Geoeconomia
A geoeconomia é o estudo dos aspectos espaciais, temporais e políticos das economias e dos recursos. A formação da geo-economia como um ramo da geopolítica é frequentemente atribuída a Edward Luttwak, economista e consultor americano, e Pascal Lorot, economista e cientista político francês. O economista azerbaijano Vusal Gasimli define geo-economia como o estudo das inter-relações de economia, geografia e política no "cone infinito" que sobe do centro da terra para o espaço sideral (incluindo a análise econômica dos recursos planetários).
A lógica do conflito na gramática do comércio
[editar | editar código-fonte]Luttwak argumenta que a mesma lógica subjacente ao conflito militar também se refere ao comércio internacional:
- Os Estados buscam coletar tanto quanto as receitas prescritas por seus códigos fiscais e não se contentam em permitir que outros Estados tributem a atividade comercial de acordo com o seu alcance. Esta é uma situação de soma zero.
- Os Estados regulam predominantemente a atividade econômica de forma a maximizar os resultados dentro de suas próprias fronteiras, e não para um propósito transnacional sem interesses, mesmo quando o resultado é sub-ótimo para outros estados. A lógica da regulação estatal então se conforma, em parte, à lógica do conflito.
- Estados e blocos se esforçam para restringir seus pagamentos e serviços a seus próprios residentes. Além disso, os Estados projetam seus projetos de infraestrutura para otimizar a utilidade doméstica, independentemente de como outros Estados sejam afetados, em oposição à utilidade transnacional.
- Estados ou blocos de estados promovem a inovação tecnológica para maximizar os benefícios dentro de seus próprios limites, e não em prol da própria inovação.[1]
Geo-economia e mercantilismo
[editar | editar código-fonte]A geo-economia não deve ser confundida com o mercantilismo ou o neo-mercantilismo. Sob o mercantilismo, o objetivo era maximizar os estoques nacionais de ouro, quando as disputas comerciais evoluíram para disputas políticas, o que poderia levar a conflitos militares. Portanto, a concorrência mercantilista estava subordinada à concorrência militar, pois a modalidade anterior era governada pela possibilidade sempre presente de que o "perdedor" em uma briga comercial pudesse desafiar militarmente o resultado.
A título de exemplo, a Espanha decretou que todo o comércio de e para suas colônias americanas apenas pudesse viajar em fundos espanhóis através de portos espanhóis, o que foi desobedecido por comerciantes britânicos e holandeses, resultando na Guerra Anglo-Espanhola. Ainda, holandeses enviaram suas fragatas para o Tâmisa para responder ao mercantilismo protecionista britânico, e portugueses afundavam navios árabes no Sul da Ásia.[1]
Na nova era da geo-economia, no entanto, não há modalidade superior: tanto as causas quanto os instrumentos de conflito podem ser econômicos. Quando desacordos comerciais levam a confrontos políticos internacionais, as disputas devem ser resolvidas com as armas do comércio.
As "armas" da geo-economia
[editar | editar código-fonte]Os Estados se envolvem em concorrência geo-econômica por meio do auxílio ou da direção de entidades privadas domésticas ou de ações diretas que se oponham aos interesses comerciais estrangeiros, além de investimentos no exterior e em excessos produtivos que forçam a participação no mercado. Mais diretamente, impostos, cotas e impedimentos regulatórios, além de financiamentos com desconto para a exportação de indústrias domésticas, são utilizados como armas geoeconômicas.[carece de fontes]
Segundo Luttwak, as armas ofensivas são mais importantes na geo-economia, assim como na guerra. Além disso, a pesquisa e o desenvolvimento patrocinados pelo Estado são as mais importantes dessas armas. O objetivo contemporâneo passa a ser a conquista das indústrias do futuro através de superioridade tecnológica, em continuação das corridas armamentistas mercantilistas. A infantaria nesta analogia corresponde à produção comercial, que também pode ser apoiada pelo Estado através de várias formas de subsídios.[2]
Outra arma geo-econômica é o financiamento predatório. Se os subsídios da operação são insuficientes para permitir que os exportadores domésticos superem concorrentes fortes, os Estados podem oferecer empréstimos a taxas de juros abaixo do mercado. Os Estados Unidos, por exemplo, fornecem garantias de empréstimos para financiar exportações, e existem instituições equivalentes em todos os principais países industriais. Os estrangeiros pagam rotineiramente taxas de juros mais baixas que os mutuários locais, aqueles sustentados pelos impostos destes, em uma caça à exportação cuja "munição" são os juros baixos, mas a caracterização do financiamento predatório se dá quando taxas de juros são repentinamente reduzidas em vendas conflituosas.[2]
"As leis da gravidade geo-econômica"
[editar | editar código-fonte]O economista do Fórum Mundial de Pensões e Investimentos, M. Nicolas J. Firzli, argumentou que "aderir às leis da gravidade geo-econômica", incluindo a autossuficiência financeira e a existência de infra-estrutura de transporte diversificada e avançada, são agora essenciais para garantir a soberania efetiva de um Estado: "o governo do Catar está agora pagando um preço incomensurável por ter pensado que poderia desafiar para sempre as leis da gravidade geo-econômica".[3]
Nessa perspectiva, a atratividade do investimento e a capacidade de projetar soft power a uma distância considerável, como a China fez com sua Iniciativa do Cinturão e Rota, também são vistas como determinantes-chave da força geo-econômica.[4]
Neste cenário, espera-se que grandes proprietários de ativos do setor privado, como fundos de pensão, desempenhem um papel cada vez mais importante, ao lado de atores estatais dos EUA e da China. Em novembro de 2018, o vice-presidente estadunidense Mike Pence viajou para a Ásia para promover a perspectiva do governo Trump para os oceanos Índico e Pacífico, com o apoio de dezenas de bilhões de dólares em empréstimos e créditos.[5]
A geo-economia substituindo a geopolítica?
[editar | editar código-fonte]No final da Guerra Fria, Richard Nixon previu que as considerações geo-econômicas poderiam eventualmente substituir a geopolítica clássica entre os formuladores de políticas dos EUA, uma tendência que ele considerou problemática: "A geo-economia superou o poderio militar e a geopolítica tradicional. Os Estados Unidos, eles concluem, não devem transformar suas espadas em arados, mas em micro-chips.” (Nixon 1992)
Ver também
[editar | editar código-fonte]Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Søilen, Klaus Solberg (2012). Geoeconomics (em inglês). Londres: Bookboon
- Gasimli, Vusal (2015). Geo-Economics (PDF). Turquia: Universidade de Anadolu. p. 207
- Chohan, Usman W. (2015). Geostrategic Location and the Economic Center of Gravity of the World. Canadá: Universidade McGill
- Blackwill, Robert D.; Harris, Jennifer M. (2016). War by Other Means: Geoeconomics and Statecraft. Cambridge, MA: Harvard University Press. ISBN 9780674737211
- Luttwak, Edward N. (1999). Theory and Practice of Geo-Economics. Turbo-Capitalism: Winners and Losers in the Global Economy (em inglês). Nova Iorque: HarperCollins Publishers. ISBN 079233132X
- Guy, Ankerl (2000). Coexisting Contemporary Civilizations: Arabo-Muslim, Bharati, Chinese, and Western. (em inglês). Genebra: INUPress. ISBN 2-88155-004-5
- Munoz, J. Mark (2017). Advances in Geoeconomics. Nova Iorque: Routledge. ISBN 9781857438307
Referências
- ↑ a b Luttwak, Edward N. (1990). «From Geopolitics to Geo-Economics: Logic of Conflict, Grammar of Commerce». The National Interest: 17-23. JSTOR 42894676
- ↑ a b Edward., Luttwak (1999). Turbo-capitalism : winners and losers in the global economy 1.ª ed. Nova Iorque: Harper Collins Publishers. ISBN 978-0060193300. OCLC 0767635
- ↑ Firzli, M. Nicolas J. «The Qatar Crisis and the Eastern Flank of the MENA Area». Al Sharq Al Awsat (em inglês)
- ↑ Firzli, M. Nicolas J. «G20 Nations Shifting the Trillions: Impact Investing, Green Infrastructure and Inclusive Growth». Revue Analyse Financière (em inglês). SSRN 3077974
- ↑ Nicolas Firzli, "Institutional Investment in the Age of Geoeconomics (em inglês)" Investment & Pensions Europe (IPE) 10 April, 2019