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Atentado do Riocentro: diferenças entre revisões

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{{Info/Atentado
{{Info/Atentado
|título = Atentado do Riocentro
|título = Atentado do Riocentro
|imagem = Riocentro-300x172.jpg
|imagem = Riocentro-300x172.jpg
|legenda = Puma GTE destruído após detonação da bomba. Dentro dele é possível ver o corpo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu logo após a explosão.
|legenda = O veículo em que uma das bombas detonou antecipadamente, contendo o cadáver do sargento Guilherme do Rosário
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|resps = Setores do [[Exército Brasileiro]], com apoio da [[Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro|Polícia Militar]]
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|susps = [[Freddie Perdigão Pereira]]</br>
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Wilson Dias Machado</br>
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Job Lorena de Sant’Anna</br>
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Nilton Cerqueira</br>
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dentre outros
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|motivo= Frear a [[abertura política]]; valorizar o aparato de repressão da [[ditadura militar no Brasil]]|consequencia=Desmoralização das [[Forças Armadas]]; enfraquecimento do [[João Figueiredo|governo Figueiredo]]; campanha das [[Diretas Já]]; eleição de [[Tancredo Neves]]}}
}}


'''Atentado do Riocentro''' foi um frustrado ataque a bomba ao [[Riocentro|Centro de Convenções do Riocentro]], no [[Rio de Janeiro (estado)|Rio de Janeiro]], na noite de 30 de abril de 1981, quando ali se realizava um espetáculo comemorativo do [[Dia do Trabalhador]], durante o período da [[ditadura militar no Brasil]]. O atentado, perpetrado por setores do [[Exército Brasileiro]] insatisfeitos com a abertura democrática que vinha sendo feita pelo regime, ajudou a apressar a redemocratização do país, completada quatro anos depois, com a primeira eleição presidencial realizada no [[Brasil]] em vinte e quatro anos.<ref name=info>{{citar web|url=http://www.infoescola.com/ditadura-militar/atentado-ao-riocentro/|título=Atentado ao Riocentro|último =Gasparetto Jr.|primeiro =Antonio|publicado=Infoescola|acessodata=15 de julho de 2017}}</ref>
O '''Atentado do Riocentro''' foi um [[Terrorismo|ataque terrorista]] perpetrado por setores do [[Exército Brasileiro]] e da [[Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro|Polícia Militar do Rio de Janeiro]] na noite de 30 de abril de 1981, com o objetivo de incriminar grupos que se opunham à [[ditadura militar no Brasil]] e, assim, justificar a necessidade do seu aparato de repressão e retardar a [[abertura política]] em andamento. Exemplo emblemático do [[terrorismo de Estado]] perpetrado pela ditadura, ele previa uma série de explosões no [[Riocentro|Centro de Convenções do Riocentro]], no [[Rio de Janeiro (estado)|Rio de Janeiro]], quando ali se encontravam 20 mil pessoas durante um espetáculo de [[MPB]] em comemoração do [[Dia do Trabalhador]].


Parte de uma longa série de atentados a [[bomba]] conduzidos por membros das [[Forças Armadas do Brasil|Forças Armadas]], ele foi planejado como o maior ataque terrorista da história do Brasil e recebeu intensa preparação, com conhecimento e participação da alta cúpula militar e possivelmente do próprio presidente da República, o general [[João Figueiredo]]. As explosões levariam o público a assustar-se e a buscar escapar rapidamente do Riocentro, ocasionando grande número de feridos e potencialmente centenas de pessoas pisoteadas. Contudo, a condução desastrada da operação minou os seus efeitos. Uma das bombas explodiu longe de seu alvo e outra detonou prematuramente, danificando outros explosivos e vitimando dois dos terroristas, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu instantaneamente, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou gravemente ferido. Na sequência dessas falhas, outros militares removeram discretamente os explosivos instalados no palco do show, antes que explodissem.
As bombas, levadas ao complexo num carro esportivo civil [[Puma GTE]], seriam plantadas no pavilhão pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário e pelo capitão Wilson Dias Machado. Com o evento já em andamento, uma das bombas explodiu prematuramente dentro do carro onde estavam os dois militares, no estacionamento do Riocentro, matando o sargento e ferindo gravemente o capitão Machado. Uma segunda explosão ocorreu a alguns quilômetros de distância, na miniestação elétrica responsável pelo fornecimento de energia do Riocentro. A bomba foi jogada por cima do muro da miniestação, mas explodiu em seu pátio e a [[eletricidade]] do pavilhão não chegou a ser interrompida. Na tentativa de encobrir o fracasso da operação, o SNI - [[Serviço Nacional de Informações]] culpou as organizações de esquerda – na época já extintas – pelo ataque. Essa hipótese já não tinha sustentação na época e anos mais tarde se comprovou, inclusive por confissão,<ref name="Confissão1"/><ref name="Confissão2"/> que ele foi uma tentativa de setores mais radicais do governo (principalmente do [[Centro de Informações do Exército|CIEx]] e do SNI) de, colocando a culpa na oposição radical pela carnificina prevista a acontecer, convencer os setores mais moderados de que era necessária uma nova onda de repressão de modo a paralisar a lenta abertura política que estava em andamento.<ref name="Confissão1">Chico Otavio e Juliana Castro (16/02/2014). "[http://oglobo.globo.com/brasil/com-novas-provas-mp-denuncia-seis-pessoas-no-caso-riocentro-11619478 Com novas provas, MP denuncia seis pessoas no caso Riocentro]" {{pt}}. ''O Globo''. Consultado em 19 de maio de 2016.</ref><ref name="Confissão2">Tales Faria (2/05/2012). "[http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2012-05-02/a-primeira-confissao-do-atentado-ao-riocentro.html A primeira confissão do atentado ao Riocentro]" {{pt}}. iG Brasília. Consultado em 19 de maio de 2016.</ref>


Na tentativa de assegurar a impunidade de seus autores, durante as investigações o Exército forjou evidências e creditou o ataque a organizações de esquerda que na época se encontravam inativas, uma conclusão que, imediatamente, foi recebida como sendo mentirosa. As investigações seriam reabertas muitas vezes ao longo dos anos, mas sempre freadas por decisões do [[Poder Judiciário|Judiciário]] de que os crimes estariam cobertos pela [[Lei da Anistia]] – tecnicamente, aplicável apenas a crimes cometidos entre 1961 e 1979 – e, mais tarde, de que eles estariam [[Prescrição|prescritos]]. Em seu último episódio, em 2014 foram formalmente acusados de crimes relacionados ao atentado os generais [[Newton Cruz]], [[Otávio Aguiar de Medeiros|Octávio Medeiros]], Job Lorena de Sant’Anna e Edson Sá Rocha, e os coronéis [[Freddie Perdigão Pereira|Freddie Perdigão]] e Wilson Machado, dentre outros, mas o [[TRF-2]] decidiu pelo trancamento da ação penal, e mais tarde essa decisão foi mantida pelo [[Superior Tribunal de Justiça|STJ]] e o [[Supremo Tribunal Federal|STF]].
A abertura de um [[Inquérito Policial Militar]], porém, fracassou em estabelecer os responsáveis do regime, levando à renúncia do [[general]] [[Golbery do Couto e Silva]], [[Casa Civil (Brasil)|Chefe da Casa Civil]] do governo do general [[João Figueiredo]] e um dos criadores do SNI, e ao arquivamento do caso. Novamente reaberto em 1999, após o aparecimento de novas evidências, três meses de investigação autorizadas pela [[Procurador-Geral da República (Brasil)|procuradoria-geral da República]], considerando que o ato não estava coberto pela [[Lei da Anistia]] – que anistiava crimes políticos entre 1961 e 1979 – resultaram na condenação do capitão Machado por homicídio culposo, estendida ao sargento Rosário se estivesse vivo, do indiciamento por falso testemunho e desobediência do general da reserva [[Newton Cruz]] e do [[coronel]] [[Freddie Perdigão Pereira|Freddie Perdigão]], falecido dois anos antes, por comandar a operação. O caso entretanto foi arquivado no mesmo ano sem qualquer punição aos envolvidos por decisão do [[Superior Tribunal Militar]], que se considerou sem condições de mais punir os responsáveis, já que uma decisão anterior do próprio tribunal enquadrou o caso na Lei da Anistia.<ref name=info/>


A farsa em torno das investigações teve consequências severas, incluindo uma divisão das Forças Armadas entre os que viam o ataque como um ato patriótico e aqueles que exigiam justiça contra os terroristas, e a renúncia do general [[Golbery do Couto e Silva]], então [[Casa Civil (Brasil)|Chefe da Casa Civil]] e o artífice do governo Figueiredo. Sob vigorosa pressão da sociedade, de setores das Forças Armadas e de políticos da oposição, por ter permitido que os acusados permanecessem impunes, o governo Figueiredo jamais pôde recuperar sua autoridade e viu-se incapaz de eleger um sucessor. O episódio, com seus desdobramentos, tornou-se um marco da decadência e do esgotamento da ditadura militar, que quatro anos depois daria lugar à [[Nova República]].
Em 2014, a [[Comissão Nacional da Verdade]] apresentou um relatório preliminar sobre o atentado, afirmando que ele fez parte de uma ação articulada do [[Estado]] brasileiro.<ref>{{citar web|url=http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-04/atentado-do-riocentro-foi-a%C3%A7%C3%A3o-articulada-do-estado-diz-cnv|título=Atentado do Riocentro foi "ação articulada do Estado", diz CNV|último =Lisboa|primeiro =Vinicius|publicado=EBC|acessodata=15 de julho de 2017}}</ref> O episódio, com seus desdobramentos, tornou-se um marco da decadência e do esgotamento do [[regime militar no Brasil]], que daria lugar dali a quatro anos ao restabelecimento da [[democracia]].


== Contexto político ==
== Contexto político ==
{{Artigo principal|Abertura política|Terrorismo no Brasil}}{{Anticomunismo}}Desde meados dos anos 1960, o endurecimento da [[Ditadura militar no Brasil|Ditadura Militar no Brasil]] levou à intensificação da oposição a ela, tanto por grupos que decidiram [[Luta armada de esquerda no Brasil|pegar em armas]] para combate-la quanto por segmentos mais amplos da sociedade, que passaram a mobilizar-se por acreditarem que, a despeito da violência e terrorismo de estado praticado pelos militares, o restabelecimento da democracia poderia ser buscado de maneira pacífica.{{Sfn|Cruz|Martins|p=42–46|5=2008}}{{Sfn|Nascimento|2010|p=12-14; 17-19}} A tática de [[guerrilha]], contudo, foi abandonada logo nos primeiros anos da [[década de 1970]], pois esses setores da [[Esquerda (política)|esquerda]] já não tinham mais como levá-la adiante por falta de recursos e de membros, que haviam sido dizimados ou estavam exilados.{{nota de rodapé|As organizações guerrilheiras da esquerda brasileira foram majoritariamente destruídas no início dos anos 1970 e desde 1972 o que restara delas se encontrava sem capacidade de ação. A exceção foi a [[Guerrilha do Araguaia]], cujos últimos guerrilheiros foram sumariamente executados no final de 1974.{{Sfn|Gaspari|1999}}}} Em meados dos anos 1970, portanto, o maior núcleo de oposição à ditadura não era mais a opção pelo [[socialismo]] ou [[comunismo]] das guerrilhas, mas a oposição civil em defesa da volta do estado democrático, fosse pelo [[Movimento Democrático Brasileiro|MDB]], o partido oficial da oposição, fosse pelas manifestações de rua que voltavam a sacudir o país.{{Sfn|Reis|2010|p=222}}{{Sfn|Nascimento|2010|p=14, 21-22, 30}}{{Sfn|Ridenti|2014}}
Em 1979, o general [[João Batista Figueiredo]] sucedeu o general [[Ernesto Geisel]] na [[Presidência da República]]. Figueiredo se comprometeu com o antecessor a dar continuidade ao processo de abertura que este havia iniciado. ''"É para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo. Arrebento. Não tenha dúvidas"'', afirmou ao ser questionado sobre a abertura política.<ref>{{citar web|url= http://acervo.oglobo.globo.com/frases/e-para-abrir-mesmo-quem-quiser-que-nao-abra-eu-prendo-arrebento-nao-tenha-duvidas-9047371#ixzz4ahPWKg7d|título=Frases|autor=Jornal [[O Globo]].|data=15.10.1978|acessodata=07.03.2017}}</ref> No entanto, praticamente toda a carreira do novo general-presidente estava ligada à chamada "comunidade de informações" do Exército, formada por organizações como o CIE, SNI e [[DOI-Codi|DOI- Codi]], responsável direta pela repressão às atividades da esquerda; mesmo disposto a prosseguir com a abertura do regime, ele não pretendia entrar em atrito com estes setores, principalmente o CIE, cujos integrantes estavam inconformados com os rumos políticos do governo. Como muitos deles haviam sido responsáveis por centenas de casos de tortura e desaparecimento, temiam ser humilhados e punidos, caso o regime se desfizesse.


Pressionado pela mobilização da sociedade e na esteira do esgotamento do [[Milagre econômico brasileiro|milagre econômico]] do governo que o antecedera,{{Sfn|Koonings|2010|p=25}} desde 1974 o general [[Ernesto Geisel]], o quarto militar a ocupar o posto de [[Presidência da República|presidente da República]] desde o [[Golpe de 1964]], vinha pondo em prática medidas graduais visando a [[Abertura política|reabertura política]] do país, mas não sem enfrentar a intensa oposição de setores [[linha-dura]] das [[Forças Armadas do Brasil]].{{Sfn|Costa|1991|p=26}}{{Sfn|Reis|2010|p=221-222}}{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=138–140}} Embora a política de Geisel fizesse concessões vacilantes à ampliação das liberdades públicas e incluísse a manutenção da repressão violenta à oposição, como forma de acalmar a linha-dura,{{Sfn|Resende|2011|p=5}}{{Sfn|Resende|2014|p=38}}{{Sfn|Nascimento|2010|p=18-19}}{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=139–140}} os membros desta recusavam-se a aceitar as medidas progressistas do governo e desejavam garantir sua supremacia durante as eleições indiretas que seriam realizadas em 1978.{{Sfn|Reis|2010|p=221–222}}
O fim da ditadura poderia, finalmente, representar o fim da comunidade de informações e seus membros receavam o possível revanchismo por parte da oposição, caso esta assumisse o poder. Por isso, para estes órgãos era interessante que a [[esquerda política|esquerda]] voltasse a se envolver na [[luta armada]], de modo a justificar mais repressão política. Mas, na primeira metade da [[década de 1970]], a esquerda já havia abandonado a [[guerrilha]], pois não havia mais como levá-la adiante por falta de membros que foram dizimados ou estavam exilados ou de recursos, e o grande núcleo de oposição ao governo não era mais a opção pelo [[socialismo]] ou [[comunismo]] das guerrilhas de [[extrema-esquerda]], mas a oposição civil em defesa da volta do estado democrático, fosse pelo partido oficial da oposição - o [[Movimento Democrático Brasileiro|MDB]] - fosse pelas manifestações que pouco a pouco voltavam a sacudir o país.


Com essa finalidade, esses militares passaram a arquitetar atentados terroristas com vistas a enfraquecer os setores dominantes das Forças Armadas, que eles viam como brandos e ineficazes – até mesmo com "inclinações esquerdistas"{{nota de rodapé|Segundo um dos cabeças da linha-dura do exército, o general [[Sylvio Frota]], os militares podiam ser divididos em três grupos "de tendências e aspirações diferentes": a linha-dura, que seria fiel à ideologia do Golpe de 1964, os setores que controlavam o governo ("de inclinações liberais centro-esquerdistas") e o setor nacionalista, "de fortes tinturas socialistas".{{Sfn|Santos|2009|p=140}}}} – e também com a finalidade de intensificar o sentimento [[Anticomunismo|anti-comunista]] da população de tal forma que sua proposta linha-dura viesse a ser vista como necessária ao país.{{Sfn|Nascimento|2010|p=20}}{{Sfn|Reis|2010|p=222}} Não que se tratasse de uma estratégia nova, visto que já entre 1967 e 1968 militares liderados por [[Aladino Félix]] e o general Paulo Trajano da Silva haviam realizado uma longa campanha de assaltos à mão armada e ataques a bomba com o objetivo de levar a um endurecimento da ditadura que assolava o país.{{Sfn|Quadros|2018}}{{Sfn|Phillips|2018}}{{Sfn|Faria|2019|p=219-220}} Pioneiros do [[terrorismo de Estado]] no Brasil, esses ataques foram anteriores ao surgimento do [[terrorismo de esquerda]] do final dos anos 1960 mas, devido às manobras dos militares, acabaram creditados a grupos de esquerda e tiveram papel significativo na promulgação do [[Ato Institucional n.º 5|AI-5]], de 13 de dezembro de 1968.{{Sfn|Quadros|2018}}{{Sfn|Phillips|2018}}{{Sfn|Faria|2019|p=215}}[[Ficheiro:Foto oficial do presidente Ernesto Geisel (Crop).png|miniaturadaimagem|205x205px|[[Ernesto Geisel]] foi o presidente militar que mais cassou políticos de oposição, mas isso não impediu que setores das Forças Armadas continuassem com sua campanha de atentados terroristas.{{Sfn|Reis|2010|p=221–222}}|esquerda]]Como parte dos esforços do governo Geisel em frustar as tentativas dos setores mais radicais das forças armadas em mobilizar o apoio das tropas como um todo, em 1979 Geisel escolheu como seu sucessor o general [[João Batista Figueiredo]].{{Sfn|Resende|2014|p=38-39}} Anteriormente chefe do gabinete militar do [[governo Médici]], Figueiredo também fora chefe do [[Serviço Nacional de Informações]] (SNI) e praticamente toda a sua carreira estava ligada à chamada "comunidade de informações" do Exército, que era responsável direta pelas atividades de repressão à oposição ao governo, por meio de organizações como o próprio SNI, o [[Centro de Informações do Exército]] (CIE) e o [[DOI-CODI|Destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna]] (DOI-CODI).{{Sfn|Costa|1991|p=26-27}} Sua escolha como sucessor de Geisel, portanto, visava superar resistências e compor alianças que sustentassem o processo de reabertura política do país.{{Sfn|Costa|1991|p=26-27}}
Na falta de um perigo evidente, as alas mais radicais das [[Forças Armadas]] estavam dispostas a forjar ameaças para justificar uma volta à repressão mais violenta, tal como fora no governo do general [[Emílio Garrastazu Médici|Emílio Médici]], e assim, dar maior importância aos órgãos de segurança.


A imposição de Figueiredo como candidato, contudo, foi uma vitória "com gosto de derrota", pois Geisel jamais foi capaz de conquistar o engajamento ou a despolitização do Alto Comando das Forças Armadas e dos diferentes setores destas.{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=139–140}} Como parte dessa dinâmica e em razão de seu histórico profissional, o general Figueiredo teve de colaborar com a comunidade de informações das Forças Armadas e evitaria confronta-la, principalmente o CIE, cujos integrantes estavam inconformados com os rumos políticos do governo.{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=140}}{{Sfn|Koonings|2010|p=27}}{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=142}} Além de suas motivações comuns com o restante da ala linha-dura dos militares, os membros desse grupo haviam sido responsáveis por centenas de casos de tortura e assassinato de opositores, e, portanto, temiam ser humilhados e punidos caso o regime se desfizesse e a oposição viesse a assumir o poder. O fim da ditadura, além disso, já vinha limitando severamente as atividades da comunidade de informações e esse grupo temia perder seu poder e benesses.{{Sfn|Koonings|2010|p=27}}{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=142}}[[Ficheiro:João Baptista Figueiredo.tif|miniaturadaimagem|[[João Batista Figueiredo|João Figueiredo]] provinha da "comunidade de informações", responsável pelo atentado do Riocentro.{{Sfn|Costa|1991|p=26-27}}|229x229px]]
== Os preparativos ==
Várias medidas estranhas tomadas no dia em que se realizaria o espetáculo indicam que o atentado envolveu a participação estratégica de muitas pessoas, militares e civis, e que já vinha sendo planejado detalhadamente pelo menos um mês antes.


Por isso, para eles também era interessante que a esquerda voltasse a se envolver na [[luta armada]], de modo a justificar mais repressão política e a continuidade dos órgãos em que trabalhavam. Na falta de um perigo evidente, visto que a ação armada da esquerda havia sido abandonada muito antes, esses grupos estavam dispostos a forjar ameaças da parte de "subversivos de esquerda", que, eles esperavam, levariam a uma volta da repressão mais violenta e aumentariam a importância dada aos órgãos de segurança da ditadura.{{Sfn|Nascimento|2010|p=14, 21-22, 30}}
A poucas horas do início do evento, a segurança do pavilhão era parca em relação ao habitual. O tenente César Wachulec, chefe da segurança do Riocentro, recebeu naquele dia uma ordem para controlar exclusivamente o movimento das bilheterias, sendo afastado de suas funções habituais pela diretora de operações do Riocentro, Maria Ângela Campobianco. A coordenação geral dos seguranças foi transferida para outro funcionário, um [[mecânico]] sem qualquer experiência na área. Um mês antes disso, o antecessor do tenente Wachulec fora demitido sem justificativas. Seu nome era Dickson Grael, [[coronel]] [[paraquedista]] e pai dos velejadores olímpicos [[Lars Grael|Lars]] e [[Torben Grael]], bastante experiente nesse tipo de serviço.<ref name="cpdoc"/>


Nesse contexto, entre 1978 e 1987 esses militares deram continuidade à campanha de ataques à bomba que vinha sendo levada a cabo pelo país pelos setores linha-dura.{{Sfn|Silva|2020}}{{Sfn|Costa|1991|p=28}}{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=142}} Os ataques desse período, contudo, seriam mais numerosos e virulentos e, somente a partir de janeiro de 1980, somariam cerca de 74 atos terroristas.{{Sfn|Kushnir|2009}} Em particular, buscando intimidar a imprensa que criticava a ditadura e lideranças que se opunham a ela, apenas entre 1979 e 1981 ao menos quarenta explosões contra bancas de jornal foram realizadas por militares,{{Sfn|Dantas|2014}} enquanto ataques a bombas também atingiram instituições como a [[Ordem dos Advogados do Brasil]] (OAB), a [[Associação Brasileira de Imprensa]] (ABI) e a Casa do Jornalista, bem como livrarias e universidades e as sedes de jornais como [[O Estado de S. Paulo]], [[Hora do Povo]], Em Tempo (Belo Horizonte) e [[O Pasquim]].{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=3-4}}{{Sfn|Nascimento|2010|p=21-22}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=661}} Até mesmo militares que defendiam a reabertura política passaram a ter suas famílias ameaçadas.{{Sfn|Gaspari|2016|p=16}} O show em comemoração do Dia do Trabalhador, que testemunharia o Atentado do Riocentro, já fora alvo de uma bomba no ano anterior, em 26 de abril 1980, que explodira em uma loja que vendia ingressos para o evento.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=4, 11}}
A [[Polícia Militar]] costumava destacar homens para patrulhar eventos no local, assim como em qualquer outra grande aglomeração de pessoas. Mas, no dia do atentado, o policiamento fora suspenso pouco antes do espetáculo. A justificativa foi a de que, por ser um evento privado, a responsabilidade pela segurança era exclusiva dos organizadores.


== O ''Show 1º de Maio'' ==
O carro que carregava a bomba - um [[Puma GTE]] cinza-metálico placa OT-0297<ref name="vandre"/> - fora visto na tarde daquele mesmo dia no restaurante Cabana da Serra, que ficava num ponto isolado da estrada [[Grajaú-Jacarepaguá]], parado junto a outros seis carros. Desses carros desceram cerca de quinze homens, que usaram uma mesa do restaurante para examinar um grande mapa. Depois de perceber que vários deles carregavam armas na cintura, um dos funcionários resolveu ligar para a polícia. Uma viatura atendeu o chamado mas, dada a superioridade numérica dos homens, limitou-se a anotar as placas enquanto pedia reforços. Mas os carros abandonaram o local antes que outros policiais chegassem.<ref name="cpdoc"/>


Localizado em [[Jacarepaguá]], na cidade do Rio de Janeiro, o [[Riocentro]] era o maior centro de eventos da América Latina e, em 30 de abril de 1981, sediaria o ''Show 1º de Maio'',{{Sfn|Laque|2010|p=587}} uma celebração do [[Dia do Trabalhador]] que era organizada anualmente pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), uma organização cultural presidida pelo arquiteto [[Oscar Niemeyer]] e com ligações com o [[Partido Comunista Brasileiro]].{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=3}}
== O atentado ==
Durante aquele dia, várias placas de trânsito no trajeto que leva ao Riocentro e painéis de propaganda dentro do complexo foram pichadas com a sigla VPR ([[Vanguarda Popular Revolucionária]]). Desde o final da tarde, algumas placas indicativas da direção do centro de convenções também apareceram pichadas com essa sigla. Minutos antes do início do espetáculo, o guarda do estacionamento reservado aos ônibus viu dois carros atravessarem o canteiro e se dirigirem para o local, onde, depois, explodiria o Puma. À noite, quando começou o espetáculo, apenas cinco dos 28 portões estavam abertos. Os outros teriam sido trancados, o que impediria uma saída rápida dos espectadores em caso de emergência, provocada, por exemplo, por um corte de luz.<ref name="cpdoc">{{citar web|url=http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/riocentro-atentado-do|título=Atentado do Riocentro|publicado=CPDOC/Fundação Getúlio Vargas|acessodata=15 de julho de 2017}}</ref>


Nesse ano o evento contava com roteiro de [[Chico Buarque|Chico Buarque de Hollanda]] e [[Fernando Peixoto]], e fazia uma homenagem especial a [[Luiz Gonzaga]]. O público esperado era de 30 mil pagantes, mas de fato ele viria a reunir cerca de 20 mil pessoas, em sua maioria jovens, que compareceram para assistir às apresentações de artistas renomados da música popular brasileira, dentre os quais o próprio Luiz Gonzaga, seu filho [[Gonzaguinha]], [[Alceu Valença]], [[Clara Nunes]], [[Djavan]], [[Ivan Lins]], [[Gal Costa]], [[Fagner]], [[João Bosco (músico)|João Bosco]], [[Ney Matogrosso]], [[Paulinho da Viola]], [[Simone]] e [[Beth Carvalho]].{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=3}} No momento da primeira explosão, em torno das 21h20m, cantava [[Elba Ramalho]].{{Sfn|Laque|2010|p=587}}
Dentro do Riocentro, cerca de 20 mil pessoas assistiam ao espetáculo organizado pelo Centro Brasil Democrático, organização ligada ao [[Partido Comunista Brasileiro|PCB]], e [[Elba Ramalho]] começa a cantar "Banquete de Signos" no palco do centro de convenções.<ref name=laque>{{citar livro|último =Laque|primeiro =João Roberto|título=Pedro e os Lobos|url=https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Atentado_do_Riocentro&action=edit&section=3|ano=2010|publicado=Ava Editorial|isbn=978-85-91053-70-4|página=638}}</ref> {{rp|587}}<ref name=folha1>{{citar web|url=http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2410199914.htm|título=A atualidade do Riocentro chama-se impunidade|último =Elio|primeiro =Gaspari|publicado=Folha de S.Paulo|acessodata=15 de julho de 2017}}</ref> O Puma no estacionamento reservado aos artistas e organizadores levava dois ocupantes, o capitão Wilson Machado, proprietário do carro, e o sargento Guilherme Pereira do Rosário. Ambos integravam o [[DOI-Codi|DOI]] do [[Comando Militar do Leste|I Exército]], no Rio de Janeiro, e pertenciam ao aparelho de repressão progressivamente desativado desde 1975, que vinha praticando atentados terroristas contra personalidades políticas, bancas de jornais e sedes de publicações esquerdistas<ref name=folha1/>; o sargento Rosário, usando a identificação de '''agente "Wagner"''', era treinado em montagem de [[explosivo]]s e Machado, eventual chefe do patrulhamento da segurança do presidente Figueiredo, quando ele ia ao Rio.<ref name=folha1/> Quando o carro começou a sair da vaga onde estacionara, um artefato dentro dele explodiu antecipadamente. A explosão inflou o teto do carro e explodiu as portas. O sargento Rosário morreu, enquanto o capitão Machado saía dos destroços ferido, segurando com as mãos as próprias [[vísceras]] expostas.<ref name=laque/>{{rp|587}} Muitas pessoas se aglomeraram em volta do carro. Alguns dos espectadores, inclusive o tenente Wachulec, viram um homem retirar do interior duas [[granada]]s do tipo cilíndrico usado pelo Exército Brasileiro. O capitão Machado, que ziguezagueou por uns 200 metros gemendo, sentou-se numa escada que dava acesso para a plateia e foi socorrido 25 minutos depois pela neta do futuro presidente [[Tancredo Neves]], [[Andrea Neves]], que chegava atrasada para o espetáculo,<ref name="vandre">{{citar web|url=https://books.google.com.br/books?id=8_ewCgAAQBAJ&pg=PT209&lpg=PT209&dq=%22Pessoas+contra+a+democracia+jogaram+bombas+l%C3%A1+fora+para+nos+amedrontar%22.&source=bl&ots=OjaycXEgCC&sig=u0QDbR667VeSe0cMs9K17JSWg3o&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjvxpWtmYzVAhUDHJAKHUOoBaEQ6AEIMTAC#v=onepage&q=%22Pessoas%20contra%20a%20democracia%20jogaram%20bombas%20l%C3%A1%20fora%20para%20nos%20amedrontar%22.&f=false|título=Vandré - O homem que disse não|último =dos Santos|primeiro =Jorge Fernando|acessodata=15 de julho de 2017}}</ref> sendo levado para o [[Hospital Miguel Couto]] onde pediu que avisassem do acidente o capitão Francisco de Paula Sousa Pinto. Este, ao chegar ao hospital, identificou o ferido como [[capitão]] do Exército. Trinta minutos depois da primeira explosão, uma segunda bomba explode na casa de força, jogada por cima do muro, mas sem maiores consequências nem corte de luz. Minutos depois, um [[Chevrolet Opala]] branco estacionado num pátio reservado deixou o local, com seu ocupante gritando para um guarda: “Vocês ainda não viram nada! O pior vai acontecer lá dentro!”<ref name="cpdoc"/>


== Objetivo e preparativos ==
A explosão no carro não chamou a atenção do público que assistia ao espetáculo dentro do pavilhão. A segunda explosão, na caixa de força da estação elétrica, pode ser ouvida dentro dele como um ruído abafado, mas nada que provocasse inquietação. Os artistas só eram avisados à medida que deixavam o palco e de forma discreta. A plateia só foi informada perto do final do espetáculo, quando o compositor e cantor [[Gonzaguinha]] subiu ao palco e disse: "Pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos amedrontar".<ref name="vandre"/>
Uma série de eventos nos dias que antecederam o ''Show 1º de Maio'' indicam que o atentado a bomba no Riocentro foi premeditado e objeto de intenso planejamento por parte de setores do [[Exército Brasileiro]] e da [[Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro|Polícia Militar do Rio de Janeiro]].{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=9}}{{Sfn|GloboNews|2018}}


As edições anteriores do concerto do Dia do Trabalhador do Cebrade contaram com policiamento realizado pela Polícia Militar, que, além do mais, sempre fazia o policiamento nos eventos do Riocentro, especialmente em eventos como o daquela noite, com um público esperado de até 30 mil pessoas.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=10}} Ademais, em 1980 o mesmo show havia sido alvo indireto de um ataque a bomba, que explodiu em uma loja que vendia seus bilhetes de ingresso.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=4, 11}} Como esperado, portanto, em 14 de abril de 1981 os organizadores do concerto solicitaram ao comandante do 18º Batalhão de Policia Militar o policiamento interno e externo do Riocentro durante o evento.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=9}}
Com a chegada a perícia, mais dois artefatos explosivos são fotografados dentro do Puma.<ref name=laque/>{{rp|587}} Pouco depois, um dos seguranças do Riocentro aproxima-se dos destroços do carro onde estão dois homens que se identificam como capitães do exército. Com a chegada da polícia, o local em volta é isolado. As redações de jornais começam a receber informações sobre o atentado e algumas delas recebem ligações anônimas informando que um tal "Comando Delta" havia agido no Riocentro para “acabar com manifestações subversivas”.<ref name="cpdoc"/>


Dez dias depois, a PM distribuiu uma ordem de serviço determinando que o policiamento no show do Riocentro teria efetivo de 43 homens a pé, uma força de choque, um policiamento a cavalo, uma guarnição e uma rádio patrulha, todos sob o comando de um capitão da PM.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=661}} Contudo, dois dias antes do evento, o comandante do 18º Batalhão, coronel Sebastião Hélio Faria de Paula, foi exonerado de seu posto e substituído pelo tenente-coronel Ile Marlen Lobo Pereira Nunes. Contrariando a tradição da PM, que habitualmente realizava atos solenes durante o hasteamento da bandeira, pela manhã, a cerimônia de passagem do comando foi agendada para as 15h do dia 30 de abril, poucas horas antes do início do show.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=9}}[[Ficheiro:Show 1 de Maio 1981 Riocentro.png|miniaturadaimagem|225x225px|O ''Show 1º de Maio'' reunia grandes nomes engajados na oposição à ditadura.]]Paralelamente, pela manhã do dia 30 de abril, o comandante da PM do Rio de Janeiro, coronel Newton Albuquerque Cerqueira, transferiu seu comando para o chefe de seu estado-maior, o tenente-coronel Fernando Antônio Pott, alegando a necessidade de uma viagem a Brasília.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=9}} Na tarde desse dia, poucas horas antes das explosões, o coronel Cerqueira telefonou ao tenente-coronel Pott ordenando-lhe que suspendesse todas as atividades de policiamento durante o concerto que se iniciaria no Riocentro,{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=9}} e que mantivesse de prontidão, no quartel, uma tropa de sessenta homens, que poderiam ser acionados em caso de emergência.{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=10}} Os organizadores do evento seriam informados dessas mudanças minutos antes do início do show.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=661}}
== Desdobramentos ==
Ao mesmo tempo, ações foram promovidas para garantir que a segurança no Riocentro seria parca em relação ao habitual. Algumas semanas antes do evento, o chefe de segurança do Riocentro, coronel Dickson Grael, fora demitido sem maiores explicações e substituído pelo tenente Cesar Wachulec, que, apesar apesar das dificuldades, foi capaz montar uma operação de última hora para a segurança do show.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=10}} Contudo, no dia do evento o tenente Wachulec foi removido da chefia de segurança e posto para supervisionar exclusivamente o movimento das bilheterias, de acordo com uma decisão da assessora da presidência do Riocentro, Maria Ângela Campobianco.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=10}} A coordenação geral dos seguranças foi transferida para outro funcionário, um mecânico de profissão, sem qualquer experiência com a segurança de eventos, e, quando do início do espetáculo, às 21h, apenas cinco dos 28 portões do Riocentro estavam abertos; os outros haviam sido trancados por ordem de Maria Ângela Campobianco, a fim de impedir a saída rápida dos espectadores em caso de emergência.{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=661-662}}
{{Reciclagem|data=setembro de 2016}}
{{mais notas|data=abril de 2017}}
{{revisão|data=fevereiro de 2014}}
Logo após o fracasso do atentado, a [[linha dura]] do Exército e o SNI iniciaram um esforço conjunto para tentar encobrir o caso.


Poucas horas antes do concerto, um grupo de quinze indivíduos armados se reuniu em um restaurante às margens da estrada [[Grajaú-Jacarepaguá]], a fim de acertar os últimos detalhes do plano. O grupo, que examinava e discutia planos em torno de um mapa, chamou a atenção dos funcionários do restaurante, que, confundindo-os com potencias assaltantes de banco, telefonaram para a polícia. Uma viatura que se encontrava nas redondezas chegou a comparecer ao local, mas, dada a superioridade numérica do grupo, limitou-se a anotar as chapas de matrícula de cinco automóveis utilizados pelo ele, dentre as quais a do veículo que seria usado no atentado daquela noite e acabaria destruído, um [[Puma GTE]] marrom metálico com a placa de identificação OT-0297.{{Sfn|Kushnir|2009}}
O [[DOI]] do Rio de Janeiro (subordinado ao I Exército) divulgou um comunicado dizendo que os passageiros do Puma estavam no local a serviço, colhendo dados sobre uma possível ação subversiva. Homens ligados ao Exército informavam aos jornais que os agentes do DOI tinham sido vítimas da bomba, a qual teria sido posta entre o banco direito e a porta do carro enquanto o capitão tinha ido urinar e o sargento saíra para "esticar as pernas".


Ainda antes do concerto, diversas placas de sinalização indicando o caminho do Riocentro, e [[Painel publicitário|painéis publicitários]] localizados no próprio terreno do centro de convenções, foram [[Pichação|pichados]] com a sigla VPR, em referência à [[Vanguarda Popular Revolucionária]], um grupo de extrema-esquerda que fora ativo entre 1966 e 1973.{{Sfn|Kushnir|2009}} Relatos posteriores confirmariam que essas pichações foram organizadas pelo policial civil Mario Viana, codinome "Mineiro", que naquele dia estivera recrutando pessoas com essa finalidade nas imediações do Riocentro.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=9}}
Foi aberto um [[inquérito policial militar]] sobre o caso, e o indicado para presidi-lo foi o coronel [[Luiz Antônio do Prado Ribeiro]]. Pouco tempo depois, ele já estava convencido de que os passageiros do carro eram os autores do atentado. No entanto, Ribeiro renunciou à presidência do inquérito, possivelmente por pressão de membros da "comunidade de informação".


Conforme imagens fotográficas feitas naquela noite e relatos de diversas pessoas que observaram o veículo nas horas que se seguiram à primeira explosão, dentro do carro haviam outras bombas e explosivos, além dos que efetivamente foram detonados naquela noite.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=10-11}} Anos mais tarde também viria à tona que, além delas, ao menos outras duas bombas haviam sido instaladas no interior do pavilhão onde se realizava o show musical, mas que, logo depois da desastrosa explosão no Puma, foram desarmadas discretamente por militares.{{Sfn|Zaverucha|Melo Filho|5=2004|p=779}}
O coronel [[Job Lorena de Sant'Anna]] assumiu em seu lugar. O coronel havia comparecido ao enterro de Rosário, onde leu um discurso que declarava que ele fora vítima de um ato terrorista, corroborando a versão divulgada inicialmente pelo Exército, embora várias evidências a desmentissem. Uma delas era o fato da genitália do sargento ter sido destruída, o que não aconteceria se a bomba estivesse do lado do banco. Além disso, os homens do DOI carregavam duas granadas. Imagens delas apareceram inclusive no [[Jornal Nacional]], mas, pressionada pelos militares, a [[Rede Globo]] voltou atrás e anunciou que as imagens eram de extintores de incêndio.


Acredita-se que esse conjunto de explosivos seria detonado no interior do pavilhão e junto às saídas de emergência do Riocentro, depois que explosões menores tivessem chamado a atenção do público e provocado um blecaute. Isso causaria uma grande comoção e incitaria o público a desesperar-se e buscar abandonar o local rapidamente, o que levaria a um grande número de feridos com veículos e potencialmente a centenas de pessoas pisoteadas, visto que a maioria das portas de saída haviam sido trancadas com cadeado e no local não havia policiais ou seguranças suficientes.{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=263–264}}
Outros fatos foram ignorados pelo inquérito. A caminho do hospital, o capitão Machado pediu que telefonassem para um certo número e relatassem o acidente a Aloísio Reis. Esse era o codinome do coronel [[Freddie Perdigão Pereira]], que, à época, trabalhava no SNI mas já fora membro do [[Grupo Secreto]], organização [[extrema direita|radical de direita]], famosa por realizar atentados a bomba. O número era de um telefone do DOI.


== As explosões ==
No Puma, foram encontrados documentos em nome do capitão Machado, mas a placa era falsa. Isso contraria a afirmação de que os militares estariam a serviço no local, já que nessas situações se usava um carro oficial.
Poucos após se iniciar o ''Show 1º de Maio'', um vigia encarregado do estacionamento do Riocentro testemunhou dois carros atravessarem o canteiro e se dirigirem para o local onde minutos depois o Puma explodiria.{{Sfn|Kushnir|2009}} Esse veículo levava dois ocupantes, o capitão Wilson Luís Chaves Machado, proprietário e motorista do carro e conhecido pelo codinome "Doutor Marcos", e o sargento Guilherme Pereira do Rosário, codinome "Agente Wagner".{{Sfn|Laque|2010|p=587}}{{Sfn|Gaspari|2016|p=15–16}} Ambos integravam o DOI-CODI do [[Comando Militar do Leste|I Exército]], no Rio de Janeiro, e pertenciam ao aparelho de repressão que, desde 1975, progressivamente vinha sendo desativado devido ao processo de reabertura.{{Sfn|Gaspari|1999}} O sargento Rosário era treinado em montagem de [[explosivo]]s, ao passo que Machado atuava como chefe do patrulhamento da segurança do presidente Figueiredo, quando este se encontrava no Rio.{{Sfn|Gaspari|1999}}


Por volta das 21h20min, quando Elba Ramalho começava a cantar "Banquete de Signos", o Puma, com as janelas quase todas fechadas, pôs-se em movimento em marcha à ré, a fim de deixar a vaga em que estava estacionado; repentinamente, nesse momento ele sofreu uma explosão interna que lhe inflou o teto e fez com que suas portas laterais fossem expelidas.{{Sfn|Laque|2010|p=587}}{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=221}} Confissões posteriores revelariam que a bomba detonada havia sido preparada e armazenada por Hilário José Corrales, um marceneiro em cuja casa se reuniam militares radicais do DOI-CODI.{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=264–265}}{{Sfn|Kushnir|2009}}[[Ficheiro:GL events Riocentro - aérea 2014.jpg|miniaturadaimagem|Vista aérea do Riocentro (2014)|esquerda|220x220px]]O sargento Rosário, que levava a bomba no colo, morreu imediatamente, enquanto o capitão Machado foi capaz de retirar-se dos destroços, embora gravemente ferido e segurando com as mãos as próprias [[vísceras]] expostas.{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Laque|2010|p=587}} Cambaleando, ele andou cerca de duzentos metros e sentou-se em uma escadaria de acesso ao espaço do show, gemendo por socorro.{{Sfn|Laque|2010|p=587}} Contudo, não haviam médicos, enfermeiros ou ambulâncias disponíveis no Riocentro, a despeito da magnitude do evento.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}} Ele foi socorrido cerca de 25 minutos depois da explosão no Puma, e levado para o [[Hospital Miguel Couto]], onde pediu que telefonassem ao capitão Francisco de Paula Sousa Pinto para avisa-lo do ocorrido. Este, ao chegar ao hospital, identificou o ferido como [[capitão]] do Exército.{{Sfn|Kushnir|2009}} Um dos integrantes da equipe de cirurgia que atendeu Machado disse que, sob efeito da anestesia, o militar teria murmurado que “deu tudo errado”.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}}
O fracasso nas investigações do atentado e do envolvimento da linha dura do regime no episódio levou à renúncia do ministro chefe da Casa Civil, [[Golbery do Couto e Silva]]. Apesar de todas as evidências, o caso foi arquivado e só foi reaberto em 1999, quando o ex-chefe do SNI, general [[Octávio de Medeiros]], disse que soube do atentado uma hora antes que acontecesse; posteriormente declarou que a informação lhe fora dada pelo general [[Newton Cruz]], que já saberia do plano um mês antes.<ref>{{citar web |autor=[[Jornal do Brasil|JB]] Online |data=15 de fevereiro de 2008 |url=http://jbonline.terra.com.br/editorias/pais/papel/2008/02/15/pais20080215019.html |publicado=[[Terra Networks]] |título=Morre o general que negou o caso Riocentro |acessodata= }}</ref> Mas segundo a narrativa de Cruz, ele próprio só teria sido informado, uma hora antes do atentado, que se planejava no [[DOI]] do Rio um atentado contra o [[Riocentro]]. E essa informação teria sido obtida pelo coronel Perdigão. Quatro anos depois de deixar o poder, o general [[Golbery do Couto e Silva]], fundador do SNI, contou que ''"o Medeiros'' (general Octávio Aguiar de Medeiros, chefe do SNI) ''disse que o Riocentro tinha sido coisa do Coelho Neto'' (general José Luís Coelho Neto), ''mas hoje em dia eu não sei se ele realmente tinha elementos para dizer aquilo. O fato é que ele disse".''<ref>{{citar web |url=http://www2.uol.com.br/JC/_1999/2410/ega2410.htm |publicado=[[Universo Online]] |autor= |título=A atualidade do Riocentro chama-se impunidade |data= |acessodata= |obra=Por Élio Gáspari}}</ref>


Trinta minutos depois da explosão do Puma, uma segunda explosão atingiu a Casa de Força do Riocentro, a miniestação responsável pela alimentação de eletricidade do centro de eventos.{{Sfn|Laque|2010|p=587}} Como mais tarde se comprovou, essa bomba foi arremessada por cima do muro da Casa de Força pelo coronel [[Freddie Perdigão Pereira]],{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}} que era próximo do preparador de explosivos Hilário José Corrales{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=223}} e também de Heitor Ferreira, secretário particular dos presidentes Ernesto Geisel e João Figueiredo.{{Sfn|Gaspari|2016|p=13–15}}{{nota de rodapé|[[Freddie Perdigão Pereira]] teve um papel significativo no [[Golpe de 1964]]. Aos 27 anos, enquanto tenente e encarregado dos quatro tanques M-41 do Exército que protegiam o [[Palácio Laranjeiras]], a residência presidencial no Rio de Janeiro, Perdigão abandonou seu posto para juntar-se ao governador Carlos Lacerda na tomada do Palácio. Mais tarde, ele se juntaria ao [[Centro de Informações do Exército]] e militaria "no pedaço mais fundo do porão do regime", o departamento do CIE chamado de "Casa da Morte".{{Sfn|Gaspari|1999}}}} Contudo, o explosivo arremessado foi parar no pátio da Casa de Força, distante do equipamento de fornecimento de energia, e assim falhou em atingir seu alvo e causar danos significativos, isto é, não chegou a produzir um blecaute generalizado, como se objetivara.{{Sfn|Kushnir|2009}} Minutos depois dessa segunda explosão, um [[Chevrolet Opala]] branco, que estava estacionado num pátio reservado do Riocentro, pôs-se em movimento e seu ocupante gritou para um guarda: “Vocês ainda não viram nada! O pior vai acontecer lá dentro!”.{{Sfn|Kushnir|2009}}
Em maio de 2014, a Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal, determinou ao Exército Brasileiro que lhes fossem encaminhadas as folhas de alterações de quatro oficiais da reserva, denunciados, juntamente com outros réus, por crimes neste atentado. Segundo a denúncia, os militares reformados [[Wilson Luiz Chaves Machado]], proprietário do Puma no qual teria ocorrido a explosão, [[Nilton de Albuquerque Cerqueira]], [[Newton Cruz]], [[Edson Sá Rocha]], [[Divany Carvalho Barros]] e o ex-delegado [[Cláudio Antônio Guerra]] devem responder pelos crimes de homicídio tentado, formação de quadrilha ou bando, transporte de explosivos, fraude processual e favorecimento pessoal. Em julho de 2014, O Tribunal Federal da 2ª Região concedeu habeas corpus a quatro dos oficiais da reserva denunciados por julgar que os crimes estariam prescritos.<ref>{{citar web|URL = http://www.cbnfoz.com.br/editorial/politica/02072014-164781-justica-concede-habeas-corpus-a-4-denunciados-por-caso-riocentro|título = Justiça concede habeas corpus a 4 denunciados por caso Riocentro|data=2 de Julho de 2014|acessadoem = 29 de julho de 2014|autor = CBN Foz do Iguaçu|publicado = CBN Foz do Iguaçu}}</ref>


Nos minutos que se sucederam à explosão do Puma, muitas pessoas se aglomeraram em volta do carro, inclusive outros dos sete militares do DOI-CODI que participavam do ataque.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=662}}{{Sfn|Kushnir|2009}} Às 22h, Amaro Ribeiro Pereira, um segurança do Riocentro, aproximou-se do Puma e observou a presença de dois homens, que se identificaram como capitães do Exército. Com a chegada da polícia, perto das 22h30 min, a área em volta do carro foi isolada.{{Sfn|Kushnir|2009}}
== Reabertura do caso ==
Novas provas surgiram dezoito anos depois daquilo que poderia ter sido o maior atentado terrorista urbano da história do Brasil. Diante disso, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados solicitou a reabertura do caso. A procuradora da República Gilda Berger aceitou o pedido, considerando que o caso não era coberto pela Lei da Anistia, nem estava prescrito: a anistia se aplica apenas aos crimes cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, enquanto a prescrição ocorreria em 30 de abril de 2001.


Em paralelo a isso, as redações de jornais começam a receber informações sobre o atentado e, como consequência disso, jornalistas e fotógrafos dirigiram-se ao Riocentro, chegando a tempo de registrar os danos causados ao carro.{{Sfn|Kushnir|2009}} Além dos jornalistas e da policia, também dirigiu-se ao Riocentro uma equipe de [[Ciência forense|perícia forense]], que identificou e desativou no interior do Puma semi-destruído outras duas bombas, além de uma pistola e de uma granada de mão do tipo usado pelo Exército, evidências que o plano dos terroristas incluíra outras explosões além daquelas que efetivamente foram deflagradas.{{Sfn|Laque|2010|p=587}}{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}} Isso foi confirmado à imprensa presente no Riocentro, por volta da meia-noite, pelo perito Humberto Guimarães, conhecido como "Cauby", e depois corroborado pelo delegado Petrônio Henrique Romano.{{Sfn|Kushnir|2009}} As duas bombas, duas [[Granada de mão|granadas]] do tipo cilíndrico usado pelo Exército Brasileiro,{{Sfn|Laque|2010|p=587}} chegaram a ser mostradas por reportagens da [[TV Globo|Rede Globo]] na sequência do atentado,{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Jornal Hoje|1981}} mas nos dias seguintes passaram a ser omitidas.{{Sfn|Memória Globo|2018}}{{Sfn|Priolli|1985|p=46}}
Após três meses de investigações, o general [[Sérgio Conforto]], encarregado do novo inquérito policial-militar (IPM) do [[Riocentro]], encerrou seu trabalho apontando a responsabilidade de quatro militares pelo atentado. O coronel [[Wilson Machado]], que estava no Puma que explodiu, foi indiciado por homicídio qualificado, por ter assumido o risco de uma ação que poderia causar a morte de Guilherme (pena de 12 a 30 anos). Wilson Machado foi indiciado também pela antiga [[Lei de Segurança Nacional]], crime que está prescrito. O general da reserva [[Newton Cruz]], ex-chefe da Agência Central do SNI, foi indiciado por falso testemunho (dois a seis anos) e desobediência (um a seis meses). Newton Cruz foi indiciado também por [[prevaricação]] e condescendência criminosa, mas só responderá por falso testemunho e desobediência. Conforto concluiu que havia provas para indiciar o sargento [[Guilherme do Rosário]], morto na explosão, e o coronel [[Freddie Perdigão]], chefe da agência do SNI do Rio em 1981 e que morreu em 1996. Descobriu-se que Freddie Perdigão havia planejado o atentado.


Mais tarde, o tenente Wachulec, que trabalhava no Riocentro, testemunhou um homen retirar objetos do carro, notadamente as duas bombas cilíndricas.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}}{{Sfn|Laque|2010|p=587}} Como depois comprovou-se, esse homem era o capitão Divany Carvalho Barros, conhecido como "Doutor Áureo", que, por ordem do chefe do DOI-CODI do I Exército, o tenente-coronel Júlio Miguel Molinas Dias, realizou uma operação limpeza no veículo, retirando de seu interior as bombas, a granada e a pistola, bem como a agenda pessoal do sargento morto na explosão.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}} A partir do dia seguinte, a existência de outras bombas no interior do Puma seria veementemente negada pelo delegado Newton Costa, diretor do Departamento Geral de Investigações Especiais, e pelo general Gentil Marcondes Filho, comandante do I Exército, pois confrontava a versão defendida pela PM e pelo Exército: a de que os militares no Puma teriam sido vítimas de um ataque de terroristas de esquerda, que teriam arremessado uma bomba no interior do carro em movimento, através de sua janela entreaberta.{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663}} Assim, o detetive Cauby não foi mais encontrado pela imprensa e o delegado Petrônio Henrique Romano mudou seu relato dos fatos.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=662}}
O IPM, com 270 páginas, foi enviado ao procurador-geral da Justiça Militar Kleber Coêlho, para que oferecesse denúncia ao [[Superior Tribunal Militar]] (STM).<ref>{{citar web |url=http://www.radiobras.gov.br/anteriores/1999/sinopses_2010.htm |publicado=Radiobras.gov.br |obra= |autor= |título=Radiobras. Sinopses |data= |acessodata= }}</ref><ref>{{citar web |autor= |obra=[[Revista Época]] |data=25 de outubro de 1999 |url=http://epoca.globo.com/edic/19991025/brasil7.htm |publicado=Epoca.globo.com |título=Novo inquérito indicia dois militares e muda versão do atentado de 1981 que marcou a abertura política |acessodata= }}</ref>


== Investigações ==
Em [[4 de maio]] de [[1999]], o [[caso Riocentro]] foi, arquivado pelo ministro civil do [[STM]], [[Carlos Alberto Marques Soares]]. Segundo ele, o poder de punição do Estado teria cessado, ou seja, mesmo que surgissem novas provas, nada mais poderia ser feito, já que uma decisão anterior do STM enquadrou o caso na [[Lei da Anistia]].<ref>{{citar web |autor=''Dados'' vol.47 n°. 4 Rio de |data=Janeiro de 2004 |url=http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52582004000400005&script=sci_arttext&tlng=en#tx32 |publicado=Scielo.br |obra= |título=Superior Tribunal Militar: entre o autoritarismo e a democracia |acessodata= }}</ref>
{{Caixa de citação
| citação = Não restam dúvidas de que os dois, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Luís Chaves Machado, provocaram o ataque a bomba e não foram as vítimas. É nítido que os dois, como membros do DOI-CODI, agiam sob as ordens de superiores no momento em que a bomba acidentalmente explodiu.
| autor = Relatório da [[CIA]] (1981).{{Sfn|O Globo|2018}}
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| citado = true
}}Imediatamente após o fracasso do atentado, iniciou-se um esforço conjunto para que não houvesse a apuração dos responsáveis pelo atentado do Riocentro e a culpa fosse transferida para organizações de esquerda que se encontravam fragilizadas e havia anos não tinham qualquer capacidade de ação.{{Sfn|Ridenti|2014}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=12}} Em última instância essas tentativas seriam frustradas, pois logo ficou claro que o capitão Wilson Luís Chaves Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário não eram vítimas e sim os perpetradores do ataque, e naquela noite agiam sob ordens de seus superiores do DOI-CODI.{{Sfn|GloboNews|2018}}


Segundo documentos da [[Central Intelligence Agency]] (CIA), tornados públicos na década de 2010, o diretor do SNI e o comandante do Exército conheciam inteiramente os planos para o atentado no Riocentro, embora não estivesse claro se o presidente Figueiredo tivera participação no plano.{{Sfn|GloboNews|2018}} Nessa mesma década, viriam a público confissões e documentos do Exército indicando que sete agentes do DOI-CODI participavam da ação terrorista no Riocentro, e que o presidente João Figueiredo e militares do seu entorno souberam dos planos com ao menos um mês de antecedência e se esforçaram para encobrir sua autoria.{{Sfn|Casado|2014}}{{Sfn|Kushnir|2009}}
Em 29 de Abril de 2014, a Comissão Nacional da Verdade apresentou um relatório preliminar sobre o caso afirmando que o atentado fez parte de uma ação articulada do Estado Brasileiro.<ref>[http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-04/atentado-do-riocentro-foi-a%C3%A7%C3%A3o-articulada-do-estado-diz-cnv Agência Brasil: Atentado do Riocentro foi "ação articulada do Estado", diz CNV]</ref>


=== O inquérito policial militar de 1981 ===
== Documento vem a público 31 anos depois ==
No dia seguinte às explosões, o general Gentil Marcondes Filho, comandante do I Exército, determinou que o enterro do sargento Guilherme do Rosário fosse realizado com honras militares e, em em um episódio incomum, fez questão de carregar uma alça do caixão, em clara demonstração de apreço pelo morto.{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=264}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=107}} Na saída do cemitério, ele declarou que os militares no Puma estavam no local cumprindo ordens suas, em missão de informação, quando teriam sido alvo de um ataque, e essa versão foi complementada pelo coronel Job Lorena de Sant'anna, chefe da 5ª Seção do I Exército, que leu uma nota reafirmando que o capitão e o sargento tinham sido vítimas de um atentado terrorista.{{Sfn|Kushnir|2009}}
O jornal Correio do Povo teve acesso a memorandos datilografados e também manuscritos do ex-comandante do DOI-Codi, [[Julio Miguel Molina Dias]],<ref>Polícia Civil irá investigar morte de coronel do Exército na Capital: [http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=474264 Correio do Povo | Notícias | Polícia Civil irá investigar morte de coronel do Exército na Capital], acesso: 5/8/2015</ref> morto a tiros quando chegava à sua residência em Porto Alegre na noite de 1 de novembro de 2012, no qual o coronel registra a mobilização que se instalou naquele quartel-sede da espionagem política do Brasil, imediatamente após a explosão do Rio centro.


Apesar das declarações e imagens realizadas na noite do acidente, tanto o general Gentil Marcondes Filho quanto o delegado Newton Costa, diretor do Departamento Geral de Investigações Especiais, passaram a negar a existência de outros explosivos dentro Puma.{{Sfn|Kushnir|2009}} Como parte da farsa, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Valdir Muniz, declarou em uma entrevista que os militares no Puma tinham sido vítimas da ação de terroristas, e o comandante da PM do Rio de Janeiro, coronel Newton Albuquerque Cerqueira, afirmou que suspendera o policiamento do Riocentro no dia do show por se tratar de um evento da iniciativa privada,{{Sfn|Kushnir|2009}} embora o mesmo show tivesse sido policiado em anos anteriores e eventos da mesma magnitude sempre contassem com a policiamento.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=10}}
São ordens, contraordens e telefonemas com a finalidade de evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona. O coronel Molinas redigiu parte desses memorandos, divididos em dias, horas e minutos.


Reconstituições da aparência de Átila com base em fontes históricas e arqueológicas.No mesmo dia, o general Waldir Muniz, que era Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, afirmou que o capitão Machado – então incomunicável e gravemente ferido – teria relatado que, ao por o Puma em movimento, ele e o sargento Rosário teriam sido surpreendidos com a presença de uma bomba no interior do carro; o sargento Rosário teria dito “Há uma bomba aqui!”, e na sequência teria tocado o objeto com suas mãos e este havia explodido. Essa se tornaria a versão oficial defendida por oficiais do Exército e autoridades da ditadura, isto é, de que os dois militares teriam sido vítimas, surpreendidos com a explosão de um artefato colocado por terceiros no interior do veículo.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}} Essa versão implausível seria contradita pelo próprio capitão Wilson Machado no âmbito do [[inquérito policial militar]] (IPM) que foi instaurado pelo Exército devido à grande repercussão do caso. Em depoimento, o convalescente capitão reconheceu não ter travado qualquer diálogo desse tipo com o sargento Rosário.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663}}
A BOMBA


O encarregado do IPM, coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, realmente buscou apurar os fatos,{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663}} e apontou, por meio do depoimento do tenente-coronel Júlio Miguel Molina, então chefe do DOI-CODI no Rio de Janeiro, que na noite de 30 de abril o capitão Machado estivera no Riocentro para supervisionar uma equipe de sete agentes em ação, quando a bomba que levava no carro explodiu por acidente.{{Sfn|Kushnir|2009}}
'''Quinta-feira, 30 de abril de 1981'''


Contudo, em poucos dias o coronel Prado Ribeiro foi substituído pelo coronel Job Lorena de Sant’anna. Essa substituição foi amplamente questionada na imprensa da época, e durante o IPM de 1999 o coronel Prado Ribeiro confirmou que sofrera grandes pressões e ameaças, e fora forçado a renunciar justamente por ter buscado esclarecer o caso. Segundo ele, ele foi substituído por se recusar a conduzir uma investigação fajuta, cuja finalidade era concluir que o atentado tivera “autoria desconhecida”.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663}}
O relatório de atividades externas do Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio descreve a movimentação da unidade naquele 30 de abril de 1981. Batizada de Missão 115 — Operação Centro, a ação previa que os militares fizessem a espionagem do espetáculo no Rio centro, celebração do Dia do Trabalhador, que virou manifesto contra a ditadura. Foram escalados dois agentes, com previsão de saída às 18h40min e retorno às 4h20min, usando um Fusca. Outros dois, de forma clandestina, usaram um Puma particular. Por volta das 21h15min, tudo seguia na rotina até uma bomba explodir no Puma em que estavam os dois integrantes do DOI-Codi. À noite, de próprio punho, o coronel Júlio Miguel Molinas Dias, comandante do DOI-Codi, fez o relato de como foi informado do atentado. Ele assistia, em casa, à primeira partida da final do Campeonato Brasileiro de 1981, no Estádio Olímpico, vencida pelo Grêmio por 2 a 1.


{{Imagem múltipla
Intervalo do jogo do Grêmio x São Paulo, telefonema do agente Reis (codinome de um militar). Disse que um cabo PM telefonara avisando que haveria um acidente com explosivo com uma vítima. Deu o nome quente Dr. Marcos...
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| image1 = Ataque do Riocentro - Br rjanrio eh 0 fot exe 00966 d0019de0021.jpg
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| image2 = Ataque do Riocentro - Br rjanrio eh 0 fot exe 00966 d0020de0021.jpg
| caption2 = O Exército apresenta os resultados do inquérito: suas conclusões foram imediatamente recebidas como sendo mentirosas
}}Como se soube mais tarde, o legista Elias Freitas, responsável pela necrópsia de Guilherme do Rosário, concluiu, a partir das lesões no cadáver, que a bomba explodira no colo do sargento, visto que seu rosto e genitália se encontravam dilacerados; contudo, por ordens do coronel Job Lorena de Sant’anna, o relatório final apontou que a bomba explodira entre a perna do sargento e a porta do carro, de forma a corroborar a versão de que a bomba fora plantada no veículo.{{Sfn|Kushnir|2009}}{{Sfn|Zaverucha|Melo Filho|5=2004|p=779}} O laudo cadavérico também mostrou que Guilherme do Rosário trajava [[Coturno|coturnos]] militares quando morrera, contrariando a versão de que ele se encontrava em missão de observação e monitoramento.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663–664}}


A forma mentirosa como o IPM foi conduzido gerou fortes reações. O deputado [[Ulysses Guimarães]] acusou o governo de fechar os olhos para os mais de cem atentados terroristas realizados por militares entre 1980 e 1981, e até mesmo altos oficiais passaram a admitir que as explosões eram obra de militares. O presidente Figueiredo reconheceu que a “situação estava pesada”, mas revidou dizendo que “nem uma, nem duas mil bombas" modificariam sua decisão de "prosseguir com a abertura política”.{{Sfn|Kushnir|2009}}
Doutor Marcos era o codinome do capitão Wilson Luiz Chaves Machado, chefe da Seção de Operações do DOI-Codi, ferido na explosão. O relato do coronel Molinas continua, falando de como foi informado da morte do sargento Guilherme Pereira do Rosário, ao manipular a bomba:


Em vista dessas questões, o resultado do IPM chefiado pelo coronel Job Lorena de Sant’anna, de que os ocupantes do Puma haviam sido vítimas de uma bomba, instalada entre a porta e o banco do carro, enquanto "observavam a influência de elementos de esquerda” durante o ''show'',{{Sfn|Kushnir|2009}} foi imediatamente recebido como uma grande farsa, tanto pela imprensa quanto pela sociedade,{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663}} e em última instância sepultou as condições de governabilidade do presidente-general Figueiredo.{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=141, 144}}{{Sfn|Batista|2021}}
(...) Por volta das 22h30min, cheguei ao órgão... dirigi-me à vaga n.1 do comando. (...) O Dr. Wilson (codinome de outro agente), que estava na operação, chegou logo a seguir. O agente Reis, que já chegara, avisou que recebera outro telefonema do mesmo elemento, dizendo que um sargento estava no local, irreconhecível.


A ideia de que a investigação fora abafada, a fim de impedir que altos oficiais do Exército fossem incriminados, foi mais tarde confirmada pelo almirante de esquadra Júlio de Sá Bierrenbach, à época ministro do [[Superior Tribunal Militar]]. Durante o julgamento de um pedido de arquivamento do IPM, em outubro de 1981, Bierrenbach foi o único a votar contra o pedido, mais tarde reconhecendo que "não podia engolir aquela solução [pois] era uma farsa total".{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=663}} Veementemente constrangido por seus pares e acusado de ofender as Forças Armadas,{{Sfn|Zaverucha|Melo Filho|5=2004|p=779–780}} mais tarde Bierrenbach confirmou que desde o princípio estivera claro que o Atentado do Riocentro havia sido um ato terrorista de direita e,{{Sfn|Kushnir|2009}} em 2014, depôs à Comissão Nacional da Verdade, confirmando que a investigação levada a cabo na sequência do atentado foi abafada para inocentar altos oficiais vinculados ao crime.{{Sfn|Otavio|2015}}
A partir daí, o coronel anota, minuciosamente, como foi a longa noite pós-atentado:
*23h30min — O Globo (talvez referindo-se à notícia que ouviu na Rádio Globo ou na TV) - estouraram duas bombas no estacionamento, destruindo dois carros e uma moto. No segundo carro não houve vítimas.
*23h30min — Dr. Araújo (codinome de oficial) telefona para saber o que houve.


=== Sucessivos pedidos de reabertura ===
Molinas relata o estado de saúde do capitão Wilson, motorista do Puma e ferido na explosão:
*23h30min — Hospital Miguel Couto...Tá sendo operado, vísceras do lado de fora. Estado grave.


Em 1985, o coronel Dickson Grael, que tinha sido chefe de segurança do Riocentro até poucas semanas antes do dia do atentado, quando foi demitido sem maiores explicações e substituído pelo tenente Cesar Wachulec, pleiteou judicialmente a reabertura das investigações, com base nos testemunhos do tenente Wachulec e do diretor-técnico do Riocentro, Nilton Nepomuceno, que testemunharam a retirada de duas bombas desativadas do banco traseiro do Puma. Nesse processo, o segurança José Geraldo de Jesus, que trabalhara no Riocentro, depôs ter testemunhado a retirada de outras bombas, que haviam sido instaladas no palco onde ocorria o show. Apesar disso, o pedido do coronel Grael foi negado. Pedidos semelhantes, buscando reabrir as investigações sobre o caso Riocentro, seriam apresentados sucessivamente em 1987, 1996 e 1998 mas também sem sucesso, normalmente com base em uma interpretação bastante disputada da [[Lei da Anistia]], que somente seria aplicável a crimes cometidos entre 1961 e 1979.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=664}}{{Sfn|Zaverucha|Melo Filho|5=2004|p=779–780}}{{Sfn|Teles|2010|p=86}}
De próprio punho, o coronel registra que foram dois os explosivos levados para o Riocentro:
*23h35min — Uma bomba na casa de força (central de energia do Riocentro) e uma no carro.


Contudo, investigações levadas a cabo pela [[Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil|Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados]], então presidida por [[Hélio Bicudo]], obtiveram novas evidências e o caso foi levado ao Procurador-Geral da República [[Geraldo Brindeiro]], que encaminhou o pedido de investigação ao [[Ministério Público Militar]]. Após colher onze depoimentos e evidenciar as contradições nas perícias realizadas e a existência de novas provas, o procurador-geral da Justiça Militar, Kleber de Carvalho Coelho, pediu a abertura de novo IPM.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=664}}{{Sfn|Kushnir|2009}}
Às 23h45min, Molinas afirma ter telefonado ao coronel Leo Frederico Cinelli, chefe do serviço de inteligência do 1º Exército, relatando os fatos. Minutos depois, recebe notícias de alguém sobre o sargento morto e registra:
*23h50min — O Robot (menção a quem carrega bomba) está morto. Tem uma granada que estava no carro e botaram no chão.


Dentre esses depoimentos se encontrava o do coronel da reserva que havia sido posto no comando da PM horas antes do show do Riocentro, Ile Marlen Lobo Pereira Nunes. Diante da Comissão de Direitos Humanos, ele confirmou o depoimento do segurança José Geraldo de Jesus em 1985 e confessou que, momentos depois da explosão da bomba no Puma, cinco agentes militares o procuraram alertando que duas bombas haviam sido instaladas no interior do pavilhão onde se realizava o show musical e pedindo autorização para desmonta-las.{{Sfn|Zaverucha|Melo Filho|5=2004|p=779}}
'''Sexta-feira, 1º de maio de 1981'''


=== O inquérito policial militar de 1999 ===
As anotações de Molinas prosseguem madrugada adentro. Ele trata da remoção do corpo do sargento para o hospital:
Efetivamente foi instaurado em junho de 1999, o novo IPM foi conduzido pelo general [[Sergio Ernesto Alves Conforto|Sérgio Ernesto Alves Conforto]].{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=664}} Dentre outras coisas, esse inquérito incluiu um estudo criminalístico que demonstrou que os artefatos explosivos usados no atentado eram peças de elaboração sofisticada, isto é, que haviam sido preparados por pessoal com treinamento profissional, e haviam sido produzidos com o emprego de temporizadores para detonação e nitroglicerina gelatinosa, materiais esses que jamais estiveram ao alcance de grupos guerrilheiros mas eram comumente usados por grupos militares extremistas.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=660}} Graças aos depoimentos de militares e outras testemunhas, coletados pelo general Conforto, confirmou-se que a operação no Riocentro incluiu sete agentes, sendo a maioria deles do DOI-CODI.{{Sfn|Kushnir|2009}}
*0h40min — Coronel Cinelli — Falamos sobre a ida da perícia da PE (Polícia do Exército) à paisana e a retirada do corpo.
*1h01min — Tenente-coronel Portella liga ao HCE (Hospital Central do Exército) para receber o corpo do Robot (sargento Rosário).


Após três meses de trabalho, o IPM concluiu que o planejamento e execução do atentado foram resultado de uma colaboração entre o SNI e o DOI-CODI do I Exército. Mais ainda, ele apontou o envolvimento dos generais [[Otávio Aguiar de Medeiros|Octávio Medeiros]] e [[Newton Cruz]], além do coronel Wilson Machado, do sargento Guilherme do Rosário e do coronel Freddie Perdigão, estes últimos já mortos.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=664}}
À 1h05min, Molinas recebe ligação de uma pessoa, à qual identifica com Dr. Rodolfo, atualizando notícias sobre o capitão Wilson Machado, ferido na explosão:
*1h05min — Está sendo operado, dilaceração nas vísceras.


Em um episódio notável, o general Octávio Medeiros, à época chefe do SNI, confessou que o presidente João Batista Figueiredo e o general [[Danilo Venturini]], chefe do Gabinete Militar da Presidência, haviam sido informados pelo general Newton Cruz, com mais de um mês de antecedência, que o DOI do I Exército vinha preparando um atentado terrorista que seria desferido no Riocentro.{{Sfn|Casado|2014}} O próprio Newton Cruz lhe teria avisado do atentado uma semana antes do show.{{Sfn|Kushnir|2009}} O general Newton Cruz, à época chefe da Agência Central do SNI e, portanto, subordinado a Medeiros, confirmou que o atentado era obra de agentes do DOI-CODI descontentes com a reabertura política mas minimizou os objetivos do ataque, justificando que era "uma bombinha artesanal, caseira, dessas que jogavam em bancas de jornal e todo mundo achava graça".{{Sfn|Vieira|2010}} Mais importante, Cruz contradisse Medeiros e disse que soubera do atentado cerca de 1,5h antes da explosão no Puma.{{Sfn|Casado|2014}} Em vista das discrepâncias, em 27 de janeiro de 2000 eles foram submetidos a uma acareação diante do general Sérgio Conforto, que concluiu que de fato Figueiredo soubera com antecedência dos planos para o atentado terrorista.{{Sfn|Vieira|2010}}{{Sfn|Casado|2014}} O inquérito finalizado indiciou o tenente Wilson Machado por homicídio qualificado, punível com doze a trinta anos de prisão, e o general Newton Cruz por falso testemunho, crime este com pena de dois a seis anos de prisão, e desobediência, sujeito a uma pena de até seis meses de encarceramento.{{Sfn|Vieira|2010}}{{Sfn|Kushnir|2009}}
A partir daí, as anotações se tornam esporádicas:
*4h24min — Um Chevette aberto cinza metálico com bagageiro placas RT-1719 estava ao lado do carro Puma, com um emblema do 1º BPE.
*6h05min — Justifico telefonema dizendo que está na cirurgia, Dr. Marcos (codinome do capitão ferido), ortopédica nos braços.
*17h — Fui para casa.


Apesar das revelações, em 3 de maio de 2000 o Superior Tribunal Militar determinou novamente o arquivamento do caso, justificando que os envolvidos já haviam sido incluídos no inquérito anterior, transitado em julgado, e que era contra o indiciamento do general. Apesar de reconhecer a existência de fatos novos que haviam sido levantados pela investigação, o relator, ministro Carlos Alberto Soares, argumentou a favor do enquadramento dos crimes pela Lei da Anistia, e, assim, pela extinção da punibilidade de quaisquer envolvidos. Assim, o processo foi novamente arquivado.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=664}}
'''Sábado, 2 de maio de 1981'''


=== Comissão da Verdade e novas denúncias ===
Molinas retorna ao DOI-Codi e manda recado ao capitão ferido para que não se pronuncie a respeito do acidente:
Em 1 de novembro 2012, o coronel Júlio Miguel Molinas Dias, que fora comandante do DOI do I Exército, no Rio de Janeiro, foi assassinado em sua residência no Rio Grande do Sul, e durante as investigações a Polícia Civil encontrou e apreendeu dentre seus pertences um grande número de documentos inéditos a respeito do Ataque no Riocentro, incluindo manuscritos, memorandos, registros de ordens e telefonemas datilografados, que revelavam que o Exército sabia quem eram os culpados pelo Atentado do Riocentro e continham detalhes da operação executada pelo Exército para evitar que fatos viessem à tona e incriminassem os terroristas. Esses documentos foram entregues pelo governador do Rio Grande do Sul, [[Tarso Genro]], à [[Comissão Nacional da Verdade]] (CNV).{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014|p=15–20}}
*8h30min — Chegada ao destino (...)Transmitida mensagem ao Dr. Marcos (codinome do capitão ferido) para não fazer esforço para falar, tranquilizando-o.
*(...) Comandante do DOI e comandante do 1º Exército foram para o enterro e hospital.


Em 2013, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, braço da CNV, passou a investigar o Ataque no Riocentro, coletando novos depoimentos e mostrando outras contradições e omissões nas investigações anteriores. Notadamente, nessa ocasião o major reformado Divany Carvalho Barros confessou ter recebido ordens de seus superiores a missão de apagar provas que pudessem incriminar os militares envolvidos na operação, motivo pelo qual dirigira-se ao Riocentro e removera objetos do Puma.{{Sfn|Batista|2021}}
Foi dada ordem para oficial de permanência ficar em tempo integral no DOI.


Dentre as conclusões da CNV, cujo relatório preliminar sobre o atentado no Riocentro foi apresentado em abril de 2014, estava a conclusão de que o atentado "não foi obra de lunáticos nem de agentes que agiram por conta própria" e sim uma ação articulada do Estado brasileiro visando uma estratégia política: inibir o processo de abertura política que começava a ocorrer no Brasil.{{Sfn|Lisboa|2014}}
== Notas ==
Ainda no dia 2, um manuscrito com letra diferente à do coronel Molinas Dias revela uma tentativa de encobrir a autoria do atentado. Foi anotada (talvez por um ordenança do coronel) a necessidade de encontrar o carro particular do sargento morto e providenciar o seu recolhimento ao DOI-Codi. O objetivo pode ter sido evitar que material comprometedor, dentro do veículo, fosse apreendido pela Polícia ou fotografado pela imprensa:


Em parte graças às novas informações coletadas pela CNV, em maio de 2014 a Justiça Federal decidiu por aceitar uma denúncia do [[Ministério Público Federal]], determinando ao Exército Brasileiro que lhes fossem encaminhadas as folhas de alterações de quatro oficiais da reserva, acusados, juntamente com dois outros réus, de crimes relacionados ao atentado.{{Sfn|Machado|2014|p=1}}{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=671}} As investigações do MPF vinham ocorrendo desde 2012, no âmbito do grupo Justiça de Transição, que apurava crimes políticos do regime militar, e produziram 38 volumes de documentos e 36 horas de gravações de depoimentos, em áudio e vídeo.{{Sfn|Otávio|Castro|5=2014}}
Foi feito contato com a secretaria de segurança para localizar o carro do Wagner (codinome do sargento morto) e comunicar ao DOI (carro roubado). Existe uma equipe de sobreaviso para "puxar" (levar) o carro.


A denúncia do Ministério Público Federal pedia a prisão de seis indivíduos, dos quais quatro que jamais haviam sido acusados nos inquéritos passados:{{Sfn|Otávio|Castro|5=2014}} dos generais Newton Cruz e Nilton Cerqueira, do delegado Cláudio Antonio Guerra e do coronel Wilson Machado, pelos crimes de homicídio doloso tentado (duplamente qualificado, por motivo torpe e uso de explosivo), associação criminosa armada e transporte de explosivos; do general Edson Sá Rocha (o "doutor Silvio", chefe de Operações do DOI-CODI do I Exército), por associação criminosa armada; e do major Divany Carvalho Barros, por fraude processual.{{Sfn|Machado|2014|p=1–2}}{{Caixa de citação
A anotação segue:
| citação = O Riocentro foi planejado para ser, possivelmente, o maior atentado terrorista da história do Brasil. Felizmente, as falhas na execução relegaram a operação a ocupar outro papel na história: o de ser mais um episódio revelador da violência do Estado ditatorial contra a sociedade brasileira.
| autor = Relatório da CVN.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=672}}
| posição = right
| largura = 21%
| fundo = #F6F5F5
| posição-autor = center
| citado = true
}}Adicionalmente, a denúncia responsabilizava outros militares já mortos: os generais Octávio de Medeiros e Job Lorena de Sant’Anna, os coronéis Freddie Perdigão Pereira, Ary Pereira de Carvalho, Alberto Carlos Costa Fortunato, Luiz Helvecio da Silveira Leite, o tenente-coronel Júlio Miguel Molinas Dias, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o marceneiro Hilário José Corrales.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=671}}


A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal argumentava que o Atentado do Riocentro era parte de uma longa série de atentados a bomba que configurava um ataque sistemático de agentes do Estado brasileiro contra a população civil e, como tal, constituiria crime contra a humanidade e, portanto, seria imprescritível de acordo com um princípio amplamente aceito e devidamente incorporado ao Direito Internacional.{{Sfn|Friede|2014|p=396}}
Foi mandado ao 1º Exército (coronel Cinelli) as fotografias das placas com VPR para aproveitamento na imprensa.


Contudo, em julho do mesmo ano, por dois votos a um o Tribunal Federal da 2ª Região determinou o trancamento da ação penal referente ao Riocentro e concedeu ''habeas corpus'' contra o recebimento da denúncia dos quatro dos oficiais da reserva, por julgar que os crimes estariam prescritos. Dois desembargadores entenderam que o caso não poderia ser enquadrado como crime contra a Humanidade pois essa categoria é proveniente de princípios e costumes do direito internacional dos quais não se pode "lançar mão com tanta facilidade", e, como consequência, todos os crimes cometidos estariam prescritos.{{Sfn|Friede|2014|p=396}}
A frase de Molinas Dias só ganhou sentido tempos depois, quando ex-integrantes da ditadura revelaram que agentes do DOI-Codi picharam placas de sinalização de trânsito nas imediações do Riocentro com a sigla da organização de luta armada de extrema esquerda Vanguarda Popular Revolucionário. O objetivo dos militares com a pichação era atribuir a autoria do atentado à VPR. Seria uma explosão planejada para botar a culpa em esquerdistas, como descreve o ex-delegado da Polícia Civil Cláudio Guerra no livro Memórias de uma Guerra Suja.


Essa decisão foi contestada pelo MPF, por meio de recurso que foi julgado em 28 de agosto de 2019 pelo [[Superior Tribunal de Justiça]]. Nessa ocasião, embora o ministro [[Rogerio Schietti Cruz]] tenha proferido um voto de 108 páginas afastando a possibilidade de aplicação da Lei da Anistia a crimes cometidos após a edição da lei, em 1979, concordando que o Atentado do Riocentro foi parte de uma série de outros ataques orquestrados com a mesma finalidade e que constituiriam crime contra a humanidade e seriam imprescritíveis,{{Sfn|Moura|2021}} a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por 5 votos a 2, rejeitou o recurso.{{Sfn|Batista|2021}} Da mesma forma, em 2019 o MPF apresentou um recurso ao [[Supremo Tribunal Federal]], que foi rejeitado em decisão individual do ministro [[Marco Aurélio Mello]].{{Sfn|Moura|2021}}
O coronel Molinas Dias avança seu memorando pelo dia 2 de maio, relatando supostas ameaças de bomba na casa do capitão ferido e no hospital Miguel Couto:
*13h01min — Família do Dr. Marcos (codinome do capitão) liga para o Dr. Carmelo (codinome de um oficial) no hospital e participa a existência de um embrulho suspeito na porta do apartamento. O Dr. Carmelo telefona ao Dr. Maurício (codinome), oficial permanente, que esta providenciando o deslocamento de uma equipe para o local. (...) sob o tapete da porta de entrada tem uma bolsa do Carrefour de material translúcido e dentro tinha dois pães, um inteiro e outro faltando um pedaço.


== Legado ==
As supostas ameaças contra integrantes do DOI prosseguem ao longo do dia 2:
{{Artigo principal|Diretas Já|Nova República}}O Atentado do Riocentro foi planejado para ser o maior atentado terrorista da história do Brasil, e seus resultados só não foram catastróficos devido à maneira atrapalhada com que foi executado.{{Sfn|Comissão Nacional da Verdade|2014b|p=672}} A revelação de que as Forças Armadas abrigavam grupos terroristas e, sobretudo a maneira corporativista com que o Exército conduziu as investigações, acobertando os responsáveis e forjando evidências, chocaram a sociedade brasileira e em última instância sepultaram o [[governo Figueiredo]] e sua capacidade de levar a cabo o projeto de reabertura delineado por Geisel, que dependia da manutenção do controle do país nas mãos dos militares por meio da eleição de seus sucessores na Presidência.{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=141–144}}
*16h10min — O delegado Tufic, da 14ª DP, telefona para dizer que recebeu dois telefonemas anônimos dando conta de que o capitão Paulo Renault iria jogar uma bomba no quarto do capitão hospitalizado.
*16h18min — Telefonema para a residência do capitão Paulo Renault, que não atende.
*16h20min — Ligação para a portaria do prédio que diz, possivelmente o capitão estaria viajando.


Embora na manhã seguinte às explosões no Riocentro Figueiredo aparentemente tenha recebido bem a notícia do ocorrido no Riocentro, supostamente dizendo que "até que enfim os comunistas fizeram uma bobagem", logo ficou claro que a condução desastrada do atentado expusera seus autores e as Forças Armadas, demonstrando que existia um núcleo terrorista dentro do próprio regime e, assim, comprometendo o próprio governo.{{Sfn|Gaspari|2016|p=16}} De fato, menos de 24 horas depois do atentado, o ministro da Justiça, [[Ibrahim Abi-Ackel]], declarava que “a bomba explodiu no governo”.{{Sfn|Kushnir|2009}}
Conforme o blog do jornalista Ricardo Noblat, o capitão seria um Paulo Renault, engenheiro eletrônico, perito judicial e também ex-agente do Serviço Nacional de Informação (SNI). Em 2005, esteve envolvido no escândalo da CPI dos Correios. Estaria disposto a fazer revelações em depoimento à Justiça, mas desistiu ao ter a casa metralhada.


Durante as investigações levadas a cabo pelo IPM, a oposição oficial notou com entusiasmo que “a bomba do Riocentro pode representar para o governo Figueiredo o que o martírio de [[Vladimir Herzog]] significou para o governo Geisel” (quando deu-se início à desarticulação da tortura), isto é, que o atentado no Riocentro apresentava uma oportunidade para que o governo acabasse com a “clamorosa impunidade de quase cem atentados” não resolvidos entre 1980 e 1981.{{Sfn|Kushnir|2009}} Diante desses numerosos atentados Figueiredo reagira com teatralidade e arroubos de bravura – famosamente dizendo que explosões não surtiriam efeito em seu governo e que "é para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo, arrebento” – mas sem interferir nos esquemas que asseguravam que as investigações desses atentados jamais levariam à prisão dos criminosos.{{Sfn|Pasqualette|2021}} Diante da notoriedade que adquiriu o Atentado do Riocentro, a expectativa era de que o governo enfim agisse para punir os militares responsáveis e, assim, enfim "desativasse o terrorismo" de Estado que vinha sendo perpetrado.{{Sfn|Pasqualette|2021}}
O dia 2 de maio de 1981 continua interminável, nas anotações de Molinas. Agora surge outra notícia de plano para matar o oficial ferido, talvez uma manobra para enfatizar que o capitão do DOI-Codi tinha sido vítima de um atentado:
*16h45min — Dr. Wilson (codinome de oficial) liga dizendo que o pessoal do hospital acha bom chamar o plantão policial e a imprensa, dizendo que tinham conhecimento de um plano para eliminar o Dr. Marcos (o capitão ferido).


O próprio presidente Figueiredo admitiu que a situação estava "pesada”, visto que o atentado escancarara o governo diante da sociedade brasileira e levara a "uma guerra particular nos subterrâneos do regime", isto é, dividira as Forças Armadas: de um lado a linha dura, que considerava os atentados terroristas ações heróicas em defesa da pátria, e do outro lado os "castelistas", isto é, o setor das Forças Armadas que exigia que o governo tratasse os militares terroristas com justiça, isto é, da mesma forma que trataria civis que fossem responsáveis por ataques do mesmo tipo.{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=143}}{{Sfn|Gaspari|2016|p=16}}{{Sfn|Pasqualette|2021}} Por fim, Figueiredo demonstrou falta de vontade política para combater o terrorismo militar e permitiu ao Exército bloquear as investigações e inocentar os militares de qualquer culpa, por meio de um inquérito que, aos olhos de toda a sociedade, claramente buscava ocultar a verdade dos fatos.{{Sfn|Reis|2010|p=230}}{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=143}}
E continuam as supostas ameaças no dia 2, tentando transformar o capitão de terrorista em vítima. Molinas pede segurança:
*22h25min — Telefonema do Dr. Marino (codinome de um oficial) avisando de um telefonema anônimo para o Hospital Miguel Couto, avisando que colocariam um petardo na casa do Dr. Marcos (capitão ferido).
*22h30min — Telefonema para o o tenente-coronel Roberval e pede providências junto à PM.


Como reação ao acordo tácito entre o governo Figueiredo e o setor das Forças Armadas responsável pelo ataque, que trocara sua não-punição pelo fim dos ataques terroristas,{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=143}} três meses após o ataque renunciou o general [[Golbery do Couto e Silva]], ministro do [[Gabinete Civil da Presidência da República|Gabinete Civil]] que também era o grande estrategista da "abertura política controlada"{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=141, 143}} e o "artífice da candidatura de Figueiredo à Presidência".{{Sfn|Pasqualette|2021}} Seu substituto, [[João Leitão de Abreu]], afirmava ser “a injustiça preferível à desordem”."{{Sfn|Reis|2010|p=230}} Sob intensa pressão, pouco depois Figueiredo sofreu um infarto que o obrigou a deixar o governo por quase dois meses nas mãos do vice-presidente,{{Sfn|Sallum Junior|1994|p=141, 143}} e seu governo jamais recuperou a autoridade moral necessária à continuidade dos planos da ditadura, que incluíam eleger um candidato governista nas próximas eleições indiretas.{{Sfn|Gaspari|2016|p=16}}
'''Domingo, 3 de maio de 1981'''


Assim, além do Puma, as bombas no Riocentro destruíram a potencial candidatura do general Octávio de Medeiros – o candidato preferido de Figueiredo – à Presidência, e as tentativas dos militares de continuarem mantendo-se no poder. Com a aproximação das [[Eleições gerais no Brasil em 1982|eleições não-presidenciais em 1982]], que, pela primeira vez desde os anos 1960, permitiriam o voto direito para governador, o governo militar alterou subitamente as regras eleitorais por meio da Emenda Constitucional nº 22, a fim de evitar um desastre, mas mesmo assim a população elegeu massivamente políticos da oposição à ditadura.{{Sfn|Nascimento|2010|p=22}}{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=32}}
Molinas anota telefonema recebido de um colega coronel:
*8h25min — Telefonema do coronel Prado, dizendo que o JB (Jornal do Brasil) tem reportagem em que um médico diz que o capitão estaria em condições de falar. O assunto é tratado com o coronel Cinelli.


Ao mesmo tempo, na sequência do Atentado do Riocentro a sociedade passou a cobrar mudanças com maior vigor, e as as greves e manifestações de rua tornaram-se maiores e mais frequentes. A oposição foi capaz de aglutinar as forças de oposição e o sentimento contra a ditadura, sobretudo na pessoa de [[Tancredo Neves]]; assim, a partir de 1983 o Brasil foi às ruas pela aprovação da [[Emenda Dante de Oliveira]], na campanha que ficou conhecida como [[Diretas Já]] e levou à [[Eleição presidencial no Brasil em 1985|eleição indireta de Tancredo Neves]], o primeiro presidente civil em décadas e o princípio da [[Nova República]].{{Sfn|Nascimento|2010|p=22–23}}{{Sfn|Argolo|Ribeiro|Fortunato|1996|p=32}}
Mais tarde, outro telefonema — ainda mais preocupante — fala que os agentes se tornam suspeitos de explodir a própria bomba que os feriu:
*15h50min — Agente Hugo (codinome de policial) liga dizendo que o segurança do Riocentro está comentando que o atentado seria nosso.

Para mudar o foco e jogar a culpa do atentado fracassado no Riocentro na esquerda, Molinas rascunha uma lista de incidentes anteriores, como a suposta tentativa de ataques a unidades militares. O texto é datilografado e enviado ao coronel Cinelli.

Antecedentes — Viemos apresentar alguns fatos que comprovam a intenção das esquerdas em atingir os órgãos de segurança, em especial os DOIs, tanto no campo da agressão física como em ações psicológicas com objetivo único de desmantelar o aparato repressor ou destruí-lo.

No final de 1980 ficaram encarregados de eliminar o Exmo. senhor general Antônio Bandeira, no Sul do país... O atentado seria com risco da própria vida.

Molinas conclui:

Face aos atos e fatos apresentados, somados a uma orquestração pela imprensa, acusando os DOIs como responsáveis por tudo que ocorre de mal contra as esquerdas (...) cada elemento do órgão passou a ser um alvo de justiçamento. (...) Quanto ao atentado em si, qualquer conclusão cairá no campo da especulação, correndo o risco de atentar contra a honra e a integridade de um oficial e de um sargento.

'''Segunda-feira, 4 de maio de 1981'''

O diário é recheado de documentos. Um deles, um ofício que chega ao DOI-Codi do coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, encarregado do inquérito policial-militar (IPM) que investiga o atentado. Ele convoca o coronel Molinas Dias para depor às 14h do dia seguinte no 9º andar do Palácio Duque de Caxias, sede do comando 1º Exército.

'''Quinta-feira, 7 de maio de 1981'''

Uma relato datilografado informa que às 17h40min, o capitão ferido foi do CTI para a sala de radiografia. E aparece no CTI uma mulher, vestindo calça e jaleco branco, se dizendo médica, perguntando ao PM da segurança onde é o CTI. A mulher usa sapato verde e o PM desconfia dela. O crachá está virado e, ao desvirar, lê "visitante do IBGE". A mulher é levada para fora do hospital e embarca em uma Brasília do Jornal do Brasil.

'''Sexta-feira, 8 de maio de 1981'''

Documento confidencial relata um telefonema ao DOI-Codi, às 15h, repassando dados sobre uma mulher de nome Mariângela ou Ângela Capobianco e o local do trabalho do marido dela. O interlocutor descreve a mulher:

"Mais ou menos 45 anos, estatura média, meio gorda, cabelo pintado de caju. É importantíssima, está autorizada (muito cuidado). Trabalha na diretoria de vendas ou arrecadação".

Para entender: Ângela era uma diretora do Riocentro e, segundo livros sobre o tema, é suspeita de ter colaborado com os militares. Após afastar das funções o chefe de segurança do Riocentro, na noite do atentado, ela teria sido responsável pelo fechamento com cadeados da maioria dos portões de saída da área do espetáculo. A medida, em caso de explosão de uma bomba, poderia amplificar o número de vítimas.

Em 2014, [[Maria Ângela Lopes Capobianco|Ângela Capobianco]] foi identificada pela [[Comissão Nacional da Verdade]]<ref>[http://www.ebc.com.br/sites/default/files/relatorio_preliminar.pdf - COMISSÃO NACIONAL DA VERDADe - RELATÓRIO PRELIMINAR DE PESQUISA CASO RIOCENTRO: TERRORISMO DE ESTADO CONTRA A POPULAÇÃO BRASILEIRA - (documento em pdf) - Abril 2014], acesso: 5/6/2015</ref><ref>[http://www.brasil.gov.br/governo/2014/12/comissao-considera-que-tortura-foi-tambem-um-crime-contra-a-humanidade Comissão considera que tortura foi também um crime contra a humanidade — Portal Brasil], accesso: 5/6/2015</ref> como sendo uma agente do [[SNI]], uma das pessoas encarregadas dos preparativos do atentado. Documentos do ex-comandante do DOI-Codi, [[Julio Miguel Molinas Dias]], o Coronel Molinas, registram fatos e participantes nos preparativos para a explosão das bombas no Rio.<ref>[http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2012/11/veja-o-cronograma-e-as-anotacoes-do-coronel-sobre-o-caso-riocentro-3961730.html Veja o cronograma e as anotações do coronel sobre o caso Riocentro - Zero Hora], accesso: 5/6/2015</ref><ref>[http://www.ojornaldoestado.com.br/30-de-abril-de-1981-o-atentado-do-riocentro/ O Jornal do Estado - 30 de Abril de 1981: O Atentado do Riocentro], accesso: 5/6/2015</ref>

No programa Linha Direta de 2004, anteriormente aos fatos apurados pela Comissão Nacional da Verdade, Maria Ângela foi entrevistada como a gerente do Rio Centro na ocasião.<ref>[http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/linha-direta-justica/a-bomba-do-riocentro.htm LINHA DIRETA JUSTIÇA - A Bomba do Riocentro], accesso: 5/6/2015</ref>

'''Quarta-feira, 13 de maio de 1981'''

Documento afirma que, às 22h de 10 de maio, no bar do Hospital Miguel Couto um homem, em voz alta, acusa o DOI-Codi pelas bombas colocados no Riocentro e no jornal Tribuna da Imprensa. O homem e um amigo dele são levados para a 14ª DP. Lá são interrogados e liberados. São eles: José Augusto Alves Neto, da Rádio JB, e Carlos Vieira Peixoto Filho, do JB (jornal).

Datado deste dia, um manuscrito contém duas perguntas e respostas atribuídas ao agente Guarany (amigo do sargento morto) sobre as habilidades com bombas do agente Wagner (codinome do sargento morto):

Wagner é técnico em explosivos? Não

Qual o curso ou estágio que fez: Nenhum. É um autodidata

'''Quarta-feira, 20 de maio de 1981'''

Em um documento reservado, enviado ao chefe do serviço de inteligência do 1º Exército, Molinas comunica os nomes dos agentes do DOI-Codi escalados oficialmente para "cobrir" o espetáculo: sargento da Aeronáutica Carlos Alberto Henrique de Mello e o soldado da Polícia Militar Hirohito Peres Ferreira. O ofício afirma que o chefe da Seção de Operações, capitão Machado, e o sargento Rosário (os vitimados na explosão no Puma) foram ao Riocentro para supervisionar a equipe. Seria a primeira vez que o nome de Machado e Rosário aparece em um documento oficial como tendo participado da desastrada Missão 115.

'''Segunda-feira, 25 de maio de 1981'''

Documento confidencial encaminhado às unidades militares pelo comando do 1º Exército sob o título "Atentado Terrorista no Riocentro - informação 312/81" determina ponderação, serenidade e isenção diante de "notícias apresentadas por certos setores da comunicação sensacionalistas e alguns políticos, que muitas vezes não correspondem à verdade".

O documento afirma que o coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, encarregado da investigação militar do atentado, foi substituído, pois está "baixado no HCE (Hospital Central do Exército) desde 18 de maio para observação, foi submetido à junta de saúde, cuja ata do exame recomenda que lhe sejam concedidos 30 dias de licença para tratamento de saúde".

Anos depois, viria a público a versão de que Ribeiro foi afastado do inquérito porque se recusara a acatar ordens superiores. Teria sido, inclusive, chantageado para reunir provas que apontassem grupos de esquerda como autores do atentado.


== Ver também ==
== Ver também ==
* [[Caso Para-Sar]]
* [[Operação Condor]]
*[[Caso Para-Sar]]
* [[Lista de atentados políticos do Brasil]]
* [[Terrorismo no Brasil]]
*[[Grupo Secreto]]
*[[Aliança Anticomunista Brasileira]]

*[[Comando de Caça aos Comunistas]]
{{referências}}
{{notas|col=1}}{{referências|col=4}}


== Bibliografia ==
== Bibliografia ==
{{refbegin|2}}
* ''Ministério do Silêncio'', Lucas Figueiredo, editora Record
*{{Citar livro|url=https://books.google.lt/books?id=l8_FReqVE7EC&lpg=PP1&dq=A%20direita%20explosiva%20no%20Brasil%20pdf&pg=PA263#v=onepage&q=riocentro&f=false|título=A direita explosiva no Brasil|ultimo=Argolo|primeiro=José|ultimo2=Ribeiro|primeiro2=Kátia|ultimo3=Fortunato|primeiro3=Luiz Alberto|editora=Mauad|ano=1996|local=Rio de Janeiro|ref=harv|acessodata=2021-11-05}}
* ''Dez reportagens que abalaram a ditadura'', organizado por Fernando Molica. Ed. Record, 2005. O Caso Riocentro mereceu dois capítulos, com a transcrição, comentada pelos próprios autores, das matérias publicadas pelo jornalista Antero Luiz Cunha no estado de [[São Paulo (estado)|São Paulo]] e por Fritz Utzeri no [[Jornal do Brasil]].
*{{Citar web|ultimo=Batista|primeiro=Liz|url=https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,atentado-do-riocentro-as-bombas-que-tentaram-parar-a-abertura-politica,70003698606,0.htm|titulo=Atentado do Riocentro: as bombas que tentaram parar a abertura política|data=30-04-2021|acessodata=29-10-2021|website=Acervo Estadão|publicado=Estadão|wayb=20210506064821|ref=harv}}
*{{Citar web|ultimo=Casado|primeiro=José|url=https://oglobo.globo.com/brasil/riocentro-documentos-revelam-que-figueiredo-encobriu-atentado-12030727|titulo=Riocentro: documentos revelam que Figueiredo encobriu atentado|data=30/03/2014|acessodata=29-11-2021|website=O Globo|wayb=20210610100838|ref=harv}}
*{{Citar livro|url=https://cjt.ufmg.br/wp-content/uploads/2017/08/relatorio_preliminar-riocentro-CNV.pdf|título=Riocentro: Terrorismo de Estado Contra a População Brasileira [relatório preliminar de pesquisa]|ultimo=Comissão Nacional da Verdade|editora=CNV|ano=2014|local=Brasília|ref=harv|acessodata=2021-11-05}}
*{{Citar livro|url=http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/|título=Relatório / Comissão Nacional da Verdade|ultimo=Comissão Nacional da Verdade|editora=CNV|ano=2014b|local=Brasília|ref=harv|acessodata=2021-11-05|volume=1|isbn=978-85-85142-63-6}}
*{{Citar livro|url=https://books.google.pl/books?id=gXNjh1mMuBQC&lpg=PA26&dq=figueiredo%20linha%20dura%20reabertura&hl=pt-BR&pg=PA26#v=onepage&q=figueiredo%20linha%20dura%20reabertura&f=false|título=As Forças Armadas e a Nova Ordem Constitucional: limites e possibilidades da integração institucional dos militares ao regime democrático|ultimo=Costa|primeiro=Valeriano Mendes Ferreira|editora=Centro de Estudos da Cultura Contemporânea|ano=1991|series=Caderno CEDEC|volume=16|local=São Paulo|ref=harv|acessodata=2021-11-08}}
*{{Citar livro|título=Sociedade e política no Brasil pós-64|ultimo=Cruz|primeiro=Sebastião Velasco E.|editora=Centro Eldenstein de Pesquisas Sociais|ano=2008|local=Rio de Janeiro|ref=harv|capitulo=De Castello a Figueiredo: uma incursão na pré-história da "abertura"|isbn=9788599662632|url=https://books.google.lt/books?id=5OHXAwAAQBAJ&lpg=PT16&dq=oposicao%20ditadura%20militar%20brasil&pg=PT26#v=snippet&q=guerrilha&f=false|acessodata=2021-12-2|editor-sobrenome=Sorj|editor-nome=Bernardo|editor-sobrenome2=Almeida|editor-nome2=Maria Hermínia Tavares|primeiro2=Carlos Estevam|ultimo2=Martins}}
*{{Citar web |ultimo=Dantas |primeiro=Tiago |url=https://oglobo.globo.com/brasil/ditadura-acusada-de-ter-atacado-30-bancas-de-jornal-entre-1979-1980-12263509 |titulo=Ditadura é acusada de ter atacado 30 bancas de jornal entre 1979 e 1980 |data=2014 |acessodata=27-06-2021|publicado=O Globo|wayb=20201112033209|ref=harv}}
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*{{Citar vídeo|ultimo=GloboNews|url=https://g1.globo.com/globonews/jornal-das-dez/video/atentado-no-riocentro-documento-da-inteligencia-dos-eua-aponta-participacao-de-militares-6752335.ghtml|titulo=Atentado no Riocentro: documento da inteligência dos EUA aponta participação de militares|data=2018|acessodata=2021-12-04|website=G1|urlmorta=no|wayb=20211204123106|ref=harv}}
*{{Citar vídeo|ultimo=Jornal Hoje|url=https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/atentado-no-riocentro/|titulo=Jornal Hoje [1 de maio de 1981]|data=1981|acessodata=2021-12-04|website=Memória Globo|urlmorta=no|wayb=20210529040326|ref=harv}}
*{{Citar periódico|ultimo=Koonings|primeiro=Kees|data=2010|titulo=O “exército político” brasileiro: faccionalismo militar e a dinâmica do regime de 1964-1985|url=https://revistas.ufrj.br/index.php/mp/article/view/33846|jornal=Militares e Política|acessodata=24-10-2021|ref=harv|pagina=7-33|outros=Trad. Sérgio Lamarão|número=6}}
*{{Citar web|ultimo=Kushnir|primeiro=Beatriz |url=http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/riocentro-atentado-do |titulo=Riocentro, Atentado do |data=2009|acessodata=24-06-2021 |publicado=FGV CPDOC |wayb=20210613134508|ref=harv}}
*{{Citar livro|título=Pedro e os lobos: os anos de chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano|ultimo=Laque|primeiro=João Roberto|editora=AVA Editorial|ano=2010|local=São Paulo|oclc=1196189597|ref=harv}}
*{{Citar periódico|ultimo=Lisboa|primeiro=Vinícius|data=29/04/2014|titulo=Atentado do Riocentro foi "ação articulada do Estado", diz CNV|url=https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-04/atentado-do-riocentro-foi-a%C3%A7%C3%A3o-articulada-do-estado-diz-cnv|jornal=Agência Brasil|acessodata=24-06-2021|ref=harv|wayb=20210613140838}}
*{{Citar periódico|ultimo=Machado|primeiro=Patrícia da Costa|data=2014|titulo=Crimes de Lesa Humanidade: Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e o Caso Brasileiro|url=http://www.eeh2014.anpuh-rs.org.br/resources/anais/30/1405473751_ARQUIVO_Crimesdelesahumanidade-sistemainternacionaldeprotecaoaosdireitoshumanoseocasobrasileiro.pdf|jornal=Anais do XII Encontro Estadual de História|acessodata=18-12-2021|ref=harv|publicado=ANPUH/RS}}
*{{Citar vídeo|ultimo=Memória Globo|url=https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/atentado-no-riocentro/|titulo=Webdoc sobre a cobertura do atentado no Riocentro em 1981, com entrevistas exclusivas|data=2018|acessodata=2021-12-04|website=Globo|urlmorta=no|wayb=20210529040326|ref=harv}}
*{{Citar periódico|ultimo=Moura|primeiro=Rafael Moraes|data=2021|titulo=Após batalha judicial, STJ e STF não quiseram reabrir caso Riocentro|url=https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apos-batalha-judicial-stj-e-stf-nao-quiseram-reabrir-caso-riocentro,70003700282|jornal=Estadão|acessodata=19-12-2021|ref=harv|wayb=20210518055405}}
*{{Citar livro|título=Brasil – Argentina: do veto ao voto, da ditadura à democracia: 1976 - 1985|ultimo=Nascimento|primeiro=Ebenézer Cupertino|editora=UnB|ano=2010|local=Brasília|ref=harv|url=https://bdm.unb.br/bitstream/10483/1079/1/2010_EbenezerCupertinoNascimento.pdf|acessodata=10-11-2021|tipo=Monografia de Especialização em Relações Internacionais}}
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*{{Citar web |ultimo=Pasqualette |primeiro=Bernardo |url=https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/04/atentado-do-riocentro-golpeou-autoridade-de-figueiredo-e-completa-40-anos-sem-culpados.shtml |titulo=Atentado do Riocentro golpeou autoridade de Figueiredo e completa 40 anos sem culpados |data=2021 |acessodata=29-11-2021|publicado=Folha|wayb=20210925140929|ref=harv}}
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*{{Citar periódico |ultimo=Quadros |primeiro=Vasconcelo |data=01/10/2018 |titulo=Atentados de direita fomentaram AI-5 |url=https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/02/politica/1538488463_222527.html |jornal=El País |acessodata=28-06-2021 |ref=harv |wayb=20210331161912}}
*{{Citar livro|título=Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história|ultimo=Reis|primeiro=José Roberto Franco|editora=EPSJV|ano=2010|local=Brasília|ref=harv|url=https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/39889/2/Na%20Corda%20Bamba%20de%20Sombrinha%20-%20O%20cora%C3%A7%C3%A3o%20do%20Brasil%20bate%20nas%20ruas.pdf|acessodata=10-11-2021|isbn=978-85-85239-65-7|capitulo=O coração do Brasil bate nas ruas: a luta pela redemocratização do país|editor-sobrenome=Ponte|editor-nome=Carlos Fidelis|editor-sobrenome2=Falleiros|editor-nome2=Ialê}}
*{{Citar periódico |ultimo=Resende |primeiro=Pâmela de Almeida |data=2011 |titulo=A luta dos movimentos pela anistia sob a mira do DEOPS/SP (1977-1983) |url=https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548856708_f21e05453fdd055753f8220419326fa3.pdf |jornal=Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH |acessodata=20-09-2021 |ref=harv |wayb=}}
*{{Citar periódico |ultimo=Resende |primeiro=Pâmela de Almeida |data=2014 |titulo=Da Abertura Lenta, Gradual e Segura à Anistia Ampla, Geral e Irrestrita: A Lógica do Dissenso na Transição para a Democracia |url=https://doi.org/10.15210/rsulacp.v2i2.4710 |jornal=Revista Sul-Americana de Ciência Política |acessodata=10-11-2021 |ref=harv|pagina=36-46|volume=2|número=2}}
*{{Citar livro|título=A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964|ultimo=Ridenti|primeiro=Marcelo|editora=Jorge Zahar|ano=2014|local=Rio de Janeiro|ref=harv|capitulo=As oposições à ditadura: resistência e integração|editor-sobrenome=Motta|editor-nome=Rodrigo Patto Sá|editor-sobrenome2=Reis|editor-nome2=Daniel Aarão|editor-sobrenome3=Ridenti|editor-nome3=Marcelo|isbn=9788537811733}}
*{{Citar periódico |ultimo=Sallum Junior |primeiro=Brasílio |pagina=133–168 |data=1994 |titulo=Transição política e crise de estado |url=https://www.scielo.br/j/ln/a/8qKbMKXZ57JwvdPMTXsgP7p |jornal=Lua Nova |acessodata=24-06-2021 |ref=harv |wayb= |volume=32}}
*{{Citar livro|título=Extrema-Direita, Volver! Memória, ideologia e política dos grupos formados por civis e militares da reserva|ultimo=Santos|primeiro=Eduardo Heleno de Jesus|editora=Universidade Federal Fluminense|outros=Dissertação (Mestrado em Ciência Política)|ano=2009|local=Rio de Janeiro|ref=harv|url=https://app.uff.br/riuff/handle/1/8203|acessodata=2021-11-24}}
*{{Citar periódico|ultimo=Silva|primeiro=Eumano|data=2020|titulo=SNI registrou terrorismo da direita de 1978 a 1987|url=https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/exclusivo-sni-registrou-terrorismo-da-direita-de-1978-a-1987|jornal=Metrópoles|acessodata=27-06-2021|ref=harv|wayb=20210309145443|volume=}}
*{{Citar periódico|ultimo=Teles|primeiro=Janaína de Almeida|data=2010|titulo=As disputas pela interpretação da lei da anistia de 1979|url=https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8649306|jornal=Ideias (Unicamp)|acessodata=24-06-2021|ref=harv|volume=1}}
*{{Citar periódico |ultimo=Vieira |primeiro=Marceu |data=14/12/2010 |titulo=Revisão da História |url=http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI167981-15223,00.html |jornal=El País |acessodata=14-12-2021 |ref=harv |wayb=20211214231103}}
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== Ligações externas ==
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* {{Link||2=http://www.dhnet.org.br/denunciar/escandalos/riocentro/index.htm|3=Fac-simile do inquérito policial militar do caso Riocentro|4=www.dhnet.org.br}}
* {{Link|pt|2=http://www.dhnet.org.br/denunciar/escandalos/riocentro/index.htm|3=IPM do caso Riocentro (1981)|4=[https://web.archive.org/web/20210613134457/http://www.dhnet.org.br/denunciar/escandalos/riocentro/index.htm Cópia arquivada em 13 de junho de 2021]. Projeto DHnet.|acessodata=2021-12-19|Captura no 'Internet Archive'=20210613134457}}
*{{Link|pt|2=https://www.conjur.com.br/dl/32-anos-mpf-denuncia-seis-atentado.pdf|3=Denúncia apresentada pelo MPF (2014)|4=[https://web.archive.org/web/20211219211720/https://www.conjur.com.br/dl/32-anos-mpf-denuncia-seis-atentado.pdf Cópia arquivada em 13 de junho de 2021]. ConJur.|acessodata=2021-12-19|Captura no 'Internet Archive'=20210613134457}}


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Revisão das 22h36min de 26 de dezembro de 2021

Atentado do Riocentro
Atentado do Riocentro
O veículo em que uma das bombas detonou antecipadamente, contendo o cadáver do sargento Guilherme do Rosário
Local Riocentro, Rio de Janeiro, Brasil
Data 30 de abril de 1981 (43 anos)
c. 21h20 (hora local)
Tipo de ataque Terrorismo
Alvo(s) Oposição à ditadura
20 mil pessoas
Arma(s) Explosivos
Responsável(is) Setores do Exército Brasileiro, com apoio da Polícia Militar
Suspeito(s) Freddie Perdigão Pereira

Wilson Dias Machado
Job Lorena de Sant’Anna
Nilton Cerqueira
Newton Cruz
Octávio de Medeiros
Edson Sá Rocha
Cláudio Antonio Guerra
Divany Carvalho Barros
dentre outros

Consequência Desmoralização das Forças Armadas; enfraquecimento do governo Figueiredo; campanha das Diretas Já; eleição de Tancredo Neves
Motivo Frear a abertura política; valorizar o aparato de repressão da ditadura militar no Brasil


O Atentado do Riocentro foi um ataque terrorista perpetrado por setores do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Rio de Janeiro na noite de 30 de abril de 1981, com o objetivo de incriminar grupos que se opunham à ditadura militar no Brasil e, assim, justificar a necessidade do seu aparato de repressão e retardar a abertura política em andamento. Exemplo emblemático do terrorismo de Estado perpetrado pela ditadura, ele previa uma série de explosões no Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro, quando ali se encontravam 20 mil pessoas durante um espetáculo de MPB em comemoração do Dia do Trabalhador.

Parte de uma longa série de atentados a bomba conduzidos por membros das Forças Armadas, ele foi planejado como o maior ataque terrorista da história do Brasil e recebeu intensa preparação, com conhecimento e participação da alta cúpula militar e possivelmente do próprio presidente da República, o general João Figueiredo. As explosões levariam o público a assustar-se e a buscar escapar rapidamente do Riocentro, ocasionando grande número de feridos e potencialmente centenas de pessoas pisoteadas. Contudo, a condução desastrada da operação minou os seus efeitos. Uma das bombas explodiu longe de seu alvo e outra detonou prematuramente, danificando outros explosivos e vitimando dois dos terroristas, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu instantaneamente, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou gravemente ferido. Na sequência dessas falhas, outros militares removeram discretamente os explosivos instalados no palco do show, antes que explodissem.

Na tentativa de assegurar a impunidade de seus autores, durante as investigações o Exército forjou evidências e creditou o ataque a organizações de esquerda que na época se encontravam inativas, uma conclusão que, imediatamente, foi recebida como sendo mentirosa. As investigações seriam reabertas muitas vezes ao longo dos anos, mas sempre freadas por decisões do Judiciário de que os crimes estariam cobertos pela Lei da Anistia – tecnicamente, aplicável apenas a crimes cometidos entre 1961 e 1979 – e, mais tarde, de que eles estariam prescritos. Em seu último episódio, em 2014 foram formalmente acusados de crimes relacionados ao atentado os generais Newton Cruz, Octávio Medeiros, Job Lorena de Sant’Anna e Edson Sá Rocha, e os coronéis Freddie Perdigão e Wilson Machado, dentre outros, mas o TRF-2 decidiu pelo trancamento da ação penal, e mais tarde essa decisão foi mantida pelo STJ e o STF.

A farsa em torno das investigações teve consequências severas, incluindo uma divisão das Forças Armadas entre os que viam o ataque como um ato patriótico e aqueles que exigiam justiça contra os terroristas, e a renúncia do general Golbery do Couto e Silva, então Chefe da Casa Civil e o artífice do governo Figueiredo. Sob vigorosa pressão da sociedade, de setores das Forças Armadas e de políticos da oposição, por ter permitido que os acusados permanecessem impunes, o governo Figueiredo jamais pôde recuperar sua autoridade e viu-se incapaz de eleger um sucessor. O episódio, com seus desdobramentos, tornou-se um marco da decadência e do esgotamento da ditadura militar, que quatro anos depois daria lugar à Nova República.

Contexto político

Ver artigos principais: Abertura política e Terrorismo no Brasil

Desde meados dos anos 1960, o endurecimento da Ditadura Militar no Brasil levou à intensificação da oposição a ela, tanto por grupos que decidiram pegar em armas para combate-la quanto por segmentos mais amplos da sociedade, que passaram a mobilizar-se por acreditarem que, a despeito da violência e terrorismo de estado praticado pelos militares, o restabelecimento da democracia poderia ser buscado de maneira pacífica.[1][2] A tática de guerrilha, contudo, foi abandonada logo nos primeiros anos da década de 1970, pois esses setores da esquerda já não tinham mais como levá-la adiante por falta de recursos e de membros, que haviam sido dizimados ou estavam exilados.[nota 1] Em meados dos anos 1970, portanto, o maior núcleo de oposição à ditadura não era mais a opção pelo socialismo ou comunismo das guerrilhas, mas a oposição civil em defesa da volta do estado democrático, fosse pelo MDB, o partido oficial da oposição, fosse pelas manifestações de rua que voltavam a sacudir o país.[4][5][6]

Pressionado pela mobilização da sociedade e na esteira do esgotamento do milagre econômico do governo que o antecedera,[7] desde 1974 o general Ernesto Geisel, o quarto militar a ocupar o posto de presidente da República desde o Golpe de 1964, vinha pondo em prática medidas graduais visando a reabertura política do país, mas não sem enfrentar a intensa oposição de setores linha-dura das Forças Armadas do Brasil.[8][9][10] Embora a política de Geisel fizesse concessões vacilantes à ampliação das liberdades públicas e incluísse a manutenção da repressão violenta à oposição, como forma de acalmar a linha-dura,[11][12][13][14] os membros desta recusavam-se a aceitar as medidas progressistas do governo e desejavam garantir sua supremacia durante as eleições indiretas que seriam realizadas em 1978.[15]

Com essa finalidade, esses militares passaram a arquitetar atentados terroristas com vistas a enfraquecer os setores dominantes das Forças Armadas, que eles viam como brandos e ineficazes – até mesmo com "inclinações esquerdistas"[nota 2] – e também com a finalidade de intensificar o sentimento anti-comunista da população de tal forma que sua proposta linha-dura viesse a ser vista como necessária ao país.[17][4] Não que se tratasse de uma estratégia nova, visto que já entre 1967 e 1968 militares liderados por Aladino Félix e o general Paulo Trajano da Silva haviam realizado uma longa campanha de assaltos à mão armada e ataques a bomba com o objetivo de levar a um endurecimento da ditadura que assolava o país.[18][19][20] Pioneiros do terrorismo de Estado no Brasil, esses ataques foram anteriores ao surgimento do terrorismo de esquerda do final dos anos 1960 mas, devido às manobras dos militares, acabaram creditados a grupos de esquerda e tiveram papel significativo na promulgação do AI-5, de 13 de dezembro de 1968.[18][19][21]

Ernesto Geisel foi o presidente militar que mais cassou políticos de oposição, mas isso não impediu que setores das Forças Armadas continuassem com sua campanha de atentados terroristas.[15]

Como parte dos esforços do governo Geisel em frustar as tentativas dos setores mais radicais das forças armadas em mobilizar o apoio das tropas como um todo, em 1979 Geisel escolheu como seu sucessor o general João Batista Figueiredo.[22] Anteriormente chefe do gabinete militar do governo Médici, Figueiredo também fora chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e praticamente toda a sua carreira estava ligada à chamada "comunidade de informações" do Exército, que era responsável direta pelas atividades de repressão à oposição ao governo, por meio de organizações como o próprio SNI, o Centro de Informações do Exército (CIE) e o Destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).[23] Sua escolha como sucessor de Geisel, portanto, visava superar resistências e compor alianças que sustentassem o processo de reabertura política do país.[23] A imposição de Figueiredo como candidato, contudo, foi uma vitória "com gosto de derrota", pois Geisel jamais foi capaz de conquistar o engajamento ou a despolitização do Alto Comando das Forças Armadas e dos diferentes setores destas.[14] Como parte dessa dinâmica e em razão de seu histórico profissional, o general Figueiredo teve de colaborar com a comunidade de informações das Forças Armadas e evitaria confronta-la, principalmente o CIE, cujos integrantes estavam inconformados com os rumos políticos do governo.[24][25][26] Além de suas motivações comuns com o restante da ala linha-dura dos militares, os membros desse grupo haviam sido responsáveis por centenas de casos de tortura e assassinato de opositores, e, portanto, temiam ser humilhados e punidos caso o regime se desfizesse e a oposição viesse a assumir o poder. O fim da ditadura, além disso, já vinha limitando severamente as atividades da comunidade de informações e esse grupo temia perder seu poder e benesses.[25][26]

João Figueiredo provinha da "comunidade de informações", responsável pelo atentado do Riocentro.[23]

Por isso, para eles também era interessante que a esquerda voltasse a se envolver na luta armada, de modo a justificar mais repressão política e a continuidade dos órgãos em que trabalhavam. Na falta de um perigo evidente, visto que a ação armada da esquerda havia sido abandonada muito antes, esses grupos estavam dispostos a forjar ameaças da parte de "subversivos de esquerda", que, eles esperavam, levariam a uma volta da repressão mais violenta e aumentariam a importância dada aos órgãos de segurança da ditadura.[5]

Nesse contexto, entre 1978 e 1987 esses militares deram continuidade à campanha de ataques à bomba que vinha sendo levada a cabo pelo país pelos setores linha-dura.[27][28][26] Os ataques desse período, contudo, seriam mais numerosos e virulentos e, somente a partir de janeiro de 1980, somariam cerca de 74 atos terroristas.[29] Em particular, buscando intimidar a imprensa que criticava a ditadura e lideranças que se opunham a ela, apenas entre 1979 e 1981 ao menos quarenta explosões contra bancas de jornal foram realizadas por militares,[30] enquanto ataques a bombas também atingiram instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Casa do Jornalista, bem como livrarias e universidades e as sedes de jornais como O Estado de S. Paulo, Hora do Povo, Em Tempo (Belo Horizonte) e O Pasquim.[31][32][33] Até mesmo militares que defendiam a reabertura política passaram a ter suas famílias ameaçadas.[34] O show em comemoração do Dia do Trabalhador, que testemunharia o Atentado do Riocentro, já fora alvo de uma bomba no ano anterior, em 26 de abril 1980, que explodira em uma loja que vendia ingressos para o evento.[35]

O Show 1º de Maio

Localizado em Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro, o Riocentro era o maior centro de eventos da América Latina e, em 30 de abril de 1981, sediaria o Show 1º de Maio,[36] uma celebração do Dia do Trabalhador que era organizada anualmente pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), uma organização cultural presidida pelo arquiteto Oscar Niemeyer e com ligações com o Partido Comunista Brasileiro.[37]

Nesse ano o evento contava com roteiro de Chico Buarque de Hollanda e Fernando Peixoto, e fazia uma homenagem especial a Luiz Gonzaga. O público esperado era de 30 mil pagantes, mas de fato ele viria a reunir cerca de 20 mil pessoas, em sua maioria jovens, que compareceram para assistir às apresentações de artistas renomados da música popular brasileira, dentre os quais o próprio Luiz Gonzaga, seu filho Gonzaguinha, Alceu Valença, Clara Nunes, Djavan, Ivan Lins, Gal Costa, Fagner, João Bosco, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Simone e Beth Carvalho.[37] No momento da primeira explosão, em torno das 21h20m, cantava Elba Ramalho.[36]

Objetivo e preparativos

Uma série de eventos nos dias que antecederam o Show 1º de Maio indicam que o atentado a bomba no Riocentro foi premeditado e objeto de intenso planejamento por parte de setores do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Rio de Janeiro.[38][39]

As edições anteriores do concerto do Dia do Trabalhador do Cebrade contaram com policiamento realizado pela Polícia Militar, que, além do mais, sempre fazia o policiamento nos eventos do Riocentro, especialmente em eventos como o daquela noite, com um público esperado de até 30 mil pessoas.[40] Ademais, em 1980 o mesmo show havia sido alvo indireto de um ataque a bomba, que explodiu em uma loja que vendia seus bilhetes de ingresso.[35] Como esperado, portanto, em 14 de abril de 1981 os organizadores do concerto solicitaram ao comandante do 18º Batalhão de Policia Militar o policiamento interno e externo do Riocentro durante o evento.[38]

Dez dias depois, a PM distribuiu uma ordem de serviço determinando que o policiamento no show do Riocentro teria efetivo de 43 homens a pé, uma força de choque, um policiamento a cavalo, uma guarnição e uma rádio patrulha, todos sob o comando de um capitão da PM.[33] Contudo, dois dias antes do evento, o comandante do 18º Batalhão, coronel Sebastião Hélio Faria de Paula, foi exonerado de seu posto e substituído pelo tenente-coronel Ile Marlen Lobo Pereira Nunes. Contrariando a tradição da PM, que habitualmente realizava atos solenes durante o hasteamento da bandeira, pela manhã, a cerimônia de passagem do comando foi agendada para as 15h do dia 30 de abril, poucas horas antes do início do show.[38]

O Show 1º de Maio reunia grandes nomes engajados na oposição à ditadura.

Paralelamente, pela manhã do dia 30 de abril, o comandante da PM do Rio de Janeiro, coronel Newton Albuquerque Cerqueira, transferiu seu comando para o chefe de seu estado-maior, o tenente-coronel Fernando Antônio Pott, alegando a necessidade de uma viagem a Brasília.[38] Na tarde desse dia, poucas horas antes das explosões, o coronel Cerqueira telefonou ao tenente-coronel Pott ordenando-lhe que suspendesse todas as atividades de policiamento durante o concerto que se iniciaria no Riocentro,[38] e que mantivesse de prontidão, no quartel, uma tropa de sessenta homens, que poderiam ser acionados em caso de emergência.[29][40] Os organizadores do evento seriam informados dessas mudanças minutos antes do início do show.[33]

Ao mesmo tempo, ações foram promovidas para garantir que a segurança no Riocentro seria parca em relação ao habitual. Algumas semanas antes do evento, o chefe de segurança do Riocentro, coronel Dickson Grael, fora demitido sem maiores explicações e substituído pelo tenente Cesar Wachulec, que, apesar apesar das dificuldades, foi capaz montar uma operação de última hora para a segurança do show.[40] Contudo, no dia do evento o tenente Wachulec foi removido da chefia de segurança e posto para supervisionar exclusivamente o movimento das bilheterias, de acordo com uma decisão da assessora da presidência do Riocentro, Maria Ângela Campobianco.[40] A coordenação geral dos seguranças foi transferida para outro funcionário, um mecânico de profissão, sem qualquer experiência com a segurança de eventos, e, quando do início do espetáculo, às 21h, apenas cinco dos 28 portões do Riocentro estavam abertos; os outros haviam sido trancados por ordem de Maria Ângela Campobianco, a fim de impedir a saída rápida dos espectadores em caso de emergência.[29][41]

Poucas horas antes do concerto, um grupo de quinze indivíduos armados se reuniu em um restaurante às margens da estrada Grajaú-Jacarepaguá, a fim de acertar os últimos detalhes do plano. O grupo, que examinava e discutia planos em torno de um mapa, chamou a atenção dos funcionários do restaurante, que, confundindo-os com potencias assaltantes de banco, telefonaram para a polícia. Uma viatura que se encontrava nas redondezas chegou a comparecer ao local, mas, dada a superioridade numérica do grupo, limitou-se a anotar as chapas de matrícula de cinco automóveis utilizados pelo ele, dentre as quais a do veículo que seria usado no atentado daquela noite e acabaria destruído, um Puma GTE marrom metálico com a placa de identificação OT-0297.[29]

Ainda antes do concerto, diversas placas de sinalização indicando o caminho do Riocentro, e painéis publicitários localizados no próprio terreno do centro de convenções, foram pichados com a sigla VPR, em referência à Vanguarda Popular Revolucionária, um grupo de extrema-esquerda que fora ativo entre 1966 e 1973.[29] Relatos posteriores confirmariam que essas pichações foram organizadas pelo policial civil Mario Viana, codinome "Mineiro", que naquele dia estivera recrutando pessoas com essa finalidade nas imediações do Riocentro.[38]

Conforme imagens fotográficas feitas naquela noite e relatos de diversas pessoas que observaram o veículo nas horas que se seguiram à primeira explosão, dentro do carro haviam outras bombas e explosivos, além dos que efetivamente foram detonados naquela noite.[42] Anos mais tarde também viria à tona que, além delas, ao menos outras duas bombas haviam sido instaladas no interior do pavilhão onde se realizava o show musical, mas que, logo depois da desastrosa explosão no Puma, foram desarmadas discretamente por militares.[43]

Acredita-se que esse conjunto de explosivos seria detonado no interior do pavilhão e junto às saídas de emergência do Riocentro, depois que explosões menores tivessem chamado a atenção do público e provocado um blecaute. Isso causaria uma grande comoção e incitaria o público a desesperar-se e buscar abandonar o local rapidamente, o que levaria a um grande número de feridos com veículos e potencialmente a centenas de pessoas pisoteadas, visto que a maioria das portas de saída haviam sido trancadas com cadeado e no local não havia policiais ou seguranças suficientes.[44]

As explosões

Poucos após se iniciar o Show 1º de Maio, um vigia encarregado do estacionamento do Riocentro testemunhou dois carros atravessarem o canteiro e se dirigirem para o local onde minutos depois o Puma explodiria.[29] Esse veículo levava dois ocupantes, o capitão Wilson Luís Chaves Machado, proprietário e motorista do carro e conhecido pelo codinome "Doutor Marcos", e o sargento Guilherme Pereira do Rosário, codinome "Agente Wagner".[36][45] Ambos integravam o DOI-CODI do I Exército, no Rio de Janeiro, e pertenciam ao aparelho de repressão que, desde 1975, progressivamente vinha sendo desativado devido ao processo de reabertura.[3] O sargento Rosário era treinado em montagem de explosivos, ao passo que Machado atuava como chefe do patrulhamento da segurança do presidente Figueiredo, quando este se encontrava no Rio.[3]

Por volta das 21h20min, quando Elba Ramalho começava a cantar "Banquete de Signos", o Puma, com as janelas quase todas fechadas, pôs-se em movimento em marcha à ré, a fim de deixar a vaga em que estava estacionado; repentinamente, nesse momento ele sofreu uma explosão interna que lhe inflou o teto e fez com que suas portas laterais fossem expelidas.[36][46] Confissões posteriores revelariam que a bomba detonada havia sido preparada e armazenada por Hilário José Corrales, um marceneiro em cuja casa se reuniam militares radicais do DOI-CODI.[47][29]

Vista aérea do Riocentro (2014)

O sargento Rosário, que levava a bomba no colo, morreu imediatamente, enquanto o capitão Machado foi capaz de retirar-se dos destroços, embora gravemente ferido e segurando com as mãos as próprias vísceras expostas.[29][36] Cambaleando, ele andou cerca de duzentos metros e sentou-se em uma escadaria de acesso ao espaço do show, gemendo por socorro.[36] Contudo, não haviam médicos, enfermeiros ou ambulâncias disponíveis no Riocentro, a despeito da magnitude do evento.[48] Ele foi socorrido cerca de 25 minutos depois da explosão no Puma, e levado para o Hospital Miguel Couto, onde pediu que telefonassem ao capitão Francisco de Paula Sousa Pinto para avisa-lo do ocorrido. Este, ao chegar ao hospital, identificou o ferido como capitão do Exército.[29] Um dos integrantes da equipe de cirurgia que atendeu Machado disse que, sob efeito da anestesia, o militar teria murmurado que “deu tudo errado”.[48]

Trinta minutos depois da explosão do Puma, uma segunda explosão atingiu a Casa de Força do Riocentro, a miniestação responsável pela alimentação de eletricidade do centro de eventos.[36] Como mais tarde se comprovou, essa bomba foi arremessada por cima do muro da Casa de Força pelo coronel Freddie Perdigão Pereira,[48] que era próximo do preparador de explosivos Hilário José Corrales[49] e também de Heitor Ferreira, secretário particular dos presidentes Ernesto Geisel e João Figueiredo.[50][nota 3] Contudo, o explosivo arremessado foi parar no pátio da Casa de Força, distante do equipamento de fornecimento de energia, e assim falhou em atingir seu alvo e causar danos significativos, isto é, não chegou a produzir um blecaute generalizado, como se objetivara.[29] Minutos depois dessa segunda explosão, um Chevrolet Opala branco, que estava estacionado num pátio reservado do Riocentro, pôs-se em movimento e seu ocupante gritou para um guarda: “Vocês ainda não viram nada! O pior vai acontecer lá dentro!”.[29]

Nos minutos que se sucederam à explosão do Puma, muitas pessoas se aglomeraram em volta do carro, inclusive outros dos sete militares do DOI-CODI que participavam do ataque.[51][29] Às 22h, Amaro Ribeiro Pereira, um segurança do Riocentro, aproximou-se do Puma e observou a presença de dois homens, que se identificaram como capitães do Exército. Com a chegada da polícia, perto das 22h30 min, a área em volta do carro foi isolada.[29]

Em paralelo a isso, as redações de jornais começam a receber informações sobre o atentado e, como consequência disso, jornalistas e fotógrafos dirigiram-se ao Riocentro, chegando a tempo de registrar os danos causados ao carro.[29] Além dos jornalistas e da policia, também dirigiu-se ao Riocentro uma equipe de perícia forense, que identificou e desativou no interior do Puma semi-destruído outras duas bombas, além de uma pistola e de uma granada de mão do tipo usado pelo Exército, evidências que o plano dos terroristas incluíra outras explosões além daquelas que efetivamente foram deflagradas.[36][29][48] Isso foi confirmado à imprensa presente no Riocentro, por volta da meia-noite, pelo perito Humberto Guimarães, conhecido como "Cauby", e depois corroborado pelo delegado Petrônio Henrique Romano.[29] As duas bombas, duas granadas do tipo cilíndrico usado pelo Exército Brasileiro,[36] chegaram a ser mostradas por reportagens da Rede Globo na sequência do atentado,[29][52] mas nos dias seguintes passaram a ser omitidas.[53][54]

Mais tarde, o tenente Wachulec, que trabalhava no Riocentro, testemunhou um homen retirar objetos do carro, notadamente as duas bombas cilíndricas.[48][36] Como depois comprovou-se, esse homem era o capitão Divany Carvalho Barros, conhecido como "Doutor Áureo", que, por ordem do chefe do DOI-CODI do I Exército, o tenente-coronel Júlio Miguel Molinas Dias, realizou uma operação limpeza no veículo, retirando de seu interior as bombas, a granada e a pistola, bem como a agenda pessoal do sargento morto na explosão.[48] A partir do dia seguinte, a existência de outras bombas no interior do Puma seria veementemente negada pelo delegado Newton Costa, diretor do Departamento Geral de Investigações Especiais, e pelo general Gentil Marcondes Filho, comandante do I Exército, pois confrontava a versão defendida pela PM e pelo Exército: a de que os militares no Puma teriam sido vítimas de um ataque de terroristas de esquerda, que teriam arremessado uma bomba no interior do carro em movimento, através de sua janela entreaberta.[29][55] Assim, o detetive Cauby não foi mais encontrado pela imprensa e o delegado Petrônio Henrique Romano mudou seu relato dos fatos.[51]

Investigações

Não restam dúvidas de que os dois, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Luís Chaves Machado, provocaram o ataque a bomba e não foram as vítimas. É nítido que os dois, como membros do DOI-CODI, agiam sob as ordens de superiores no momento em que a bomba acidentalmente explodiu.

Relatório da CIA (1981).[56]

Imediatamente após o fracasso do atentado, iniciou-se um esforço conjunto para que não houvesse a apuração dos responsáveis pelo atentado do Riocentro e a culpa fosse transferida para organizações de esquerda que se encontravam fragilizadas e havia anos não tinham qualquer capacidade de ação.[6][57] Em última instância essas tentativas seriam frustradas, pois logo ficou claro que o capitão Wilson Luís Chaves Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário não eram vítimas e sim os perpetradores do ataque, e naquela noite agiam sob ordens de seus superiores do DOI-CODI.[39]

Segundo documentos da Central Intelligence Agency (CIA), tornados públicos na década de 2010, o diretor do SNI e o comandante do Exército conheciam inteiramente os planos para o atentado no Riocentro, embora não estivesse claro se o presidente Figueiredo tivera participação no plano.[39] Nessa mesma década, viriam a público confissões e documentos do Exército indicando que sete agentes do DOI-CODI participavam da ação terrorista no Riocentro, e que o presidente João Figueiredo e militares do seu entorno souberam dos planos com ao menos um mês de antecedência e se esforçaram para encobrir sua autoria.[58][29]

O inquérito policial militar de 1981

No dia seguinte às explosões, o general Gentil Marcondes Filho, comandante do I Exército, determinou que o enterro do sargento Guilherme do Rosário fosse realizado com honras militares e, em em um episódio incomum, fez questão de carregar uma alça do caixão, em clara demonstração de apreço pelo morto.[59][60] Na saída do cemitério, ele declarou que os militares no Puma estavam no local cumprindo ordens suas, em missão de informação, quando teriam sido alvo de um ataque, e essa versão foi complementada pelo coronel Job Lorena de Sant'anna, chefe da 5ª Seção do I Exército, que leu uma nota reafirmando que o capitão e o sargento tinham sido vítimas de um atentado terrorista.[29]

Apesar das declarações e imagens realizadas na noite do acidente, tanto o general Gentil Marcondes Filho quanto o delegado Newton Costa, diretor do Departamento Geral de Investigações Especiais, passaram a negar a existência de outros explosivos dentro Puma.[29] Como parte da farsa, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Valdir Muniz, declarou em uma entrevista que os militares no Puma tinham sido vítimas da ação de terroristas, e o comandante da PM do Rio de Janeiro, coronel Newton Albuquerque Cerqueira, afirmou que suspendera o policiamento do Riocentro no dia do show por se tratar de um evento da iniciativa privada,[29] embora o mesmo show tivesse sido policiado em anos anteriores e eventos da mesma magnitude sempre contassem com a policiamento.[40]

Reconstituições da aparência de Átila com base em fontes históricas e arqueológicas.No mesmo dia, o general Waldir Muniz, que era Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, afirmou que o capitão Machado – então incomunicável e gravemente ferido – teria relatado que, ao por o Puma em movimento, ele e o sargento Rosário teriam sido surpreendidos com a presença de uma bomba no interior do carro; o sargento Rosário teria dito “Há uma bomba aqui!”, e na sequência teria tocado o objeto com suas mãos e este havia explodido. Essa se tornaria a versão oficial defendida por oficiais do Exército e autoridades da ditadura, isto é, de que os dois militares teriam sido vítimas, surpreendidos com a explosão de um artefato colocado por terceiros no interior do veículo.[48] Essa versão implausível seria contradita pelo próprio capitão Wilson Machado no âmbito do inquérito policial militar (IPM) que foi instaurado pelo Exército devido à grande repercussão do caso. Em depoimento, o convalescente capitão reconheceu não ter travado qualquer diálogo desse tipo com o sargento Rosário.[55]

O encarregado do IPM, coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, realmente buscou apurar os fatos,[55] e apontou, por meio do depoimento do tenente-coronel Júlio Miguel Molina, então chefe do DOI-CODI no Rio de Janeiro, que na noite de 30 de abril o capitão Machado estivera no Riocentro para supervisionar uma equipe de sete agentes em ação, quando a bomba que levava no carro explodiu por acidente.[29]

Contudo, em poucos dias o coronel Prado Ribeiro foi substituído pelo coronel Job Lorena de Sant’anna. Essa substituição foi amplamente questionada na imprensa da época, e durante o IPM de 1999 o coronel Prado Ribeiro confirmou que sofrera grandes pressões e ameaças, e fora forçado a renunciar justamente por ter buscado esclarecer o caso. Segundo ele, ele foi substituído por se recusar a conduzir uma investigação fajuta, cuja finalidade era concluir que o atentado tivera “autoria desconhecida”.[55]

O Exército apresenta os resultados do inquérito: suas conclusões foram imediatamente recebidas como sendo mentirosas

Como se soube mais tarde, o legista Elias Freitas, responsável pela necrópsia de Guilherme do Rosário, concluiu, a partir das lesões no cadáver, que a bomba explodira no colo do sargento, visto que seu rosto e genitália se encontravam dilacerados; contudo, por ordens do coronel Job Lorena de Sant’anna, o relatório final apontou que a bomba explodira entre a perna do sargento e a porta do carro, de forma a corroborar a versão de que a bomba fora plantada no veículo.[29][43] O laudo cadavérico também mostrou que Guilherme do Rosário trajava coturnos militares quando morrera, contrariando a versão de que ele se encontrava em missão de observação e monitoramento.[61]

A forma mentirosa como o IPM foi conduzido gerou fortes reações. O deputado Ulysses Guimarães acusou o governo de fechar os olhos para os mais de cem atentados terroristas realizados por militares entre 1980 e 1981, e até mesmo altos oficiais passaram a admitir que as explosões eram obra de militares. O presidente Figueiredo reconheceu que a “situação estava pesada”, mas revidou dizendo que “nem uma, nem duas mil bombas" modificariam sua decisão de "prosseguir com a abertura política”.[29]

Em vista dessas questões, o resultado do IPM chefiado pelo coronel Job Lorena de Sant’anna, de que os ocupantes do Puma haviam sido vítimas de uma bomba, instalada entre a porta e o banco do carro, enquanto "observavam a influência de elementos de esquerda” durante o show,[29] foi imediatamente recebido como uma grande farsa, tanto pela imprensa quanto pela sociedade,[55] e em última instância sepultou as condições de governabilidade do presidente-general Figueiredo.[62][63]

A ideia de que a investigação fora abafada, a fim de impedir que altos oficiais do Exército fossem incriminados, foi mais tarde confirmada pelo almirante de esquadra Júlio de Sá Bierrenbach, à época ministro do Superior Tribunal Militar. Durante o julgamento de um pedido de arquivamento do IPM, em outubro de 1981, Bierrenbach foi o único a votar contra o pedido, mais tarde reconhecendo que "não podia engolir aquela solução [pois] era uma farsa total".[55] Veementemente constrangido por seus pares e acusado de ofender as Forças Armadas,[64] mais tarde Bierrenbach confirmou que desde o princípio estivera claro que o Atentado do Riocentro havia sido um ato terrorista de direita e,[29] em 2014, depôs à Comissão Nacional da Verdade, confirmando que a investigação levada a cabo na sequência do atentado foi abafada para inocentar altos oficiais vinculados ao crime.[65]

Sucessivos pedidos de reabertura

Em 1985, o coronel Dickson Grael, que tinha sido chefe de segurança do Riocentro até poucas semanas antes do dia do atentado, quando foi demitido sem maiores explicações e substituído pelo tenente Cesar Wachulec, pleiteou judicialmente a reabertura das investigações, com base nos testemunhos do tenente Wachulec e do diretor-técnico do Riocentro, Nilton Nepomuceno, que testemunharam a retirada de duas bombas desativadas do banco traseiro do Puma. Nesse processo, o segurança José Geraldo de Jesus, que trabalhara no Riocentro, depôs ter testemunhado a retirada de outras bombas, que haviam sido instaladas no palco onde ocorria o show. Apesar disso, o pedido do coronel Grael foi negado. Pedidos semelhantes, buscando reabrir as investigações sobre o caso Riocentro, seriam apresentados sucessivamente em 1987, 1996 e 1998 mas também sem sucesso, normalmente com base em uma interpretação bastante disputada da Lei da Anistia, que somente seria aplicável a crimes cometidos entre 1961 e 1979.[66][64][67]

Contudo, investigações levadas a cabo pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, então presidida por Hélio Bicudo, obtiveram novas evidências e o caso foi levado ao Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, que encaminhou o pedido de investigação ao Ministério Público Militar. Após colher onze depoimentos e evidenciar as contradições nas perícias realizadas e a existência de novas provas, o procurador-geral da Justiça Militar, Kleber de Carvalho Coelho, pediu a abertura de novo IPM.[66][29]

Dentre esses depoimentos se encontrava o do coronel da reserva que havia sido posto no comando da PM horas antes do show do Riocentro, Ile Marlen Lobo Pereira Nunes. Diante da Comissão de Direitos Humanos, ele confirmou o depoimento do segurança José Geraldo de Jesus em 1985 e confessou que, momentos depois da explosão da bomba no Puma, cinco agentes militares o procuraram alertando que duas bombas haviam sido instaladas no interior do pavilhão onde se realizava o show musical e pedindo autorização para desmonta-las.[43]

O inquérito policial militar de 1999

Efetivamente foi instaurado em junho de 1999, o novo IPM foi conduzido pelo general Sérgio Ernesto Alves Conforto.[66] Dentre outras coisas, esse inquérito incluiu um estudo criminalístico que demonstrou que os artefatos explosivos usados no atentado eram peças de elaboração sofisticada, isto é, que haviam sido preparados por pessoal com treinamento profissional, e haviam sido produzidos com o emprego de temporizadores para detonação e nitroglicerina gelatinosa, materiais esses que jamais estiveram ao alcance de grupos guerrilheiros mas eram comumente usados por grupos militares extremistas.[48] Graças aos depoimentos de militares e outras testemunhas, coletados pelo general Conforto, confirmou-se que a operação no Riocentro incluiu sete agentes, sendo a maioria deles do DOI-CODI.[29]

Após três meses de trabalho, o IPM concluiu que o planejamento e execução do atentado foram resultado de uma colaboração entre o SNI e o DOI-CODI do I Exército. Mais ainda, ele apontou o envolvimento dos generais Octávio Medeiros e Newton Cruz, além do coronel Wilson Machado, do sargento Guilherme do Rosário e do coronel Freddie Perdigão, estes últimos já mortos.[66]

Em um episódio notável, o general Octávio Medeiros, à época chefe do SNI, confessou que o presidente João Batista Figueiredo e o general Danilo Venturini, chefe do Gabinete Militar da Presidência, haviam sido informados pelo general Newton Cruz, com mais de um mês de antecedência, que o DOI do I Exército vinha preparando um atentado terrorista que seria desferido no Riocentro.[58] O próprio Newton Cruz lhe teria avisado do atentado uma semana antes do show.[29] O general Newton Cruz, à época chefe da Agência Central do SNI e, portanto, subordinado a Medeiros, confirmou que o atentado era obra de agentes do DOI-CODI descontentes com a reabertura política mas minimizou os objetivos do ataque, justificando que era "uma bombinha artesanal, caseira, dessas que jogavam em bancas de jornal e todo mundo achava graça".[68] Mais importante, Cruz contradisse Medeiros e disse que soubera do atentado cerca de 1,5h antes da explosão no Puma.[58] Em vista das discrepâncias, em 27 de janeiro de 2000 eles foram submetidos a uma acareação diante do general Sérgio Conforto, que concluiu que de fato Figueiredo soubera com antecedência dos planos para o atentado terrorista.[68][58] O inquérito finalizado indiciou o tenente Wilson Machado por homicídio qualificado, punível com doze a trinta anos de prisão, e o general Newton Cruz por falso testemunho, crime este com pena de dois a seis anos de prisão, e desobediência, sujeito a uma pena de até seis meses de encarceramento.[68][29]

Apesar das revelações, em 3 de maio de 2000 o Superior Tribunal Militar determinou novamente o arquivamento do caso, justificando que os envolvidos já haviam sido incluídos no inquérito anterior, transitado em julgado, e que era contra o indiciamento do general. Apesar de reconhecer a existência de fatos novos que haviam sido levantados pela investigação, o relator, ministro Carlos Alberto Soares, argumentou a favor do enquadramento dos crimes pela Lei da Anistia, e, assim, pela extinção da punibilidade de quaisquer envolvidos. Assim, o processo foi novamente arquivado.[66]

Comissão da Verdade e novas denúncias

Em 1 de novembro 2012, o coronel Júlio Miguel Molinas Dias, que fora comandante do DOI do I Exército, no Rio de Janeiro, foi assassinado em sua residência no Rio Grande do Sul, e durante as investigações a Polícia Civil encontrou e apreendeu dentre seus pertences um grande número de documentos inéditos a respeito do Ataque no Riocentro, incluindo manuscritos, memorandos, registros de ordens e telefonemas datilografados, que revelavam que o Exército sabia quem eram os culpados pelo Atentado do Riocentro e continham detalhes da operação executada pelo Exército para evitar que fatos viessem à tona e incriminassem os terroristas. Esses documentos foram entregues pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, à Comissão Nacional da Verdade (CNV).[69]

Em 2013, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, braço da CNV, passou a investigar o Ataque no Riocentro, coletando novos depoimentos e mostrando outras contradições e omissões nas investigações anteriores. Notadamente, nessa ocasião o major reformado Divany Carvalho Barros confessou ter recebido ordens de seus superiores a missão de apagar provas que pudessem incriminar os militares envolvidos na operação, motivo pelo qual dirigira-se ao Riocentro e removera objetos do Puma.[63]

Dentre as conclusões da CNV, cujo relatório preliminar sobre o atentado no Riocentro foi apresentado em abril de 2014, estava a conclusão de que o atentado "não foi obra de lunáticos nem de agentes que agiram por conta própria" e sim uma ação articulada do Estado brasileiro visando uma estratégia política: inibir o processo de abertura política que começava a ocorrer no Brasil.[70]

Em parte graças às novas informações coletadas pela CNV, em maio de 2014 a Justiça Federal decidiu por aceitar uma denúncia do Ministério Público Federal, determinando ao Exército Brasileiro que lhes fossem encaminhadas as folhas de alterações de quatro oficiais da reserva, acusados, juntamente com dois outros réus, de crimes relacionados ao atentado.[71][72] As investigações do MPF vinham ocorrendo desde 2012, no âmbito do grupo Justiça de Transição, que apurava crimes políticos do regime militar, e produziram 38 volumes de documentos e 36 horas de gravações de depoimentos, em áudio e vídeo.[73]

A denúncia do Ministério Público Federal pedia a prisão de seis indivíduos, dos quais quatro que jamais haviam sido acusados nos inquéritos passados:[73] dos generais Newton Cruz e Nilton Cerqueira, do delegado Cláudio Antonio Guerra e do coronel Wilson Machado, pelos crimes de homicídio doloso tentado (duplamente qualificado, por motivo torpe e uso de explosivo), associação criminosa armada e transporte de explosivos; do general Edson Sá Rocha (o "doutor Silvio", chefe de Operações do DOI-CODI do I Exército), por associação criminosa armada; e do major Divany Carvalho Barros, por fraude processual.[74]

O Riocentro foi planejado para ser, possivelmente, o maior atentado terrorista da história do Brasil. Felizmente, as falhas na execução relegaram a operação a ocupar outro papel na história: o de ser mais um episódio revelador da violência do Estado ditatorial contra a sociedade brasileira.

Relatório da CVN.[75]

Adicionalmente, a denúncia responsabilizava outros militares já mortos: os generais Octávio de Medeiros e Job Lorena de Sant’Anna, os coronéis Freddie Perdigão Pereira, Ary Pereira de Carvalho, Alberto Carlos Costa Fortunato, Luiz Helvecio da Silveira Leite, o tenente-coronel Júlio Miguel Molinas Dias, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o marceneiro Hilário José Corrales.[72]

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal argumentava que o Atentado do Riocentro era parte de uma longa série de atentados a bomba que configurava um ataque sistemático de agentes do Estado brasileiro contra a população civil e, como tal, constituiria crime contra a humanidade e, portanto, seria imprescritível de acordo com um princípio amplamente aceito e devidamente incorporado ao Direito Internacional.[76]

Contudo, em julho do mesmo ano, por dois votos a um o Tribunal Federal da 2ª Região determinou o trancamento da ação penal referente ao Riocentro e concedeu habeas corpus contra o recebimento da denúncia dos quatro dos oficiais da reserva, por julgar que os crimes estariam prescritos. Dois desembargadores entenderam que o caso não poderia ser enquadrado como crime contra a Humanidade pois essa categoria é proveniente de princípios e costumes do direito internacional dos quais não se pode "lançar mão com tanta facilidade", e, como consequência, todos os crimes cometidos estariam prescritos.[76]

Essa decisão foi contestada pelo MPF, por meio de recurso que foi julgado em 28 de agosto de 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça. Nessa ocasião, embora o ministro Rogerio Schietti Cruz tenha proferido um voto de 108 páginas afastando a possibilidade de aplicação da Lei da Anistia a crimes cometidos após a edição da lei, em 1979, concordando que o Atentado do Riocentro foi parte de uma série de outros ataques orquestrados com a mesma finalidade e que constituiriam crime contra a humanidade e seriam imprescritíveis,[77] a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por 5 votos a 2, rejeitou o recurso.[63] Da mesma forma, em 2019 o MPF apresentou um recurso ao Supremo Tribunal Federal, que foi rejeitado em decisão individual do ministro Marco Aurélio Mello.[77]

Legado

Ver artigos principais: Diretas Já e Nova República

O Atentado do Riocentro foi planejado para ser o maior atentado terrorista da história do Brasil, e seus resultados só não foram catastróficos devido à maneira atrapalhada com que foi executado.[75] A revelação de que as Forças Armadas abrigavam grupos terroristas e, sobretudo a maneira corporativista com que o Exército conduziu as investigações, acobertando os responsáveis e forjando evidências, chocaram a sociedade brasileira e em última instância sepultaram o governo Figueiredo e sua capacidade de levar a cabo o projeto de reabertura delineado por Geisel, que dependia da manutenção do controle do país nas mãos dos militares por meio da eleição de seus sucessores na Presidência.[78]

Embora na manhã seguinte às explosões no Riocentro Figueiredo aparentemente tenha recebido bem a notícia do ocorrido no Riocentro, supostamente dizendo que "até que enfim os comunistas fizeram uma bobagem", logo ficou claro que a condução desastrada do atentado expusera seus autores e as Forças Armadas, demonstrando que existia um núcleo terrorista dentro do próprio regime e, assim, comprometendo o próprio governo.[34] De fato, menos de 24 horas depois do atentado, o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, declarava que “a bomba explodiu no governo”.[29]

Durante as investigações levadas a cabo pelo IPM, a oposição oficial notou com entusiasmo que “a bomba do Riocentro pode representar para o governo Figueiredo o que o martírio de Vladimir Herzog significou para o governo Geisel” (quando deu-se início à desarticulação da tortura), isto é, que o atentado no Riocentro apresentava uma oportunidade para que o governo acabasse com a “clamorosa impunidade de quase cem atentados” não resolvidos entre 1980 e 1981.[29] Diante desses numerosos atentados Figueiredo reagira com teatralidade e arroubos de bravura – famosamente dizendo que explosões não surtiriam efeito em seu governo e que "é para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo, arrebento” – mas sem interferir nos esquemas que asseguravam que as investigações desses atentados jamais levariam à prisão dos criminosos.[79] Diante da notoriedade que adquiriu o Atentado do Riocentro, a expectativa era de que o governo enfim agisse para punir os militares responsáveis e, assim, enfim "desativasse o terrorismo" de Estado que vinha sendo perpetrado.[79]

O próprio presidente Figueiredo admitiu que a situação estava "pesada”, visto que o atentado escancarara o governo diante da sociedade brasileira e levara a "uma guerra particular nos subterrâneos do regime", isto é, dividira as Forças Armadas: de um lado a linha dura, que considerava os atentados terroristas ações heróicas em defesa da pátria, e do outro lado os "castelistas", isto é, o setor das Forças Armadas que exigia que o governo tratasse os militares terroristas com justiça, isto é, da mesma forma que trataria civis que fossem responsáveis por ataques do mesmo tipo.[80][34][79] Por fim, Figueiredo demonstrou falta de vontade política para combater o terrorismo militar e permitiu ao Exército bloquear as investigações e inocentar os militares de qualquer culpa, por meio de um inquérito que, aos olhos de toda a sociedade, claramente buscava ocultar a verdade dos fatos.[81][80]

Como reação ao acordo tácito entre o governo Figueiredo e o setor das Forças Armadas responsável pelo ataque, que trocara sua não-punição pelo fim dos ataques terroristas,[80] três meses após o ataque renunciou o general Golbery do Couto e Silva, ministro do Gabinete Civil que também era o grande estrategista da "abertura política controlada"[82] e o "artífice da candidatura de Figueiredo à Presidência".[79] Seu substituto, João Leitão de Abreu, afirmava ser “a injustiça preferível à desordem”."[81] Sob intensa pressão, pouco depois Figueiredo sofreu um infarto que o obrigou a deixar o governo por quase dois meses nas mãos do vice-presidente,[82] e seu governo jamais recuperou a autoridade moral necessária à continuidade dos planos da ditadura, que incluíam eleger um candidato governista nas próximas eleições indiretas.[34]

Assim, além do Puma, as bombas no Riocentro destruíram a potencial candidatura do general Octávio de Medeiros – o candidato preferido de Figueiredo – à Presidência, e as tentativas dos militares de continuarem mantendo-se no poder. Com a aproximação das eleições não-presidenciais em 1982, que, pela primeira vez desde os anos 1960, permitiriam o voto direito para governador, o governo militar alterou subitamente as regras eleitorais por meio da Emenda Constitucional nº 22, a fim de evitar um desastre, mas mesmo assim a população elegeu massivamente políticos da oposição à ditadura.[83][84]

Ao mesmo tempo, na sequência do Atentado do Riocentro a sociedade passou a cobrar mudanças com maior vigor, e as as greves e manifestações de rua tornaram-se maiores e mais frequentes. A oposição foi capaz de aglutinar as forças de oposição e o sentimento contra a ditadura, sobretudo na pessoa de Tancredo Neves; assim, a partir de 1983 o Brasil foi às ruas pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira, na campanha que ficou conhecida como Diretas Já e levou à eleição indireta de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil em décadas e o princípio da Nova República.[85][84]

Ver também

Notas

  1. As organizações guerrilheiras da esquerda brasileira foram majoritariamente destruídas no início dos anos 1970 e desde 1972 o que restara delas se encontrava sem capacidade de ação. A exceção foi a Guerrilha do Araguaia, cujos últimos guerrilheiros foram sumariamente executados no final de 1974.[3]
  2. Segundo um dos cabeças da linha-dura do exército, o general Sylvio Frota, os militares podiam ser divididos em três grupos "de tendências e aspirações diferentes": a linha-dura, que seria fiel à ideologia do Golpe de 1964, os setores que controlavam o governo ("de inclinações liberais centro-esquerdistas") e o setor nacionalista, "de fortes tinturas socialistas".[16]
  3. Freddie Perdigão Pereira teve um papel significativo no Golpe de 1964. Aos 27 anos, enquanto tenente e encarregado dos quatro tanques M-41 do Exército que protegiam o Palácio Laranjeiras, a residência presidencial no Rio de Janeiro, Perdigão abandonou seu posto para juntar-se ao governador Carlos Lacerda na tomada do Palácio. Mais tarde, ele se juntaria ao Centro de Informações do Exército e militaria "no pedaço mais fundo do porão do regime", o departamento do CIE chamado de "Casa da Morte".[3]

Referências

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Bibliografia

Ligações externas