Maracatu nação

O maracatu nação ou maracatu de baque virado é um tipo de maracatu, um ritmo musical, dança e ritual de sincretismo religioso com origem no estado de Pernambuco.[1] Trata-se do mais antigo ritmo afro-brasileiro.[1]
É formado por um conjunto musical percussivo que acompanha um cortejo real. Os grupos apresentam um espetáculo repleto de simbologias e marcado pela riqueza estética e pela musicalidade. O momento de maior destaque consiste na saída às ruas para desfiles e apresentações no período carnavalesco.[2]
História
[editar | editar código]O registro mais antigo que se tem sobre o maracatu nação data de 1711, mas o ano de sua origem é incerto. O que se sabe é que ele surgiu em Pernambuco e vem se transformando desde então.[1]
Um dos maracatus mais antigos é o Maracatu Elefante, fundado em 15 de novembro de 1800 no Recife pelo escravo Manuel Santiago após sua insurreição contra a direção do Maracatu Brilhante. A escolha do elefante como nome e símbolo da agremiação deveu-se ao fato deste animal ser protegido por Oxalá, orixá associado à criação do mundo e da espécie humana. Uma das peculiaridades deste maracatu é o costume de conduzir três calungas (bonecas negras) ao invés de duas como é comum aos outros maracatus. São elas: Dona Leopoldina, Dom Luís e Dona Emília, que representam os orixás Iansã, Xangô e Oxum, respectivamente. Outra característica singular do Nação Elefante é o fato de ter sido o primeiro a ser conduzido por uma matriarca, pois até então os maracatus sempre tinham sido regidos por uma figura masculina.[3][4]
Cortejo
[editar | editar código]Os cortejos de maracatu são uma tentativa de refletir as antigas cortes africanas. Os negros, ao serem sequestrados e vendidos como escravos, trouxeram para o Brasil suas raízes e mantiveram seus títulos de nobreza.
O cortejo é composto por uma bandeira ou estandarte abrindo as alas. Logo atrás, segue a dama do paço, que carrega a mística calunga, representando todas as entidades espirituais do grupo.[5]
Atrás dela, seguem as iabás (popularmente chamadas de baianas) e, pouco depois, a corte e o rei e a rainha dos maracatus. Os títulos de rei e rainha são passados de forma hereditária. Essa ala representa a nobreza da Nação.
De cada lado seguem as escravas ou catirinas, normalmente jovens, que usam vestimentas de chitão.
Mantendo o ritmo do desfile, seguem os batuqueiros. Os instrumentos são diversos: alfaias, que são tambores, caixas ou taróis, ganzás e abês, esses conduzidos por mulheres que vão à frente desse grupo e que fazem, do seu toque, um espetáculo a parte.
Personagens
[editar | editar código]As personagens que compõem o cortejo são os seguintes:
- Porta-estandarte, que leva o estandarte; este contém, basicamente, o nome da agremiação, uma figura que o represente e o ano que foi criada.
- Dama do paço, mulher que leva, em uma das mãos, a calunga (boneca de madeira, ricamente vestida, que simboliza uma entidade ou rainha já morta).
- Rei e rainha, as figuras mais importantes do cortejo. É por sua coroação que tudo é feito.
- Vassalo, um escravo que leva o pálio (guarda-sol que protege os reis).
- Figuras da corte como príncipes, ministros e embaixadores.
- Damas da corte, senhoras ricas que não possuem títulos nobiliárquicos.
- Iabás, que são escravas.
- Batuqueiros, que animam o cortejo tocando vários instrumentos, como caixas de guerra, alfaias (tambores), gonguê, xequerês, maracás, entre outros.
Nações e grupos de Maracatu de Baque Virado
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Existem grupos de Maracatu Nação em todo o território brasileiro, e também no exterior, especialmente na Europa e América do Norte.[6][7][8][9]
Maracatu cearense
[editar | editar código]O maracatu cearense é a variante trazida para Fortaleza, Ceará, em 1936. O maracatu cearense passou a ser cultivado como a mais característica tradição carnavalesca da cidade, em parte devido ao uso de maquiagem negra (blackface) para representar personagens afro-brasileiros e à interpretação masculina de papéis femininos, especialmente o da rainha. Seus ritmos são descritos localmente como cadenciados, o que significa um compasso 2/4 menos sincopado e mais estável, com andamento mais lento do que o maracatu-nação de Pernambuco — às vezes chegando a 45 batidas por minuto. Nas últimas décadas, os grupos têm se dividido entre aqueles que mantêm o andamento lento (para expressar a tristeza da escravidão) e os que aceleram o ritmo (para expressar a alegria do Carnaval), havendo debate sobre qual estilo representa mais autenticamente a tradição no Ceará.[10] A instrumentação também é distinta: em vez dos tambores alfaia, o maracatu cearense utiliza surdos ou bombos; assim como em Pernambuco, emprega o tarol (tambor de esteira). No lugar do gonguê (grande sino de uma só campânula), utiliza o ferro, um triângulo de ferro pesado, responsável por manter o ritmo binário constante. Cada grupo costuma adaptar ou acrescentar instrumentos, criando variações próprias de sonoridade.
Todos os anos, diferentes nações de maracatu cearense desfilam na tradicional competição municipal de Carnaval de Fortaleza, normalmente realizada na Avenida Domingos Olímpio. A mais antiga delas, Az de Ouro (fundada em 1936), permanece em atividade. Outras nações incluem Vozes d’África, Nação Fortaleza, Rei de Paus, Nação Iracema e Maracatu Solar.
O uso de blackface no maracatu cearense teria origem no fato de Fortaleza ter uma população majoritariamente branca e cabocla, com pequena presença negra (4,4%), segundo o IBGE (2008). Isso cria uma situação em que pessoas brancas e pardas passam a representar uma expressão carnavalesca tradicionalmente negra. Nesse contexto, o blackface é entendido como uma homenagem à contribuição dos africanos escravizados para a civilização brasileira, e não como manifestação racista — diferentemente do blackface minstrelsy dos Estados Unidos, que parodiava a fala e o comportamento de pessoas negras. De fato, algumas nações de maracatu cearense participam ativamente de movimentos de igualdade racial e consciência negra no Ceará. Entre elas está a Nação Iracema, fundada em 2002 por Lúcia Simão e William Augusto Pereira, líderes da primeira família negra de Fortaleza a dirigir uma nação de maracatu (até 2009). Lúcia Simão também fundou o primeiro movimento de consciência negra do Ceará, no início da década de 1980.[11] Essa consciência racial expressa-se por meio do maracatu cearense, em parte como continuação da identidade histórica do Ceará como a primeira região do Brasil a abolir a escravidão, em maio de 1884 (quatro anos antes da abolição nacional, em 1888).
Entretanto, pelo menos um estudioso brasileiro contesta as afirmações dos participantes do maracatu cearense, argumentando que o desenvolvimento da tradição em Fortaleza está ligado a um discurso racista sutil, que mitologiza o Ceará como uma região “não negra” do Brasil — e, assim, justifica o uso do blackface, perpetuando a ideologia racista do branqueamento presente na história brasileira.[12]
Ver também
[editar | editar código]- Maracatu Estrelha Brilhante (Igarassu)
- Maracatu Estrela Brilhante (Recife)
- Maracatu Rural
- Congada
- Coco (dança)
- Carnaval Recife–Olinda
Referências
- ↑ a b c «O maracatu». Nova Escola. Consultado em 22 de fevereiro de 2017
- ↑ «Maracatus e Cavalo-Marinho recebem título de Patrimônio Cultural Imaterial». G1. Consultado em 22 de fevereiro de 2017
- ↑ «Maracatu Nação Elefante». Dicionário Cravo Albin. Consultado em 27 de fevereiro de 2017
- ↑ «Maracatu Elefante». Fundaj. Consultado em 27 de fevereiro de 2017
- ↑ «A boneca sagrada dos maracatus». Consultado em 8 de dezembro de 2015. Arquivado do original em 11 de dezembro de 2015
- ↑ «Maracatu Ventos de Ouro». Maracatuventosdeouro.com.br. Consultado em 17 de abril de 2019
- ↑ «Maracatu Colônia». Maracatucolonia.de. Consultado em 17 de abril de 2019
- ↑ «Maracatu Nação Estrela do Elba». Maracatu Stern der Elbe. Consultado em 17 de abril de 2019
- ↑ «Asociación Cultural Ymalê». Ymale.es. Consultado em 17 de abril de 2019
- ↑ Conner, Ron (2 de maio de 2009). «BRAZIL BEAT: Nação Iracema's Rhythm vs. Áz de Ouro's Ritmo Cadenciado». BRAZIL BEAT. Consultado em 30 de outubro de 2025
- ↑ Conner, Ronald. 2009. "Brazilian Blackface: Maracatu Cearense and the Politics of Participation." Master's thesis, University of California, Riverside.
- ↑ da Silva, Ana Cláudia Rodrigues. 2004. "Vamos maracatucá!!! Um estudo sobre os maracatus cearenses. Master's thesis, Universidade Federal de Pernambuco.
