Cachalote: diferenças entre revisões

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| sinônimos = <ref>{{Citar web|url=http://www.fossilworks.org/cgi-bin/bridge.pl?a=taxonInfo&taxon_no=64550|título=''Physeter macrocephalus'' Linnaeus 1758 (sperm whale)|publicado=Fossilworks|acessodata=16 de abril de 2022}}</ref>
* ''Physeter catodon'' {{pequeno|(Lineu, 1758)}}
* ''Physeter microps'' {{pequeno|(Lineu, 1758)}}
* ''Physeter tursio'' {{pequeno|(Lineu, 1758)}}
* ''Physeter australasianus'' {{pequeno|([[Camille Desmoulins|Desmoulins]], 1822)}}
* ''Catodon australis'' {{pequeno|(MacLeay, 1851)}}
* ''Catodon colneti'' {{pequeno|(Gray, 1850)}}
* ''Catodon polycyphus'' {{pequeno|(Quoy e Gaimard, 1824)}}
* ''Catodon svineval'' {{pequeno|(Lacépède, 1804)}}
* ''Catodon trumpo'' {{pequeno|(Lacépède, 1804)}}
* ''Meganeuron krefftii'' {{pequeno|(Gray, 1866)}}
* ''Megistosaurus ensiformis'' {{pequeno|(Godman, 1827)}}
* ''Physalus cylindricus'' {{pequeno|(Lacépède, 1804)}}
* ''Physeter australis'' {{pequeno|(Gray, 1846)}}
* ''Physeter mular'' {{pequeno|(Lacépède, 1804)}}
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* ''Physeter polycyphus'' {{pequeno|(Quoy e Gaimard, 1824)}}
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}}
'''Cachalote''' ou '''cacharréu''' ([[nome científico]]: ''Physeter macrocephalus'')<ref>{{Citar web|url=https://michaelis.uol.com.br/palavra/jeeo/cachalote/|título=Cachalote|publicado=Michaelis|acessodata=16 de abril de 2022}}</ref><ref>{{Citar livro|sobrenome=Ferreira|nome=A. B. H.|título=Novo Dicionário da Língua Portuguesa|edição=2.ª|local=Rio de Janeiro|editora=Nova Fronteira|ano=1986|página=306}}</ref> é a maior das baleias dentadas ([[odontocetos]]) e o maior predador com dentes. É o único membro vivo do [[gênero (biologia)|gênero]] ''Physeter'' e uma das três espécies existentes na superfamília ''[[Physeteroidea]]'', juntamente com o [[cachalote-pigmeu]] e o [[cachalote-anão]] do ''[[Kogia]]''. É um mamífero [[pelágico]] com distribuição mundial e migra sazonalmente para alimentação e reprodução.<ref>{{citar web|título=Sperm Whale|url=http://acsonline.org/fact-sheets/sperm-whale/|website=acsonline.org |acessodata=13 de maio de 2017|arquivourl=https://web.archive.org/web/20170422154853/http://acsonline.org/fact-sheets/sperm-whale/|arquivodata=22 de abril de 2017|urlmorta= sim}}</ref> As fêmeas e os machos jovens vivem juntos em grupos, enquanto os machos maduros vivem vidas solitárias fora da época de acasalamento. As fêmeas cooperam para proteger e amamentar seus filhotes. As fêmeas dão à luz a cada quatro a vinte anos e cuidam dos bezerros por mais de uma década. Um cachalote maduro tem poucos predadores naturais, embora bezerros e adultos enfraquecidos às vezes sejam mortos por grupos de [[orca]]s (''Orcinus orca'').


Os machos maduros têm em média 16 metros (52 pés) de comprimento, mas alguns podem atingir 20,7 metros (68 pés), com a cabeça representando até um terço do comprimento do animal. Mergulhando a {{fmtn|2250}} metros ({{fmtn|7382}} pés), é o terceiro mamífero mergulhador mais profundo, superado apenas pelo [[elefante-marinho-do-sul]] (''Mirounga leonina'') e pela [[baleia-bicuda-de-cuvier]] (''Ziphius cavirostris'').<ref name=plosone-2014>{{citar periódico|autor1=Gregory S. Schorr |autor2=Erin A. Falcone |autor3=David J. Moretti |autor4=Russel D. Andrews |ano=2014 |título=First long-term behavioral records from Cuvier's beaked whales (''Ziphius cavirostris'') reveal record-breaking dives |periódico=[[PLOS One]] |volume=9 |número=3 |página=e92633 |doi=10.1371/journal.pone.0092633 |pmid=24670984 |ref=Schorr |pmc=3966784|bibcode=2014PLoSO...992633S |doi-access=free }}</ref><ref name=Elephantseal>{{citar web|url= http://www.coml.org/comlfiles/press/CoML_Beyond_Sunlight_11.17.2009_Public.pdf |título= Census of Marine Life – From the Edge of Darkness to the Black Abyss |publicado=Coml.org |acessodata=2009-12-15}}</ref> O cachalote usa ecolocalização e vocalização tão alto quanto 230 decibéis (re 1 µPa m) debaixo d'água.<ref name="natgeo">{{citar web| url=http://news.nationalgeographic.com/news/2003/11/1103_031103_tvspermwhale.html |obra=National Geographic|autor=Trivedi, Bijal P. |data=3 de novembro de 2003|título=Sperm Whale "Voices" Used to Gauge Whales' Sizes}}</ref> Tem o maior cérebro da [[Terra (planeta)|Terra]], mais de cinco vezes mais pesado que o de um humano. Os cachalotes podem viver 70 anos ou mais.<ref name="princeton">{{citar livro|autor1=Shirihai, H.|título=Whales, Dolphins, and Other Marine Mammals of the World|autor2=Jarrett, B.|publicado=Princeton Univ. Press|ano=2006|isbn=978-0-691-12757-6|local=Princeton|páginas=21–24|name-list-style=amp}}</ref><ref name="audubon">{{citar livro|título=Guide to Marine Mammals of the World|autor=Reeves, R.|autor2=Stewart, B.|autor3=Clapham, P.|autor4=Powell, J.|name-list-style=amp|páginas=[https://archive.org/details/guidetomarinemam00folk/page/240 240–243]|ano=2003|isbn=978-0-375-41141-0|publicado=A.A. Knopf|local=New York|url=https://archive.org/details/guidetomarinemam00folk/page/240}}</ref><ref name="Cetacean Societies">{{citar livro|título=Cetacean Societies|capítulo=The Sperm Whale|autor1=Whitehead, H.|autor2=Weilgart, L.|name-list-style=amp|editor=Mann, J.|editor2=Connor, R.|editor3=Tyack, P.|editor4=Whitehead, H.|ano=2000|página=[https://archive.org/details/cetaceansocietie0000unse/page/169 169]|publicado=The University of Chicago Press|isbn=978-0-226-50341-7|capítulourl=https://archive.org/details/cetaceansocietie0000unse/page/169}}</ref>
O '''cachalote''' (''Physeter macrocephalus''), ou '''chacharréu''',<ref>FERREIRA, A. B. H. ''Novo Dicionário da Língua Portuguesa''. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 306</ref> é o maior dos [[Odontoceti|cetáceos com dentes]] bem como o maior animal com dentes existente. Mede até 20 metros de [[comprimento]]. Este cetáceo tem, como característica distintiva, possuir na cabeça uma substância cerosa de cor leitosa (óleo): o [[espermacete]]. A enorme cabeça e a forma distintiva do cachalote, bem como o seu papel na obra ''[[Moby Dick]]'' de [[Herman Melville]], levaram muitos a descreverem o cachalote como o [[arquétipo]] de "[[baleia]]".


O [[espermacete]] (óleo de esperma), do qual a baleia deriva seu nome, era um dos principais alvos da indústria [[baleação|baleeira]] e era procurado para uso em lamparinas, lubrificantes e velas. [[Âmbar cinza]], um resíduo ceroso sólido às vezes presente em seu sistema digestivo, ainda é muito valorizado como [[fixador]] em [[perfume]]s, entre outros usos. Garimpeiros procuram âmbar cinza como destroços.<ref>{{citar jornal|último1=Spitznagel|primeiro1=Eric|título=Ambergris, Treasure of the Deep|url=https://www.bloomberg.com/news/articles/2012-01-12/ambergris-treasure-of-the-deep|acessodata=25 de maio de 2017|publicado=Bloomberg L.P.|data=12 de janeiro de 2012}}</ref> A caça de cachalotes era uma grande indústria no {{séc|XIX}}, retratada no romance ''[[Moby-Dick]]''. A espécie é protegida pela moratória da [[Comissão Baleeira Internacional]] e está listada como vulnerável pela [[União Internacional para a Conservação da Natureza]] (UICN / IUCN).
O cachalote foi caçado nas águas dos arquipélagos portugueses da [[Região Autónoma da Madeira|Madeira]] e [[Açores]] até [[1981]]<ref>http://museudabaleia.com/index.php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=32</ref> e [[1984]]<ref name="horta.uac.pt">http://www.horta.uac.pt/projectos/MSubmerso/old/200006/Cachalotes.htm</ref> respectivamente.


== Taxonomia e etimologia ==
== Etimologia e denominação ==


O termo "cachalote" é de origem [[Península Ibérica|ibérica]], mais especificamente [[língua portuguesa|portuguesa]] setecentista (''cachalote'' ou ''cacholote''); segundo a [[Real Academia Espanhola]], o termo deriva de cachola, 'cabeça grande'. Os franceses, que utilizaram o termo pela primeira vez em 1628, em [[Saint-Jean-de-Luz]], para descrever o animal tido como "o macho da baleia", pensam que ''cachalot'' deriva do [[Occitano gascão|gascão]] ''cachau'' / ''caichal'', registrado em [[Carcassona]] no sentido de "dentes grandes".<ref>{{citar periódico| autor=Haupt, P. | título=Jonah's Whale |ano=1907|jornal=Proceedings of the American Philosophical Society |volume=46| número=185 | páginas=151-164| url=http://www.jstor.org/pss/983449}}</ref><ref>{{Citar periódico|sobrenome=Fernández-Casado|nome=M.|título=El Cachalote (Physester macrocephalus)|jornal=Galemys|volume=12|número=2|ano=2000}}</ref> O ''[[Dicionário Etimológico Corominas]]'' diz que a origem da palavra é incerta, mas sugere-se que venha do [[latim vulgar]] ''cappula'', plural de ''cappulum'', punho da espada.<ref>{{citar livro|título=Breve diccionario etimológico de la lengua castellana|sobrenome=Corominas|nome=Joan| isbn=84-249-1 332-9|ano=1987|editora=Gredos|local=Madri|url=https://archive.org/details/brevediccionario00colo}}</ref>
=== Etimologia ===
''Physeter catodon'' vem dos termos [[língua grega|gregos]] ''physao'' ("soprar"), ''cata'' ('base") e ''odon'' ("dente").<ref name="secem.es">{{es}} http://www.secem.es/GALEMYS/PDF%20de%20Galemys/12%20(2).%20pdf/1%20Fern%E1ndez-Casado%203-22.pdf</ref> ''Macrocephalus'' deriva do termo [[língua grega|grego]] para "cabeça grande".
A [[etimologia]] da palavra cachalote não é clara, parecendo ter origem em "cachola",<ref>http://www.sualingua.com.br/02/02_cabeca2.htm</ref><ref>http://www.infopedia.pt</ref> termo coloquial usado para designar "cabeça", do termo [[gascão]] ''cachau''<ref name="secem.es" /> (dentes grandes) ou ainda do termo [[língua catalã|catalão]] ''quitxalot''.<ref>http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx</ref> A sua designação em [[língua inglesa]], ''sperm whale'', é uma contracção de ''spermaceti whale'' ("baleia de espermacete").<ref name="horta.uac.pt" />


Os anglófonos geralmente a chamam de ''sperm whale'', [[apócope]] de ''spermaceti whale'' ("baleia de espermacete<ref name="horta.uac.pt" />), sendo o [[espermacete]] uma substância semilíquida e cerosa encontrada no órgão homônimo que ocupa um grande volume na cabeça do animal e serve como [[água de lastro|lastro]] durante os mergulhos. ''Spermaceti'' significa "esperma de baleia" em latim, a substância esbranquiçada tendo sido inicialmente confundida com fluido seminal.<ref name="WahlbergEtAl2005">{{cite journal |doi=10.1121/1.2126930 |pmid=16419786 |title=Click production during breathing in a sperm whale (''Physeter macrocephalus'') |journal=The Journal of the Acoustical Society of America |volume=118 |issue=6 |pages=3404–7 |year=2005 |last1=Wahlberg |first1=Magnus |last2=Frantzis |first2=Alexandros |last3=Alexiadou |first3=Paraskevi |last4=Madsen |first4=Peter T. |last5=Møhl |first5=Bertel |bibcode=2005ASAJ..118.3404W}}</ref> Outro nome para o animal, em francês antigo, era ''physétére'' às ​​vezes derivado de ''physale'', que era um afrancesamento do nome científico do gênero (''Physeter''). O nome do gênero deriva do termo [[grego antigo]] para "soprador", construído a partir de φυσώ (''physó'') que significa “explodir”. Este termo, agora completamente obsoleto, encontra-se, por exemplo, sob a pena de [[François Rabelais]] na grafia ''Physetère'' nos capítulos 33 e 34 de seu ''[[Le Quart Livre]]'' de 1552 onde [[Pantagruel]] reaparece. O nome específico ''macrocephalus'' também vem do grego, construído a partir de μακρός (''makrós'') e κεφαλή (''képhalế'') e significa literalmente “cabeça grande”; sua alternativa, ''catodon'' significa “dentes na mandíbula”, do grego κατά (''katá'') para “abaixo” e ὀδούς (''odoús'') para “dente".<Ref>{{Citar web|url=https://doris.ffessm.fr/Especes/Physeter-macrocephalus-Cachalot-767|título=Cachalot|publicado=Données d'Observations pour la Reconnaissance et l'Identification de la faune et la flore Subaquatiques (DORIS)|acessodata=16 de abril de 2022}}</ref>
=== Taxonomia ===

== Taxonomia ==
O cachalote foi categorizado pela primeira vez por [[Lineu]], que, em 1758, reconheceu quatro espécies no género ''Physeter''. Porém, não passou muito tempo até que os peritos concluíssem que constituíam uma única espécie. A maioria das publicações modernas classifica o cachalote como a única espécie da família ''Physeteridae'' (e como tal a única espécie no seu género). A família do cachalote é, por vezes, tratada como uma superfamília ''Physeteroidea''.<ref name="field">{{citar livro | autor=Mann, Connor, Tyack and [[Hal Whitehead|Whitehead]] (Eds.) | título=Cetacean Societies: Field Studies of Dolphins and Whales | local=Chicago | editora=University of Chicago Press | ano=2000 |isbn= 0-226-50341-0}}</ref> Esta superfamília contém apenas mais duas espécies - o [[cachalote-pigmeu]] e o [[cachalote-anão]]. Estas duas espécies pertencem à família ''[[Kogiidae]]''.
O cachalote foi categorizado pela primeira vez por [[Lineu]], que, em 1758, reconheceu quatro espécies no género ''Physeter''. Porém, não passou muito tempo até que os peritos concluíssem que constituíam uma única espécie. A maioria das publicações modernas classifica o cachalote como a única espécie da família ''Physeteridae'' (e como tal a única espécie no seu género). A família do cachalote é, por vezes, tratada como uma superfamília ''Physeteroidea''.<ref name="field">{{citar livro | autor=Mann, Connor, Tyack and [[Hal Whitehead|Whitehead]] (Eds.) | título=Cetacean Societies: Field Studies of Dolphins and Whales | local=Chicago | editora=University of Chicago Press | ano=2000 |isbn= 0-226-50341-0}}</ref> Esta superfamília contém apenas mais duas espécies - o [[cachalote-pigmeu]] e o [[cachalote-anão]]. Estas duas espécies pertencem à família ''[[Kogiidae]]''.


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== Anatomia e morfologia ==
== Anatomia e morfologia ==
O cachalote é excepcional pela sua grande cabeça, sobretudo nos machos, correspondendo tipicamente a um terço do comprimento total do animal. Contrastando com a pele suave da maioria dos restantes cetáceos, a pele do dorso do cachalote apresenta geralmente protuberâncias.<ref name="prune">{{citar livro | autor=Mark Carwardine | título=On the Trail of the Whale | editora=Chapter 1. Thunder Bay Publishing Co | ano=1994 |isbn= 1-899074-00-7}}</ref> Apesar da sua cor uniformemente cinzenta, podem parecer castanhos à [[luz solar]] e há registos de cachalotes [[albinismo|albinos]] brancos.<ref>Moby Dick, um cachalote macho albino, baseia-se num cachalote albino descrito por {{en}} [http://www.du.edu/~ttyler/ploughboy/mochadick.htm Reynolds, J. N. em "Mocha Dick, or The White Whale of the Pacific: A Leaf from a Manuscript Journal" (Maio, 1839)]</ref> O [[cérebro]] do cachalote é o maior e mais pesado de entre os cérebros de todos os animais (modernos ou extintos) conhecidos, pesando em média aproximadamente 7&nbsp;kg num macho adulto.
O cachalote é excepcional pela sua grande cabeça, sobretudo nos machos, correspondendo tipicamente a um terço do comprimento total do animal. Contrastando com a pele suave da maioria dos restantes cetáceos, a pele do dorso do cachalote apresenta geralmente protuberâncias.<ref name="prune">{{citar livro | autor=Mark Carwardine | título=On the Trail of the Whale | editora=Chapter 1. Thunder Bay Publishing Co | ano=1994 |isbn= 1-899074-00-7}}</ref> Apesar da sua cor uniformemente cinzenta, podem parecer castanhos à [[luz solar]] e há registos de cachalotes [[albinismo|albinos]] brancos.<ref>Moby Dick, um cachalote macho albino, baseia-se num cachalote albino descrito por {{en}} [http://www.du.edu/~ttyler/ploughboy/mochadick.htm Reynolds, J. N. em "Mocha Dick, or The White Whale of the Pacific: A Leaf from a Manuscript Journal" (Maio, 1839)]</ref>
[[Ficheiro:Sperm whale fluke.jpg|left|frame|Barbatana caudal de um cachalote mergulhando (foto tirada no [[Golfo do México]]; cortesia de ''National Marine Fishery Service'')]]
O [[espiráculo]] situa-se muito próximo da zona frontal da cabeça e descaído ligeiramente para a esquerda, o que faz com que o sopro seja um tanto ramificado e inclinado para a frente. O cachalote não possui uma verdadeira [[barbatana|barbatana dorsal]], mas sim uma série de altos na zona caudal do dorso. O maior deles era chamado ''bossa'' pelos baleeiros e é muitas vezes confundido com uma barabatana dorsal devido à sua forma. A [[barbatana|barbatana caudal]] é triangular e muito grossa.


[[Imagem:Sperm whale fluke.jpg|left|frame|Barbatana caudal de um cachalote mergulhando (foto tirada no [[Golfo do México]]; cortesia de ''National Marine Fishery Service'')]]
Os cachalotes têm de 17 a 29 pares de [[dente]]s com forma [[cone|cónica]] no [[Osso maxilar|maxilar]] inferior, cada um com 8 a 20&nbsp;cm de comprimento, podendo atingir os 25&nbsp;cm e os 500 gramas de peso.<ref name="secem.es"/> Cada dente pode chegar a pesar 1&nbsp;kg. Não existem certezas relativamente à razão da existência dos dentes, mas sabe-se que muitos machos de cachalote apresentam [[cicatriz]]es aparentemente causadas por dentes de outros machos. O maxilar superior também apresenta dentes, mas estes raramente se encontram visíveis.

Os cachalotes encontram-se entre os [[cetáceo]]s mais [[dimorfismo sexual|sexualmente dimórficos]] (isto é, machos e fêmeas são bastante diferentes). Os machos são tipicamente 30% a 50% mais compridos (14 a 18 metros) do que as fêmeas (12 a 14 metros) e são cerca de duas vezes mais pesados (50 000&nbsp;kg versus 25 000&nbsp;kg das fêmeas). No momento do nascimento tanto machos como fêmeas têm cerca de 4 metros de comprimento e um peso aproximado de 1 000&nbsp;kg.

Em consequência da intensidade da [[baleação|caça]] a que foram sujeitos ao longo de muitos anos, o tamanho dos cachalotes diminuiu significativamente, sobretudo porque os machos maiores foram mortos primeiro e de modo mais intenso, pois tinham mais [[espermacete]] (o [[óleo de espermacete]] era bastante valioso nos [[século XVIII|séculos XVIII]] e [[Século XIX|XIX]] - ver abaixo). Num museu de [[Nantucket]], [[Rhode Island]], existe uma mandíbula de um cachalote com 5,5 metros de comprimento. A mandíbula constitui cerca de 20 a 25% de comprimento total do cachalote. Assim, a baleia a que pertencia esta mandíbula pode ter medido 28 metros de comprimento, pesando cerca de 150 [[tonelada]]s. Uma outra evidência do maior tamanho dos machos de cachalote no passado encontra-se no museu de [[New Bedford]], [[Massachusetts]]. Trata-se de uma outra mandíbula de um cachalote macho com 5,2 metros de comprimento, que corresponderia a um animal de cerca de 25,6 metros de comprimento e um peso próximo das 125 toneladas. Além destas duas evidências, livros de registros encontrados naqueles dois museus estão cheios de referências a machos que tinham, considerando a quantidade de óleo deles obtida, aproximadamente o mesmo tamanho que os dois exemplares antes descritos. Actualmente os cachalotes geralmente não excedem os 18 metros de comprimento e as 52 toneladas de peso. Os maiores cachalotes observados actualmente são de tamanho comparável ao da [[baleia-comum]] (e menores que a [[baleia azul]]), o que torna o cachalote a segunda ou terceira maior espécie animal viva.

O cachalote é o exemplo típico de uma espécie que se crê ter-se desenvolvido sob condições ambientais muito estáveis. Esta evolução relativamente "fácil" conduziu a uma [[taxa de natalidade]] baixa, maturação lenta e grande longevidade. As fêmeas dão à luz uma vez cada quatro a seis anos, com um [[período de gestação]] de pelo menos 12 meses podendo atingir mesmo os 18 meses. As crias são [[amamentação|amamentadas]] durante dois ou três anos. Nos machos, a [[puberdade]] dura cerca de dez anos entre as idades de 10 e 20 anos. Os machos mantêm-se em crescimento até cerca dos 50 anos de idade, altura em que atingem o seu tamanho máximo. Os cachalotes podem viver cerca de 80 anos.


=== Espermacete e âmbar cinza ===
=== Espermacete e âmbar cinza ===
{{Artigos principais|[[Espermacete]], [[âmbar cinza]]}}
{{Artigos principais|[[Espermacete]], [[âmbar cinza]]}}
O [[espermacete]] é um substância [[cera|cerosa]] encontrada na cabeça do cachalote. Este termo deriva do [[latim]] ''sperma ceti'' (com ambas palavras de origem [[língua grega|grega]]) que significa ''[[esperma]] de baleia'' (ou mais exactamente ''esperma do monstro marinho''). No entanto, o espermacete não é o esperma da baleia, mas foi erradamente identificado como tal pelos primeiros baleeiros. O espermacete é encontrado no ''órgão do espermacete'' à frente e por cima do [[crânio]] da baleia e também na parte frontal da cabeça acima da mandíbula superior. O espermacete é uma substância muito peculiar composta exclusivamente por [[éster]]es e [[triglicérido]]s. O órgão do espermacete pode conter até 2 000 litros de espermacete.<ref name="secem.es"/>
O [[espermacete]] é um substância [[cera|cerosa]] encontrada na cabeça do cachalote. Este termo deriva do [[latim]] ''sperma ceti'' (com ambas palavras de origem [[língua grega|grega]]) que significa ''[[esperma]] de baleia'' (ou mais exactamente ''esperma do monstro marinho''). No entanto, o espermacete não é o esperma da baleia, mas foi erradamente identificado como tal pelos primeiros baleeiros. O espermacete é encontrado no ''órgão do espermacete'' à frente e por cima do [[crânio]] da baleia e também na parte frontal da cabeça acima da mandíbula superior. O espermacete é uma substância muito peculiar composta exclusivamente por [[éster]]es e [[triglicérido]]s. O órgão do espermacete pode conter até 2 000 litros de espermacete.<ref name="secem.es"/>

Uma das funções do órgão do espermacete é servir como órgão de mergulho ou de [[flutuação]]. Antes do início de um mergulho, é aspirada água fria que passa pelo órgão do espermacete provocando a solidificação da cera. O aumento do [[peso específico]] gera uma força descendente (equivalente a 40&nbsp;kg) permitindo que a baleia possa submergir sem esforço. Durante a perseguição das presas a grande profundidade (mais de 2 000 metros) o oxigénio armazenado é consumido e o calor produzido derrete o espermacete, o que permitirá a ascensão mais fácil do cachalote.


Existem outras hipóteses sobre possíveis funções do espermacete: uma delas e na qual se inspira a obra de Melville,<ref name="web.utah.edu">{{en}} http://web.utah.edu/unews/releases/02/aug/whales.html</ref> é a possibilidade de o órgão de espermacete ter evoluído como um tipo de [[aríete]]<ref name="battering">{{en}}{{citar web|url=http://autodax.net/Carrieretal2002.pdf|título=Spermaceti as battering ram?|formato=PDF|acessodata=2007-03-19}}</ref> para ser usado em lutas entre machos rivais. Esta hipótese é consistente com os afundamentos dos navios [[Estados Unidos|estado-unidenses]] ''[[Baleeiro Essex|Essex]]'' (1820) e ''[[Ann Alexander]]'' (1851)<ref name="web.utah.edu"/> devido a ataques de cachalotes com peso estimado em cerca de uma quinta parte do peso dos navios. Para além de funcionar como aríete, o órgão do espermacete também tem de funcionar como amortecedor.
Existem outras hipóteses sobre possíveis funções do espermacete: uma delas e na qual se inspira a obra de Melville,<ref name="web.utah.edu">{{en}} http://web.utah.edu/unews/releases/02/aug/whales.html</ref> é a possibilidade de o órgão de espermacete ter evoluído como um tipo de [[aríete]]<ref name="battering">{{en}}{{citar web|url=http://autodax.net/Carrieretal2002.pdf|título=Spermaceti as battering ram?|formato=PDF|acessodata=2007-03-19}}</ref> para ser usado em lutas entre machos rivais. Esta hipótese é consistente com os afundamentos dos navios [[Estados Unidos|estado-unidenses]] ''[[Baleeiro Essex|Essex]]'' (1820) e ''[[Ann Alexander]]'' (1851)<ref name="web.utah.edu"/> devido a ataques de cachalotes com peso estimado em cerca de uma quinta parte do peso dos navios. Para além de funcionar como aríete, o órgão do espermacete também tem de funcionar como amortecedor.
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Outra possibilidade é a de que o órgão do espermacete é utilizado como auxiliar na [[ecolocalização]]. A forma do órgão poderá focar ou alargar o [[Feixe (física)|feixe]] de som emitido em qualquer momento, utilizando-o, inclusive, como resposta acústica a comportamentos de selecção sexual.<ref name="cranford">{{en}} [http://www.spermwhale.org/SDSU/cranford.html spermwhale.org] - Cranford</ref>
Outra possibilidade é a de que o órgão do espermacete é utilizado como auxiliar na [[ecolocalização]]. A forma do órgão poderá focar ou alargar o [[Feixe (física)|feixe]] de som emitido em qualquer momento, utilizando-o, inclusive, como resposta acústica a comportamentos de selecção sexual.<ref name="cranford">{{en}} [http://www.spermwhale.org/SDSU/cranford.html spermwhale.org] - Cranford</ref>


O [[âmbar cinza]] é uma concreção muito odorífera que se encontra no intestino de cerca de 5% dos indivíduos desta espécie, em quantidades que geralmente não ultrapassam os 10&nbsp;kg.<ref name="secem.es"/> Coloca-se a hipótese de os bicos afiados dos [[cefalópode]]s ingeridos e alojados no intestino do cachalote poderem levar à produção do âmbar cinza, de modo análogo à formação das [[pérola]]s. É uma substância muito apreciada como [[espasmolítico]] e [[fixador]] de [[perfume]]s.<ref name="secem.es"/>
O espermacete era muito procurado pelos [[baleação|baleeiros]] durante os séculos XVIII, XIX e XX. Esta substância possui várias aplicações comerciais em óleos para relógios, fluidos de transmissão, lubrificantes de lentes fotográficas e instrumentos delicados usados em grandes altitudes, [[cosmético]]s, [[vela]]s, aditivos em óleos de motor, [[glicerina]], compostos antiferrugem, [[detergentes]], fibras químicas, [[vitamina]]s e mais de 70 compostos farmacêuticos.

O [[âmbar cinza]] é uma concreção muito odorífera que se encontra no intestino de cerca de 5% dos indivíduos desta espécie, em quantidades que geralmente não ultrapassam os 10&nbsp;kg.<ref name="secem.es"/>
Coloca-se a hipótese de os bicos afiados dos [[cefalópode]]s ingeridos e alojados no intestino do cachalote poderem levar à produção do âmbar cinza, de modo análogo à formação das [[pérola]]s. É uma substância muito apreciada como [[espasmolítico]] e [[fixador]] de [[perfume]]s.<ref name="secem.es"/>


=== Respiração ===
=== Respiração ===
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== Ecologia e comportamentos ==
== Ecologia e comportamentos ==
=== Mergulho ===
=== Mergulho ===
Os cachalotes, juntamente com os [[botinhoso]]s, são os mamíferos capazes de mergulhar a uma maior profundidade. Crê-se que sejam capazes de mergulhar até profundidades da ordem dos 3 000 metros com duração do mergulho de até 90 minutos. No entanto, o mergulho típico atinge os 400 metros de profundidade e os 30 a 45 minutos de duração.


[[Imagem:Physeter macrocephalus jumping.jpg|left|frame|Cachalote saltando nas águas dos Açores]]
A fisiologia do cachalote apresenta algumas adaptações às mudanças drásticas de pressão que ocorrem durante os mergulhos. A [[caixa torácica]] é flexível, permitindo o colapso dos pulmões, e o ritmo cardíaco pode ser diminuído para aumentar o tempo de duração das reservas de [[oxigênio]]. O oxigênio é armazenado em tecido muscular através da [[mioglobina]]. Quando os níveis de oxigénio descem, o fluxo de sangue pode ser dirigido apenas para o cérebro e órgãos essenciais. O órgão do espermacete parece também estar envolvido no mergulho (ver acima).

[[Ficheiro:Physeter macrocephalus jumping.jpg|left|frame|Cachalote saltando nas águas dos Açores]]
Apesar de bem adaptados ao mergulho, a repetição de mergulhos a grandes profundidades parece ter efeitos a longo prazo sobre os cachalotes. Os esqueletos de cachalotes evidenciam destruição de tecido ósseo que, em humanos, é muitas vezes um sinal de [[doença de descompressão]]. Os esqueletos dos cachalotes mais velhos evidenciam uma destruição mais extensa, enquanto que as crias de cachalotes não apresentam quaisquer danos no tecido ósseo. Estes danos podem indicar que os cachalotes são susceptíveis à doença de descompressão, e a emersão repentina pode ser-lhes fatal.<ref name="bends">{{en}} {{citar periódico | autor=Moore MJ, Early GA | título=Cumulative sperm whale bone damage and the bends | jornal=Science | volume=306 |número=5705 | ano=2004 | páginas=2215 | id=PMID 15618509}}</ref>
Apesar de bem adaptados ao mergulho, a repetição de mergulhos a grandes profundidades parece ter efeitos a longo prazo sobre os cachalotes. Os esqueletos de cachalotes evidenciam destruição de tecido ósseo que, em humanos, é muitas vezes um sinal de [[doença de descompressão]]. Os esqueletos dos cachalotes mais velhos evidenciam uma destruição mais extensa, enquanto que as crias de cachalotes não apresentam quaisquer danos no tecido ósseo. Estes danos podem indicar que os cachalotes são susceptíveis à doença de descompressão, e a emersão repentina pode ser-lhes fatal.<ref name="bends">{{en}} {{citar periódico | autor=Moore MJ, Early GA | título=Cumulative sperm whale bone damage and the bends | jornal=Science | volume=306 |número=5705 | ano=2004 | páginas=2215 | id=PMID 15618509}}</ref>


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=== Alimentação ===
=== Alimentação ===
[[Ficheiro:A piece of sperm whale skin with Giant Squid sucker scars.JPG|thumb|200px|Um fragmento de pele de cachalote exibindo cicatrizes de ferimentos provocados por ventosas de [[lula-gigante]].]]
[[Imagem:A piece of sperm whale skin with Giant Squid sucker scars.JPG|thumb|200px|Um fragmento de pele de cachalote exibindo cicatrizes de ferimentos provocados por ventosas de [[lula-gigante]]]]
Os cachalotes alimentam-se de várias espécies, em particular [[lula-gigante]], [[Lula]]s, [[polvo]] e vários peixes como [[raia]]s e [[tubarões]], mas principalmente de [[lula]]s de tamanho médio. Praticamente tudo o que se sabe sobre as lulas que vivem a grande profundidade foi descoberto a partir de exemplares encontrados nos [[estômago]]s de cachalotes capturados.

O roubo de [[Anoplopoma fimbria|peixe-carvão-do-Pacífico]] e de [[merluza-negra]] de [[palangre]]s levado a cabo por cachalotes é bem conhecido e está documentado, sobretudo no [[Golfo do Alasca]]. Acredita-se que este hábito é aprendido e passado a outros cachalotes dentro de um mesmo grupo ou às crias. Porém, a quantidade de peixe assim obtida é muito pequena quando comparada com as necessidades diárias de um cachalote.


Os cachalotes são comedores prodigiosos, podendo comer cerca de 3% do seu peso diariamente. O consumo anual total de presas pelos cachalotes em todo o mundo está estimado em 100 milhões de toneladas - um número superior ao consumo humano anual total de animais marinhos.<ref>[[Richard Ellis]], ''Monsters of the Sea'', 1994, The Lyons Press, p. 245.</ref>
Os cachalotes são comedores prodigiosos, podendo comer cerca de 3% do seu peso diariamente. O consumo anual total de presas pelos cachalotes em todo o mundo está estimado em 100 milhões de toneladas - um número superior ao consumo humano anual total de animais marinhos.<ref>[[Richard Ellis]], ''Monsters of the Sea'', 1994, The Lyons Press, p. 245.</ref>

=== Predadores ===
Além dos seres humanos, apenas outro predador ataca os cachalotes: a [[orca]]. Grandes grupos de orcas atacam frequentemente grupos de cachalotes fêmea, com as crias, tentando geralmente isolar as últimas com intenção de as capturar. As fêmeas conseguem, grande parte das vezes, repelir estes ataques formando um círculo em redor das crias e batendo as barbatanas caudais, de forma a evitar a entrada de qualquer orca na formação. Se o grupo de orcas for muito grande, até as fêmeas adultas podem ser mortas. Os grandes cachalotes macho não têm predadores.


=== Organização social ===
=== Organização social ===
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Os grupos sociais dedicam grande parte do seu tempo aos longos mergulhos em busca de alimento, os quais parecem ser sincronizados e coordenados. As crias que não podem mergulhar, são deixadas sozinhas à superfície ou na companhia da mãe ou de uma ama - uma outra fêmea do grupo.<ref name="oceanalliance.org"/>
Os grupos sociais dedicam grande parte do seu tempo aos longos mergulhos em busca de alimento, os quais parecem ser sincronizados e coordenados. As crias que não podem mergulhar, são deixadas sozinhas à superfície ou na companhia da mãe ou de uma ama - uma outra fêmea do grupo.<ref name="oceanalliance.org"/>

=== Distribuição ===
O cachalote encontra-se entre as espécies mais cosmopolitas do mundo, sendo encontrado em todos os oceanos e no [[Mar Mediterrâneo]]. É relativamente abundante entre o [[Ártico]] e o equador. As populações são mais densas próximo das [[plataforma continental|plataformas continentais]] e canhões, provavelmente devido à maior facilidade em conseguir alimento.


=== Ameaças ===
=== Ameaças ===
Apesar de a [[baleação]] com [[navio-fábrica|navios-fábrica]] ter sido proibida em 1979, a ameaça humana ao cachalote não desapareceu. O [[Japão]] adicionou o cachalote às espécies de cetáceos caçadas ao abrigo de ''baleação científica''. Os produtos obtidos desta ''baleação científica'' acabam por ser vendidos em mercado aberto no Japão, país em que a carne de baleia é muito apreciada.<ref>{{en}} http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/06/18/AR2005061800890.html</ref><ref>{{en}} http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/asia-pacific/4106688.stm</ref> Outras ameaças são as colisões com grandes embarcações, a prisão em redes de pesca,<ref name="iucnredlist.org">{{en}} http://apiv3.iucnredlist.org/api/v3/website/Physeter%20macrocephalus</ref> ingestão de resíduos sólidos como plásticos, derrames de [[hidrocarboneto]]s, despejo de resíduos industriais e a poluição sonora oriunda de operações de [[prospecção sísmica]], [[sonar]]es e tráfego naval.<ref name="iucnredlist.org"/>
Apesar de a [[baleação]] com [[navio-fábrica|navios-fábrica]] ter sido proibida em 1979, a ameaça humana ao cachalote não desapareceu. O [[Japão]] adicionou o cachalote às espécies de cetáceos caçadas ao abrigo de ''baleação científica''. Os produtos obtidos desta baleação acabam por ser vendidos em mercado aberto no Japão, país em que a carne de baleia é muito apreciada.<ref>{{en}} http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/06/18/AR2005061800890.html</ref><ref>{{en}} http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/asia-pacific/4106688.stm</ref> Outras ameaças são as colisões com grandes embarcações, a prisão em redes de pesca,<ref name="iucnredlist.org">{{en}} http://apiv3.iucnredlist.org/api/v3/website/Physeter%20macrocephalus</ref> ingestão de resíduos sólidos como plásticos, derrames de [[hidrocarboneto]]s, despejo de resíduos industriais e a poluição sonora oriunda de operações de [[prospecção sísmica]], [[sonar]]es e tráfego naval.<ref name="iucnredlist.org"/> O cachalote foi caçado nas águas dos arquipélagos portugueses da [[Região Autónoma da Madeira|Madeira]] e [[Açores]], respectivamente, até 1981<ref>{{Citar web|url=http://museudabaleia.com/index.php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=32|título=Origens|publicado=Museu da Baleia|arquivourl=https://archive.is/4Dls|arquivodata=12 de julho de 2012}}</ref> e 1984<ref name="horta.uac.pt">{{Citar web|sobrenome1=Prieto|nome1=Rui|sobrenome2=Cardigos|nome2=Frederico|url=http://www.horta.uac.pt/projectos/MSubmerso/old/200006/Cachalotes.htm|título=Os Cachalotes|publicado=Universidade dos Açores, Departamento de Oceanografia e Pesca|arquivodata=13 de janeiro de 2013|acessodata=16 de abril de 2022}}</ref>

== Conservação ==
[[Ficheiro:SpermWhaleLyd3.jpg|thumb|Esqueleto de um cachalote]]
=== População e caça ===
{{Artigo principal|[[Baleação]]}}
Não se conhece o número total de cachalotes actualmente existente. Estimativas muito grosseiras, obtidas de levantamentos efectuados em pequenas áreas com extrapolação para os oceanos do planeta, variam de 200 000 a 2 000 000 de indivíduos. Apesar de o cachalote ter sido caçado durante vários séculos pela sua carne, óleo e espermacete, as perspectivas sobre a conservação desta espécie são melhores que as de muitas outras baleias. Apesar de ocorrer caça em pequena escala em Lamalera na [[Indonésia]], [[São Vicente e Granadinas]], [[Santa Lúcia]] e de o [[Japão]] ter adicionado o cachalote às espécies de cetáceos caçadas ao abrigo da ''baleação científica'',<ref name="iucnredlist.org"/> a espécie encontra-se protegida em quase todo o mundo. Os pescadores não capturam as espécies de mar profundo de que os cachalotes se alimentam e os mares profundos provavelmente serão mais resistentes à poluição do que as zonas superficiais.

No entanto, a recuperação dos anos da baleação é um processo lento, particularmente no [[Oceano Pacífico|Oceano Pacífico Sul]], onde a redução do número de machos em idade de procriação foi muito acentuada.

=== Observação de cachalotes ===
Os cachalotes não são dos cetáceos mais fáceis de observar, devido aos longos tempos de mergulho e à sua capacidade de viajarem grandes distâncias debaixo de água. No entanto, devido ao seu aspecto distinto e ao seu grande porte, a sua observação está a tornar-se cada vez mais popular. Os observadores de cachalotes usam frequentemente [[hidrofone]]s para ouvir os sons produzidos pelos cetáceos e assim localizá-las antes de emergirem.


[[Imagem:SpermWhaleLyd3.jpg|thumb|Esqueleto de um cachalote]]
Entre os locais mais populares para a observação de cachalotes incluem-se: [[Kaikoura]] na [[Nova Zelândia]], [[Andenes]] e [[Tromsø]] na [[Noruega]], os [[Açores]] em [[Portugal]] e no [[Estreito de Gibraltar]] desde [[Tarifa (Espanha)]] onde podem ser observados ao longo do ano, enquanto que outras baleias apenas são observáveis durante a migração. Pensa-se que [[Dominica]] é a única ilha do [[Caribe]] com um grupo de fêmeas e crias residente durante todo o ano.


== Recordes mundiais e curiosidades do cachalote ==
== Recordes mundiais e curiosidades do cachalote ==
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# Mergulho mais profundo entre todos os [[mamífero]]s, a cerca de 2 200 metros, podendo suster a respiração por aproximadamente duas horas.
# Mergulho mais profundo entre todos os [[mamífero]]s, a cerca de 2 200 metros, podendo suster a respiração por aproximadamente duas horas.
# Animal mais ruidoso do mundo. Os sons produzidos pelo cachalote têm uma intensidade que excede os 230 [[Decibel|dB]].<ref>{{Citation |primeiro1 = B |último1 = Møhl |primeiro2 = M |último2 = Wahlberg |primeiro3 = P. T |último3 = Madsen |primeiro4 = A |último4 = Heerfordt |primeiro5 = A |último5 = Lund |título= The monopulsed nature of sperm whale clicks |periódico= J. Acoust. Soc. Am |número= 114 |páginas= 1143–53 |ano= 2003 |língua= en | título-trad = A natureza monopulsada dos cliques do cachalote}}.</ref>
# Animal mais ruidoso do mundo. Os sons produzidos pelo cachalote têm uma intensidade que excede os 230 [[Decibel|dB]].<ref>{{Citation |primeiro1 = B |último1 = Møhl |primeiro2 = M |último2 = Wahlberg |primeiro3 = P. T |último3 = Madsen |primeiro4 = A |último4 = Heerfordt |primeiro5 = A |último5 = Lund |título= The monopulsed nature of sperm whale clicks |periódico= J. Acoust. Soc. Am |número= 114 |páginas= 1143–53 |ano= 2003 |língua= en | título-trad = A natureza monopulsada dos cliques do cachalote}}.</ref>

=== Curiosidades ===
# O romance [[Moby Dick]] foi inspirado em um cachalote [[albinismo|albino]], cuja fúria era capaz de afundar navios.
# A [[Bíblia]] relata no [[livro de Jonas]] o resgate do [[Jonas (profeta)|profeta Jonas]] por um "peixe grande". Entre todos os animais conhecidos só o cachalote poderia ter conseguido tal façanha. Normalmente ele transporta seus bebês doentes na boca, que é grande como um pequeno quarto, e leva-os à tona. Nesta época cachalotes povoavam o [[mar Mediterrâneo]], o lugar dessa história. Resgates de seres humanos por cachalotes são, porém, pouco documentados, sendo o mais famoso dos relatos o de um marinheiro naufragado inglês, que teria sido salvo por um cachalote perto das ilhas [[Malvinas]] durante a [[Primeira Guerra Mundial]], de maneira igual à aplicada a Jonas segundo a Bíblia.<ref name= ":0" />
# O Prof. Edward B. Davis pesquisou cuidadosamente a origem desta "história" do marinheiro inglês relatada no item 2. acima e a publicou em 1991 no jornal ''Perspectives on Science and Christian Faith'' .Segundo diversas provas obtidas pelo professor a estória do marinheiro inglês é uma fantasia inventada e propagada por diversas pessoas, dentre as quais o criacionista e anti-evolucionista [[:en:Harry_Rimmer|Harry Rimmer]], de forma a dar credibilidade ao relato bíblico de Jonas (o artigo pode ser lido na íntegra<ref name=":0">{{citar web|URL = http://www.asa3.org/ASA/PSCF/1991/PSCF12-91Davis.html | arquivourl = https://web.archive.org/web/20021015131359/www.asa3.org/ASA/PSCF/1991/PSCF12-91Davis.html |arquivodata=2002-10-15|título = A Whale of a Tale: Fundamentalist Fish Stories |data = 2002-10-15 | prenome = Edward B | sobrenome = Davis|publicado = ASA3}}</ref>). No artigo em questão o professor diz que nunca houve um marinheiro inglês engolido por uma baleia, não havendo segundo ele portanto nenhum relato fidedigno de humanos que tenham sido engolidos por baleias.

== Ver também ==
* [[Baleação]]
* [[Baleia]]
* [[Espermacete]]
* [[Moby Dick]]


{{Referências}}
{{Referências}}

Revisão das 09h43min de 16 de abril de 2022

 Nota: Para outros significados, veja Cachalote (desambiguação).
Como ler uma infocaixa de taxonomiaCachalote
Cachalote-fêmea e seu filhote
Cachalote-fêmea e seu filhote
Comparação de tamanho com um humano médio
Comparação de tamanho com um humano médio
Estado de conservação
Espécie vulnerável
Vulnerável (IUCN 3.1) [1]
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Cetacea
Subordem: Odontoceti
Família: Physeteridae
Género: Physeter
Espécie: P. catodon
Nome binomial
Physeter catodon
Lineu, 1758
Distribuição geográfica
Distribuição do cachalote (azul)
Distribuição do cachalote (azul)
Sinónimos
[2]
  • Physeter catodon (Lineu, 1758)
  • Physeter microps (Lineu, 1758)
  • Physeter tursio (Lineu, 1758)
  • Physeter australasianus (Desmoulins, 1822)
  • Catodon australis (MacLeay, 1851)
  • Catodon colneti (Gray, 1850)
  • Catodon polycyphus (Quoy e Gaimard, 1824)
  • Catodon svineval (Lacépède, 1804)
  • Catodon trumpo (Lacépède, 1804)
  • Meganeuron krefftii (Gray, 1866)
  • Megistosaurus ensiformis (Godman, 1827)
  • Physalus cylindricus (Lacépède, 1804)
  • Physeter australis (Gray, 1846)
  • Physeter mular (Lacépède, 1804)
  • Physeter orthodon (Lacépède, 1804)
  • Physeter polycyphus (Quoy e Gaimard, 1824)

Cachalote ou cacharréu (nome científico: Physeter macrocephalus)[3][4] é a maior das baleias dentadas (odontocetos) e o maior predador com dentes. É o único membro vivo do gênero Physeter e uma das três espécies existentes na superfamília Physeteroidea, juntamente com o cachalote-pigmeu e o cachalote-anão do Kogia. É um mamífero pelágico com distribuição mundial e migra sazonalmente para alimentação e reprodução.[5] As fêmeas e os machos jovens vivem juntos em grupos, enquanto os machos maduros vivem vidas solitárias fora da época de acasalamento. As fêmeas cooperam para proteger e amamentar seus filhotes. As fêmeas dão à luz a cada quatro a vinte anos e cuidam dos bezerros por mais de uma década. Um cachalote maduro tem poucos predadores naturais, embora bezerros e adultos enfraquecidos às vezes sejam mortos por grupos de orcas (Orcinus orca).

Os machos maduros têm em média 16 metros (52 pés) de comprimento, mas alguns podem atingir 20,7 metros (68 pés), com a cabeça representando até um terço do comprimento do animal. Mergulhando a 2 250 metros (7 382 pés), é o terceiro mamífero mergulhador mais profundo, superado apenas pelo elefante-marinho-do-sul (Mirounga leonina) e pela baleia-bicuda-de-cuvier (Ziphius cavirostris).[6][7] O cachalote usa ecolocalização e vocalização tão alto quanto 230 decibéis (re 1 µPa m) debaixo d'água.[8] Tem o maior cérebro da Terra, mais de cinco vezes mais pesado que o de um humano. Os cachalotes podem viver 70 anos ou mais.[9][10][11]

O espermacete (óleo de esperma), do qual a baleia deriva seu nome, era um dos principais alvos da indústria baleeira e era procurado para uso em lamparinas, lubrificantes e velas. Âmbar cinza, um resíduo ceroso sólido às vezes presente em seu sistema digestivo, ainda é muito valorizado como fixador em perfumes, entre outros usos. Garimpeiros procuram âmbar cinza como destroços.[12] A caça de cachalotes era uma grande indústria no século XIX, retratada no romance Moby-Dick. A espécie é protegida pela moratória da Comissão Baleeira Internacional e está listada como vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN / IUCN).

Etimologia e denominação

O termo "cachalote" é de origem ibérica, mais especificamente portuguesa setecentista (cachalote ou cacholote); segundo a Real Academia Espanhola, o termo deriva de cachola, 'cabeça grande'. Os franceses, que utilizaram o termo pela primeira vez em 1628, em Saint-Jean-de-Luz, para descrever o animal tido como "o macho da baleia", pensam que cachalot deriva do gascão cachau / caichal, registrado em Carcassona no sentido de "dentes grandes".[13][14] O Dicionário Etimológico Corominas diz que a origem da palavra é incerta, mas sugere-se que venha do latim vulgar cappula, plural de cappulum, punho da espada.[15]

Os anglófonos geralmente a chamam de sperm whale, apócope de spermaceti whale ("baleia de espermacete[16]), sendo o espermacete uma substância semilíquida e cerosa encontrada no órgão homônimo que ocupa um grande volume na cabeça do animal e serve como lastro durante os mergulhos. Spermaceti significa "esperma de baleia" em latim, a substância esbranquiçada tendo sido inicialmente confundida com fluido seminal.[17] Outro nome para o animal, em francês antigo, era physétére às ​​vezes derivado de physale, que era um afrancesamento do nome científico do gênero (Physeter). O nome do gênero deriva do termo grego antigo para "soprador", construído a partir de φυσώ (physó) que significa “explodir”. Este termo, agora completamente obsoleto, encontra-se, por exemplo, sob a pena de François Rabelais na grafia Physetère nos capítulos 33 e 34 de seu Le Quart Livre de 1552 onde Pantagruel reaparece. O nome específico macrocephalus também vem do grego, construído a partir de μακρός (makrós) e κεφαλή (képhalế) e significa literalmente “cabeça grande”; sua alternativa, catodon significa “dentes na mandíbula”, do grego κατά (katá) para “abaixo” e ὀδούς (odoús) para “dente".[18]

Taxonomia

O cachalote foi categorizado pela primeira vez por Lineu, que, em 1758, reconheceu quatro espécies no género Physeter. Porém, não passou muito tempo até que os peritos concluíssem que constituíam uma única espécie. A maioria das publicações modernas classifica o cachalote como a única espécie da família Physeteridae (e como tal a única espécie no seu género). A família do cachalote é, por vezes, tratada como uma superfamília Physeteroidea.[19] Esta superfamília contém apenas mais duas espécies - o cachalote-pigmeu e o cachalote-anão. Estas duas espécies pertencem à família Kogiidae.

No entanto, Mead e Brownell[20] listam estas três espécies na família Kogiidae, designam o cachalote Physeter catodon e dispensam a superfamília.

Crê-se que o cachalote divergiu dos outros cetáceos com dentes nos primeiros tempos da evolução da subordem - há cerca de 20 milhões de anos.[21]

Anatomia e morfologia

O cachalote é excepcional pela sua grande cabeça, sobretudo nos machos, correspondendo tipicamente a um terço do comprimento total do animal. Contrastando com a pele suave da maioria dos restantes cetáceos, a pele do dorso do cachalote apresenta geralmente protuberâncias.[22] Apesar da sua cor uniformemente cinzenta, podem parecer castanhos à luz solar e há registos de cachalotes albinos brancos.[23]

Barbatana caudal de um cachalote mergulhando (foto tirada no Golfo do México; cortesia de National Marine Fishery Service)

Espermacete e âmbar cinza

Ver artigo principal: Espermacete, âmbar cinza

O espermacete é um substância cerosa encontrada na cabeça do cachalote. Este termo deriva do latim sperma ceti (com ambas palavras de origem grega) que significa esperma de baleia (ou mais exactamente esperma do monstro marinho). No entanto, o espermacete não é o esperma da baleia, mas foi erradamente identificado como tal pelos primeiros baleeiros. O espermacete é encontrado no órgão do espermacete à frente e por cima do crânio da baleia e também na parte frontal da cabeça acima da mandíbula superior. O espermacete é uma substância muito peculiar composta exclusivamente por ésteres e triglicéridos. O órgão do espermacete pode conter até 2 000 litros de espermacete.[24]

Existem outras hipóteses sobre possíveis funções do espermacete: uma delas e na qual se inspira a obra de Melville,[25] é a possibilidade de o órgão de espermacete ter evoluído como um tipo de aríete[26] para ser usado em lutas entre machos rivais. Esta hipótese é consistente com os afundamentos dos navios estado-unidenses Essex (1820) e Ann Alexander (1851)[25] devido a ataques de cachalotes com peso estimado em cerca de uma quinta parte do peso dos navios. Para além de funcionar como aríete, o órgão do espermacete também tem de funcionar como amortecedor.

Outra possibilidade é a de que o órgão do espermacete é utilizado como auxiliar na ecolocalização. A forma do órgão poderá focar ou alargar o feixe de som emitido em qualquer momento, utilizando-o, inclusive, como resposta acústica a comportamentos de selecção sexual.[27]

O âmbar cinza é uma concreção muito odorífera que se encontra no intestino de cerca de 5% dos indivíduos desta espécie, em quantidades que geralmente não ultrapassam os 10 kg.[24] Coloca-se a hipótese de os bicos afiados dos cefalópodes ingeridos e alojados no intestino do cachalote poderem levar à produção do âmbar cinza, de modo análogo à formação das pérolas. É uma substância muito apreciada como espasmolítico e fixador de perfumes.[24]

Respiração

Os cachalotes respiram ar à superfície da água através de um único espiráculo em forma de "S". O espiráculo está situado no lado esquerdo da parte frontal da cabeça. Respiram 3 a 5 vezes por minuto quando em repouso, aumentando esta frequência para 6 a 7 vezes por minuto após um mergulho. O sopro consiste de um único e ruidoso jorro de ar, gotículas de água do mar e muco (e não puramente água como a maioria das pessoas acreditam) [28] que pode elevar-se até 15 metros sobre a superfície da água, apontando para diante e para a esquerda com um ângulo de 45º.

Ecologia e comportamentos

Mergulho

Cachalote saltando nas águas dos Açores

Apesar de bem adaptados ao mergulho, a repetição de mergulhos a grandes profundidades parece ter efeitos a longo prazo sobre os cachalotes. Os esqueletos de cachalotes evidenciam destruição de tecido ósseo que, em humanos, é muitas vezes um sinal de doença de descompressão. Os esqueletos dos cachalotes mais velhos evidenciam uma destruição mais extensa, enquanto que as crias de cachalotes não apresentam quaisquer danos no tecido ósseo. Estes danos podem indicar que os cachalotes são susceptíveis à doença de descompressão, e a emersão repentina pode ser-lhes fatal.[29]

Entre mergulhos, o cachalote vem à superfície para respirar, mantendo-se mais ou menos imóvel por oito a dez minutos antes de iniciar novo mergulho. Devido às grandes profundidades atingidas durante o mergulho, os cachalotes podem por vezes afogar-se quando ficam presos em cabos submarinos.[30]

Alimentação

Um fragmento de pele de cachalote exibindo cicatrizes de ferimentos provocados por ventosas de lula-gigante

Os cachalotes são comedores prodigiosos, podendo comer cerca de 3% do seu peso diariamente. O consumo anual total de presas pelos cachalotes em todo o mundo está estimado em 100 milhões de toneladas - um número superior ao consumo humano anual total de animais marinhos.[31]

Organização social

O cachalote é uma espécie extremamente social. As fêmeas adultas formam grupos sociais, com juvenis e crias, distribuídos pelas águas tropicais e subtropicais. Os machos abandonam a sua família de origem cerca dos seis anos de idade, deslocando-se para latitudes mais altas, onde crescem geralmente em associação com outros machos imaturos. Quando se tornam sexualmente activos, cerca dos 25 anos de idade, abandonam os seus grupos de solteiros e tornam-se solitários. Ao atingirem a maturidade física, cerca dos 30 anos, migram periodicamente para as águas tropicais em busca de fêmeas.[32]

Os grupos sociais dedicam grande parte do seu tempo aos longos mergulhos em busca de alimento, os quais parecem ser sincronizados e coordenados. As crias que não podem mergulhar, são deixadas sozinhas à superfície ou na companhia da mãe ou de uma ama - uma outra fêmea do grupo.[32]

Ameaças

Apesar de a baleação com navios-fábrica ter sido proibida em 1979, a ameaça humana ao cachalote não desapareceu. O Japão adicionou o cachalote às espécies de cetáceos caçadas ao abrigo de baleação científica. Os produtos obtidos desta baleação acabam por ser vendidos em mercado aberto no Japão, país em que a carne de baleia é muito apreciada.[33][34] Outras ameaças são as colisões com grandes embarcações, a prisão em redes de pesca,[35] ingestão de resíduos sólidos como plásticos, derrames de hidrocarbonetos, despejo de resíduos industriais e a poluição sonora oriunda de operações de prospecção sísmica, sonares e tráfego naval.[35] O cachalote foi caçado nas águas dos arquipélagos portugueses da Madeira e Açores, respectivamente, até 1981[36] e 1984[16]

Esqueleto de um cachalote

Recordes mundiais e curiosidades do cachalote

O cachalote é detentor de alguns recordes do mundo natural:

  1. Maior mamífero com dentes que se conhece, atualmente.[37]
  2. Maior cérebro entre todas as espécies vivas da Terra, com um peso médio de 7 kg sendo conhecidos espécimes com cérebro pesando 9 kg.[38]
  3. Maior carnívoro da Terra.[39]
  4. Mergulho mais profundo entre todos os mamíferos, a cerca de 2 200 metros, podendo suster a respiração por aproximadamente duas horas.
  5. Animal mais ruidoso do mundo. Os sons produzidos pelo cachalote têm uma intensidade que excede os 230 dB.[40]

Referências

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  2. «Physeter macrocephalus Linnaeus 1758 (sperm whale)». Fossilworks. Consultado em 16 de abril de 2022 
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  23. Moby Dick, um cachalote macho albino, baseia-se num cachalote albino descrito por (em inglês) Reynolds, J. N. em "Mocha Dick, or The White Whale of the Pacific: A Leaf from a Manuscript Journal" (Maio, 1839)
  24. a b c Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome secem.es
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Bibliografia

Ligações externas

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