiões, [[Ātman|''Ātmā'']] e [[Maiá|''Māyā'']], os graus de realidade, esclarecimentos sobre o Alcorão e o [[Maomé|Profeta]], a [[Virgem Maria]], as virtudes e as mulheres no [[Budismo]], as duas naturezas de [[Cristo]], o mal e a Vontade divina, textos sagrados, a dialética espiritual, o paraíso e o inferno;
*''O Esoterismo como Princípio e como Caminho'': [[exoterismo]] e [[esoterismo]], o véu universal, as dimensões hipostáticas do Princípio, a [[Árvore da Vida (Bíblia)|Árvore da Vida]], a natureza humana, as virtudes, o sentimento, a sinceridade, a sexualidade, as provas, a realização espiritual, a beleza, a arte, a importância das formas, as relíquias, as aparições celestes, a Dança do Sol e a interioridade espiritual no sufismo.<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" in ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, pp. 60–61</ref>

Outro aspecto relevante da vida de Schuon foi seu grande respeito e devoção pela Virgem Maria, o qual se manifesta em seus ensinamentos e suas pinturas. Essa reverência pela Virgem foi estudada em detalhe pelo professor James Cutsinger, dos EUA, que relata dois episódios, em 1965, em que Schuon vivenciou uma graça mariana especial.<ref>James Cutsinger, "Colorless Light and Pure Air: The Virgin in the Thought of Frithjof Schuon" revista ''Sophia'', Vol. 6, N° 2, 2000, p. 115</ref> Daí veio o nome, ''Maryamiyya'' ("Mariana", em árabe), da [[tariqa|''tarīqa'']] sufi que ele fundou como ramo da ordem ''Shadhiliyya-Darqawiyya-[[Ba 'Alawiyya|Alawiyyah]]''.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 99, 83</ref>

===Estados Unidos (1980-1998)===
Em 1980, Schuon e sua esposa emigraram para os Estados Unidos, instalando-se em [[Bloomington (Indiana)|Bloomington]], no estado de Indiana, onde já existia uma comunidade de seus discípulos.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 47</ref> Os primeiros anos em Bloomington viram a publicação de uma série de obras importantes como ''Ter um Centro'', ''Raízes da Condição Humana'' e ''A Transfiguração do Homem''.<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 16</ref>

Seus numerosos livros, juntamente com seus artigos e cartas, levaram Schuon a se tornar, segundo Patrick Laude, "o principal porta-voz da corrente intelectual às vezes chamada nos países de língua inglesa de [[Escola perenialista|''Perennialism'']]", ou a "escola tradicionalista".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, pp. 7, 97</ref> Por isso, durante seus anos em Lausanne e Bloomington, ele recebeu regularmente visitas de "praticantes e representantes de diversas religiões".<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy, World Wisdom'', 2010, pp. 78, 119</ref>


Numa segunda viagem ao norte de [[África]], em 1935, visita novamente a Argélia e [[Marrocos]]; e durante 1938 e 1939 viajou para o [[Egito]], onde conheceu Guénon, com quem se correspondia há 27 anos. Em 1939, logo após sua chegada a Pie, na [[Índia]], eclodiu a [[Segunda Guerra Mundial]], forçando-o a retornar à Europa. Depois de ter servido no exército francês e feito prisioneiro pelos alemães, pediu asilo na Suíça, que lhe deu nacionalidade suíça e seria sua casa por quarenta anos. Em 1949 casou-se, sendo sua esposa, uma pintora suíça-alemã.<ref name='suny'/>
Thomas Yellowtail, que viria a morrer em 1993, foi até seus últimos dias amigo íntimo de Schuon, tendo adotado-o na tribo Crow em 1984 e visitado-o em Bloomington todos os anos.<ref name=BPxv /> Durante essas visitas, Yellowtail compartilhava com os Schuon e alguns de seus seguidores cantos e danças de seu povo em reuniões que foram chamadas de "Dias índios" e nas quais se celebrava o espírito dos índios das pradarias.<ref>Renaud Fabbri, ''Frithjof Schuon: The Shining Realm of the Pure Intellect'', MA diss., Miami University, 2007, p. 30</ref> Estas reuniões não faziam parte do método espiritual, centrado na oração islâmica e no ''[[dhikr]]''.<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 62 + "Approche biographique", revista ''Connaissance des Religions'', numéro hors série Frithjof Schuon, 1999, p. 61</ref>
[[File:Thomas_Yellowtail.jpg|thumb|left|Schuon conviveu com o pajé Yellowtail durante sua estadia nos EUA.]]
Após a Segunda Guerra Mundial, Schuon aceitou um convite para viajar para o [[Região Oeste (Estados Unidos)|oeste norte-americano]], onde viveu por vários meses entre os índios das planícies, por quem sempre teve profundo interesse. Em 1959 e novamente em 1963, eles retornaram ao Oeste estadunidense a convite de seus amigos indígenas. Na companhia de seus amigos nativos americanos, eles visitaram várias tribos das planícies e tiveram a oportunidade de testemunhar muitos aspectos de suas tradições sagradas.<ref>Schuon, Frithjof. "A message on North American Indian Religion." Studies in Comparative Religion 15 (1983): 182.</ref>
Em 1959, Schuon e sua esposa foram adotados solenemente na família [[Sioux]] de James Red Cloud. Anos depois, eles foram igualmente adotados pelo [[pajé]] e [[líder]] [[espiritual]] dos [[Crows|índios Crow]], [[Thomas Yellowtail]].<ref name='lako'>Urban, Hugh. "A Dance of Masks: The Esoteric Ethics of Frithjof Schuon." Crossing Boundaries: Essays on the Ethical Status of Mysticism (2002): 406-440.</ref> Os escritos de Schuon sobre os ritos centrais da religião nativa americana e suas pinturas de seus modos de vida atestam sua afinidade particular com o universo espiritual dos índios das planícies.<ref>Schuon, Frithjof. The Essential Frithjof Schuon. World Wisdom, Inc, 2005.</ref>
Em 1991, um dos apoiadores de Schuon o acusou de má conduta durante algumas reuniões coletivas. Foi iniciada uma investigação preliminar, mas o procurador-chefe concluiu que "não havia o menor indício" para acusá-lo e apontou o caráter extremamente duvidoso do queixoso, que já havia sido condenado anteriormente por prestar falsas declarações num assunto similar.<ref>''The Herald Times'', Bloomington, Indiana, 21 de noviembre de 1991 [https://accuratenews.net/]</ref><ref>Renaud Fabbri, ''Frithjof Schuon: The Shining Realm of the Pure Intellect'', MA diss., Miami University, 2007, p. 47</ref>


Schuon, durante toda a sua vida, teve grande respeito e devoção à [[Virgem Maria]], expressa em seus escritos. Como resultado, seus ensinamentos e pinturas mostram uma presença mariana particular. Daí o nome, ''Maryamiya'' (em árabe, "Marian"), da ordem Sufi que ele fundou como uma ramificação da tariqa [[Ba 'Alawiyya|Shadhiliya-Darqawiya-Alawiya]].<ref name='suny'/><ref>Dickson, William Rory, and Merin Shobhana Xavier. "DISORDERING AND REORDERING SUFISM." Global Sufism: Boundaries, Narratives and Practices (2019): 137.</ref>
Até o final de sua vida, Schuon continuou recebendo visitantes e mantendo correspondência com discípulos, estudiosos e leitores. De 1995 a 1997, escreveu mais de três mil poemas nos quais se entrelaçam doutrina e conselho espiritual. Depois de uma primeira séria de composições escritas em árabe e em inglês, estes poemas são redigidos em alemão, como o foram os poemas de sua juventude. Schuon faleceu em 5 de maio de 1998.<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 131–132, 136</ref>


Em 1980, Schuon e sua esposa emigraram para os [[Estados Unidos]], estabelecendo-se em [[Bloomington]], [[Indiana]], onde uma comunidade de discípulos de diferentes localidades se reunia em torno dele para orientação espiritual. Frithjof Schuon recebeu visitantes e manteve uma intensa correspondência com seguidores, estudiosos e leitores até sua morte em 1998.<ref name='suny'/>
==Pensamento==
Schuon é reconhecido como um dos principais representantes da [[Filosofia perene]] do século XX, pensamento que postula a existência de um princípio<ref group=nota>Schuon usa sempre o termo com inicial maiúscula, para indicar que se trata de um conceito filosófico de primeira ordem. Por exemplo: Frithjof Schuon, ''De l'unité transcendante des religions'', Éditions du Seuil, Paris, 1979, p. 10.</ref> absoluto — Deus — do qual o universo emana, e sustenta que todas as revelações divinas, apesar de suas diferenças, possuem uma essência comum: uma mesma verdade.


== Obra ==
Para Seyyed [[Hossein Nasr]], Frithjof Schuon é "ao mesmo tempo metafísico, [[teólogo]], [[filósofo]] tradicional e lógico", "autoridade" em "religião comparada" e na "ciência do homem e da sociedade", "intérprete das artes e civilizações tradicionais [...], guia espiritual e crítico do mundo moderno não apenas em seus aspectos práticos, mas também em suas dimensões filosóficas e científicas".<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Writings of Frithjof Schuon'', Amity House, 1986, p. 2</ref>
Tanto a obra poética quanto a pintura de Schuon seguiam suas ideias propriamente filosóficas e suas ideias religiosas e espirituais, em sintonia com seu ideal [[Platonismo|platônico]] de [[estética]] e de [[beleza]]. Além disso, se Schuon
foi sobretudo pintor e poeta, a dança e, em menor medida, a música também desempenharam um papel muito importante na expressão artística de sua perspectiva espiritual.
=== Artística ===
Já estabelecido nos Estados Unidos, nos derradeiros anos de vida, Schuon escreveu mais de três mil poemas relativamente breves, em alemão. Uma seleção desses poemas foi logo publicada pela editora alemã ''Herder'', em quatro pequenos volumes intitulados ''Glück'', ''Leben'', ''Sinn ''e ''Liebe ''(Felicidade, Vida, Sentido e Amor). Posteriormente, a editora suíça ''Les Sept Flèches'' iniciou a publicação da obra integral numa edição bilingue em alemão e francês, terminada com o lançamento do décimo volume.<ref>Schuon, Frithjof. Autumn Leaves & the Ring: Poems. World Wisdom, Inc, 2010.</ref> Alguns poemas são autobiográficos, sobre lugares em que Schuon viveu, outros evocam o gênio de certos povos, como os hindus, os japoneses, os árabes, os peles-vermelhas, e também os cossacos e os ciganos. Outros ainda elucidam o papel da música, da dança e da própria poesia. Em um ou dois poemas, Schuon arrisca-se na sátira ao criticar o materialismo predominante na contemporaneidade.


Quanto a sua pintura, Schuon nunca recebeu treinamento ou instrução formal. As principais características da arte de Schuon são vibração impressionista da superfície ou das cores. Pode-se notar a influência de pintores como [[Gauguin]] e [[Ferdinand Hodler]] e também elementos de [[Van Gogh]].<ref name='msa'>Schuon, Frithjof. Metaphysical and Spiritual Aesthetics. World Wisdom, Inc, 2005. p.115</ref> Um volume com suas pinturas foi publicado nos Estados Unidos sob sua supervisão e reunindo um número bastante grande de seus pinturas, intituladas ''Imagens da Beleza Primordial e Mística''. Os temas são predominantemente retirados do mundo dos índios norte-americanos. Também estão incluídos, no entanto, muitas telas sobre o mistério do [[feminino]] [[celestial]] e [[humano]].<ref>Images of Primordial and Mystic Beauty Paintings by Frithjof Schuon av Frithjof Schuon, Michael Pollack INBUNDEN Engelska, 2005-04-01</ref>
Em seus escritos, Schuon trata principalmente dos campos da "metafísica essencial, portanto universal, com suas ramificações [[Cosmologia|cosmológicas]] e [[Antropologia|antropológicas]]; da espiritualidade no sentido mais amplo; da ética e da estética intrínsecas; dos princípios e fenômenos tradicionais; das religiões e seus [[Esoterismo|esoterismos]]; e da arte sacra".<ref>Thierry Béguelin, "Preface" ''in'' ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Les Sept Flèches, 2013, p. 8</ref>


===Doutrina===
=== Pensamento ===
Partindo dos postulados do perenialismo, tais como a exposição da metafísica e do esoterismo, o significado dos símbolos sagrados e as artes e ciências sagradas, os escritos de Schuon refinaram e complementaram tais temas. Além disso, Schuon enfatizou os aspectos operativos e práticos que se desdobram dessas ideias, juntamente com a metafísica teórica e a cosmologia.<ref name='ooo'>Schuon, F. "General Considerations on Spiritual Functions." Aymard J.-B., Laude P., State University of New York Press, NY, рр (2004): 101-146.</ref>[[Ficheiro:Transcendent unity of religions.svg|miniaturadaimagem|300x300px|Esquema schuoniano da unidade transcendente.]]
====Perenialismo====
<blockquote>Já foi dito mais de uma vez que a Verdade total está inscrita em uma escrita eterna na própria substância de nosso espírito; o que as diferentes Revelações fazem é "cristalizar" e "atualizar", em graus diversos conforme o caso, um núcleo de certezas que não só permanece para sempre na onisciência divina, mas também dorme por refração no núcleo "naturalmente sobrenatural" de o indivíduo, bem como o de cada coletividade étnica ou histórica ou da espécie humana como um todo.<ref>''The Essential Writings of Frithjof Schuon,'' Suhayl Academy, Lahore, 2001, p.67.</ref></blockquote>
Os princípios do que viria a ser a escola tradicionalista ou perenialista foram formulados pela primeira vez nos anos 1920 por René Guénon e nos anos 1930 por Frithjof Schuon. Ananda Coomaraswamy e [[Titus Burckhardt]], metafísicos e especialistas em arte, também foram eminentes representantes desta corrente intelectual.<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. ''xiii''</ref> Segundo o escritor perenialista [[William Stoddart]], "a ideia central da filosofia perene é que a Verdade divina é una, atemporal e universal, e que as diversas religiões são apenas linguagens diferentes que expressam essa Verdade", de onde o título que Schuon deu ao seu primeiro livro em francês: ''Da Unidade Transcendente das Religiões''.<ref>William Stoddart, ''Remembering in a World of Forgetting'', World Wisdom, 2008, pp. 51–52</ref>[[Ficheiro:Transcendent unity of religions.svg|miniaturadaimagem|300x300px|Esquema schuoniano da unidade transcendente.]] Para Patrick Laude, um autor perenialista é "aquele que afirma a universalidade e primordialidade dos princípios metafísicos fundamentais e o caráter perene da sabedoria que atualiza{{refn|group=nota|Schuon usa sempre este termo em seu sentido filosófico, vindo de Aristóteles, o da "passagem da potência ao ato", de "tornar real, existente", não no sentido comum de "tornar atual, de acordo com os tempos atuais".}} esses princípios no homem, como expressado em todas as grandes revelações e nos principais ensinamentos dos sábios e santos ao longo dos tempos".<ref>Patrick Laude, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 79</ref>


Sua ideia era a de que o significado central da religião e a verdade de que o esoterismo e a metafísica tradicional só pode ser realizada dentro da estrutura de religiões reveladas. Portanto, ele não falou não só da [[filosofia perene]], mas também de uma religião perene. Como seus antecessores Guénon e [[Ananda Coomaraswamy]], ele também escreveu sobre a universalidade e unidade da verdade e cunhou o termo “unidade transcendente das religiões”, que é o título de seu primeiro trabalho.<ref>''The Essential Writings of Frithjof Schuon,'' Suhayl Academy, Lahore, 2001, p.67.</ref>
Segundo [[Harry Oldmeadow]], esta verdade ou sabedoria primordial "recebeu numerosos nomes: ''Philosophia Perennis'', ''Lex Aeterna'', ''Hagia Sophia'', ''Dīn al-Haqq'', ''Akālika Dhamma'', ''Sanātana Dharma'', etc."<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 69</ref> Schuon aponta para o fato de que esta sabedoria primordial está claramente presente em Adi Shankara, [[Pitágoras]], Platão, Plotino e outros representantes do esoterismo quintessencial.<ref>Thierry Béguelin, ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, p. 73</ref>

Em ''Nos Caminhos da Religião Perene'', Schuon faz uma distinção entre as três noções de filosofia (''philosophia''), sabedoria (''sophia'') e religião (''religio'') perenes, a fim de mostrar tanto sua concordância entre si quanto suas particularidades:
<blockquote>O termo ''philosophia perennis'', que surgiu a partir da [[Renascença]], e do qual a [[neoescolástica]] fez amplo uso, designa a ciência dos princípios [[Ontologia|ontológicos]] fundamentais e universais; uma ciência tão imutável quanto estes princípios, e primordial pelo próprio fato de sua universalidade e infalibilidade. Utilizaríamos de bom grado o termo ''sophia perennis'' para indicar que não se trata de "filosofia" no sentido corrente e aproximado da palavra — que sugere simples construções mentais que surgem da ignorância, da dúvida e das conjecturas, e mesmo do gosto pela novidade e pela originalidade — ou poderíamos também usar o termo ''religio perennis'', referindo-se então ao lado operativo desta sabedoria, ou seja, ao seu aspecto místico ou iniciático.<ref>Frithjof Schuon, ''Sur les traces de la religion pérenne'', Le Courrier du Livre, 1982, p. 9</ref></blockquote>

Para Laude, o que caracteriza o ensino de Schuon é não tanto a noção de uma "unidade transcendente de religiões" quanto uma "reformulação da ''Sophia perennis'', ou ''Religio perennis'', entendida como a conjunção de uma doutrina metafísica com um caminho de realização espiritual".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 351</ref>

====Metafísica====
Schuon considera a metafísica "pura" como (1) "essencial", ou seja, "independente de qualquer formulação religiosa"; (2) "primordial", ou seja, como "a verdade que existia antes de todo formalismo dogmático"; e (3) "universal", no sentido de que "engloba todo simbolismo intrinsecamente ortodoxo" e "pode, portanto, ser combinada com qualquer linguagem religiosa".<ref>Thierry Béguelin, ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, p. 76</ref> Para ele, a metafísica pura pode ser resumida pela seguinte declaração do [[Vedanta]]: ''Brahma satyam jagan mithyā jīvo brahmaiva nāparah'' (''[[Bramã|Brahma]]'' (''Brahman'') é a Realidade; o mundo é aparência; a alma não é senão ''Brahma'').<ref>Michael Fitzgerald, "Introduction" ''in'' ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. ''xxii''</ref>

A metafísica exposta por Schuon é baseada na doutrina do que o [[Advaita]] Vedānta hindu designa pelos termos ''Ātmā'' (''[[Ātman]]'') e [[Maiá|''Māyā'']]. ''Ātmā'' é o Si, ao mesmo tempo transcendente e imanente. Em correlação com ''Māyā'', ''Ātmā'' designa o Real, o Absoluto, o Princípio, o Sobre-Ser, ''Brahma''; e ''Māyā'' designa o ilusório, o relativo, a manifestação.<ref>Thierry Béguelin, "Glossaire" ''in'' ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, pp. 231, 233</ref> Schuon desenvolve este princípio metafísico particularmente em ''Forma e Substância nas Religiões'', baseado na doutrina súfi dos níveis de realidade, conhecida pelo nome de "as cinco Presenças divinas":<ref>Frithjof Schuon, ''Form and Substance in the Religions'', World Wisdom, 2002, p. 51</ref>

* <small>''O conjunto dos níveis 1 e 2 corresponde a Deus, o Princípio, o Absoluto'':</small>

1. ''Ātmā'': Sobre-Ser, Divindade impessoal, Princípio supremo, Realidade absoluta, Essência, ''nirguna Brahma''.

* <small>''Os níveis de 2 a 5 correspondem a ''Māyā'':</small>

2. ''Māyā in divinis'' (o "relativo Absoluto", "''Ātmā'' como ''Māyā''"): Ser, Deus pessoal, Princípio criador, Espírito incriado, ''saguna Brahma'', ''Īshvara''.{{refn|group=nota|Schuon nos lembra que a distinção "Sobre-Ser/Ser" (níveis 1 e 2) só se aplica na metafísica e nunca na relação do homem, como um ser contingente, com Deus. William Stoddart, "Lossky's Palamitism in the Light of Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 6, 2000, p. 23.}}

* <small>''Os níveis de 3 a 5 correspondem à manifestação, ao cosmos, à criação'':</small>

3. Manifestação supraformal: Espírito criado (Intelecto, [[Logos]], [[Buddhi]]), paraíso, anjos.

* <small>''Os níveis de 4 e 5 correspondem à manifestação formal'':</small>

4. Manifestação sutil ou anímica: o mundo da alma e dos "espíritos" ([[jinn]]s, [[silfos]], salamandras, [[gnomos]], etc.).

5. Manifestação bruta ou material: o mundo visível.

No ser humano (o microcosmo), os cinco níveis correspondem, no sentido inverso, ao corpo e à alma sensorial e mortal (5); à alma suprasensorial e imortal (4); ao espírito (ou intelecto) criado (3); ao espírito (ou intelecto) não criado (2); ao Si absoluto e infinito (1).<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 53 e seg.</ref><ref>Jean Biès, "Frithjof Schuon et la primordialité hindoue" ''in'' ''Dossiers H : Frithjof Schuon'', L’Âge d’Homme, 1984, pp. 59-62</ref> A presença no homem &ndash; "criado à imagem de Deus" &ndash; dos três níveis superiores permite compreender a possibilidade de um conhecimento que transcende as limitações da subjetividade e que, portanto, pode "ver as coisas como elas são", ou seja, objetivamente: é a gnose.<ref>Tage Lindbom, "Frithjof Schuon and Our Times", revista ''Sophia'', Vol. 4, N° 2, 1998, pp. 84-86</ref>

Assim como Platão na Grécia antiga, Adi Shankara no Hinduísmo, Mestre Eckhart e [[Gregório Palamas]] no Cristianismo ou Ibn Arabī no Islã &ndash; para citar apenas alguns exemplos &ndash;, Schuon sustenta que o discernimento essencial em metafísica é o que se dá entre o Real e o não-real (o ilusório), ''Ātmā'' e ''Māyā''.<ref>William Stoddart, "Lossky's Palamitism in the Light of Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 6, 2000, pp. 23-24</ref> O Real ou o Sobre-Ser, que é absoluto e infinito, é a essência de todo bem (o Sumo Bem);<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, pp. 162-163</ref> como nos lembra [[Agostinho de Hipona|Santo Agostinho]], comunicar-se está na natureza do Bem (''Agathon'') e daí a projeção de ''Māyā'',<ref>Frithjof Schuon, ''Form and Substance in the Religions'', World Wisdom, 2002, pp. 40-41</ref> que é ao mesmo tempo divina (''Īshvara''), celestial (''Buddhi'' e ''Svarga'') e "terrena" &ndash; esta último incluindo o domínio da transmigração (''[[Samsara|Samsāra]]'').<ref>Frithjof Schuon, ''Survey of Metaphysics and Esoterism'', World Wisdom, 1986, p. 67</ref> Todo o bem que o mundo oferece provém da irradiação do Sumo Bem, e todo o mal, de seu distanciamento.<ref>Frithjof Schuon, ''Survey of Metaphysics and Esoterism'', World Wisdom, 1986, p. 65</ref> ''Māyā'' ao mesmo tempo vela Deus, o Absoluto, e o revela.<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 62</ref>

====Esoterismo====
A maioria das religiões tem tanto uma dimensão exotérica quanto uma esotérica.<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, p. 15</ref><ref>René Guénon, ''Studies in Hinduism'', Sophia Perennis, 2001, p.87</ref> Schuon qualifica o esoterismo religioso como "relativo" para diferenciá-lo do "esoterismo absoluto"<ref>Frithjof Schuon, "Lettre à Jean-Pierre Laurant" ''in'' ''Dossiers H : Frithjof Schuon'', L’Âge d’Homme, 1984, p. 424</ref> ou "quintessencial"<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 97</ref>, que não é nem limitado nem totalmente expressado por uma determinada forma religiosa ou uma escola teológica particulares.<ref name="WSremembering103">William Stoddart, ''Remembering in a World of Forgetting'', World Wisdom, 2008, p. 103</ref><br>

Para Schuon, a metafísica integral &ndash; que parte da distinção entre ''Ātmā'' e ''Māyā'' (o Absoluto e o relativo) &ndash;<ref name="WSremembering103"/> é a própria substância do esoterismo puro<ref>Timothy Scott, "The Elect and the Predestination of Knowledge: ‘Esoterism’ and ‘Exclusivism’: A Schuonian Perspective" ''in'' ''Esotericism and the Control of Knowledge'', The University of Sydney, 2004, p. 3</ref> e deve estar unida a um método de realização,<ref>Frithjof Schuon, ''Survey of Metaphysics'', World Wisdom, 1986, p. 115</ref>{{refn|group=nota|"O esoterismo em si é a metafísica pura, à qual está necessariamente ligado um método apropriado de realização; o esoterismo de uma certa religião - de um certo exoterismo, precisamente - pelo contrário, adapta-se a essa religião e assim entra em desvios teológicos, psicológicos e legalistas alheios a sua natureza, embora mantenha em seu centro secreto seu caráter autêntico e pleno, sem o qual não seria o que é". F. Schuon, ''Resumen de metafísica integral'', José J. de Olañeta Editor, 2000, p. 65.}} pois, como salienta Patrick Laude :
<blockquote>A perspectiva esotérica não é redutível a uma compreensão conceitual, pois é essencialmente uma conformidade intelectual e "existencial" com a Realidade, ou uma assimilação espiritual e moral da natureza das coisas. Como Frithjof Schuon com frequência lembrou, conhecer é ser. O esoterismo vivo é, no seu ápice, a sabedoria em que ser e conhecer coincidem.<ref>Patrick Laude, "Remarques sur la notion d’ésotérisme chez Frithjof Schuon", revista ''Connaissance des religions'', 1999, p. 216</ref>
</blockquote>
Há, pois, continuidade entre exoterismo e esoterismo quando este se manifesta como a dimensão interna daquele e, portanto, adota sua "linguagem", e há descontinuidade quando o esoterismo transcende toda religião:<ref>Harry Oldmeadow, "The Heart of the Religio Perennis, Frithjof Schuon on Esotericism" ''in'' ''Esotericism and the Control of Knowledge'', The University of Sydney, 2004, pp. 5-7</ref> é a ''religio perennis'', o esoterismo atemporal, essencial, primordial e universal.<ref>Thierry Béguelin, "Glossaire" ''in'' ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, p. 234</ref> Esta constitui "a unidade transcendente das religiões" e se baseia, no que diz respeito ao método, em uma das [[Revelação divina|revelações divinas]], tendo como objeto a "Verdade" una, comum a todas elas.<ref>Seyyed Hossein Nasr, "introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, pp. 15-16</ref>

====Sufismo====
Para Schuon, o Sufismo (''tasawwuf'', em árabe) &ndash; "a medula do Islã" &ndash; é essencialmente "a sinceridade da fé"; "no plano da doutrina", esta sinceridade é fruto de uma "visão intelectual" que tira da ideia da unidade "as mais rigorosas consequências; o resultado disso não é apenas a ideia do mundo-nada, mas também a da Identidade suprema".<ref>Frithjof Schuon, ''Comprendre l'islam'', Le Seuil, 1976, p. 163-164</ref> Laude sublinha a distinção que Schuon faz entre um Sufismo "quintessencial", puramente esotérico, e um Sufismo "médio" que, embora tendendo ao esoterismo, depende da mentalidade exotérica e é, portanto, propenso à "intensificação de atos piedosos, à externalização emocional, ao zelo obediencialista e à acentuação excessiva de escrúpulos formais e do temor a Deus".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 202</ref> Para Laude, "a definição schuoniana mais precisa e sucinta" do sufismo quintessencial &ndash; como de qualquer outra espiritualidade em sua dimensão essencial &ndash; é "a díade doutrinal fundamental de Schuon, ou seja, o discernimento entre o Absoluto e o relativo, e o método correspondente de concentração exclusiva no Absoluto".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 195</ref>

Schuon considera que “todo o sufismo [...] pode ser resumido nestas quatro palavras: ''Haqq'', ''Qalb'', ''Dhikr'', ''Faqr'' : 'Verdade', 'Coração', 'Lembrança', 'Pobreza'".<ref name=sufism123>Frithjof Schuon, ''Sufism, Veil and Quintessence'', World Wisdom, 2006, p. 123</ref>

* ''al-haqq'' (a verdade, a realidade) "coincide com a ''[[Chahada|Shahādah]]'', o duplo Testemunho"<ref name=sufism123/> ("''lā ilāha illā Llāh, Muhammadun rasūlu Llāh'': não há outro deus senão Deus, [[Maomé|Muhammad]] é o enviado por Deus"),<ref>Thierry Béguelin, "Glossaire" ''in'' ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, p. 235</ref>que enuncia "a Verdade metafísica, cosmológica, mística e [[Escatologia|escatológica]]".<ref name=sufism123/> Resumindo o pensamento de Schuon, Laude ressalta que o primeiro testemunho significa teológica ou exotericamente que não há mais que um Deus e, metafisicamente, que Ele é a única realidade.<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 60</ref> Esta segunda acepção &ndash; a dos súfis &ndash; significa para Schuon não somente "que só Deus é real, ao contrário do mundo, que, sendo contingente, é ilusório", mas também "que nenhuma existência pode ser situada fora de Deus; que tudo o que existe "não é distinto d'Ele", caso contrário o mundo não existiria, precisamente".<ref name=sufism129>Frithjof Schuon, ''Sufism, Veil and Quintessence'', World Wisdom, 2006, p. 129</ref> Este último sentido, acrescenta Laude, também se deduz do segundo testemunho, que, esotericamente, enuncia a relação unitiva entre "o condicionado e o Incondicionado, o relativo e o Absoluto".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 61</ref>
* ''al-qalb'' (o coração) é "o centro existencial e intelectual" do ser humano,<ref>Frithjof Schuon, ''Gnosis: Divine Wisdom'', World Wisdom, 2006, p. 75</ref> a "sede da presença divina e, portanto, da certeza metafísica "<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perennial Books, 1981, p. 229</ref> e também, mais comumente, a sede da fé.<ref>Frithjof Schuon, ''The Eye of the Heart'', World Wisdom, 2021, p. 89</ref> "Ele representa o intelecto sob o duplo aspecto do conhecimento e do amor "<ref>Frithjof Schuon, ''Survey of Metaphysics and Esoterism'', World Wisdom, 2000, p. 172</ref> e "desemboca, graças ao prodígio da Imanência, no "Si" divino e na infinitude ao mesmo tempo extintiva e unitiva do cognoscível, portanto do Real".<ref>Frithjof Schuon, ''The Transcendent Unity of Religions'', Quest Books, 1993, p. 155</ref> Assim, a verdade (''al-haqq'') "deve ser aceita, não apenas com o pensamento, mas também com o Coração, portanto com tudo o que somos".<ref name=sufism123/>
* ''al-dhikr'' (a lembrança, a menção, a invocação) é, para Schuon, "a atualização permanente da fé ou da gnose por meio da palavra sacramental", que reside no coração.<ref name=sufism123/> Embora a palavra "''dhikr''" englobe toda prática dirigida a Deus, Harry Oldmeadow enfatiza que Schuon, quando se trata de Sufismo, usa sempre este termo em seu significado mais elevado: a invocação do nome "[[Alá|''Allāh'']]".<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 307</ref> Laude argumenta que Schuon, seguindo a tradição súfi, considera este rito &ndash; que depende de autorização<ref>Titus Burckhardt, ''Introduction to Sufi Doctrine'', World Wisdom, 2008, p. 94</ref> &ndash; "como a prática central do ''tasawwuf'' ".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 214</ref> À pergunta: "Por que invocar?", Schuon responde: "A resposta mais profunda seria sem dúvida: 'porque eu existo', porque a Existência é de certa forma a Palavra de Deus, pela qual Ele se nomeia a Si mesmo. Deus pronuncia Seu Nome para se manifestar &ndash; para 'criar' &ndash; na direção do 'nada', e o ser relativo pronuncia este Nome para 'ser', isto é, para 'tornar-se novamente o que ele é', na direção da Realidade".<ref>Thierry Béguelin, ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, p. 100</ref> "O Nome supremo", qualquer que seja o caminho espiritual praticado, "é ao mesmo tempo Verdade metafísica e Presença salvadora".<ref>Thierry Béguelin, ''Vers l'Essentiel: lettres d'un maître spirituel'', Sept Flèches, 2013, p. 160</ref>
* ''al-faqr'' (pobreza espiritual) é "a simplicidade e a pureza da alma, que tornam possível" a atualização da fé ou da gnose, "conferindo-lhe a sinceridade sem a qual não há ato válido".<ref name=sufism123/> Comentando o trabalho de Schuon, Laude define ''al-faqr'' como "a humildade enquanto ausência de todo egocentrismo e vazio para Deus".<ref>Patrick Laude, ''Keys to the Beyond, Frithjof Schuon's Cross-Traditional Language of Transcendence'', SUNY, 2020, p. 212</ref> Schuon vê nesta atitude de "santa pobreza" ou "auto-apagamento" "a virtude espiritual por excelência", uma atitude que implica "desapego, sobriedade, paciência, [...] contentamento", "resignação à vontade de Deus e confiança em Sua Misericórdia", e que é "como uma antecipação da extinção em Deus".<ref>Frithjof Schuon, ''Sufism, Veil and Quintessence'', 2006, p. 27; ''The Eye of the Heart'', 1997, p. 133; ''Survey of Metaphysics and Esoterism'', 2000, p. 214; ''Roots of the Human Condition'', 1991, p. 84 - World Wisdom.</ref>

===Método===
====Via espiritual====

Segundo Ali Lakhani, editor da revista ''Sacred Web'', para Schuon, o significado da vida nada mais é que a busca de Deus ou da Verdade que reside em cada ser humano.<ref>Ali Lakhani, "A Commentary on the Teachings of Frithjof Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 10</ref> Schuon afirma que o homem é "uma ponte entre a Terra e o Céu "<ref>Frithjof Schuon, ''Roots of the Human Condition'', World Wisdom, 2002, p. 45</ref> e que "a noção do Absoluto e o amor a Deus constituem a própria essência da subjetividade humana &ndash; esta subjetividade que é uma prova tanto de nossa imortalidade quanto de Deus, e que é propriamente uma teofania".<ref>Patrick Casey, ''Frithjof Schuon, Echoes of Perennial Wisdom'', World Wisdom, 2012, p. 87</ref>{{refn|group=nota|"Alguns sem dúvida dirão que o [[budismo]] prova que a noção de Deus não tem nada de fundamental e que é perfeitamente possível prescindir dela na metafísica e na espiritualidade; teriam razão se os budistas não tivessem nem a ideia do Absoluto, nem a da transcendência, ou a da Justiça imanente com seu complemento de Misericórdia; basta isso para mostrar que o budismo, se não tem o termo — ou se não tem o nosso termo — tem a coisa". "A 'Extinção' ou o 'Vazio' é 'Deus' subjetivado; 'Deus' é o 'Vazio' objetivo." F. Schuon, ''Logic and Transcendence'', Perennial Books, 1984, p. 60 + ''Treasures of Buddhism'', World Wisdom, 2018, p. 16.}}

Schuon sustenta que a vida espiritual compreende três caminhos fundamentais, correspondentes a três temperamentos humanos: 1) a via da ação, das obras, da ascese e do temor (o ''karma-mārga'' ou ''[[Carmaioga|karma-yoga]]'' do [[Hinduísmo]]); 2) a via do amor, da devoção (''[[Bactiioga|bhakti-mārga]]''); e 3) a via da gnose, da contemplação unitiva (''[[Jnana-ioga|jñāna-mārga]]''); no Sufismo: ''makhāfah'', ''mahabbah'', ''ma'rifah''. As duas primeiras são dualistas e exotéricas, {{refn|group=nota|Mais precisamente, a segunda "estende-se do exotericismo ao esoterismo". Schuon, ''In the Face of the Absolute'', World Wisdom, 1989, p. 197.}} e estão baseadas na revelação, enquanto a via do conhecimento é [[Monismo|monista]] e esotérica e se baseia na intelectualidade<ref name=FA197-198>Frithjof Schuon, ''In the Face of the Absolute'', World Wisdom, 1989, pp. 197-198</ref> apoiada pela revelação.<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, p. 32</ref> Assim como a via do amor não pode prescindir da ação e do temor reverencial, também a via esotérica ou metafísica não pode excluir as duas outras vias.<ref name=FA197-198/>

Segundo Schuon, a via esotérica &ndash; a do conhecimento ou da gnose &ndash; está no coração de todas as grandes religiões. Ela consiste essencialmente em: 1) o discernimento entre o Real e o ilusório, ''Ātmā'' e ''Māyā'', [[Nirvana|''Nirvāna'']] e [[Samsara|''Samsāra'']], o Absoluto e o relativo, ou Deus e o mundo; 2) a concentração no Real; e 3) a moralidade intrínseca, a virtude.<ref>Jesús García-Varela, "The Role of Virtues According to Frithjof Schuon", revista ''Sophia'', 1998, Vol. 4, N° 2, p. 171</ref><ref>Michael Fitzgerald, "Introduction" ''in'' ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. ''xx''</ref> Esse discernimento seria puramente teórico, se não fosse acompanhado da concentração no Real pelos ritos e pela oração,<ref name=HO298-299>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, pp. 298-299</ref><ref>Patrick Laude, "Remarks on Esoterism in the Works of Frithjof Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 4, 1999, p. 59</ref><ref>James Cutsinger, ''Advice to the Serious Seeker: Meditations on the Teaching of Frithjof Schuon'', SUNY Press, 2012, p. 195</ref> ou seja, se não tivesse uma ligação efetiva com Deus, o "Sumo Bem",<ref name=HO298-299/> ligação essa baseada numa piedade autêntica e num desapego suficiente em relação ao mundo e ao ego.<ref>Reza Shah-Kazemi "Frithjof Schuon and Prayer", revista ''Sophia'', Vol. 4, N° 2, 2000, pp. 181-182</ref> Schuon salienta que este caminho para Deus "implica sempre uma inversão: da exterioridade se deve passar à interioridade, da multiplicidade à unidade, da dispersão à concentração, do egoísmo ao desapego, da paixão à serenidade".<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perennial Books, 1981, p. 140</ref>

Schuon considera que, em todo caminho espiritual, o método se baseia nos ritos exotéricos e esotéricos da religião praticada e de nenhuma outra.<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Frithjof Schuon et la tradition islamique", revista ''Connaissance des Religions'', Numéro Hors Série Frithjof Schuon, 1999, p. 124</ref>{{refn|group=nota|Nas palavras de Schuon, "é certo que a verdade metafísica, por definição, vai além de todas as formas e, portanto, de todas as religiões; mas o homem é uma forma, e ele só pode alcançar o aformal na forma; caso contrário, as religiões não existiriam". T. Béguelin, ''Towards the Essential: Letters of a Spiritual Master'', The Matheson Trust, 2021, p. 240.}} A oração é seu elemento central, pois sem ela o coração não pode assimilar ou tornar real &ndash; com a ajuda da graça divina &ndash; aquilo que a mente foi capaz de apreender.<ref>Reza Shah-Kazemi "Frithjof Schuon and Prayer", revista ''Sophia'', Vol. 4, N° 2, 2000, pp. 180-181, 184, 191</ref> Schuon lembra os três modos de oração: a oração pessoal, em que a pessoa se abre para Deus de forma espontânea e informal; a oração canônica, impessoal, prescrita pela tradição; e a oração invocatória ou oração do coração (''[[japa]]'', ''[[dhikr]]'')<ref>Reza Shah-Kazemi "Frithjof Schuon and Prayer", revista ''Sophia'', Vol. 4, N° 2, 2000, p. 183 e seg.</ref> que "já é uma morte e um encontro com Deus e já nos situa na Eternidade; é já algo do Paraíso e inclusive, em sua quintessência misteriosa e 'não criada', algo de Deus".<ref>Frithjof Schuon, ''Logic and Transcendence'', Perennial Books, 1984, p. 265</ref> Esta forma de oração é a invocação de um nome divino, de uma fórmula sagrada, de um mantra;{{refn|group=nota|Nas palavras de Schuon, "as tradições mais diversas estão de acordo nisso: que o melhor suporte para a concentração e o melhor meio de obter a Libertação é, no final do ''[[Cáli Iuga|kali-yuga]]'', a invocação de um Nome divino revelado". "O fundamento deste mistério é, por um lado, que "Deus e seu Nome são idênticos" ([[Ramakrishna|Rāmakrishna]]) e, por outro lado, que o próprio Deus pronuncia Seu Nome em Si mesmo, portanto na eternidade e fora de toda a criação, de modo que Sua palavra única e incriada é o protótipo da oração jaculatória e mesmo, num sentido menos direto, de toda oração". T. Béguelin, ''Towards the Essential: Letters of a Spiritual Master'', The Matheson Trust, 2021, p. 170 + ''Stations of Wisdom'', World Wisdom, 1995, p. 125.}} ela concilia a transcendência e a imanência da verdade;<ref>Ali Lakhani, "A Commentary on the Teachings of Frithjof Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 12</ref> se, por um lado, a verdade supera infinitamente o humano,<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perrenial Books, 1981, p. 238</ref> o gnóstico sabe, escreve Schuon, que ela está também "inscrita na própria substância de seu espírito".<ref>Frithjof Schuon, ''Light on the Ancient Worlds'', World Wisdom, 1984, p. 136</ref> Deus é ao mesmo tempo o que é mais elevado e o que é mais profundo,<ref>Ali Lakhani, "A Commentary on the Teachings of Frithjof Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 13</ref> e o conhecimento que um ser "realizado" pode ter d'Ele é, na realidade, o conhecimento que Deus tem de Si mesmo através desse ser.<ref>Patrick Laude, "Remarks on Esoterism in the Works of Frithjof Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 4, 1999, pp. 63-64</ref>

====Virtudes====
Em seus escritos, Schuon insiste no fato de que as duas exigências da doutrina e do método seriam inoperantes sem um terceiro elemento, a virtude,<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 301</ref> pois a vida espiritual deve necessariamente integrar as três faculdades humanas: a inteligência (doutrina, verdade, discernimento), a vontade (método, oração, concentração) e a alma (caráter, virtude, conformidade moral).<ref>Jesús García-Varela, "The Role of Virtues According to Frithjof Schuon", revista ''Sophia'', 1998, Vol. 4, N° 2, pp. 170-171</ref> Para ele, a virtude é, na verdade, "a forma inicial de união espiritual; sem ela, nosso conhecimento e nossa vontade não nos têm nenhuma serventia."<ref>Patrick Casey, ''Frithjof Schuon, Echoes of Perennial Wisdom'', World Wisdom, 2012, p. 32</ref> Ter uma virtude, segundo Schuon, "é, antes de tudo, não ter o defeito que lhe é contrário, pois Deus nos criou virtuosos, Ele nos criou à sua imagem, os defeitos estão sobrepostos [a ela]". Mas na realidade, especifica ele, não somos nós "que possuímos a virtude, é a virtude que nos possui"; ela é "como uma reverberação do Sumo Bem, da qual participamos por nossa natureza ou por nossa vontade, facilmente ou dificilmente, mas sempre pela graça d'Aquele que é".<ref>Michael Fitzgerald, ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 155</ref>

Para Schuon, a humildade, a caridade e a veracidade, ou seja, a anulação do ego, o dom de si e a adesão à verdade são virtudes essenciais, que correspondem também às três etapas do caminho espiritual: a purificação, a plenitude e a união.<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 304</ref> A consciência de nossa pequenez, o senso do sagrado e a piedade são condições indispensáveis para que as virtudes floresçam.<ref>Patrick Casey, ''Frithjof Schuon, Echoes of Perennial Wisdom'', World Wisdom, 2012, pp. 35-36</ref> Resumindo o autor, James Cutsinger assinala que a virtude perfeita coincide com as verdades metafísicas e realiza estas verdades existencialmente.<ref>James Cutsinger, ''Advice to the Serious Seeker: Meditations on the Teaching of Frithjof Schuon'', SUNY Press, 2012, p. 60</ref> Em outras palavras, como enfatiza Schuon, "precisamos da verdade para a perfeição da virtude, como precisamos da virtude para a perfeição da verdade".<ref>Frithjof Schuon, ''Spiritual Perspectives and Human Facts'', World Wisdom, 2007, p. 75</ref>

====Beleza====
Embora Schuon considere que as bases de todo caminho espiritual sejam a verdade, a oração e a virtude,{{refn|group=nota|"O esoterismo, com suas três dimensões de discernimento metafísico, concentração mística e conformidade moral, implica em última instância as únicas coisas que o Céu exige de forma absoluta, pois todas as demais exigências são relativas e, portanto, mais ou menos condicionais." F. Schuon, ''In the Face of the Absolute'', World Wisdom, 1989, p. 36.}} ele também insiste na importância de um quarto elemento: a beleza.<ref>Ali Lakhani, "A Commentary on the Teachings of Frithjof Schuon", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 15</ref> Para ele, a interiorização da beleza pressupõe a nobreza de caráter e, ao mesmo tempo, a produz.<ref>Thierry Béguelin, ''La conscience de l'Absolu'', Hozhoni, 2016, p. 59</ref> Sua função "é atualizar na criatura inteligente e sensível a lembrança das essências e assim abrir o caminho para a Noite luminosa da Essência una e infinita".<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perennial Books, 1981, p. 196</ref>

À consciência da beleza divina deve corresponder não somente a beleza interior, ou seja, as virtudes, mas também um senso da beleza exterior, seja na contemplação da natureza<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, pp. 37-38</ref> ou na sensibilidade artística,<ref>Harry Oldmeadow, ''Frithjof Schuon and the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. 151</ref> sem esquecer o papel interiorizante, em nosso lar, de uma atmosfera tradicional feita de beleza e serenidade e alheia aos caprichos da modernidade.<ref>Michael Fitzgerald, "Introduction" ''in'' ''Frithjof Schuon Messenger of the Perennial Philosophy'', World Wisdom, 2010, p. ''xxxi''</ref> "A beleza, seja qual for o uso que o homem possa fazer dela, pertence fundamentalmente a seu Criador, que, por meio dela, projeta nas aparências algo de seu próprio ser".<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perennial Books, 1981, p. 195</ref> Para Schuon, estas considerações encontram sua fonte e sua justificativa na natureza teomórfica do ser humano,<ref>Timothy Scott, "“Made in the Image”: Schuon's theomorphic anthropology", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 193</ref> que é imutável e não evolutiva, ao contrário do que a ciência moderna defende.<ref>James Cutsinger, ''Advice to the Serious Seeker: Meditations on the Teaching of Frithjof Schuon'', SUNY Press, 2012, p. 115</ref>

===Temas vinculados===
====Crítica do modernismo====
Resumindo o pensamento de Schuon, Seyyed Hossein Nasr lembra que foi na Europa, na Renascença, que a visão "modernista" ou [[Reducionismo|reducionista]] da condição humana e do universo se iniciou, antes de afetar os outros continentes alguns séculos depois.<ref name="SHN47">Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, p. 47</ref> Ao reduzir cada vez mais o homem a seus aspectos racional e animal em detrimento de sua dimensão espiritual e do objetivo de sua vida terrena,<ref name="SHN47"/> o modernismo influencia tanto a filosofia quanto a religião, a ciência e a arte.<ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, p. 48</ref> Suas principais características são, segundo Schuon, o [[racionalismo]], que nega a possibilidade de conhecimento objetivo do suprarracional, o [[materialismo]], segundo o qual somente a matéria dá um sentido à vida, o [[psicologismo]], que reduz o espiritual e o intelectual ao psíquico<ref>Frithjof Schuon, ''The Eye of the Heart'', World Wisdom, 1997, p. 63</ref> , o [[ceticismo]], o [[relativismo]], o [[existencialismo]], o [[individualismo]], o [[progressivismo]], o [[evolucionismo]], o [[cientificismo]] e o [[empirismo]], sem esquecer o [[agnosticismo]] e o [[ateísmo]].<ref>Frithjof Schuon, ''Light on the Ancient Worlds'', World Wisdom, 2006, pp. 19 (relativism), 51 (individualism), 109 (atheism), 118 (scientism), 136 (evolutionism)</ref><ref>Seyyed Hossein Nasr, "Introduction" ''in'' ''The Essential Frithjof Schuon'', World Wisdom, 2005, pp. 3 (skepticism), 47 (progressivism), 49 (existentialism, empiricism, agnosticism)</ref><br>

Schuon critica a ciência moderna, apesar do alcance de suas descobertas no plano físico, por ser "ao mesmo tempo um racionalismo totalitário que elimina tanto a Revelação quanto o Intelecto e um materialismo totalitário que ignora a relatividade metafísica &ndash; e, por consequência, a impermanência &ndash; da matéria e do mundo; ela ignora que o suprassensível &ndash; que está além do espaço e do tempo &ndash; é o princípio concreto do mundo e, consequentemente, também está na origem desta coagulação contingente e cambiante que chamamos de ''matéria''".<ref>Frithjof Schuon, ''Light on the Ancient Worlds'', World Wisdom, 2006, p. 98</ref> Assim, ainda segundo Schuon, a contradição do cientificismo é "querer explicar o real sem o concurso dessa ciência inicial que é metafísica, portanto ignorar que somente a ciência do Absoluto dá um sentido à ciência do relativo e a disciplina".<ref>Frithjof Schuon, ''From the Divine to the Human'', World Wisdom, 1982, p. 142</ref> Esta concepção do universo, que ignora tanto o princípio da "emanação criadora" quanto o da "hierarquia dos mundos invisíveis", engendrou o "filho mais típico do espírito moderno", a teoria da evolução das espécies, com seu corolário: a ilusão de um progresso qualitativo da humanidade.<ref>Frithjof Schuon, ''Form and Substance in the Religions'', World Wisdom, 2002, p. 63</ref>{{refn|group=nota|"A origem da criatura não é uma substância do tipo da matéria, mas um arquétipo perfeito e imaterial: perfeito, portanto sem qualquer necessidade de evolução transformadora; imaterial, portanto originado no Espírito e não na matéria.
Certamente, há uma trajetória; mas ela parte, não de uma substância inerte e inconsciente, mas do Espírito &ndash; a matriz de todas as possibilidades &ndash; e vai até o resultado terreno: a criatura, resultado surgido do invisível num momento cíclico em que o mundo físico ainda estava muito menos separado do mundo psíquico do que nos períodos posteriores e mais 'endurecedores'". F. Schuon, ''From the Divine to the Human'', World Wisdom, 1982, p. 16.}}

A crítica de Schuon também se estende à filosofia &ndash; "o amor à sabedoria" &ndash;, que, originalmente, era o fato de "pensar em função do Intelecto imanente e não com a simples razão".<ref>Frithjof Schuon, ''Sufism, Veil and Quintessence'', World Wisdom, 2006, p. 90</ref> A filosofia é "a ciência de todos os princípios fundamentais". Ela opera com a intuição intelectual — a intelecção — "que 'percebe', e não apenas com a razão, que 'conclui'", donde o abismo que separa a certeza do sábio da opinião do filósofo moderno.<ref>Frithjof Schuon, ''The Transfiguration of Man'', World Wisdom, 1995, p. 3</ref>{{refn|group=nota|"Vivemos em um mundo de cenários onde se tornou quase impossível fazer contato com as realidades primordiais das coisas; a cada passo se interpõem os preconceitos e os reflexos que um deslizamento irreversível traz consigo; é como se antes do [[Renascimento]] ou antes dos [[Enciclopedistas]] o homem não tivesse sido inteiramente homem ou como se, para ser homem, tivesse sido necessário passar por [[Descartes]], [[Voltaire]], [[Rousseau]], [[Kant]], [[Marx]], [[Darwin]] e [[Freud]], sem esquecer — no último momento — o fatal [[Teilhard de Chardin]]." F. Schuon, ''O Homem no Universo'', Perspectiva, 2001, p. 174.}}<br>

Para Schuon, em definitivo, só há duas possibilidades: "civilização integral e espiritual, que implica abusos e superstições, e civilização fragmentária, materialista e progressista, que implica — muito provisoriamente — certas vantagens terrenas, mas que exclui o que constitui a razão suficiente e o fim último de toda a existência humana".<ref>Frithjof Schuon, ''The Eye of the Heart'', World Wisdom, 1997, p. 62</ref>

====Arte sacra====

Numa perspectiva análoga à de Ananda Coomaraswamy e Titus Burckhardt,<ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, p. 8</ref> Frithjof Schuon lembra que "a [[arte sacra]] é, em primeiro lugar, a forma visível e audível da Revelação e, depois, seu indispensável revestimento [[Liturgia|litúrgico]]".<ref>Frithjof Schuon, ''Understanding Islam'', Allen & Unwin, 1976, p. 134</ref> Esta arte comunica "verdades espirituais, por um lado, e uma presença celestial, por outro".<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perennial Books, 1981, p. 183</ref> James Cutsinger salienta que, para Schuon, uma arte é sagrada "não pela intenção pessoal do artista, mas por seu conteúdo, seu simbolismo e seu estilo, portanto por elementos objetivos", que devem respeitar as regras canônicas próprias da religião do artista.<ref name=JCad126>James Cutsinger, ''Advice to the Serious Seeker: Meditations on the Teaching of Frithjof Schuon'', SUNY Press, 1997, p. 126</ref><ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, p. 100</ref> Segundo Martyn Amugen, que cita Schuon, o artista deve estar "santificado ou em estado de graça", pois a linguagem do sagrado "não pode emanar do mero gosto profano, nem tampouco do gênio, mas deve vir essencialmente da tradição",<ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, p. 99</ref> que "não pode ser substituída, muito menos superada, pelos recursos do humano".<ref name=SP39>Frithjof Schuon, ''Spiritual Perspectives and Human Facts'', World Wisdom, 2007, p. 36</ref> Assim, os pintores de [[ícone]]s, por exemplo, "eram monges que, antes de se porem a trabalhar, preparavam-se por meio do jejum, da oração, da confissão e da comunhão",<ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, p. 84</ref><ref name=TU77>Frithjof Schuon, ''The Transcendent Unity of Religions'', Quest Books, 1993, p. 77</ref>{{refn|group=nota|"[...] acontecia inclusive de que se misturassem as cores com água benta e pó de relíquias, o que não teria sido possível se o ícone não tivesse tido um caráter realmente sacramental". F. Schuon, ''A Unidade Transcendente das Religiões'', IRGET, 2011, p. 89.}} a fim de dominar os dois obstáculos que põem em risco todo artista: "um virtuosismo que se exerce em direção ao exterior e à superficialidade, e um convencionalismo sem inteligência e sem alma".<ref>Frithjof Schuon, ''Esoterism as Principle and as Way'', Perennial Books, 1981, p. 185</ref><br>

Refletindo o pensamento schuoniano, Cutsinger observa que as diversas formas de arte sacra têm como objeto a "transmissão de intuições intelectuais", conferindo assim "uma ajuda direta à espiritualidade", e observa que essa arte comunica ao mesmo tempo "verdades metafísicas, valores arquetípicos, fatos históricos, estados espirituais e atitudes psicológicas".<ref>James Cutsinger, ''Advice to the Serious Seeker: Meditations on the Teaching of Frithjof Schuon'', SUNY Press, 1997, p. 126-127</ref><br>

Mencionando a transição da [[Idade Média]] &ndash; com a [[arte bizantina]], a [[arte românica]] e o [[arte gótica|gótico]] primitivo<ref name=SP38>Frithjof Schuon, ''Spiritual Perspective and Human Facts'', Perennial Books, 1987, p. 38</ref> &ndash; para o Renascimento, Schuon observa que "a arte cristã, que era uma arte sagrada, simbólica e espiritual" cedeu diante da chegada da arte neo-antiga, de caráter naturalista e sentimental, a qual não respondia "senão às aspirações psíquicas coletivas".<ref name=TU63>Frithjof Schuon, ''The Transcendent Unity of Religions'', Quest Books, 1993, p. 63</ref><ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, p. 71</ref>{{refn|group=nota|"Por isso, ela é a coisa mais contrária que pode haver à contemplação intelectual, e só leva em conta o sentimentalismo; além disso, o sentimentalismo se degrada à medida que responde às necessidades do vulgo, para terminar em uma vulgaridade pegajosa e patética. É curioso observar que ninguém parece nunca ter percebido o quanto esta barbárie das formas, que atingiu um certo ápice de fanfarronice oca e miserável com o estilo Luís XV, contribuiu — e ainda contribui — para alienar da Igreja muitas almas, e não das menores, as quais se sentem verdadeiramente sufocadas por uma decoração que já não permite que sua inteligência respire". F. Schuon, ''A Unidade Transcendente das Religiões'', IRGET, 2011, pp. 76-77.}} Tendo rompido a tradição, escreve Amugen, referindo-se a Schuon, a arte tornou-se "humana e individual, ou seja, arbitrária [...], sinais infalíveis de decadência",<ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, p. 70</ref> e toda vontade de restaurar seu caráter sagrado deve necessariamente passar pelo abandono do relativismo individualista para retornar às suas fontes, que se situam no intemporal e no imutável.<ref>Frithjof Schuon, ''Language of the Self'', World Wisdom, 1999, p. 100</ref><ref>Martyn Amugen, ''The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred'', Lap Lambert, 2016, pp. 88, 114</ref>

====Nudez sagrada====

Autor de um estudo sobre a deiformidade do ser humano na obra de Schuon, Timothy Scott indica esta ideia inicial de Schuon: "A distinção entre o Absoluto e o Infinito enuncia os dois aspectos fundamentais da Realidade, o da essencialidade e o da potencialidade; essa é a mais alta prefiguração principial do pólo masculino e do pólo feminino.<ref>Timothy Scott, "“Made in the Image”: Schuon's theomorphic anthropology", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 206</ref> Schuon vê no corpo humano uma "mensagem de verticalidade ascendente e unitiva [...]; em modo rigoroso, transcendente, objetivo, abstrato, racional e matemático" no homem "e em modo doce, imanente, concreto, emocional e musical" na mulher.<ref>Frithjof Schuon, ''From the Divine to the Human'', World Wisdom, 1982, p. 85</ref> A beleza da mulher, salienta Patrick Laude, "desempenha um papel preponderante na alquimia espiritual que emana da obra e da personalidade espiritual de Schuon"; este papel está de acordo com as "mais altas expressões do Sufismo gnóstico", como o atestam "Ibn Arabī e Rūzbehān, entre muitos outros".<ref>Patrick Laude, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, p. 123</ref>

Resumindo o pensamento de Schuon, Scott lembra que a nudez representa a norma &ndash; o homem primordial vivia nu, assim como os povos ditos primitivos vivem nus &ndash;<ref name=TS218>Timothy Scott, "“Made in the Image”: Schuon's theomorphic anthropology", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, p. 218</ref> e que ela "simboliza o esoterismo quintessencial [...], a Verdade sem véus",<ref>Timothy Scott, "“Made in the Image”: Schuon's theomorphic anthropology", revista ''Sacred Web'', Vol. 20, 2007, pp. 216, 219</ref> enquanto a vestimenta comum representa o exoterismo.<ref name=TS218 /> Em sua biografia de Schuon, após destacar as convergências de pontos de vista em relação ao alcance espiritual da nudez que unem Schuon, Rūzbehān, [[Omar Caiam|Omar Khayyam]] e [[Henry Corbin]], Jean-Baptiste Aymard cita este trecho de uma carta de Schuon: "Dada a degeneração espiritual da humanidade, o mais alto grau possível de beleza, que pertence ao corpo humano, não pode desempenhar um papel na piedade comum; mas essa teofania pode ser um suporte na espiritualidade esotérica, como mostra a arte sagrada dos hindus e dos budistas. A nudez significa a interioridade, a essencialidade, a primordialidade e, portanto, a universalidade [...]; o corpo é a forma da essência e, portanto, a essência da forma".<ref>Jean-Baptiste Aymard, ''Frithjof Schuon: Life and Teachings'', SUNY, 2002, pp. 73-74</ref>

Em uma entrevista publicada em 1996 pela revista americana ''The Quest: Philosophy, Science, Religion, The Arts'', Schuon expõe o caráter sagrado da nudez:
<blockquote>De uma forma totalmente geral, a nudez expressa e atualiza virtualmente um retorno à essência, à origem, ao arquétipo, portanto ao estado celestial. "E por isso, nua, eu danço", como dizia Lallā Yogishvarī, grande santa da [[Caxemira]], depois de ter descoberto o Si divino em seu coração. Certamente, há na nudez uma ambiguidade de fato, devido à natureza passional da humanidade; mas há também o dom da contemplação, que pode neutralizá-la, como acontece precisamente na "nudez sagrada". Assim, não há apenas a sedução das aparências, mas também a transparência metafísica dos fenômenos, que permite perceber a essência arquetípica através da experiência sensorial. O santo bispo [[Nono de Edessa|Nonnos]], ao ver [[Pelágia, a Penitente|Santa Pelágia]] entrar nua na pia batismal, deu graças a Deus por ter colocado na beleza humana não apenas uma ocasião para cair, mas também uma ocasião de elevação até Deus.<ref>''Quest'' Magazine, Vol. 9, No. 2, Summer 1996, p. 78</ref>
</blockquote>

Em uma passagem publicada de suas ''Memórias'', em grande parte inéditas, Schuon observa "quão desprezível é o culto neopagão e ateu do corpo e da nudez. O que na natureza é nobre em si mesmo só é bom para nós em sua função de suporte do sobrenatural; cultivado fora de Deus, perde facilmente sua nobreza e torna-se uma tolice humilhante, algo de que dão prova, justamente, a estupidez e a feiura do nudismo mundano ".<ref>Ghislain Chetan, ''Frithjof Schuon, par "l'amour qui meut le soleil et les autres étoiles"'', Hozhoni, 2018, pp. 102-103</ref>

== Obra poética e artística ==
Alguns poemas de Schuon são autobiográficos, tendo por tema lugares em que ele viveu. Outros evocam o gênio de certos povos, como os hindus, os japoneses, os árabes, os peles-vermelhas, e também os cossacos e os ciganos. Outros ainda abordam o papel da música, da dança e da própria poesia.

Na pintura, Schuon foi autodidata. Uma característica importante de sua arte é a vibração impressionista da superfície ou das cores. Pode-se notar a influência de pintores como [[Gauguin]] e [[Ferdinand Hodler]] e também elementos de [[Van Gogh]].<ref name='msa'>Schuon, Frithjof. Metaphysical and Spiritual Aesthetics. World Wisdom, Inc, 2005. p.115</ref> Um volume com reproduções de um número significativo de suas telas foi publicado nos Estados Unidos sob o título ''Imagens da Beleza Primordial e Mística''. Os temas são predominantemente ligados ao mundo dos índios norte-americanos. Também estão incluídas pinturas sobre o mistério da feminilidade, celestial e humana.<ref>Images of Primordial and Mystic Beauty Paintings by Frithjof Schuon av Frithjof Schuon, Michael Pollack INBUNDEN Engelska, 2005-04-01</ref>


==Recepção e legado ==
==Recepção e legado ==
Ao longo de sua carreira, escreveu mais de vinte obras sobre temas bastante variados, tais como a [[religião comparada]], [[estética]] e [[arte]]. Embora não fosse oficialmente afiliado ao mundo acadêmico, seus escritos foram temas de artigos publicados em revistas acadêmicas e filosóficas e por estudiosos das [[religião comparada|religiões comparadas]]. Estudiosos famosos da religião como [[Robert Charles Zaehner]] (que se opôs ao ponto de vista de Schuon) e [[Huston Smith]] (que abraçou as ideias de Schuon), difundiram seu trabalho nos estudos das [[religiões comparadas]] em ambientes acadêmicos.<ref name='ooo'/>
Schuon exerceu grande influência no campo da [[Escola Perenialista]], fato que pode ser notado nos escritos de praticamente todos os que se interessam por esse tipo de pensamento.<ref name="stoddart" /> De acordo com o autor perenialista australiano [[Harry Oldmeadow]], "a obra de Schuon forma um corpo imponente e abrange uma espantosa variedade de religiões e assuntos metafísicos, sem quaisquer superficialidades e simplificações que se esperaria de um autor que cobre terreno tão vasto".<ref>''Sophia-The Journal of Traditional Studies''.</ref> Portanto, vê-se a influência de Schuon em diversos intelectuais interessados no perenialismo, ainda que praticantes do budismo, hinduísmo, cristianismo e islamismo.<ref>Cf. ''A Inteligência da Fé: Cristianismo, Islã, Judaísmo'', de Mateus Soares de Azevedo, pp. 42-61. Rio de Janeiro, Best Seller, 2006.</ref> Dentre seus seguidores, destacam-se Titus Burckhardt, Martin Lings, William Stoddart, James Cutsinger e [[Hossein Nasr]], [[professor emérito]] de [[estudos islâmicos]] na [[Universidade George Washington]].<ref>[https://www.nasrfoundation.org/biography.html The Seyyed Hossein Nasr Foundation, « Biography » [archive], Washington, D.C., 1999]</ref>


Schuon exerceu grande influência no campo da [[Escola Perenialista]], fato que pode ser notado nos escritos de praticamente todos os que se interessam por esse tipo de pensamento.<ref name='stoddart'/> De acordo com o autor perenialista australiano [[Harry Oldmeadow]], "a obra de Schuon forma um corpo imponente e abrange uma espantosa variedade de religiões e assuntos metafísicos, sem quaisquer superficialidades e simplificações que se esperaria de um autor que cobre terreno tão vasto".<ref>''Sophia-The Journal of Traditional Studies''.</ref> Portanto, vê-se a influência de Schuon em diversos intelectuais interessados no perenialismo, ainda que praticantes do budismo, hinduísmo, cristianismo e islamismo.<ref>Cf. ''A Inteligência da Fé: Cristianismo, Islã, Judaísmo'', de Mateus Soares de Azevedo, pp. 42-61. Rio de Janeiro, Best Seller, 2006.</ref> Dentre seus seguidores, o mais proeminente é, sem dúvida, [[Hossein Nasr]], [[professor emérito]] de [[estudos islâmicos]] na [[Universidade George Washington]]. Nasr sucedeu Schuon na direção da Tariqa Maryamiya.<ref>[https://www.nasrfoundation.org/biography.html The Seyyed Hossein Nasr Foundation, « Biography » [archive], Washington, D.C., 1999]</ref> No Brasil, a Tariqa Maryamiya tornou-se especialmente famosa por ter como membro o controverso escritor [[Olavo de Carvalho]] durante a [[década de 1980]].<ref>[[Mark Sedgwick]] Contra o Mundo Moderno: Tradicionalismo e a História Intelectual Secreta do Século XX , Nova York: Oxford University Press (2004).</ref>
Em sua resenha do livro de Schuon ''A Unidade Transcendente das Religiões'', o [[Estudos islâmicos|islamologista]] [[Mohammed Arkoun]] argumenta que Schuon tem uma concepção romântica do Islã e negligencia os problemas sociais e materiais enfrentados pelos muçulmanos na vida cotidiana. Denuncia ainda o "conservadorismo epistemológico", específico, segundo ele, não só de Schuon, mas de um certo número de "apologistas calorosos" do Islã no Ocidente, isto é, acadêmicos ou esotéricos e propagam uma visão mitológica desta religião.<ref>Mohammed Arkoun, "Schuon (Frithjof), ''De l'unité transcendante des religions'' [compte rendu]", ''Archives de sciences sociales des religions'', 1979, Vol. 48, N° 2</ref>


Sobre o mesmo livro (''A Unidade Transcendente das Religiões''), o [[Prêmio Nobel de Literatura]] [[T. S. Eliot]] escreve: "Nunca encontrei um trabalho mais impressionante no estudo comparado das religiões do Oriente e do Ocidente".<ref>Huston Smith, "Providence Perceived: In Memory of Frithjof Schuon", revista ''Sophia'', Vol. 4, N° 2, 1998, p. 29</ref>
Dentre autores de fora do círculo do perenialismo, destaca-se o reconhecimento do [[Prêmio Nobel de Literatura]] [[T. S. Eliot|T.S. Eliot]], que escreveu: "Nunca encontrei um trabalho mais impressionante no estudo comparado das religiões do Oriente e do Ocidente do que este".<ref>Huston Smith, "Providence Perceived: In Memory of Frithjof Schuon", in Sophia Journal, Vol. 4, N° 2, 1998, p. 29</ref>
[[Imagem:Jafar_Shahidi_and_Pope_Paul_VI.jpg|thumb|upright|[[:en:Jafar Shahidi|Jafar Shahidi]], Hossein Nasr e [[Papa Paulo VI]]. Nasr foi o principal discípulo de Schuon.]]
A obra de Schuon também recebeu muitas críticas negativas. O [[Estudos islâmicos|islamologista]] [[Mohammed Arkoun]], por exemplo, criticou Schuon por ter uma concepção romântica do Islã e por negligenciar os problemas sociais e materiais enfrentados pelos muçulmanos na vida cotidiana. Denunciou ainda o "conservadorismo epistemológico", específico, segundo ele, não só de Schuon, mas de um certo número de "apologetas calorosos" do Islã no Ocidente, isto é, acadêmicos ou esotéricos e propagam uma visão mitológica desta religião.<ref>[[Mohammed Arkoun]], « Schuon (Frithjof), De l'unité transcendante des religions [compte rendu] », Archives de sciences sociales des religions, vol. 48, no 2,‎ 1979</ref>


O autor Patrick Ringgenberg critica a tese schuoniana segundo a qual o gnóstico, por intuição intelectual, poderia "ver as coisas como são", portanto objetivamente. Para Ringgenberg: "Só se pode constatar, em Schuon como em Guénon, a mesma confusão entre a pretensão de sua perspectiva e uma universalidade que, na realidade, confunde-se com seus limites subjetivos e culturais”.<ref>Patrick Ringgenberg, ''Diversité et unité des religions chez René Guénon et Frithjof Schuon'', L'Harmattan, 2010, p. 326</ref>
O autor Patrick Ringgenberg, criticou a tese schuoniana segundo a qual o gnóstico, por intuição intelectual, poderia “ver as coisas como são”, portanto objetivamente. Para Ringgenberg: “Só se pode notar, em Schuon como em Guénon, a mesma confusão entre a reivindicação de sua perspectiva e uma universalidade que, na realidade, confunde-se com seus limites subjetivos e culturais”.<ref>Stanislas Ibranoff, « Étude critique du livre : Diversité et unité des religions chez René Guénon et Frithjof Schuon par Patrick Ringgenberg », Cahiers de l'unité, no 1, 2016.</ref>


Ainda na mesma linha de Ringgenberg, Mahmoud Teimouri criticou a concepção [[platonismo|platônica]] [[estética]] e de [[beleza]] de Schuon. Segundo Teimouri, a ideia de uma autonomia da beleza como uma uma realidade objetiva, independentemente da compreensão humana não só é errada do ponto de vista ocidental como <ref name='tt'/> "mesmo de acordo com a perspectiva dos islâmicos tardios e antigos, a beleza possui dimensão subjetiva ou mental, e é, portanto, dependente da percepção".<ref name='tt'>Teimouri, Mahmoud - Critical Look on Frithjof Schuon’s Views on Islamic Aesthetics* art and civilization of the ORIENT</ref>
O escritor católico Jean Hani estabelece um elo entre o dom artístico e poético de Frithjof Schuon e "o calor que acompanha todas as suas evocações de realidades e experiências de ordem espiritual", comparando esta abordagem com a "frieza" das obras metafísicas desprovidas de "amor devocional", que dão a sensação de que seus autores não "penetraram vitalmente na doutrina". Paralelamente, e em contraste com o ponto de vista religioso e com a filosofia moderna, Hani corrobora a afirmação guenoniana e schuoniana da possibilidade de o intelecto conhecer o real: "este conhecimento do Absoluto e do Infinito constitui a própria essência do Intelecto, e é isto que permite sua objetividade e sua ilimitação".<ref>Jean Hani, "Hommage" ''in Dossiers H : Frithjof Schuon'', L’Âge d’Homme, 1984, pp. 75 e seg.</ref>


== Bibliografia ==
Mahmoud Teimouri critica a concepção [[estética]] [[platonismo|platônica]] de Schuon. Segundo Teimouri, a ideia de uma autonomia da beleza como uma realidade objetiva, independentemente da percepção humana não é errada só do ponto de vista ocidental como: "Mesmo de acordo com a perspectiva dos islâmicos tardios e antigos, a beleza possui dimensão subjetiva ou mental, e é, portanto, dependente da percepção".<ref name="tt">Mahmoud Teimouri, "Critical Look on Frithjof Schuon’s Views on Islamic Aesthetics", ''Journal of Art & Civilization of the Orient''[http://www.jaco-sj.com/article_13279.html?lang=en]</ref>
=== Em português ===
* ''Ter um Centro: metafísica, antropologia, perspectivas espirituais'' (São Paulo, Polar, 2018. Título original: ''Avoir un centre''.)
* ''Raízes da Condição Humana'' (São Paulo, Kalon, 2014. Título original: ''Racines de la condition humaine''.)
* ''A Unidade transcendente das religiões'' (São Paulo, Irget, 2011. Título original: ''De l'unité transcendante des religions''.)
* ''Forma & Substância nas Religiões'' (São José dos Campos, 2010. Título original: ''Forme et substance dans les religions''.)
* ''A Transfiguração do Homem'' (São José dos Campos, 2009. Título original: ''La transfiguration de l'homme''.)
* ''Para Compreender o Islã'' (Rio de Janeiro, 2006. Título original: ''Comprendre l'islam''.)
* ''O Homem no Universo'' (São Paulo, 2001. Título original: ''Regards sur les mondes anciens''.)
* ''O Sentido das Raças'' (São Paulo, 2002. Título original: ''Castes et races''.)
* ''O Esoterismo como princípio e como Caminho'' (São Paulo, 1995. Título original: ''L'ésotérisme comme principe et comme voie''.)


== Referências bibliográficas ==
Tendo observado que sua "obra possui a autoridade intrínseca de uma inteligência contemplativa", o autor [[tomismo|tomista]] inglês [[Bernard Kelly]] acrescenta: "Em Perspectivas Espirituais, Schuon fala da graça como alguém em quem ela é operativa e, por assim dizer, em virtude dessa operação".<ref>Bernard P. Kelly, ''Dominican Studies'', London, 1954, Vol. 7, p. 260</ref>
* (pt) Mateus Soares de Azevedo, "Frithjof Schuon, Mensageiro da Filosofia Perene", in: ''O Livro dos Mestres: encontros com homens notáveis dos tempos modernos''. São Paulo, Ibrasa, 2016 (ISBN&nbsp;9788534803632).

== Obras do autor ==
* ''Ter um Centro: metafísica, antropologia, perspectivas espirituais'' (São Paulo: Polar, 2018). Título original: ''Avoir un centre''.
* ''Raízes da Condição Humana'' (São Paulo: Kalon, 2014). Título original: ''Racines de la condition humaine''.
* ''A Unidade Transcendente das Religiões'' (São Paulo: Irget, 2011). Título original: ''De l'unité transcendante des religions''.
* ''Forma e Substância nas Religiões'' (São José dos Campos: Ed. Sapientia, 2010). Título original: ''Forme et substance dans les religions''.
* ''A Transfiguração do Homem'' (São José dos Campos: Ed. Sapientia, 2009). Título original: ''La transfiguration de l'homme''.
* ''Para Compreender o Islã'' (Rio de Janeiro: Ed. Nova Era, 2006). Título original: ''Comprendre l'islam''.
* ''O Homem no Universo'' (São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001). Título original: ''Regards sur les mondes anciens''.
* ''O Sentido das Raças'' (São Paulo: Ed. Ibrasa, 2002). Título original: ''Castes et races''.
* ''O Esoterismo como Princípio e como Caminho'' (São Paulo: Ed. Pensamento, 1995). Título original: ''L'ésotérisme comme principe et comme voie''.

== Livros e ensaios sobre Frithjof Schuon ==
* (pt) [[Mateus Soares de Azevedo]], "Frithjof Schuon, Mensageiro da Filosofia Perene", in: ''O Livro dos Mestres: encontros com homens notáveis dos tempos modernos''. São Paulo, Ibrasa, 2016 (ISBN&nbsp;9788534803632).
* (en) Patricia Adrichem, ''Frithjof Schuon and the Problem of Religious Diversity'', La Trobe university, 2005 (OCLC&nbsp;225547806).
* (en) Patricia Adrichem, ''Frithjof Schuon and the Problem of Religious Diversity'', La Trobe university, 2005 (OCLC&nbsp;225547806).
* (sv) Kurt Almqvist, ''Tidlös besinning i besinningslös tid&nbsp;: ur Frithjof Schuons verk'', Stockholm, Ed. Natur & Kultur, 1973 ISBN&nbsp;9789127419742.
* (sv) Kurt Almqvist, ''Tidlös besinning i besinningslös tid&nbsp;: ur Frithjof Schuons verk'', Stockholm, Ed. Natur & Kultur, 1973 ISBN&nbsp;9789127419742.
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* ''Frithjof Schuon: Messenger of the Perennial Philosophy'', Michael O. Fitzgerald:. World Wisdom, Bloomington (IN) 2010, ISBN 1935493086.
* ''Frithjof Schuon: Messenger of the Perennial Philosophy'', Michael O. Fitzgerald:. World Wisdom, Bloomington (IN) 2010, ISBN 1935493086.
* ''Frithjof Schuon and Sri [[Ramana Maharshi]]: A survey of the spiritual masters of the 20th century'', Mateus Soares de Azevedo , Sacred Web, a Journal of Tradition and Modernity numéro 10, 2002. <ref>[http://www.sacredweb.com/online_articles/sw10_azevedo.html Sacred Web]</ref>
* ''Frithjof Schuon and Sri [[Ramana Maharshi]]: A survey of the spiritual masters of the 20th century'', Mateus Soares de Azevedo , Sacred Web, a Journal of Tradition and Modernity numéro 10, 2002. <ref>[http://www.sacredweb.com/online_articles/sw10_azevedo.html Sacred Web]</ref>

==Notas==
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==Referências==
==Referências==
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== Ligações externas ==
== Ligações externas ==
* [https://fschuon.net/nos-caminhos-da-religiao-perene-de-frithjof-schuon/ ''Nos Caminhos da Religião Perene''] livro de F. Schuon disponível em linha
*[https://fschuon.net/nos-caminhos-da-religiao-perene-de-frithjof-schuon/ ''Nos Caminhos da Religião Perene'' - livro de F. Schuon disponível em linha]
* [http://fschuon.net/ensaios-traduzidos/ "A impostura do psicologismo", "Cristianismo e Budismo"] e outros ensaios de F. Schuon
* [http://fschuon.net/ensaios-traduzidos/ "A impostura do psicologismo", "Cristianismo e Budismo" e outros ensaios de Frithjof Schuon]
* [http://fschuon.net Frithjof Schuon] página com textos do autor e de autores associados a ele
* [http://fschuon.net Página em português dedicada a Schuon], com textos do autor e de autores associados a ele
* (en fr) [http://www.frithjof-schuon.com Frithjof Schuon 1907-1908]
* [http://www.frithjof-schuon.com Página sobre Schuon em inglês e francês]
* [http://www.worldwisdom.com/public/products/Frithjof_Schuon_Messenger_of_the_Perennial_Philosophy.aspx?ID=222 Nova biografia de Schuon, em inglês]
* (en) [https://en.wikiquote.org/wiki/Frithjof_Schuon Wikiquote] 180 citações em inglês de F. Schuon
* (fr) [https://fr.wikiquote.org/wiki/Frithjof_Schuon Wikiquote] 180 citações em francês de F. Schuon
* [http://www.helveticat.ch/search/query?term_1=Frithjof+Schuon&locale=it&theme=Helveticat Helveticat]
* [http://www.helveticat.ch/search/query?term_1=Frithjof+Schuon&locale=it&theme=Helveticat Helveticat]
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Revisão das 13h22min de 14 de fevereiro de 2023

Frithjof Schuon
Frithjof Schuon
Nome completo Frithjof Schuon
Nascimento 18 de junho de 1907
Basileia, Suíça
Morte 5 de maio de 1998 (90 anos)
Bloomington, Estados Unidos
Nacionalidade Suíça suíço
Cônjuge Catherine Schuon
Ocupação Escritor, pintor, estudioso das religiões comparadas, Sheikh e Poeta
Magnum opus A Unidade transcendente das religiões

Frithjof Schuon (Basileia, Suíça, 18 de junho de 1907Bloomington, Estados Unidos, 5 de maio de 1998), foi um escritor, estudioso das religiões comparadas, Sheikh, pintor e poeta suíço. Schuon foi fundador da Tariqa Maryamiyya, uma ramificação da Tariqa Ba 'Alawiyya e uma das primeiras confrarias esotéricas islâmica trazidas ao Brasil.[1]

Em sua obra, Schuon subscreve e desenvolve a ideia característica do perenialismo segundo a qual, em cada uma das grandes revelações religiosas há a expressão de uma mesma verdade fundamental, manifestada, contudo, em diferentes formas.[2] Contudo, se até então as ideias do perenialismo diziam respeito a abstrações metafísicas, simbolismo e críticas a certas teses da modernidade, Schuon não só refinou alguns desses tópicos, como expandiu bastante o escopo de temas, desenvolvendo campos antropológicos, estéticos e morais coerentes com os postulados desta escola de pensamento. Schuon também manteve especial interesse pelas tribos Lakota, Nakota e Dakota, integrando seus ritos e religiosidade aos estudos das religiões comparadas.[3] Por isto, é usualmente considerado, ao lado de René Guénon e de Ananda Coomaraswamy, um dos fundadores do perenialismo.[4]

Biografia

Schuon nasceu em Basel, Suíça. Seu pai era violinista, natural do sul da Alemanha, enquanto sua mãe vinha de uma família alsaciana. Schuon viveu em Basileia e frequentou a escola lá até a morte prematura de seu pai. Após este fato, mudou-se com sua mãe e seu irmão para as proximidades de Mulhouse, na França, tornando-se cidadão francês. Alfabetizado em alemão, ele recebeu sua educação posterior em francês e, assim, dominou ambos os idiomas desde cedo.[5]

Ficheiro:Cheikh Al Alawi.jpg
Ahmad al-Alawi iniciou Schuon no sufismo.

Quando criança, Schuon tinha prazer em desenhar e pintar, mas nunca recebeu nenhum treinamento formal nas artes. Logo na juventude, teve contato com as escrituras hindus, como os Upanishads e o Bhagavad Gita. Ainda morando em Mulhouse, descobriu as obras do escritor esotérico René Guénon, que influenciaram suas ideias e seus escritos posteriores. Schuon viajou para Paris depois de servir por um ano e meio no exército francês.[5] Lá ele trabalhou como designer têxtil e começou a estudar árabe na escola da mesquita local. Viver em Paris também trouxe a oportunidade de ser exposto a várias formas de arte, especialmente as artes da Ásia com as quais ele tinha afinidade desde a juventude. Este período de crescente familiaridade intelectual e artística com a cultura oriental foi seguido pela primeira visita de Schuon à Argélia em 1932. Foi então que ele conheceu o célebre Ahmad al-Alawi e foi iniciado em sua ordem sufi.[6]

Numa segunda viagem ao norte de África, em 1935, visita novamente a Argélia e Marrocos; e durante 1938 e 1939 viajou para o Egito, onde conheceu Guénon, com quem se correspondia há 27 anos. Em 1939, logo após sua chegada a Pie, na Índia, eclodiu a Segunda Guerra Mundial, forçando-o a retornar à Europa. Depois de ter servido no exército francês e feito prisioneiro pelos alemães, pediu asilo na Suíça, que lhe deu nacionalidade suíça e seria sua casa por quarenta anos. Em 1949 casou-se, sendo sua esposa, uma pintora suíça-alemã.[5]

Schuon conviveu com o pajé Yellowtail durante sua estadia nos EUA.

Após a Segunda Guerra Mundial, Schuon aceitou um convite para viajar para o oeste norte-americano, onde viveu por vários meses entre os índios das planícies, por quem sempre teve profundo interesse. Em 1959 e novamente em 1963, eles retornaram ao Oeste estadunidense a convite de seus amigos indígenas. Na companhia de seus amigos nativos americanos, eles visitaram várias tribos das planícies e tiveram a oportunidade de testemunhar muitos aspectos de suas tradições sagradas.[7]

Em 1959, Schuon e sua esposa foram adotados solenemente na família Sioux de James Red Cloud. Anos depois, eles foram igualmente adotados pelo pajé e líder espiritual dos índios Crow, Thomas Yellowtail.[3] Os escritos de Schuon sobre os ritos centrais da religião nativa americana e suas pinturas de seus modos de vida atestam sua afinidade particular com o universo espiritual dos índios das planícies.[8]

Schuon, durante toda a sua vida, teve grande respeito e devoção à Virgem Maria, expressa em seus escritos. Como resultado, seus ensinamentos e pinturas mostram uma presença mariana particular. Daí o nome, Maryamiya (em árabe, "Marian"), da ordem Sufi que ele fundou como uma ramificação da tariqa Shadhiliya-Darqawiya-Alawiya.[5][9]

Em 1980, Schuon e sua esposa emigraram para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Bloomington, Indiana, onde uma comunidade de discípulos de diferentes localidades se reunia em torno dele para orientação espiritual. Frithjof Schuon recebeu visitantes e manteve uma intensa correspondência com seguidores, estudiosos e leitores até sua morte em 1998.[5]

Obra

Tanto a obra poética quanto a pintura de Schuon seguiam suas ideias propriamente filosóficas e suas ideias religiosas e espirituais, em sintonia com seu ideal platônico de estética e de beleza. Além disso, se Schuon foi sobretudo pintor e poeta, a dança e, em menor medida, a música também desempenharam um papel muito importante na expressão artística de sua perspectiva espiritual.

Artística

Já estabelecido nos Estados Unidos, nos derradeiros anos de vida, Schuon escreveu mais de três mil poemas relativamente breves, em alemão. Uma seleção desses poemas foi logo publicada pela editora alemã Herder, em quatro pequenos volumes intitulados Glück, Leben, Sinn e Liebe (Felicidade, Vida, Sentido e Amor). Posteriormente, a editora suíça Les Sept Flèches iniciou a publicação da obra integral numa edição bilingue em alemão e francês, terminada com o lançamento do décimo volume.[10] Alguns poemas são autobiográficos, sobre lugares em que Schuon viveu, outros evocam o gênio de certos povos, como os hindus, os japoneses, os árabes, os peles-vermelhas, e também os cossacos e os ciganos. Outros ainda elucidam o papel da música, da dança e da própria poesia. Em um ou dois poemas, Schuon arrisca-se na sátira ao criticar o materialismo predominante na contemporaneidade.

Quanto a sua pintura, Schuon nunca recebeu treinamento ou instrução formal. As principais características da arte de Schuon são vibração impressionista da superfície ou das cores. Pode-se notar a influência de pintores como Gauguin e Ferdinand Hodler e também elementos de Van Gogh.[11] Um volume com suas pinturas foi publicado nos Estados Unidos sob sua supervisão e reunindo um número bastante grande de seus pinturas, intituladas Imagens da Beleza Primordial e Mística. Os temas são predominantemente retirados do mundo dos índios norte-americanos. Também estão incluídos, no entanto, muitas telas sobre o mistério do feminino celestial e humano.[12]

Pensamento

Partindo dos postulados do perenialismo, tais como a exposição da metafísica e do esoterismo, o significado dos símbolos sagrados e as artes e ciências sagradas, os escritos de Schuon refinaram e complementaram tais temas. Além disso, Schuon enfatizou os aspectos operativos e práticos que se desdobram dessas ideias, juntamente com a metafísica teórica e a cosmologia.[13]

Esquema schuoniano da unidade transcendente.

Já foi dito mais de uma vez que a Verdade total está inscrita em uma escrita eterna na própria substância de nosso espírito; o que as diferentes Revelações fazem é "cristalizar" e "atualizar", em graus diversos conforme o caso, um núcleo de certezas que não só permanece para sempre na onisciência divina, mas também dorme por refração no núcleo "naturalmente sobrenatural" de o indivíduo, bem como o de cada coletividade étnica ou histórica ou da espécie humana como um todo.[14]

Sua ideia era a de que o significado central da religião e a verdade de que o esoterismo e a metafísica tradicional só pode ser realizada dentro da estrutura de religiões reveladas. Portanto, ele não falou não só da filosofia perene, mas também de uma religião perene. Como seus antecessores Guénon e Ananda Coomaraswamy, ele também escreveu sobre a universalidade e unidade da verdade e cunhou o termo “unidade transcendente das religiões”, que é o título de seu primeiro trabalho.[15]

Recepção e legado

Ao longo de sua carreira, escreveu mais de vinte obras sobre temas bastante variados, tais como a religião comparada, estética e arte. Embora não fosse oficialmente afiliado ao mundo acadêmico, seus escritos foram temas de artigos publicados em revistas acadêmicas e filosóficas e por estudiosos das religiões comparadas. Estudiosos famosos da religião como Robert Charles Zaehner (que se opôs ao ponto de vista de Schuon) e Huston Smith (que abraçou as ideias de Schuon), difundiram seu trabalho nos estudos das religiões comparadas em ambientes acadêmicos.[13]

Schuon exerceu grande influência no campo da Escola Perenialista, fato que pode ser notado nos escritos de praticamente todos os que se interessam por esse tipo de pensamento.[2] De acordo com o autor perenialista australiano Harry Oldmeadow, "a obra de Schuon forma um corpo imponente e abrange uma espantosa variedade de religiões e assuntos metafísicos, sem quaisquer superficialidades e simplificações que se esperaria de um autor que cobre terreno tão vasto".[16] Portanto, vê-se a influência de Schuon em diversos intelectuais interessados no perenialismo, ainda que praticantes do budismo, hinduísmo, cristianismo e islamismo.[17] Dentre seus seguidores, o mais proeminente é, sem dúvida, Hossein Nasr, professor emérito de estudos islâmicos na Universidade George Washington. Nasr sucedeu Schuon na direção da Tariqa Maryamiya.[18] No Brasil, a Tariqa Maryamiya tornou-se especialmente famosa por ter como membro o controverso escritor Olavo de Carvalho durante a década de 1980.[19]

Dentre autores de fora do círculo do perenialismo, destaca-se o reconhecimento do Prêmio Nobel de Literatura T.S. Eliot, que escreveu: "Nunca encontrei um trabalho mais impressionante no estudo comparado das religiões do Oriente e do Ocidente do que este".[20]

Jafar Shahidi, Hossein Nasr e Papa Paulo VI. Nasr foi o principal discípulo de Schuon.

A obra de Schuon também recebeu muitas críticas negativas. O islamologista Mohammed Arkoun, por exemplo, criticou Schuon por ter uma concepção romântica do Islã e por negligenciar os problemas sociais e materiais enfrentados pelos muçulmanos na vida cotidiana. Denunciou ainda o "conservadorismo epistemológico", específico, segundo ele, não só de Schuon, mas de um certo número de "apologetas calorosos" do Islã no Ocidente, isto é, acadêmicos ou esotéricos e propagam uma visão mitológica desta religião.[21]

O autor Patrick Ringgenberg, criticou a tese schuoniana segundo a qual o gnóstico, por intuição intelectual, poderia “ver as coisas como são”, portanto objetivamente. Para Ringgenberg: “Só se pode notar, em Schuon como em Guénon, a mesma confusão entre a reivindicação de sua perspectiva e uma universalidade que, na realidade, confunde-se com seus limites subjetivos e culturais”.[22]

Ainda na mesma linha de Ringgenberg, Mahmoud Teimouri criticou a concepção platônica estética e de beleza de Schuon. Segundo Teimouri, a ideia de uma autonomia da beleza como uma uma realidade objetiva, independentemente da compreensão humana não só é errada do ponto de vista ocidental como [23] "mesmo de acordo com a perspectiva dos islâmicos tardios e antigos, a beleza possui dimensão subjetiva ou mental, e é, portanto, dependente da percepção".[23]

Bibliografia

Em português

  • Ter um Centro: metafísica, antropologia, perspectivas espirituais (São Paulo, Polar, 2018. Título original: Avoir un centre.)
  • Raízes da Condição Humana (São Paulo, Kalon, 2014. Título original: Racines de la condition humaine.)
  • A Unidade transcendente das religiões (São Paulo, Irget, 2011. Título original: De l'unité transcendante des religions.)
  • Forma & Substância nas Religiões (São José dos Campos, 2010. Título original: Forme et substance dans les religions.)
  • A Transfiguração do Homem (São José dos Campos, 2009. Título original: La transfiguration de l'homme.)
  • Para Compreender o Islã (Rio de Janeiro, 2006. Título original: Comprendre l'islam.)
  • O Homem no Universo (São Paulo, 2001. Título original: Regards sur les mondes anciens.)
  • O Sentido das Raças (São Paulo, 2002. Título original: Castes et races.)
  • O Esoterismo como princípio e como Caminho (São Paulo, 1995. Título original: L'ésotérisme comme principe et comme voie.)

Referências bibliográficas

  • (pt) Mateus Soares de Azevedo, "Frithjof Schuon, Mensageiro da Filosofia Perene", in: O Livro dos Mestres: encontros com homens notáveis dos tempos modernos. São Paulo, Ibrasa, 2016 (ISBN 9788534803632).
  • (en) Patricia Adrichem, Frithjof Schuon and the Problem of Religious Diversity, La Trobe university, 2005 (OCLC 225547806).
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  • (en) Martyn Amugen, The Transcendental Unity of Religions and the Decline of the Sacred, Bangkok, Lap Lambert, Academic Publishing, 2016, 206 p. (ISBN 978-3659925580)
  • (fr) Bernard Chevilliat, Frithjof Schuon, 1907-1998 : biographie, études et témoignages, Connaissance des Religions (coletânea de artigos de J.-B. Aymard, M. Lings, W. Perry, Sw. Ramdas, S.H. Nasr, J. Cutsinger, P. Laude etc.), Avon e Paris, 1999, ISBN 2-7029-0392-4
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  • The Essential Frithjof Schuon, ed. Seyyed Hossein Nasr (1986, 2005), World Wisdom, Bloomington (IN), ISBN 0-9415-3292-5.
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Referências

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  8. Schuon, Frithjof. The Essential Frithjof Schuon. World Wisdom, Inc, 2005.
  9. Dickson, William Rory, and Merin Shobhana Xavier. "DISORDERING AND REORDERING SUFISM." Global Sufism: Boundaries, Narratives and Practices (2019): 137.
  10. Schuon, Frithjof. Autumn Leaves & the Ring: Poems. World Wisdom, Inc, 2010.
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  14. The Essential Writings of Frithjof Schuon, Suhayl Academy, Lahore, 2001, p.67.
  15. The Essential Writings of Frithjof Schuon, Suhayl Academy, Lahore, 2001, p.67.
  16. Sophia-The Journal of Traditional Studies.
  17. Cf. A Inteligência da Fé: Cristianismo, Islã, Judaísmo, de Mateus Soares de Azevedo, pp. 42-61. Rio de Janeiro, Best Seller, 2006.
  18. The Seyyed Hossein Nasr Foundation, « Biography » [archive, Washington, D.C., 1999]
  19. Mark Sedgwick Contra o Mundo Moderno: Tradicionalismo e a História Intelectual Secreta do Século XX , Nova York: Oxford University Press (2004).
  20. Huston Smith, "Providence Perceived: In Memory of Frithjof Schuon", in Sophia Journal, Vol. 4, N° 2, 1998, p. 29
  21. Mohammed Arkoun, « Schuon (Frithjof), De l'unité transcendante des religions [compte rendu] », Archives de sciences sociales des religions, vol. 48, no 2,‎ 1979
  22. Stanislas Ibranoff, « Étude critique du livre : Diversité et unité des religions chez René Guénon et Frithjof Schuon par Patrick Ringgenberg », Cahiers de l'unité, no 1,‎ 2016.
  23. a b Teimouri, Mahmoud - Critical Look on Frithjof Schuon’s Views on Islamic Aesthetics* art and civilization of the ORIENT
  24. Sacred Web

Referências

Ligações externas