Jogo do pau

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O jogo do pau é um sistema tradicional de combate galego e português, uma arte marcial.

Exibição de jogo do pau na rua

História

Em muitas sociedades a espada desenvolveu-se como uma arma à qual era atribuído um carácter sagrado, sendo o seu porte apanágio apenas da classe da nobreza guerreira. Aos populares era interdito ou dificultado o seu uso, pelo que este aperfeiçoava habitualmente sistemas de combate alternativos, de mãos nuas ou com recurso às ferramentas do dia-a-dia. Quem está familiarizado com a história do surgimento do karaté (que significa “mãos nuas” em japonês) em Okinawa sabe que se desenvolveu em paralelo o Kobudo, que inclui técnicas de uso de foices, paus, matracas que eram usadas como malho, etc. Era com este arsenal que o camponês ou pescador podia defrontar quando necessário os orgulhosos ocupantes Samurais, armados com katanas e outras armas de guerra. Também em Portugal o povo desenvolveu um sistema de combate usando como arma o cajado que acompanhava para todo o lado, até há poucos anos, os pastores e camponeses. Este sistema veio a ser conhecido pelo nome de jogo do pau, tendo aqui a palavra "jogo" não no sentido de “brincadeira”, mas no de “técnica” ou “manejo”.

Já bem dentro do século XX, eventos com o jogo do pau eram ainda frequentes por Portugal inteiro, com destaque para o norte do país, nos combates de pau em feiras e romarias. Por vezes, aldeias inteiras envolviam-se em rixas, outras vezes as lutas eram individuais, ou de um jogador contra vários. Era o tempo dos “puxadores” (nome que se dava aos jogadores do Norte) e dos “varredores de feiras” (jogadores afamados que se deslocavam às feiras e romarias para desafiarem outros, provando assim o seu valor através da vitória contra todos). Mestre Monteiro, originário da região de Fafe, conta que, quando o seu pai era jovem, havia duas povoações que frequentavam ao Domingo a mesma capela, levando, como era de tradição, cada homem ou moço a sua vara, de tal forma que, quando se ajoelhavam na missa, viam-se todos os paus em posição vertical, acima das cabeças. Depois da cerimónia era frequente, num largo ali perto, haver conflitos entre os rapazes das duas aldeias, que começavam por qualquer razão fútil (um piropo a uma rapariga da aldeia vizinha, ciúmes de um enamorado preterido por outro, uma discussão por causa de canais de irrigação...) e que se resolviam à paulada. Mas não se pense que era um combate destituído de regras. Havia um código ético, que proibia aos lutadores baterem em homem que não levasse pau, ou que estivesse por terra. Ainda se contam nos círculos da modalidade histórias antigas como a do “Manilha”, que depois de vencer e desarmar três atacantes que o haviam emboscado, atirou o pau ao chão. Ou a de um jogador de grande talento do Porto, de apelido Carvalho, feirante de gado, que na Feira dos 26 em Angeja, perto de Aveiro, conseguiu defender-se sozinho de um grupo que o atacava, até que tropeçou e caiu, e nessa altura o melhor jogador dos adversários saltou para o seu lado, pronto a defendê-lo, dizendo aos seus companheiros que quem pretendesse bater no valente caído teria de lutar primeiro consigo. Também na literatura podemos encontrar histórias sobre o jogo do pau, nomeadamente em autores como Aquilino Ribeiro e Miguel Torga. A partir dos anos 30, o jogo do pau começou a perder importância. Os motivos são vários: a acção das autoridades policiais, que para evitar lutas sangrentas p proibiram o uso de paus nos recintos de feiras; a emigração de muitos homens para os meios urbanos ou para o estrangeiro; a generalização do uso de armas de fogo, que tornou desnecessária a difícil e demorada aprendizagem desta técnica de defesa pessoal[1][2].

Bandeira da escola do Ateneu

Escolas do jogo do pau

Em Lisboa, praticava-se já então, principalmente a partir do século XIX, um estilo próprio, desenvolvido nos quintais da capital e em clubes como o Ateneu Comercial de Lisboa e o Real Ginásio, que depois veio a ser o Ginásio Clube Português, nos quais ainda hoje se ensina esta arte. Surgem duas grandes Escolas, diferenciadas tecnicamente e com base em factores histórico-sociais: a Escola do Norte e a Escola de Lisboa (também praticada no Ribatejo e Estremadura). Esta última desenvolveu uma série de inovações técnicas e passou a dar menos importância ao combate contra vários adversários.O jogo do pau encontra-se disponível no Sport Algés e Dafundo em Lisboa[1][2].

Mestres famosos

Ao longo da história do jogo do pau foram muitos os mestres famosos em diversas regiões do país, entre os quais António Nunes Caçador, Frederico Hopffer, Júlio Hopffer, Joaquim Baú, Calado Campos, pai e filho, Chula, Custódio Neves, Pedro Ferreira, Elias Gameiro, Nuno Russo e Manuel Monteiro[1][2].

O Mestre Pedro Ferreira (n. 26 de Março de 1915 – f. 24 de Setembro de 1996) destacou-se pelo extraordinário desenvolvimento técnico que levou a cabo, combinando as Escolas do Norte e de Lisboa, de ambas profundo conhecedor. Foram seus discípulos muitos dos actuais mestres em actividade. Continuou a jogar o pau durante toda a sua vida, sendo considerado um dos mais exímios jogadores até ao seu falecimento. Era ele o Mestre do Ateneu Comercial de Lisboa, tendo nos últimos anos passado essa responsabilidade para o Mestre Manuel Monteiro, seu sucessor[1].

Mestre Monteiro e alunos

Organização e desenvolvimento na actualidade

O Jogo do Pau em Portugal

O jogo do pau começou um processo de organização a nível nacional com a fundação, em 1977, sob impulso de Mestre Pedro Ferreira, da Associação Portuguesa de Jogo do Pau. As várias escolas e clubes estão hoje organizadas numa estrutura representativa, a Federação Portuguesa de Jogo do Pau. Como testemunho da qualidade técnica deste sistema, é de mencionar que nos campeonatos abertos de lutas com pau comprido realizados em França na década de 80, com a presença de sistemas de combate do Japão, Vietnam, França, e de outras nações, os jogadores do pau portugueses foram campeões absolutos, tendo ganho todos os combates em que entraram[1].

O Jogo do Pau na Galiza

Enquanto em Portugal o Jogo do Pau teve sempre alguma visibilidade na sociedade, tendo sido adaptado às convenções e estruturação das artes marciais modernas, a história nacional da Galiza fez com que este jogo ancestral caísse progressivamente no esquecimento. Contudo, há documentação que comprova a existência de mestres galegos desta arte marcial[3][4], há ainda pessoas vivas que aprenderam na mocidade a jogar o pau, e que empregaram activamente esses conhecimentos em situações de luta real. Pessoas como Isidro Piñeiro[5] na costa do Salnés ou grupos como a Gallaecia in Armis[6] ou o Jogo do Pau Compostela[7], bem como outros no resto do país[8], estão a recuperar, de primeira mau, estas testemunhas e a incorpora-las a uma prática moderna[9]. Atualmente, realizam-se na Galiza estágios e exibições de Jogo do Pau, destinados a difundir esta prática entre a população interessada em artes marciais.[10][11]

Referências

  1. a b c d e CAÇADOR, António Nunes. Jogo do Pau: Esgrima nacional. Lisboa, 1963.
  2. a b c VALENTE, Helder João Vieira. O Jogo do Pau Português.
  3. «...as gentes das províncias do Minho, Trás-os-Montes, Beiras e Galiza se exercitavam com a arma de que dispunham, o varapau.», in VALENTE, Helder João Vieira. O Jogo do Pau Português
  4. «...embora tenha sido José Maria da Silveira, discípulo de dois mestres, um galego e outro minhoto, que introduziu o Jogo do Pau nos meios desportivos citadinos o criador da chamada " Escola de Lisboa "...» in VALENTE, Helder João Vieira. O Jogo do Pau Português
  5. Novas da Galiza 109, p. 28.
  6. ««Jogo do Pau do Norte» na web da «Gallaecia in Armis»». Consultado em 5 de Maio de 2015 
  7. «Grupo de Facebook «Jogo do Pau Compostela»». Consultado em 5 de Maio 2015 
  8. «Referência do «Jogo do Pau» na web da «Sala Viguesa de Esgrima Antiga».». Consultado em 5 de Maio 2015 
  9. Algumas Técnicas de Jogo do Pau: www.youtube.com/watch?v=OEaZcvDM7DA
  10. Notícia sobre exibições de Jogo do Pau na «Xuventude Galiza Net» de 2012.
  11. «Workshop de Jogo do Pau no «VII Encontro Galego de Esgrima Antiga»». Consultado em 5 de Maio 2015 

Ver também

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Ligações externas