Capitanias do Brasil
As capitanias foram uma forma de administração territorial do império português pela qual a Coroa, com recursos limitados, delegou a tarefa de colonização e exploração de determinadas áreas. O sistema de capitanias, bem sucedido nas ilhas da Madeira e de Cabo Verde, foi inicialmente implantado no Brasil com a doação da Ilha de São João (atual ilha de Fernando de Noronha), por Carta Régia de Dom Manuel I (r. 1495–1521), datada de 16 de fevereiro de 1504, que doou a Fernando de Noronha.
O insucesso das expedições guarda-costas de Cristóvão Jacques (inclusive o sério incidente diplomático pelo qual foi responsável), assim como o aumento do tráfico de pau-brasil e outros gêneros por corsários estrangeiros, principalmente franceses no litoral do Brasil, em um momento de crise do comércio português no Oriente, foram os fatores determinantes para a iniciativa de colonização promovida pela Coroa.
As capitanias hereditárias
Os beneficiários, no total de quinze, eram elementos da pequena nobreza de Portugal, dos quais sete haviam se destacado nas quais o açúcar e o peixe. O sistema de donatários, combinando elementos feudais e capitalistas, havia sido utilizado com êxito no desenvolvimento das ilhas da Madeira e dos Açores, e foi aplicado com menor êxito no arquipélago de Cabo Verde e, durante curto espaço de tempo (1575), em Angola."[1]
De norte a sul as capitanias hereditárias iniciais eram:
- Notas
↑ Os limites são aproximados, apontando vilas ou acidente geográficos situados em pontos extremos do litoral, no sentido norte-sul. O limite a oeste é a linha de Tordesilhas.
↑ A Capitania de Itamaracá foi abandonada pelo donatário e recriada como Capitania da Paraíba em 1574.
↑ A Capitania de São Vicente teve como capitães em sua origem Pedro Capico em 1517 e Antônio Ribeiro em 1528[2]; sua secção mais setentrional foi rebatizada pouco tempo depois (por volta de 1567) como Capitania do Rio de Janeiro.
A administração das capitanias
O donatário constituía-se na autoridade máxima dentro da própria capitania, tendo o compromisso de desenvolvê-la com recursos próprios, embora não fosse o seu proprietário.
O vínculo jurídico entre o rei de Portugal e cada donatário era estabelecido em dois documentos: a Carta de Doação, que conferia a posse, e a Carta Foral que determinava direitos e deveres.
Pela primeira, o donatário recebia a posse da terra, podendo transmiti-la aos filhos, mas não vendê-la. Recebia também uma sesmaria de dez léguas de costa. Devia fundar vilas,distribuir terras a quem desejasse cultivá-las, construir engenhos. O donatário exercia plena autoridade no campo judicial e administrativo para nomear funcionários e aplicar a justiça, podendo até decretar a pena de morte para escravos, índios e homens livres. Adquiria alguns direitos: isenção de taxas, venda de escravos índios e recebimento de parte das rendas devidas à Coroa. Podia escravizar os indígenas, obrigando-os a trabalhar na lavoura ou enviá-los como escravos a Portugal até o limite de 30 por ano.
A Carta Foral tratava, principalmente, dos tributos a serem pagos pelos colonos. Definia ainda, o que pertencia à Coroa e ao donatário. Se descobertos metais e pedras preciosas, 20% seriam da Coroa e, ao donatário caberiam 10% dos produtos do solo. A Coroa detinha o monopólio do comércio do pau-brasil e de especiarias. O donatário podia doar sesmarias aos cristãos que pudessem colonizá-las e defendê-las, tornando-se assim colonos.
Outras capitanias
Posteriormente, D. João III (1521-1557) expediu, a 22 de Agosto de 1539, uma carta de doação da "Ilha de Ascensão" (atual ilha da Trindade), situada a 75 léguas da costa do Brasil, na altura de 19º e um terço do meridiano, a Belchior Carvalho, fidalgo da Casa Real, constituindo a Capitania da Trindade. Essa doação também não acarretou consequências, na prática.
A Capitania da Baía de Todos os Santos, por morte de seu donatário, foi vendida pela viúva à Coroa, para fins da instalação da sede do governo-geral, com a fundação da cidade do Salvador (1549). Um pouco mais tarde, ainda na região, foram doadas em 1556:
- a ilha de Itaparica, a D. António de Ataíde, conde de Castanheira, constituindo a Capitania de Itaparica;
- a região do rio Paraguaçu, a D. Álvaro da Costa, constituindo a Capitania do Paraguaçu (Peroaçu), também denominada como Capitania do Recôncavo da Baia.
A primeira seção da capitania de São Vicente, que por falta de colonizadores havia sofrido a invasão francesa da baía de Guanabara, entre 1555 e 1567, foi recriada como Capitania Real do Rio de Janeiro.
A Capitania de Itamaracá, abandonada pelo donatário, foi recriada como Capitania da Paraíba em 1574.
No século XVII, outras capitanias foram criadas:
- No Estado do Maranhão, no contexto da conquista do Norte do Brasil:
- a Capitania de Tapuitapera, Cumá ou Cumã, doada a Antônio Coelho de Carvalho (1633)
- a Capitania de Caeté ou Gurupi, doada a Feliciano Coelho de Carvalho (1634), posteriormente a Álvaro de Sousa;
- a Capitania de Cametá, doada a Feliciano Coelho de Carvalho (1620)
- a Capitania do Cabo Norte, doada a Bento Maciel Parente (1637)
- a Capitania de Marajó (ou ilha Grande de Joanes), doada a António de Sousa de Macedo (1655)
- a Capitania do Xingu, doada a Gaspar de Abreu de Freitas (1685), última capitania criada
- No Estado do Brasil:
- a Capitania de Campos dos Goitacases, antiga São Tomé, a Martim Correia de Sá (20 léguas) e a João Correia de Sá (10 léguas) (1674).
- a Capitania-comarca de São João das Duas Barras, ou província-comarca como consta no despacho de sua criação por Dom João VI. Existiu entre 1808 e 1814, perdendo o status de capitania logo depois, restando somente a comarca.[3]
- a Capitania de Itanhaém, um desmembramento da Capitania de São Vicente, criada em 1624 por Mariana de Sousa Guerra, Condessa de Vimieiro[4].
Tipos de capitania
As capitanias podiam ser classificadas em:
- Insulares e continentais - quanto à sua localização;
- Permanentes e temporárias - quanto ao seu gênero de doação (a Capitania doada a Pero Cápico seria do segundo gênero);
- Hereditárias e reais - quanto à posse, se geridas por capitães hereditários ou por mandatários nomeados diretamente pela Coroa. A propriedade, por outro lado, era exclusiva do Estado português[5];
- Principais e subalternas - quanto ao nível de autonomia; a relação de dependência das capitanias subalternas não era sempre a mesma. Ao passo que o Rio Negro e Santa Catarina, por exemplo, eram bastante dependentes do Grão-Pará e do Rio de Janeiro, respectivamente, as capitanias do Ceará, Paraíba do Norte e Rio Grande do Norte eram menos sujeitas a Pernambuco[6].
O governo-geral
É costume afirmar-se que o sistema de capitanias hereditárias fracassou no Brasil, diante da constatação de que apenas a Capitania de Pernambuco e a de São Vicente lograram alcançar relativa prosperidade nas décadas seguintes. Em ambas, havia prosperado a lavoura de cana-de-açúcar e, apesar dos problemas comuns às demais capitanias, os respectivos donatários, Duarte Coelho e os representantes de Martim Afonso de Sousa, conseguiram manter os seus colonos e estabelecer alianças com os indígenas.
O insucesso das demais, certamente atrasou o desenvolvimento da terra. As dificuldades eram maiores do que os donatários podiam calcular. Muitos donatários nem chegaram a tomar posse das suas terras. Entre as causas para tal, relacionam-se:
- a difícil a adaptação às condições climáticas e a um tipo de vida diferente do existente na Europa;
- o alto custo do investimento, que não trazia um retorno imediato;
- a falta de recursos humanos, por parte dos donatários, para desenvolver os lotes;
- os ataques das tribos indígenas e de corsários estrangeiros, assim como as disputas internas e dificuldades na aplicação da Justiça;
- a falta de comunicação e de articulação entre as diversas capitanias pelas enormes distâncias entre si, e entre elas e a metrópole;
- a ausência de uma autoridade central (governo) que amparasse localmente as Capitanias, referente à economia, justiça e segurança.
Mesmo assim, o sistema de capitanias cumpriu os objetivos ao preservar a posse da terra para Portugal, lançando os fundamentos da colonização, com base no tripé constituído pela grande propriedade rural, pela monocultura de um produto de larga aceitação na Europa e pelo trabalho escravo.
Já em meados do século XVI, percebendo a dificuldade e os riscos ao projeto colonizador, a Coroa decidiu centralizar o governo do Brasil, e enviou um primeiro governador-geral, Tomé de Sousa (1548).
Com a finalidade de "dar favor e ajuda" aos donatários e centralizar administrativamente a organização da Colônia, o rei de Portugal resolveu criar, em 1548, o Governo Geral. Resgatou dos herdeiros de Francisco Pereira Coutinho a capitania da Bahia de Todos os Santos, transformando-a na primeira capitania real ou da Coroa, sede do Governo Geral. Esta medida não implicou a extinção das capitanias hereditárias e até mesmo outras foram implantadas, como a de Itaparica, em 1556, e a do Recôncavo Baiano, em 1566. No século XVII continuaram a ser criadas capitanias hereditárias para estimular a ocupação do Estado do Maranhão.
Um Regimento instituiu o Governo Geral. O documento detalhava as funções do novo representante do governo português na Colônia. O governador-geral passou a assumir muitas funções antes desempenhadas pelos donatários. A partir de 1720 os governadores receberam o título de vice-rei. O Governo Geral permaneceu até a vinda da família real para o Brasil, em 1808.
Tomé de Sousa, o primeiro governador do Brasil, chegou em 1549 e fundou a cidade de Salvador, a primeira da Colônia. Trouxe três ajudantes para ocupar os cargos de: provedor - mor, encarregado das finanças; ouvidor - geral, a maior autoridade da justiça; e o de capitão - mor da costa, encarregado da defesa do litoral. Vieram também padres jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega, encarregados da catequese dos indígenas e de consolidar, através da fé, o domínio do território pela Coroa portuguesa.
O controle da aplicação da justiça e a expansão da fé cristã, ações atribuídas ao Governo Geral, eram expressivas em relação ao momento pelo qual passavam as monarquias europeias: o absolutismo e os movimentos decorrentes do surgimento do protestantismo.
Em 1551, no governo de Tomé de Sousa, foi criado o 1º Bispado do Brasil com sede na capitania real, sendo nomeado bispo D. Pero Fernandes Sardinha. Foram também instaladas as Câmaras Municipais, compostas pelos "homens bons": donos de terras, membros das milícias e do clero. Nesse período ainda foi introduzida, nessa capitania, a criação de gado e instalados engenhos. Com essas medidas o governo português pretendia reafirmar a soberania e a autoridade da Metrópole, e consolidar o processo de colonização.
Foi ainda no período do governo de Tomé de Sousa que chegou ao Brasil um considerável número de artesãos. De início trabalharam na construção da cidade de Salvador e, depois, na instalação de engenhos na região. Eles eram mão - de - obra especializada tão necessária na Colônia que a Coroa lhes ofereceu, caso viessem para o Brasil, isenção de pagamento do dízimo pelo mesmo prazo dado aos colonos.
Os governadores seguintes, Duarte da Costa (1553 - 1557) e Mem de Sá (1557 - 1572), reforçaram a defesa das capitanias, fizeram explorações de reconhecimento da terra e tomaram outras medidas no sentido de reafirmar e garantir a colonização. Mas enfrentaram grandes dificuldades: choques com índios e com invasores, especialmente os franceses; conflitos com o bispo, e com os próprios jesuítas que se opunham à escravidão indígena, e entre antigos e novos colonos.
Territórios agregados antes da extinção das capitanias
A Colônia do Sacramento e, posteriormente a Província Cisplatina, territórios hoje uruguaios, ao sul do atual território brasileiro, além da Colônia de Caiena e Guiana, território ao norte, que compõe hoje a Guiana Francesa, foram territórios agregados às colônias portuguesas das Américas. A Província Cisplatina chegou a compor o Império do Brasil, tornando-se independente deste em 1828[7]. Já a Colônia de Caiena e Guiana foi devolvida em 21 de novembro de 1817, como resultado do Tratado de Viena[8], tendo os portugueses deixado Caiena com a assinatura de um convênio entre a França e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Extinção definitiva das capitanias
A extinção do sistema de capitanias ocorreu formalmente em 28 de fevereiro de 1821, um pouco mais de um ano antes da declaração de independência. A maioria das capitanias tornaram-se províncias e o território de algumas, como o da capitania de São José do Rio Negro e o da capitania de Sergipe, foi anexado às novas províncias.
Proposta de correção no traçado das capitanias
Atualmente, um estudo do engenheiro Jorge Cintra, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, propõe alterações no desenho tradicional das capitanias hereditárias. Entre as alterações, estão um traçado vertical, e não horizontal, para as capitanias do Rio Grande para cima, bem como um traçado diferente para a capitania de São Tomé e para o primeiro lote da capitania de São Vicente.[9]
Referências
- ↑ Boxer. Charles, R..O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Página 101.
- ↑ Fabra, Carlos. São Vicente - Primeiros Tempos. 2010.
- ↑ «Criação da comarca do norte». Portal do governo do Tocantins
- ↑ http://www.almanaqueurupes.com.br/portal/?page_id=22462
- ↑ PRADO JUNIOR, Caio (2011). Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das Letras. p. 340
- ↑ PRADO JUNIOR, Caio (2011). Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das Letras. p. 324
- ↑ «Embaixada do Brasil em Montevideo: Relações Bilaterais». Embaixada do Brasil
- ↑ GOMES, Laurentino. 1808 - Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.
- ↑ O Globo. Disponível em http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/estudioso-reconstroi-capitanias-hereditarias-afirma-que-livros-escolares-estao-errados-13170302. Acesso em 12 de fevereiro de 2015.
Bibliografia
- ALMEIRA PRADO, João Fernando de. Pernambuco e as capitanias do norte do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.
- ALMEIRA PRADO, João Fernando de. A Bahia e as capitanias do centro do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945.
- ALMEIRA PRADO, João Fernando de. São Vicente e as capitanias do sul do Brasil. São Paulo: Nacional, 1961.
- BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
- CALIXTO, Benedito de Jesus. Capitanias paulistas: São Vicente, Itanhaém e São Paulo. São Paulo, Rossetti, 1924.
- DUSSEN, Adrien van der. Relatório sobre as capitanias conquistadas no Brasil pelos holandeses. Rio de Janeiro: IAA, 1947.
- JARDIM, Caio. A capitania de São Paulo sob governo do Morgado de Mateus (1765-75). São Paulo: Departamento de Cultura, 1939.
- KAHN, Siegmund Ulrich. As capitanias hereditárias, o governo geral, o Estado do Brasil. In: Revista Ciência Politica, v. 6, n. 2, p. 53-114, abr./jun. 1972
- LACOMBE, Américo Jacobina. Capitanias hereditárias. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1978.
- STUDART FILHO, Carlos. Notas para a História das Fortificações no Ceará (Separata do Boletim do Museu Histórico do Ceará). Fortaleza: Ramos & Pouchain, 1937.
- STUDART FILHO, Carlos. O antigo Estado do Maranhão e suas capitanias feudais. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1960.
- TAQUES DE ALMEIDA PAIS LEME, Pedro. História da Capitania de São Vicente (edição integral do livro em formato PDF)
- Tabelas das Estruturas Administrativas do Brasil Colonial