Berimbau
| Berimbau Hungu |
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![]() Berimbaus |
O berimbau(português brasileiro) ou hungo(português angolano) é um instrumento de corda com origem em Angola e tradicional da Bahia.[1][1]
Este instrumento foi levado pelos angolanos escravizados para o Brasil onde passou a ser utilizado para acompanhar a dança/luta/esporte acrobático chamado capoeira.[1]
O instrumento é tema de uma canção popular do violonista brasileiro Baden Powell, com letra composta por Vinicius de Moraes. Considerado um dos maiores percussionistas do planeta, o músico Naná Vasconcelos, de Pernambuco, especializou-se em instrumentos de origem africana, em especial o berimbau, inclusive expandindo a sua técnica. Preservado na Bahia até o presente, o berimbau sempre foi um suvenir no estado, vendido aos turistas muito mais como adorno que como instrumento — colorido e enfeitado, bem diferente daquele que os capoeiristas utilizam.[carece de fontes]
Etimologia
[editar | editar código]"Berimbau" origina-se do termo quimbundo mbirimbau.[2] "Urucungo" origina-se do termo quimbundo ri'kungu, que significa "cova". É uma referência à cavidade do berimbau.[3]
Também conhecido como berimbau de peito em Portugal e hungu na África. No sul de Moçambique, tem o nome de xitende. É também conhecido entre os angolanos como m'bolumbumba, e utilizado pelos ambundos, ovambos, nhaneca-humbes e coissãs.[4]
Descrição
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É constituído por uma vara em arco, de madeira ou verga, com comprimento aproximado de 1,50 metros a 1,70 metros e um fio de aço (arame) preso nas extremidades da vara. Na sua base, é amarrada uma cabaça (Lagenaria siceraria) ou um coité (da planta Crescentia cujete), sendo mais comum a cabaça com o fundo cortado, que funciona como caixa de ressonância. O tocador de hungo usa a mão esquerda para sustentar o conjunto e pratica um movimentos de vai e vem contra o ventre, utilizando uma pedra ou uma moeda (dobrão), para pressionar o fio. A mão direita, com uma varinha, percute a corda. É usado, também, o caxixi, que é um pequeno chocalho preso aos dedos do tocador.
História
[editar | editar código]O berimbau é uma adaptação dos arcos musicais africanos feitos de cabaça, já que nenhum povo indígena brasileiro ou europeu utiliza arcos musicais.[5][6] Segundo o musicólogo Gerard Kubik, o berimbau e a “variedade do sudoeste angolano chamada mbulumbumba são idênticos em construção e técnica de execução, bem como em afinação e em vários padrões básicos tocados”.[7] A assimilação desse instrumento angolano é evidente também em outros termos bantos usados para arco musical no português brasileiro, incluindo urucungo e madimba lungungu.
Em 1859, o jornalista francês Charles Ribeyrolles descreveu práticas livres de escravizados em uma fazenda na província do Rio de Janeiro, associando o berimbau ao batuque:
“No sábado à noite, após a última tarefa de trabalho da semana, e nos feriados que proporcionam ócio e descanso, os negros têm uma ou duas horas da noite para dançar. Reúnem-se no seu terreiro, chamando, juntando e incitando uns aos outros, e a festa começa. Aqui está a capoeira, uma espécie de dança pírrica, com ousadas evoluções de combate, regulada pelo tambor do Congo; ali está o batuque, com suas posturas frias ou indecentes que o urucungo, viola de cordas finas, acelera ou contém; mais adiante, é uma dança frenética onde o olhar, os seios e os quadris provocam. É uma espécie de convulsão embriagada que se chama lundu.”[8]
O berimbau apareceu pela primeira vez como instrumento de acompanhamento da capoeira no início do século XX, na Bahia.[9] O berimbau passou lentamente a substituir o tambor como instrumento central do jogo de capoeira, função pela qual é hoje famoso e amplamente associado.[7]
Na Capoeira
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O berimbau é um elemento fundamental na capoeira, sendo reverenciado pelos capoeiristas antes de iniciarem um jogo. Alguns o consideram um instrumento sagrado. Ele comanda a roda de capoeira, dita o ritmo e o estilo de jogo. São dados nomes às variações de toques mais conhecidas, e quando se toca repetidamente um mesmo toque, diz-se que está jogando a capoeira daquele estilo. As variações mais comuns são "Angola" e "São Bento Grande".
Na capoeira, até três berimbaus podem ser tocados conjuntamente, cada um com uma função mais ou menos definida.
- O gunga toca a linha grave, raramente com improvisações. O tocador de berra-boi no começo de uma roda de capoeira geralmente é seu líder, sendo seguido pelos outros instrumentos. O tocador principal do gunga geralmente também lidera a cantoria, além de convidar os jogadores ao "pé do berimbau" (para inciarem o jogo).
- o médio complementa o gunga. Por exemplo, enquanto o gunga toca um padrão simples de oito unidades, o médio pode tocar uma variação de dezesseis unidades. O diálogo entre o gunga e o médio caracteriza o toque. No toque São Bento Pequeno, o médio inverte a melodia do gunga, com alguma improvisação.
- O viola toca a maioria das improvisações dentro do ritmo definido pelos outros dois. O tocador do violinha harmoniza e quebra para acentuar as músicas.
Não há muitas regras formais no toque do berimbau na capoeira, sendo que cada mestre de roda determina a interação entre seus músicos. Alguns preferem todos os instrumentos em uníssono, ao passo que outros dividem os tocadores entre iniciantes e avançados, requerendo dos últimos variações mais complexas.
A afinação na capoeira é escassamente definida. O berimbau é um instrumento microtonal, e pode ser afinado na mesma altura, variando apenas no timbre. A nota baixa do médio é afinada com a nota alta do gunga, o mesmo se procedendo em relação ao violinha para com o médio. Outros gostam de afinar o instrumento em quarteto (dó-fá-si) ou em tríade (dó-mi-sol). No geral, a afinação depende da aprovação do mestre de roda.
Em 1826, o artista francês Jean-Baptiste Debret retratou um tocador de berimbau em "Joueur d'Uruncungo".
Categorias
[editar | editar código]Entre os capoeiristas, há uma divisão em subtipos de berimbau.
- Gunga ou berra-boi: tom mais grave.
- médio: tom médio.
- violinha ou viola: tom mais alto.
Essas categorias relacionam-se ao som, não ao tamanho. A qualidade de um berimbau não depende do comprimento do arco nem do tamanho da cabaça, mas sim do diâmetro e resistência do arco e da qualidade sonora da cabaça.
O berimbau de som mais grave conhecido por gunga também é chamado de berra-boi. Sendo que os dois capoeiristas mais antigos da atualidade, Mestre Ananias e Mestre João Grande utilizam a denominação de Gunga.
Toques
[editar | editar código]As variações dos toques (ritmos) do berimbau são inúmeras, entre elas:
- Angola: não toca a última batida da sequência básica
- São Bento Pequeno (ou Angola Invertido): similar ao Angola, mas com os tons altos e baixos invertidos ; geralmente tocado com o berimbau médio, enquanto se toca o toque Angola no berimbau mais grave.
- São Bento Grande de Bimba (ou Regional): inventado por Mestre Bimba, geralmente tocado em um padrão de duas barras.
- São Bento Grande de Angola: adiciona uma batida extra ao toque São Bento Pequeno. São Bento Grande possui ainda uma variação regional.
- Iúna: toque para reverenciar aos antepassados.
- Cavalaria: usado no passado para avisar os capoeiristas da aproximação de policiais — existem variações.
- Santa Maria: uma transcrição em quatro barras dos corridos "Santa Maria" e "Apanha Laranja no Chão Tico Tico".
- Benguela: (xxL.H.H.)
Entre outros toques, destacam-se o Idalina e o Amazonas, todos derivados do padrão básico da capoeira.
Capoeiristas também tocam samba antes ou depois de jogarem capoeira, com toques próprios, derivados do samba de roda.
Notação
[editar | editar código]A maioria dos toques de capoeira deriva de uma estrutura básica de oito unidades
- Legenda
. = pausa
x = zumbido
L = tom baixo
H = tom alto
(...) = compasso de 2 ou 4 batidas, 8 a 16 subdivisões/unidades
(..|..) = dois ou mais compassos
(Nota: todos os caracteres possuem o mesmo tempo)
A Técnica do Berimbau na Capoeira
[editar | editar código]Segura-se o berimbau com uma das mãos, à altura da cabaça; com a mesma mão, segura-se a moeda ou uma pedra de areia lavada que, durante o toque do instrumento, será, várias vezes, pressionada contra o arame, de forma a modificar o tom do berimbau. A cabaça posiciona-se à altura do abdome do tocador, pois este modifica-lhe o som, quando aproxima ou afasta a cabaça de seu corpo. Com a vareta na outra mão, executam-se as batidas no arame; e, na mesma mão da vareta, o tocador segura o caxixi, de forma a preencher o som da batida da vareta com o som do caxixi: uma espécie de chocalho.
Como arma
[editar | editar código]Mestre Pastinha recorda que os capoeiristas, durante o período de proibição, costumavam prender uma foice de lâmina dupla ao instrumento, transformando-o em uma arma mortal quando necessário:
“No momento da verdade, deixava de ser um instrumento musical e se transformava em uma foice de mão.”[10]
Mestre Noronha também afirmava que o berimbau era uma arma muito útil para os antigos mestres de capoeira da década de 1920 que resistiam à repressão policial. O berimbau era usado como arma tanto com uma das extremidades afiada quanto com uma lâmina presa a uma das pontas, tornando-o a arma de maior alcance da capoeira.[7]
A prática de esconder armas dentro de instrumentos musicais remonta pelo menos ao início do século XIX. Em 16 de novembro de 1832, o inspetor de polícia do Rio relatou que os capoeiras escondiam lanças e armas em marimbas e pedaços de cana-de-açúcar.[9]
Instrumentos similares
[editar | editar código]Os siddis, da Índia, são descendentes de imigrantes oriundos da África Oriental. Eles tocam um instrumento parecido com o berimbau chamado malunga.
Mídia
[editar | editar código]Ver também
[editar | editar código]Referências
- ↑ a b c FRUNGILLO, Mário D. (2003). Dicionário de percussão. [S.l.]: Editora UNESP. p. 39. 425 páginas. ISBN 8571394482. Consultado em 29 de setembro de 2010
- ↑ FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.250
- ↑ FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.1 743
- ↑ ANGOP. «Museu de Antropologia acolhe amostra de instrumentos musicais». 8 de janeiro de 2007. Consultado em 5 de maio de 2010. Cópia arquivada em 7 de dezembro de 2024
- ↑ «Musical bow». music.africamuseum.be. Consultado em 9 de novembro de 2025. Cópia arquivada em 10 de agosto de 2025
- ↑ Afolayan, Funso (30 de abril de 2004). Culture and Customs of South Africa (em inglês). [S.l.]: Bloomsbury Academic. Consultado em 9 de novembro de 2025. Cópia arquivada em 8 de março de 2025
- ↑ a b c Desch-Obi, Thomas J. (2008). Fighting for Honor: The History of African Martial Art Traditions in the Atlantic World. University of South Carolina Press. ISBN 978-1-57003-718-4.
- ↑ Assunção, Matthias Röhrig (2002). Capoeira: The History of an Afro-Brazilian Martial Art. Routledge. ISBN 978-0-7146-8086-6.
- ↑ a b Talmon-Chvaicer, Maya (2008). The Hidden History of Capoeira: A Collision of Cultures in the Brazilian Battle Dance. University of Texas Press. ISBN 978-0-292-71723-7.
- ↑ Capoeira, Nestor (2007). The Little Capoeira Book. Blue Snake Books. ISBN 9781583941980.
Ligações externas
[editar | editar código]- Como surgiu o berimbau?, na revista Superinteressante.
- Beat! Percussion Fever. "Berimbau"


