Revolução Russa de 1905
A Revolução Russa de 1905 foi um movimento espontâneo, antigovernamental, que se espalhou por todo o Império Russo, aparentemente sem liderança, direção, controle ou objetivos muito precisos. Geralmente é considerada como o marco inicial das mudanças sociais que culminaram com a Revolução de 1917.
Índice
Antecedentes[editar | editar código-fonte]
Já antes de 1905, o Império Russo passava por uma grave crise política. Desde a emancipação dos servos (1861), o país vivia uma rápida transição do feudalismo para o capitalismo. Os servos haviam sido libertados e passaram a ter o direito de comprar as terras onde trabalhavam. Entretanto, o ressarcimento devido aos seus senhores, como compensação dos direitos recém-adquiridos, levaram-nos, na prática, a permanecer na mesma situação de miséria.
A construção da Ferrovia Transiberiana e as mudanças econômicas levadas adiante por Sergei Witte atraíram o capital estrangeiro e estimularam uma rápida industrialização nas regiões de Moscou, São Petersburgo, Baku, bem como na Ucrânia, suscitando a formação de um operariado urbano e o crescimento da classe média. Essas classes eram favoráveis a reformas democráticas no sistema político. Entretanto, a nobreza feudal e o próprio czar procuraram manter o absolutismo russo e sua autocracia intactos a qualquer custo.
Finalmente, o desempenho desastroso das forças armadas russas na Guerra Russo-Japonesa (1904 - 1905) intensificou essas contradições e precipitou os acontecimentos, sendo essa derrota considerada como causa imediata da Revolução de 1905. [nota 1]
Domingo Sangrento[editar | editar código-fonte]


No domingo do dia 22 de janeiro de 1905 (9 de janeiro, segundo o calendário juliano[nota 2], vigente no país, na época), foi organizada uma manifestação pacífica e em marcha lenta de um milhão e meio de pessoas, liderada pelo padre ortodoxo e membro da Okhrana, Gregori Gapone, com destino ao Palácio de Inverno do czar Nicolau II, em São Petersburgo, com o objetivo de entregar uma petição, assinada por cerca de 135 mil trabalhadores, reivindicando direitos ao povo, como reforma agrária, tolerância religiosa, fim da censura , a presença de representantes do povo no governo e melhores condições de vida.[nota 3] Segundo algumas fontes, durante a caminhada, eram cantadas músicas religiosas, e também a canção nacional “Deus Salve o Czar”.
A petição começava assim:
“ | Senhor – Nós, operários residentes da cidade de São Petesburgo, de várias classes e condições sociais, nossas esposas, nossos filhos e nossos desamparados velhos pais, viemos a Vós, Senhor, para buscar justiça e proteção. Nós nos tornamos indigentes; estamos oprimidos e sobrecarregados de trabalho, além de nossas forças; não somos reconhecidos como seres humanos, mas tratados como escravos que devem suportar em silêncio seu amargo destino. Nós o temos suportado e estamos sendo empurrados mais e mais para as profundezas da miséria, injustiça e ignorância. Estamos sendo tão sufocados pela justiça e lei arbitrária que não mais podemos respirar. Senhor, não temos mais forças! Nossas resistências estão no fim. Chegamos ao terrível momento em que é preferível a morte a prosseguir neste intolerável sofrimento.[3] | ” |
O grão-duque Sergei Alexandrovitch ordenou à guarda do czar que não permitisse que povo se aproximasse do palácio e que dispersasse a manifestação. Entretanto a massa não recuou. A guarda, então, disparou contra a multidão. A manifestação rapidamente se dispersou, foi um massacre e apesar de não se saber quantos haviam sido mortos, sabia-se, por certo, “que uma época da história russa havia concluído abruptamente e uma revolução começara”.[4]
A população indignou-se com a atitude do czar, que, até então, era bem visto por seus súditos. O episódio ficou conhecido como "Domingo Sangrento" e foi o estopim para o início do movimento revolucionário.
A Revolução[editar | editar código-fonte]
Os vários grupos sociais descontentes com a situação da Rússia se mobilizaram para protestar. Cada grupo tinha seus próprios objetivos, e mesmo dentro de uma mesma classe social, não havia direção geral. Os principais grupos descontentes eram os camponeses, por motivos econômicos; os trabalhadores urbanos, também por motivos econômicos e contra a desigualdade; os intelectuais e liberais, que reivindicavam direitos civis; as forças armadas (economia) e as nacionalidades minoritárias, que reivindicavam liberdade cultural e política.
O movimento no campo[editar | editar código-fonte]
Os distúrbios se estenderam por todo o ano, atingindo picos de agitação no início do verão e no outono, culminando em novembro. Arrendatários queriam aluguéis mais baixos; trabalhadores contratados exigiam melhores salários; pequenos proprietários queriam mais terras.
As atividades variaram desde ocupações de terra, algumas vezes seguidas de violência e incêndio, pilhagem das grandes propriedades e caça e desmatamento em áreas proibidas. Na região de Samara os camponeses criaram sua própria república, que foi sufocada por tropas do governo. O nível de animosidade de cada região era diretamente proporcional às condições dos camponeses. Os com-terra de Livland e Kurland atacaram e queimaram, enquanto outros, que viviam nos distúrbios de Grodno, Kovno e Minsk, com melhores condições de vida, foram menos violentos. No total, 3 228 distúrbios necessitaram de intervenção militar para restaurar a ordem, e os proprietários sofreram prejuízos de aproximadamente 29 milhões de rublos.
O movimento nas cidades[editar | editar código-fonte]
Os trabalhadores urbanos usaram a greve como instrumento de luta. Houve imensas greves em São Petersburgo, imediatamente após o Domingo Sangrento. Mais de 400 000 trabalhadores estavam parados ao final de janeiro.
A ação rapidamente se alastrou para outros centros industriais na Polônia, Finlândia e na costa báltica. Em Riga, 80 militantes foram mortos em 13 de janeiro e alguns dias depois, em Varsóvia, 100 grevistas foram alvejados nas ruas. Em fevereiro havia greves no Cáucaso e, em abril, nos Urais e mesmo além. Em março, todas as instituições acadêmicas foram obrigadas a fechar as portas pelo resto do ano, fazendo com que muitos estudantes radicais se juntassem aos trabalhadores grevistas. Uma greve dos ferroviários, no dia 8 de outubro, rapidamente se transformou em greve geral, em São Petersburgo e em Moscou. A 13 de outubro, mais de 2 milhões de trabalhadores estavam em greve e praticamente não havia mais estradas de ferro em funcionamento.
Os soviéticos de São Petersburgo[editar | editar código-fonte]
A ideia de se criar conselhos operários (os sovietes), como forma de coordenar as várias greves, nasceu durante as reuniões de trabalhadores, no apartamento de Voline (que mais tarde tornar- se-ia um conhecido anarquista), no início do movimento de 1905. Dessas reuniões nasceu o primeiro soviete de São Petersburgo, cujo primeiro presidente foi Khrustalyov-Nosar, também conhecido como Georgy Nosar ou Pyotr Khrustalyov (1877-1918). Entretanto, suas atividades foram rapidamente paralisadas pela repressão do governo.
Mas durante a greve geral, o soviete voltou a funcionar e passou a ser conhecido como o "Soviete de Representantes Operários". A reunião constituinte aconteceu em 13 de outubro no prédio do Instituto Tecnológico de São Petersburgo e contou com quarenta representantes. O soviete chegou a ter de 400 a 500 membros, eleitos por aproximadamente 200 000 trabalhadores e representando cinco sindicatos e 96 fábricas da região.
Inicialmente, seus membros eram trabalhadores politicamente conscientes, mas, rapidamente, o soviete foi dominado por grupos radicais. Os bolcheviques foram os mais influentes, enquanto os mencheviques permaneceram em minoria.
Entrementes, Leon Trótski voltou do exílio e quando Nosar foi preso, Trotsky assumiu seu lugar e rapidamente alterou a agenda da organização. Sob sua liderança pragmática, os grevistas foram chamados a voltar ao trabalho, porque temia-se que a greve desse ao governo uma desculpa para aumentar a repressão.
O trabalho do soviete consistiu na organização das greves e no fornecimento de suprimentos para os trabalhadores. Na prática, a política do soviete permaneceu moderada, sendo que as ações mais extremas foram o apelo aos trabalhadores para que se recusassem a pagar impostos e que sacassem seu dinheiro dos bancos. Sua influência em São Petersburgo era com certeza maior do que a do governo imperial durante a revolução, mas sua eficácia foi limitada. A greve geral de outubro de 1905 ocorreu espontaneamente sem a intervenção do soviete, e sua tentativa de convocar uma nova greve geral em novembro falhou. Suas atividades voltaram a cessar em 3 de dezembro, quando seus líderes, incluindo Trotsky, foram presos e acusados de preparar uma rebelião armada.
Mais tarde, por razões políticas, os bolcheviques falsificaram a história de sua criação, mudando a data de criação do primeiro soviete para o período da Greve de Outubro - quando Trotsky desempenhou um papel importante - e atribuiu a iniciativa de sua criação a um dos grupos social-democratas, sem atribuição de filiação de partidária.
A Revolta do Couraçado Potemkin[editar | editar código-fonte]
O couraçado Potemkin (em russo: Потемкин; pronuncia-se Patiomkin), cujo nome completo era Knyaz' Potyomkin Tavricheski (Князь Потемкин Таврический), foi um navio de guerra pré-encouraçado (Броненосец) da frota russa do mar Negro. Foi construído nos estaleiros de Nikolayev, em 1898, passando a operar em 1904. O nome é uma homenagem a Grigori Aleksandrovich Potemkin, um militar do século XVIII.
No mesmo ano, a tripulação do navio amotinou-se em razão das péssimas condições em que viviam no navio, sobretudo da péssima alimentação (carne podre estava sendo servida aos marinheiros, nas refeições), e por ter sido informada que seria enviada para lutar contra os japoneses.
Os demais navios da esquadra não aderiram à revolta do Potemkin, o que fez com que os tripulantes buscassem refúgio na Romênia. De qualquer forma, tratava-se de um motim em uma grande unidade da marinha russa, evidenciando que as Forças Armadas já não podiam ser consideradas sustentáculos fiéis da monarquia.
A revolta dos marinheiros foi retratada no filme Bronenosets Potyomkyn (em cirílico, Броненосец Потемкин), em português, Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein, lançado em 1925.
Resultados[editar | editar código-fonte]
Em outubro de 1905, para tentar remediar a situação, o czar Nicolau II relutantemente lançou o famoso "Manifesto de Outubro", que permitiu a criação de uma Duma (parlamento) nacional e a existência de partidos políticos, destacando-se o Partido Social-Democrata, que se havia dividido em 1903, dando origem ao Partido Menchevique, em minoria, mais moderado e que defendia uma reforma gradual com o apoio da burguesia, e o Partido Bolchevique, que detinha a maioria, era mais radical e defendia uma ação revolucionária.
Estas medidas surtiram escasso efeito, visto que os partidos eram sistematicamente vigiados e a Duma era controlada pela aristocracia e pelo czar, que podia dissolvê-la a qualquer momento.

Os grupos moderados se satisfizeram, mas os socialistas rejeitaram as concessões como insuficientes e tentaram organizar novas greves. Ao fim de 1905, os reformadores estavam lutando entre si. Graças a essas divergências, o czar teve sua posição relativamente fortalecida.
Vale observar que, após o término da guerra contra o Japão, as tropas russas, que desconheciam as atitudes do czar contra o povo, retornaram ao país e, a mando do soberano, reprimiram o movimento. Muitos líderes oposicionistas foram presos ou exilados, e os sovietes colocados na ilegalidade e fechados. As promessas feitas pelo manifesto de outubro foram deixadas de lado, com exceção da Duma, que continuou a funcionar. A revolução de 1905 havia fracassado. O czar se havia reabilitado. Entretanto, havia perdido o apoio popular de que dispunha até 1905. As massas russas viam o czar como um pai, um monarca benévolo que protegeria o povo quando viesse a saber da sua miséria - pois, acreditava-se, era mantido na ignorância pela nobreza corrupta e gananciosa que o cercava.
Após o Domingo Sangrento, esse pensamento desapareceu. Como poderia o czar ter ignorado o martírio de seu povo justo em frente à sua residência? No longo prazo, o Domingo Sangrento se somou a outros fatores que faziam crescer o descontentamento da população para com o regime vigente. O clímax desse processo seria atingido anos depois, durante a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, e que resultaria na Revolução Russa de 1917.
Ver também[editar | editar código-fonte]
Notas
- ↑ A revolução de 1905 surgiu diretamente da guerra russo-japonesa, assim como a revolução de 1917 foi a conseqüência direta do grande massacre imperialista.[1]
- ↑ A Rússia continuou a usar o calendário juliano até à Revolução Russa de 1917, que se chamou "Revolução de Outubro" mas ocorreu em novembro segundo o calendário gregoriano. Na parte leste do país a mudança só foi feita em 1920.
- ↑ As camadas menos preparadas e mais atrasadas da classe operária, que acreditavam ingenuamente no tsar e desejavam com sinceridade entregar pacificamente «ao próprio tsar» as reivindicações do martirizado povo, todas elas receberam uma lição da força militar dirigida pelo tsar ou pelo tio do tsar, o grão-duque Vladímir. [2]
Referências
- ↑ Leon Trotsky, A Revolução de 1905 http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1907/rev_1905/prefacio.htm
- ↑ V. I. Lenin:O Começo da Revolução na Rússia http://www.marxists.org/portugues/lenin/1905/01/25.htm
- ↑ Apud BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. 9 ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 236.
- ↑ Idem, ibidem, p. 237.
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
- CARR, E. H. The Bolshevik Revolution 1917-1923. v. 1, Pelikan Books, 1977.
- LÊNIN, V. I. 1905 – Jornadas Revolucionárias. Editora História, 1980.
- TROTSKY, L. A Revolução de 1905. Coleção Bases, Global Editora.
- TROTSKY, L. Mi Vida. Editorial Pluma, 1980.
- Arno J Meyer, The Furies: Violence and Terror in the Russian Revolutions, 2002.