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Lei de Bragg

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Em física do estado sólido, a Lei de Bragg está relacionada ao espalhamento de ondas que incidem em um cristal e fornece uma explicação para os efeitos difrativos observados nesta interação. Estes padrões são explicados relacionando os vetores de onda do feixe incidente e espalhado em uma rede cristalina para o caso de seu espalhamento elástico com os átomos do material.

No caso de ondas de raios X, ao atingirem um átomo, o campo elétrico da radiação provoca uma força na nuvem eletrônica acelerando as cargas livres do material (elétrons). O movimento dessas cargas re-irradia ondas que têm aproximadamente a mesma frequência, uma vez que o espalhamento não é totalmente elástico, podendo haver interações de criação e aniquilação de fônons, porém em uma escala de energia muito menor. Nesse modelo, as frequências da radiação incidente e espalhada são consideradas idênticas. As ondas emergentes interferem entre si construtiva e destrutivamente, gerando padrões de difração no espaço que podem ser medidos em um filme ou detector. O padrão de difração resultante é a base da análise difrativa, chamada difração de Bragg.

Representação esquemática da estrutura cristalina do cloreto de sódio.

A difração de Bragg (também chamada de formulação de Bragg da difração de raios X) foi proposta originalmente por William Lawrence Bragg e William Henry Bragg em 1913, em resposta à descoberta de que sólidos cristalinos produziam padrões intrigantes de reflexão de raios x (ao contrário, por exemplo, de um líquido). Eles descobriram que esses cristais, para alguns comprimentos de onda e ângulos de incidência específicos, produziam intensos picos de radiação refletida (conhecidos como picos de Bragg). O conceito de difração de Bragg se aplica igualmente a processos de difração de nêutrons e de elétrons[1]. Tanto os nêutrons quanto os raios X possuem comprimento de onda compatível com as distâncias interatômicas - da ordem de 150 pm - e, portanto, constituem uma excelente ferramenta para se explorar dimensões com essa ordem de grandeza.

W.L. Bragg explicou esse resultado empírico modelando o cristal como um conjunto de planos discretos, paralelos e separados por uma distância constante d, propondo que a radiação incidente produziria um pico de Bragg se as reflexões especulares de vários planos interferissem construtivamente, ou seja, se a diferença de fase entre as frentes de onda refletidas por planos consecutivos fosse de radianos.

A lei de Bragg foi derivada pelo físico Sir William Lawrence Bragg.[2] em 1912 e apresentada pela primeira vez em 11 de novembro desse mesmo ano à Sociedade Filosófica de Cambridge. Embora simples, a lei de Bragg confirmou a existência de partículas reais na escala atômica, e forneceu uma nova e poderosa ferramenta para o estudo de cristais utilizando difração de raios X e nêutrons. William Lawrence Bragg e seu pai, Sir William Henry Bragg, foram laureados com o Prêmio Nobel de física em 1915 por seu trabalho em determinar estruturas cristalinas, a começar pelo cloreto de sódio, o sulfeto de zinco e o diamante. Eles são a única equipe formada por pai e filho a ganhar o prêmio conjuntamente. W.L. Bragg tinha 25 anos de idade, o que faz dele o mais jovem laureado pela Academia Real das Ciências da Suécia.

Condição de Bragg

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Modelo de Bragg em duas dimensões
Modelo de Bragg em duas dimensões: A diferença de caminho óptico entre os dois raios é , onde é a distância entre os planos considerados e , o ângulo de incidência.

A periodicidade do cristal faz com que haja planos de átomos separados por uma distância fixa nas diferentes direções do espaço. A difração de Bragg ocorre quando a radiação eletromagnética ou ondas de matéria de comprimento de onda comparável à distância entre dois planos de átomos é refletida especularmente por planos consecutivos.

Nota-se que partículas em movimento, incluindo elétrons, prótons e nêutrons têm um comprimento de onda associado de de Broglie dado por:

.

Nessa expressão, é o momento linear da partícula.

A próxima equação é conhecida como Lei de Bragg. Para que haja uma diferença de fase entre dois raios igual a radianos, é necessária a condição

onde é um número natural não nulo, é o comprimento de onda da radiação incidente, é a distância entre planos atômicos e é o ângulo de incidência em relação ao plano considerado. Dessa maneira, existe uma dependência entre o ângulo de incidência e a intensidade da onda refletida. Como cada plano reflete de a do total da radiação incidente, há de a planos contribuindo para a reflexão total. Se os raios refletidos estão fora de fase, a soma das muitas contribuições (reflexões por planos diferentes) tenderá a zero, de maneira que podem ser observados picos localizados nos ângulos em que a condição de Bragg é satisfeita[3].

Densidade eletrônica

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Análise de Fourier

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Para melhor compreender o comportamento da onda espalhada, pode ser tomado como modelo um cristal perfeito, formado por uma célula primitiva que se repete no espaço. A descrição matemática do cristal é invariante sob uma translação espacial:

.

Nessa expressão os são números inteiros e os vetores são os vetores associados aos eixos do cristal, cujas magnitudes são as distâncias entre sítios (pontuais) da rede nas direções . Todas as propriedades locais do cristal, como densidade de momento magnético, concentração de carga ou densidade eletrônica, serão invariantes sob uma translação da forma para qualquer combinação de [4]

.

Essa periodicidade permite que se faça uma expansão da densidade eletrônica em série de Fourier. Considerando primeiro apenas uma componente dimensional, vem:

.

Nessa expressão e são constantes reais e . É imediato que

.

Um ponto é um ponto no chamado espaço recíproco do cristal. Os coeficientes da expansão serão tais que apenas os termos que condizem com a periodicidade do cristal no espaço real (das posições) poderão ser diferentes de zero.

É conveniente escrever a soma como uma exponencial complexa através da relação de Euler:

Com essa notação, a expansão pode ser escrita como

.

Nessa expressão o somatório percorre todos os valores inteiros de p. O termo agora é, em geral, um número complexo e, portanto, é necessário impor uma condição que faça com que seja uma função real como originalmente. A condição

faz com que

,

que é uma função real.

Estender o argumento para três dimensões é algo direto:

.

O somatório triplo foi omitido para preservar a clareza da expressão, mas é importante lembrar que a soma é realizada sobre todos as combinações possíveis de (definido na próxima subseção). Assim, é necessário encontrar um conjunto de vetores que satisfaçam a relação de invariância por translação .

Tendo a expressão para a expansão de Fourier para densidade eletrônica, é possível obter os coeficientes da expansão em uma dimensão por meio de

.

Substituindo a expressão expandida para na integral acima, vem:

.

O caso faz com que o valor da integral seja

,

pois é um inteiro e . No caso , , de maneira que o valor da integral é e . De maneira semelhante, pode ser invertido o caso tridimensional, obtendo

.

Nesse caso a integração é realizada sobre uma célula primitiva e é o volume da mesma.

Rede recíproca

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Podemos construir, a partir dos vetores da base , a base da rede recíproca[5]

ou de forma condensada, utilizando o tensor ou símbolo de Levi-Civita,

Por análise vetorial simples temos

onde é o delta de Kronecker.

Definimos como sendo um vetor da forma

,

onde os são números inteiros e os são a base da rede recíproca. Estamos agora em condições de descrever a periodicidade de combinando a definição de e a expansão em coeficientes de Fourier de :

O termo à direita pode ser escrito como

e como todos os são inteiros e a exponencial de vezes um número inteiro é um, obtemos o resultado desejado, isto é, a invariância da densidade eletrônica, pois

.

Amplitude de Espalhamento

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Definimos a amplitude de espalhamento como sendo uma função que depende da densidade eletrônica e dos vetores de ondas incidente e refletido e , a princípio ondas planas monocromáticas:

.

As integrais são realizadas sobre o volume do cristal inteiro. Embora tenhamos considerado um modelo onde o cristal é perfeito e infinito, uma amostra macroscópica é aproximadamente infinita se comparadas as suas dimensões com as distâncias interatômicas de uma rede cristalina, da ordem de metros[6]. O vetor de onda incidente tem a mesma energia que o vetor difratado, conforme a condição de espalhamento elástico considerando a rede cristalina como muito massiva e imóvel. A condição de conservação de energia é


.

Definimos o vetor de espalhamento como sendo

,

de maneira que a expressão anterior se torna

.

Introduzimos agora a expansão em série de Fourier para nessa expressão para obter


.

Quando o vetor de espalhamento é igual a algum vetor da rede recíproca, isto é,

,

a exponencial é nula e

.

Quando o vetor de espalhamento difere significantemente de qualquer vetor da rede recíproca, o grande número de oscilações da exponencial devido à variação de dentro da integral faz com que rapidamente tenda a zero.

Podemos reescrever a relação entre os vetores de onda e os vetores da base recíproca utilizando a definição do vetor de espalhamento

.

Pela conservação da energia, obtivemos que as magnitudes dos vetores devem ser iguais. Portanto, tomando o produto escalar dos dois lados:



Portanto,

.

ou ainda

.

Pelas definições de rede recíproca, é possível mostrar que, se é um vetor da rede recíproca, então também é. Isso faz com que seja possível escrever a condição acima como

.

As últimas duas equações são formulações equivalentes da condição de difração de Bragg. O espaçamento entre planos cristalinos paralelos entre si, normais à direção

,

onde h, k, l são inteiros, é dado por

.

Combinando a definição de ,



onde é o comprimento de onda incidente, com a definição de produto escalar e do módulo de , temos:

,

sendo o ângulo entre os vetores e .

Conforme observamos acima, o vetor é normal ao plano . Logo, o vetor também é normal ao plano e o ângulo entre esse vetor e um vetor no plano considerado é . O menor ângulo formado entre o vetor de onda incidente e o plano é, por análise geométrica, igual a


Modelo de Bragg em duas dimensões, relação entre os ângulos de incidência em relação ao plano cristalino e ao vetor -G, para obtenção da formulação usual da lei de Bragg
Modelo de Bragg em duas dimensões: Relação entre os ângulos de incidência e de espalhamento tomando como referência o plano cristalino e a vetor para obtenção da formulação usual da lei de Bragg. Pela condição de reflexão especular, é possível deduzir que o ângulo entre os vetores de onda incidente e refletido é de




ou rearranjando os fatores:

.

Podemos reescrever a condição de Bragg utilizando o ângulo entre o vetor incidente e o plano, ao invés de considerar o ângulo entre o vetor incidente e o vetor , utilizando a relação



Assim, recuperamos o resultado obtido pela análise geométrica simples, escrito à maneira usual da formulação da lei de Bragg:

.

Aqui, é o ângulo entre o vetor de onda e o plano cristalino descrito pelos inteiros h, k e l. Existe uma diferença entre essa equação e a primeira equação apresentada aqui como condição de difração, a saber, a multiplicação do lado direito da equação por um número inteiro. Isso se dá pelo fato dos índices de Miller poderem conter um fator comum n, que é eliminado no processo de obtenção dos mesmos. Fisicamente, isso significa que a expressão



dá a condição de difração de Bragg para um plano de índices de Miller .


Referências

  1. Cowley, John M (1975). Diffraction Physics (em inglês). Amsterdam: North-Holland. 410 páginas. ISBN 0-444-10791-6 
  2. Existem algumas fontes, como a Enciclopédia Acadêmica Americana, que atribuem a descoberta a ambos, pai e filho, mas o site oficial do Prêmio Nobel e as biografias escritas sobre ele ("Light Is a Messenger: The Life and Science of William Lawrence Bragg", Graeme K. Hunter, 2004 e "Great Solid State Physicists of the 20th Century", Julio Antonio Gonzalo, Carmen Aragó López) são contundentes ao explicitar que William Lawrence Bragg derivou sozinho a lei
  3. Kittel, Charles (1996). Introduction to Solid State Physics (em inglês) 7 ed. [S.l.]: John Wiley & Sons. p. 51. ISBN 0-471-11181-3 
  4. Uma dedução do modo como é aqui apresentado é utilizada em Kittel, C. (1996)Introduction to Solid State Physics, 7ª ed., pp.30-37
  5. O fator é comum em física do estado sólido pois facilita a análise de Fourier. Em cristalografia, é comum a omissão do mesmo.
  6. Kittel, C. (1996)Introduction to Solid State Physics, 7ª ed., pp.17