Heresia (catolicismo)

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A Igreja Católica Apostólica Romana conceitua heresia de modo sozinho , conferindo-lhe significado muito específico, que observa, naturalmente o ideário cristão católico, em dogmas, doutrinas e princípios católicos, diferindo, pois, do de outras visões cristãs. Segundo ela, há quatro elementos que,  constituem heresia formal (apenas na forma): (1) batismo cristão válido [segundo sua, Igreja Católica Apostólica Romana, concepção]; (2) confissão de ainda ser cristão; (3) negação ou dúvida sobre algum ponto de verdade que a Igreja Católica considera como revelado por Deus; e, por último, (4) descrença moralmente culpável, isto é, que implique a recusa de aceitar o que é definido pela Igreja como imperativo doutrinário. Portanto, para se tornar um herege, no estrito sentido canônico católico e, portanto, ser, pela instituição Igreja Católica, excomungado [retirado de comunhão com os santos], deve-se negar ou questionar uma considerada verdade que — segundo os dogmas e as doutrinas da Igreja Católica — é ensinada como [sendo da] Palavra de Deus, e ao mesmo tempo negar a obrigação de assim crer. Se se presumir boa-fé, podendo a pessoa "sair da ignorância", sua heresia será material (apenas na matéria ou objeto), e não implica nem culpa nem pecado contra a fé católica.

Base histórica[editar | editar código-fonte]

Embora a formalização do Credo da Igreja Católica, no modo ainda embrionário, remonte ao ano 325 d.C., com o Primeiro Concílio de Niceia, sua base dogmática, doutrinária e teológica foi-se formando aos poucos. Desde antes, os pais da Igreja combatiam e denunciavam as heresias que surgiam, como Ireneu de Lyon em sua obra Contra as Heresias. Mais tarde, no século XIII, heresia, segundo a óptica católica, foi definida por Tomás de Aquino como "uma espécie de infidelidade de homens que, tendo professado a de Cristo, corrompiam seus dogmas".[1] Tomás de Aquino continua: "A fé cristã correta consiste em dar consentimento voluntário a Cristo em tudo que realmente pertence ao Seu ensinamento. Há, portanto, duas maneiras de se desviar do cristianismo: um é recusar-se a crer no próprio Cristo, o que vem a ser o caminho da infidelidade, achado comum aos pagãos e aos judeus; o outro é restringir-se a crença a certos pontos da doutrina de Cristo, selecionados e moldados a bel-prazer, o que vem a ser o caminho dos hereges. Assim, o assunto, da fé como da heresia é o depósito da fé, ou seja, a soma total das verdades reveladas nas Escrituras e na Tradição como propostas à nossa crença pela Igreja: o crente aceita todo o depósito como proposto pela Igreja, o herege aceita apenas partes dele como recompensa-se à sua própria aprovação.".[2] Considera-se que, aqui, Tomás de Aquino, defensor fervoroso da já bem conformada, e então hegemônica, doutrina católica na Baixa Idade Média, vinculou sua prescrição "[...] o crente aceita todo o depósito como proposto pela Igreja [...]" ao ditame doutrinário da Igreja Católica, rejeitando todos os demais como hereges.

Algumas controvérsias doutrinárias significativas vieram a surgir ao longo da história, pela criação de dogmas e doutrinas. Têm-se apontado muitas ideias como heresias, sobre pontos únicos de doutrina, particularmente sobre a Trindade,[3] transubstanciação[4][5] e a imaculada conceição.[6][7]

A Igreja Católica anuncia que sempre lutou a favor da ortodoxia e tem, na figura de seu líder, o Papa, a suprema autoridade terrena. Em vários momentos da história, ele teve vários graus de poder para resistir ou punir a quem a Igreja julgava herege. O último caso de um dito herege executado foi o do professor Cayetano Ripoll, acusado de deísmo pela então minguante Inquisição espanhola, sendo o condenado enforcado até a morte em 26 de julho de 1826, em Valência, após julgamento de dois anos.[8]

O documento Cânon 751, Código de Direito Canônico da Igreja Católica, promulgado pelo João Paulo II em 1983 (Codex Iuris Canonici — "CIC"), define: "Heresia é a negação obstinada ou dúvida após a recepção do batismo de alguma verdade que é para ser aceita pela fé divina e católica ".

Heresia: formal e material[editar | editar código-fonte]

A Igreja Católica distingue entre heresia formal e material. A diferença é uma das crenças subjetivas do suposto herege sobre sua [da ICAR] opinião. Heresia formal ocorre se a pessoa [fiel ou pretendente] está ciente de que sua crença está em desacordo com o ensino católico e ainda continua a apegar-se à sua crença pertinazmente. Esse tipo de heresia é considerado pecaminoso, à luz dos ensinos católicos, porque, nesse caso, a pessoa [questionada de eventual heresia] conscientemente tem uma opinião que, nas palavras da primeira edição da Enciclopédia Católica,[9][10] "destrói a virtude da fé cristã... perturba a unidade e desafia o Divino", além de desafiar a autoridade da Igreja e ataca a própria fonte da fé ".[2]

ICAR atual e Protestantismo[editar | editar código-fonte]

Em seu livro O significado da fraternidade cristã , Bento XVI escreveu que:

A dificuldade na maneira de dar uma resposta é profunda. Em última análise, é devido ao fato de que não há categoria apropriada no pensamento católico para o fenômeno do protestantismo hoje (pode-se dizer o mesmo da relação com as igrejas separadas do Oriente). É óbvio que a velha categoria de "heresia" não tem mais valor. A heresia, para a Escritura e a Igreja primitiva, inclui a ideia de uma decisão pessoal contra a unidade da Igreja, e a heresia é característica pertinaz, obstinação daquele que persiste em seu particular e próprio caminho. Isso, no entanto, não pode ser considerado como uma descrição apropriada da situação espiritual do cristão protestante. No curso de uma história secular, o protestantismo deu uma contribuição importante para a realização da fé cristã, cumprindo uma função positiva no desenvolvimento da mensagem cristã e, acima de tudo, muitas vezes dando origem a uma fé sincera e profunda no indivíduo cristão não-católico, cuja separação da afirmação católica nada tem a ver com a pertinácia característica da heresia. Talvez possamos inverter aqui um dito de Santo Agostinho: que um velho cisma se torna uma heresia. A própria passagem do tempo altera o caráter de uma divisão, de modo que uma antiga divisão é algo essencialmente diferente de uma nova. Algo que uma vez foi justamente condenado como heresia não pode mais tarde simplesmente tornar-se verdade, mas pode gradualmente desenvolver sua própria natureza eclesial positiva, com a qual o indivíduo é apresentado como sua igreja e no qual ele vive como um crente, não como um herege. Essa organização de um grupo, no entanto, acaba tendo um efeito no todo.[11]

Algumas das doutrinas do Protestantismo que a Igreja Católica considera heréticas[12][13] são (1) "a crença de que a Bíblia é a única fonte e regra de (sola scriptura); (2) "a crença de que somente pela se pode alcançar a Salvação (sola fide); (3) "a convicção e o anúncio de que o Papa não tem jurisdição universal sobre toda a Igreja"; (4) "a afirmação de que a Igreja Católica não é a única Igreja de Cristo"; e (5) "a postulação de que não há qualquer sacerdócio sacramental e ministerial recebido pela ordenação, mas somente um sacerdócio universal de todos os crentes.[14][15][16][17]Esses pontos são tidos como inconciliáveis com a fé católica e, pois, heresia formal de fato, muito embora — e muito naturalmente — as igrejas cristãs de confissão dita protestante adotem posição precisamente contrária, em certa medida (no que se refere aos cinco pontos citados) e ainda mais, em relação à verdadeira fidelidade bíblica.

A primeira relação de livros proibidos, o Index Librorum Prohibitorum, foi publicada em 1559.[18]

Ver mais[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «Question 11. Heresy». New Advent. Consultado em 23 de julho de 2018 
  2. a b «Heresy». Catholic Encyclopedia 
  3. Coppens, Charles, S.J. (1903). A Systematic Study of the Catholic Religion (em inglês). St. Louis: B. HERDER. Consultado em 20 de julho de 2018. Arquivado do original em 4 de março de 2016 
  4. CATHOLIC ENCYCLOPEDIA (1913). «Fourth Lateran Council (1215)» (em inglês). Newadvent.org. Consultado em 26 de Setembro de 2010 . Seguindo a tradição, o Quarto Concílio de Latrão (1215) defendeu a veracidade da doutrina da transubstanciação
  5. Sess. XIII, Decretum de ss. Eucharistia, cap. 4: DS 1642. e o Concílio de Trento (1545-1563) afirmou que pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de modo conveniente e apropriado, transubstanciação
  6. Paulo Faitanin, A Doutrina da concepção de Maria segundo Tomás de Aquino.
  7. «Vulgate text» 
  8. «Daily TWiP - The Spanish Inquisition executes its last victim today in 1826» 
  9. Andrew Alphonsus MacErlean. The Catholic Encyclopedia: An International Work of Reference on the Constitution, Doctrine, Discipline, and History of the Catholic Church. Robert Appleton Co.; 1912.
  10. «The Original Catholic Encyclopedia». El Cajon, California: Catholic Answers. Consultado em 21 de julho de 2011 [ligação inativa]
  11. Pope Benedict XVI (1993). The Meaning of Christian Brotherhood. [S.l.]: Ignatius Press. p. 88. ISBN 9780898704464 
  12. Súmula das Doutrinas Protestantes. "Seguem-se três observações aptas a mais evidenciar o erro radical contido no princípio protestante: i) a rejeição dos sacramentos e do sacerdócio hierárquico contradiz à lei geral que Deus sempre quis observar nas suas relações com o homem (...); ii) Nos desígnios de Deus, a santificação do homem sempre foi concebida comunitariamente, em oposição a qualquer individualismo. (...); iii) A Reforma pretende corresponder à Igreja primitiva, anterior à corrupção que «paganizou» o Evangelho… Esta pretensão é tão vã que os mestres protestantes se têm visto obrigados a fazer recuar constantemente o período da «grande corrupção» (...)"
  13. As diferenças entre as Igrejas Protestante e Católica. "Passados 500 anos da Reforma introduzida por Martinho Lutero, diferenças entre as duas Igrejas persistem, passando pelo celibato, a veneração de santos e a eucaristia. Na Alemanha, onde nasceu a Reforma da Igreja, católicos e protestantes ainda viviam em profunda hostilidade até algumas décadas atrás. Agressões mútuas, condenações doutrinais, conflitos e guerras de motivação religiosa acompanharam essa cisão. A razão para isso aconteceu há 500 anos, com a separação da Igreja em Católica e Protestante. A ideia inicial do monge Martinho Lutero (1483-1546), de reformar a Igreja Católica, acabou não se concretizando. Pelo contrário, a publicação de suas 95 teses em 31 de outubro de 1517 contra o que considerava teologicamente inoportuno na Igreja de seu tempo é considerada a base da Igreja Protestante e o ponto de partida da divisão em confissão católica e evangélica luterana na Alemanha."
  14. http://www.newadvent.org/cathen/12495a.htm Characteristic Protestant principles: However vague and indefinite the creed of individual Protestants may be, it always rests on a few standard rules, or principles, bearing on the Sources of faith, the means of justification, and the constitution of the Church. An acknowledged Protestant authority, Philip Schaff (in "The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge", s.v. Reformation), sums up the principles of Protestantism in the following words:
    • The Protestant goes directly to the Word of God for instruction, and to the throne of grace in his devotions; whilst the pious Roman Catholic consults the teaching of his church, and prefers to offer his prayers through the medium of the Virgin Mary and the saints.
    • From this general principle of Evangelical freedom, and direct individual relationship of the believer to Christ, proceed the three fundamental doctrines of Protestantism — the absolute supremacy of (1) the Word, and of (2) the grace of Christ, and (3) the general priesthood of believers.
  15. https://www.veritatis.com.br/linhas-doutrinarias-do-protestantismo/ Em síntese: O protestantismo se apresenta hoje em dia sob centenas de modalidades, muitas vezes divergentes entre si. Todavia repousa sobre linhas básicas, devidas aos respectivos fundadores no século XVI: Lutero, Calvino, Melanchton, Knox… Essas linhas são: 1) a justificação pela fé sem as obras; 2) a Bíblia como única fonte de fé, sujeita ao “livre exame”; 3) a negação de intermediários entre Deus e o crente. Estes princípios serão, a seguir, expostos e avaliados. O protestantismo representa uma realidade assaz complexa, ou seja, o bloco de aproximadamente 400.000.000 de cristãos que não pertencem nem à Igreja Católica, cujo Pastor visível reside em Roma como sucessor do Apóstolo Pedro, nem às comunidades cristãs orientais (ortodoxa, nestoriana e monofisista), comunidades que se separaram do tronco primordial em etapas sucessivas desde o século V até ao século XI. O iniciador do movimento protestante é Martinho Lutero, que, a partir de 1517, quis reformar o Credo e as instituições cristãs, e por isto se afastou da Igreja dando início ao Luteranismo. (...)
  16. As principais linhas doutrinárias do Protestantismo. "A Bíblia deve ser lida como foi escrita: dentro da experiência de vida do povo de Deus, da Igreja [Católica que discerniu o seu cânone. (...) Se a Bíblia fosse tão clara como acham os protestantes, não haveria divergências em sua interpretação nem existiriam milhares de seitas divididas umas contra as outras. Mas a Bíblia não é tão clara (cfr. 2Pd 3,16) e para compreendê-la precisamos da ajuda de nossos pastores, do Magistério do 'Sucessor de Pedro' [o Papa] e dos bispos em comunhão com ele."]
  17. http://boanova.tripod.com/reforma.htm A REFORMA PROTESTANTE E A REAÇÃO CATÓLICA. "Diante dos movimentos protestantes, a reação inicial e imediata da Igreja Católica foi a de punir os líderes rebeldes, na esperança de que as idéias dos reformadores não se propagassem e o mundo cristão recuperasse a unidade perdida. Essa tática, entretanto, não deu bons resultados, já que o movimento protestante avançou pela Europa, conquistando crescente número de seguidores. Era forçoso, assim, reconhecer a ruptura protestante. Diante disso, ganhou força dentro do Catolicismo um amplo movimento de moralização do clero e reorganização das estruturas administrativas da Igreja. Esse movimento de reformulação da Igreja Católica ficou conhecido como Reforma Católica ou Contra-Reforma. Seus principais líderes foram os Papas Paulo III (1534-1549, Paulo IV (1555-1559), Pio V (1566-1572) e Xisto V (1585-1590). Todo um conjunto de medidas foi colocado em prática pelos líderes da Contra-Reforma, tendo em vista deter o avanço do protestantismo. Entre essas medidas, destacam-se as seguintes:
    • Aprovação da Ordem dos Jesuítas: no ano de 1540, o Papa Paulo III aprovou a criação da Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus, que tinha sido fundada pelo militar espanhol Inácio de Loyola, em 1534. Inspirando-se na estrutura militar, os jesuítas consideravam-se os soldados da Igreja, sua tropa de elite (...).
    • Convocação do Concílio de Trento: no ano de 1545, o Papa Paulo III convocou um Concílio, cujas primeiras reuniões foram realizadas na cidade de Trento, na Itália. Ao final de longos anos de trabalho, terminados em 1563, o Concílio apresentou um conjunto de decisões destinadas a garantir a unidade da fé católica e a disciplina eclesiástica. Reagindo às idéias protestantes, o Concílio de Trento reafirmou diversos pontos da doutrina católica (...).
    • Restabelecimento da Inquisição: no ano de 1231 a Igreja Católica criou os Tribunais de Inquisição, que, com o tempo, reduziram suas atividades em diversos países. Entretanto, com o avanço do protestantismo, a Igreja decidiu reativar, em meados do século XVII o funcionamento da Inquisição, que se encarregou, por exemplo, de organizar uma lista de livros proibidos aos católicos, o Index 'librorum prohibitorum'."
  18. Bergenheim, Asa. «The Lecherous Witch: Evil, Witchcraft and Female Sexuality in Early Modern Sweden» (PDF). Consultado em 18 de Dezembro de 2020 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BARROS, José D'Assunção. "Heresias entre os séculos XI e XV: Uma revisitação das fontes e da discussão historiográfica – notas de leitura". in Arquipélago. Ponta Delgada (Açores): Universidade dos Açores, 2007-2008, p. 125-162.
  • DUBY, Georges. "Heresias e Sociedades na Europa Pré-Industrial, séculos XI-XVIII". in Idade Média – Idade dos Homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.175-184 [original: 1988].
  • FALBEL, Nachman. Heresias medievais. São Paulo: Perspectiva, 1999.
  • FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias séculos I-VIII, Paulus, 1995.
  • RIBEIRO JUNIOR, João. Pequena história das heresias. Campinas: Papirus.
  • VASCONCELLOS, F.C. A BÍBLIA PARA CRIANÇAS Editora da Cúria Metropolitana de Porto Alegre 10 a. Edição, 1940.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]