CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas foi uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara dos Deputados em 19 de dezembro 2007, após denúncias da revista Veja de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram vítimas de grampo ilegal.[1][2]

Contexto[editar | editar código-fonte]

Mundo[editar | editar código-fonte]

Após os ataques de 11 de setembro, surgiu um sentimento de nacionalismo e paranóia nos Estados Unidos, e foi instaurado um sistema de vigilância em massa coordenado pela Agência de Segurança Nacional (NSA) como parte da estratégia de segurança no contexto da Guerra ao Terror,[3] que chegou a uma extenção global. Em 2015, documentos vazados no WikiLeaks revelaram que a NSA grampeou o celular da então presidente Dilma Rousseff e de outras 29 pessoas de seu gabinete, incluindo os ministros Antonio Palocci, Nelson Barbosa, José Elito Siqueira, Edinho Silva e outros.[4] Em 2007, o então presidente americano George W. Bush assinou uma lei que dava acesso a NSA a telefonemas e e-mails internacionais de americanos sem precisar de um mandado.[5]

Nos anos 90 e 2000 na China, após o derretimento da União Soviética e a falha do governo chinês de promover reformas institucionais relevantes, houve um aprofundamento no aparato de segurança nacional através da política de manutenção da estabilidade (weiwen 维稳) para apaziguar os protestos que estavam eclodindo no país. Também, as técnicas sanguinárias de combate ao crime (yanda 严打) dos anos 80 falharam. O governo chinês promovia grandes ações de combate ao crime em um curto período de tempo, que levou a execução de cerca de 10 mil pessoas em três anos.[6] Na década de 2010, a China era um dos países que mais controlava a internet no mundo[7] e no final da década, já contava com um sistema de reconhecimento facial para localizar criminosos.[8]

Entre os governos que usaram o monitoramento em massa na década estão a Austrália,[9] Reino Unido,[10] Índia,[11] Canadá,[12] Isarel,[13] e outros.

Brasil[editar | editar código-fonte]

No Brasil, os serviços de inteligência estatal estão sob responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que nasceu em 1927 durante o governo Washington Luís com o nome de Conselho de Segurança Nacional.[14] Atualmente, o principal órgão responsável pelos serviços de inteligência dentro do GSI é a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que é subordinada do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).[15] Historicamente, os serviços de inteligência eram prestados pelos militares, porém a ABIN foi criada em 1999 no governo de Fernando Henrique Cardoso, pondo um fim na Casa Militar e transferindo as funções para a esfera civil.[16] A ABIN é regulamentada pelos Poderes Executivo, Legislativo e o Tribunal de Contas da União (TCU).[17]

Em 2007, o Brasil contava com 120,980 milhões de assinantes de serviços de aparelhos celulares, com uma teledensidade de 63,59 aparelhos a cada 100 habitantes.[18] De acordo com a Associação de Servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Asbin), no mesmo ano, cerca de 300 mil brasileiros estavam com o telefone grampeado, sendo que apenas 15 mil desses grampos operavam legalmente.[19] A lei que regulamenta o uso do grampo em investigações é a Lei n° 9.296/96, sancionada no governo de Fernando Henrique Cardoso.[20] Na época, surgiram diversos casos de policiais usando grampos telefônicos ilegais. Havia denúncias de uso irrestrito dos grampos, onde subalternos estariam ouvindo seus chefes e vice-e-versa, o que levou ao surgimento de uma "indústria da paranóia", onde medidas de contraespionagem, como criptografia de voz, eram vendidas para bancos, empresas, políticos, traficantes e outros setores da sociedade.[19]

Operação Santiagraha[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Operação Satiagraha

No dia 8 de julho de 2008, a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Satiagraha, que nasceu como um desdobramento do Escândalo do Mensalão. Nela, foram presos Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity, o megainvestidor Naji Nahas o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, além de outras 14 pessoas, sob a acusação de participarem de um esquema de lavagem de dinheiro. Na época, houve grande protagonismo da PF, que gerou críticas do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, dizendo que houve a espetacularização da polícia e que sua atuação causaria "inveja ao sistema soviético". Por isso, ele entrou em atrito com o então Ministro da Justiça Tarso Genro.[21]

Denúncia[editar | editar código-fonte]

A CPI foi deflagrada a partir da reportagem continda na revista Veja 2.022, nº 33, de 22 de agosto de 2007, onde cinco ministros do STF, incluindo Gilmar Mendes, relataram serem alvos de grampos telefônicos ilegais, supostamente instalados pela PF.[22][23]

Este não foi o primeiro caso onde ministros estavam sendo espionados. em Setembro de 2006, o ministro Cezar Peluso contratou uma empresa especializada para lidar com sons estranhos que vinham de seu telefone, e foram encontrados indícios de grampos telefônios em seu telefone, de Marco Aurélio Mello e de Marcelo Ribeiro. Ainda, Marco Aurélio recebeu uma mensagem eletrônica anônima afirmando que os dados grampeados de seu telefone e de Ribeiro estavam sendo oferecidos pela polícia em Campo Grande.[24]

No dia seguinte, seis ministros do STF foram convidados a depor no Legislativo,[24] e o deputado federal Marcelo Itagiba propôs a investigação através do Requerimento de CPI nº 5, aceito no dia 19 de dezembro de 2007.[22]

Integrantes[editar | editar código-fonte]

Os integrantes da CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas são:[1]

Presidente

  • Marcelo Itagiba (PMDB-RJ)

1º Vice-Presidente

2º Vice-Presidente

3º Vice-Presidente

Relator

Titulares

Suplentes

Investigação[editar | editar código-fonte]

Depoimentos[editar | editar código-fonte]

As seguintes pessoas deporam na CPI:[25]

Nome Data(s) Cargo
José Luiz da França Neto 19 de fevereiro de 2008 Ex-funcionário da área técnica da rede de acesso da Telemar
Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira 20 de fevereiro de 2008 Procuradora-geral do Tribunal de Contas do Distrito Federal
Arthur Madureira de Pinho 27 de fevereiro de 2008 Representante de Relações Institucionais da Telemar
Otávio Carlos Cunha da Silva 28 de fevereiro de 2008 Diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações (Cepesc) da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Simone Carla Mosena 04 de março de 2008 Representante da Dígitro
Marcelo Bandeira 04 de março de 2008 Representante da Tempo Real
Renato Lira 04 de março de 2008 Representante da Tempo Real
Castro Vieira Junior 04 de março de 2008 Representante da Ronan
Mozart Valadares Pires 05 de março de 2008 Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Walter Nunes da Silva Junior 05 de março de 2008 Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)
Gustavo Fleichman 6 de março de 2008 Secretário-geral da Telefônica
Paulo Edson Pioner 6 de março de 2008 Diretor de Patrimônio e Segurança da Oi
Delmar Nicoletti 6 de março de 2008 Gerente de Relacionamento e Apoio aos Órgãos Públicos da TIM
Tula Peters 6 de março de 2008 Diretora jurídica da Claro
Diogo Rio Neves 6 de março de 2008 Gerente de Segurança da Vivo
Octávio Augusto Brandão Gomes 11 de março de 2008 Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ)
Hélio Cardoso Derenne 12 de março de 2008 Diretor-geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Paulo Roberto Thompson Flores 18 de março de 2008 Ex-vice-presidente da seção do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Janaína Faustino 18 de março de 2008 Ex-secretária da Comissão Organizadora de Exames da Ordem
Antônio Carlos Bigonha 25 de março de 2008 Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República
José Carlos Cosenzo 25 de março de 2008 Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
Ronaldo Sardenberg 27 de março de 2008 Presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
Ulisses Borges de Resende 02 de abril de 2008 Advogado
Guilherme Castelo Branco 02 de abril de 2008 Advogado
Luiz Freitas Pires de Sabóia 02 de abril de 2008 Advogado
Alberto Zacharias Toron 03 de abril de 2008 Secretário-geral-adjunto do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Waldecir Alves 08 de abril de 2008
Marlésio Maurício Martins 08 de abril de 2008 Ex-funcionário da Telemar
Alex Martins 08 de abril de 2008
Luiz Carlos Roque 09 de abril de 2008 Inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Luiz Carlos Simões 09 de abril de 2008 Inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Luiz Fernando Corrêa 15 de abril de 2008 Diretor-geral da Polícia Federal (PF)
Nicolao Dino de Castro e Costa Neto 16 de abril de 2008 Procurador regional da República, de Brasília
Leonardo Garcia Cavaleiro 16 de abril de 2008 Funcionário da Oi
João de Deus Pionério de Macedo 16 de abril de 2008 Funcionário da Oi
Paulo Lacerda 17 de abril de 2008 Diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Celso Moreira Ferro 22 de abril de 2008 Diretor do Departamento de Atividades Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal
Ricardo Molina 08 de maio de 2008 Perito especialista em fonética forense
Fabiano Wiggers 13 de maio de 2008 Gerente de negócios da Suntech
Ali Mazloum 15 de maio de 2008 Juiz federal da 7ª Vara Criminal de São Paulo
Élzio Vicente da Silva 20 de maio de 2008 Chefe da Divisão de Operações de Inteligência da Polícia Federal (PF)
Protógenes Queiroz 06 de agosto de 2008 Delegado da Polícia Federal (PF)
Élzio Vicente da Silva 07 de agosto de 2008 Delegado da Polícia Federal (PF)
Fausto de Sanctis 12 de agosto de 2008 Juiz da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo
Daniel Dantas 13 de agosto de 2008 Banqueiro do Banco Opportunity
Paulo Lacerda 21 de agosto de 2008 Diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Marcílio Zocrato 21 de agosto de 2008 Delegado da Polícia Federal (PF)
Jorge Felix 02 de setembro de 2008 Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
José Nilton Campana 03 de setembro de 2008 Diretor-adjunto afastado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Luiz Fernando Corrêa 03 de setembro de 2008 Diretor-geral da Polícia Federal (PF)
Paulo Maurício Fortunato Pinto 10 de setembro de 2008 Diretor afastado do Departamento de Contra-Inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Paulo Lacerda 17 de setembro de 2008 Diretor-geral afastado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Francisco Ambrósio do Nascimento 24 de setembro de 2008 Agente aposentado do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI)
Daniel Lorenz Azevedo 15 de outubro de 2008 Diretor de Inteligência da Polícia Federal (PF)

Instauração da CPI[editar | editar código-fonte]

Em 12 de maio de 2009 a CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas encerrou suas atividades com o relatório final quase sem alterações.[26][27]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b «Grampos telefônicos». Revista Veja. Dezembro de 2008. Consultado em 22 de janeiro de 2017. Arquivado do original em 5 de dezembro de 2008 
  2. «CPI das escutas desmontou esquema de grampo». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de janeiro de 2017 
  3. Ed Pilkington (4 de setembro de 2021). «'Panic made us vulnerable': how 9/11 made the US surveillance state – and the Americans who fought back» (em inglês). The Guardian. Consultado em 31 de dezembro de 2022. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  4. «EUA grampearam Dilma, ex-ministros e avião presidencial, revela WikiLeaks». G1 Brasília. 4 de julho de 2015. Consultado em 31 de dezembro de 2022. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  5. Mark Tran (6 de agosto de 2007). «Bush signs controversial surveillance bill» (em inglês). The Guardian. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  6. Wang, Yuhua; Minzner, Carl (2015). «The Rise of the Chinese Security State». The China Quarterly (222): 339–359. ISSN 0305-7410. Consultado em 1 de janeiro de 2023 
  7. «China» (em inglês). Internet Monitor. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  8. Paul Mozur (8 de julho de 2018). «Inside China's Dystopian Dreams: A.I., Shame and Lots of Cameras» (em inglês). The New York Times. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  9. Tom Allard (17 de setembro de 2007). «Spy laws track mobile phones» (em inglês). The Sydney Morning Herald. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  10. Jamie Doward (29 de abril de 2007). «Data tsar attacks surveillance UK» (em inglês). The Guardian. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  11. Kamesh Shekar e Shefali Mehta. «The state of surveillance in India: National security at the cost of privacy?» (em inglês). Observer Research Foundation. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  12. Rudner, Martin (1 de janeiro de 2004). «Challenge and response: Canada's intelligence community and the war on terrorism». Canadian Foreign Policy Journal (2): 17–39. ISSN 1192-6422. doi:10.1080/11926422.2004.9673364. Consultado em 1 de janeiro de 2023 
  13. Mona Shtaya (27 de maio de 2022). «Nowhere to hide: The impact of Israel's digital surveillance regime on the Palestinians» (em inglês). Middle East Institute. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  14. «GSI - 80 Anos de História». Gabinete de Segurança Institucional. 4 de dezembro de 2018. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  15. «A ABIN». Agência Brasileira de Inteligência. 22 de setembro de 2020. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  16. Gabriel Dias (7 de dezembro de 2022). «O que significa GSI e Abin? O que fazem os órgãos de inteligência do Brasil». Uol. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  17. «Controle e Fiscalização». Agência Brasileira de Inteligência. 24 de setembro de 2020. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  18. «Anatel: número de celulares ativos no País supera os 120 milhões em 2007». InfoMoney. 17 de janeiro de 2008. Consultado em 1 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  19. a b «Trezentos mil brasileiros estão com telefone grampeado». Consultor Jurídico. 27 de outubro de 2007. Consultado em 31 de dezembro de 2022. Cópia arquivada em 1 de janeiro de 2023 
  20. Fernando Henrique Cardoso e Nelson A. Jobim. «LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996». Presidência da República 
  21. «Relembre a operação Satiagraha». O Globo. 16 de julho de 2008. Consultado em 2 de janeiro de 2023 
  22. a b Miranda, Fernando Nunes de (2014). «PUBLICIDADE VERSUS SIGILO NAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO» (PDF). Pós-graduação lato sensu em Direito Legislativo realizado pelo Instituto Legislativo Brasileiro. Consultado em 24 de março de 2023 
  23. «Câmara vai instalar CPI para investigar grampo telefônico». Consultor Jurídico. 13 de dezembro de 2007. Consultado em 24 de março de 2023. Cópia arquivada em 24 de março de 2023 
  24. a b «Deputados convidam ministros para falar sobre grampo». Consultor Jurídico. 23 de agosto de 2007. Consultado em 24 de março de 2023. Cópia arquivada em 24 de março de 2023 
  25. «Depoimentos prestados à CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas». Portal da Câmara dos Deputados. 13 de outubro de 2008. Consultado em 28 de junho de 2023. Cópia arquivada em 28 de junho de 2023 
  26. «CPI das Escutas Clandestinas mantém relatório original». Câmara dos Deputados. Consultado em 22 de janeiro de 2017 
  27. «CPI aprova relatório com pedido de indiciamento de Dantas». G1. Globo.com. Consultado em 22 de janeiro de 2017