Praça Onze

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A Praça Onze é uma região histórica da região central da cidade do Rio de Janeiro, cujo nome foi herdado de um antigo logradouro, hoje extinto. Localiza-se no Centro, no limite com o bairro da Cidade Nova.

A original Praça 11 de Junho (data da Batalha de Riachuelo) existiu por mais de 150 anos até a década de 1940 e era delimitada pelas ruas de Santana (a leste), Marquês de Pombal (a oeste), Senador Euzébio (ao norte) e Visconde de Itaúna (ao sul). A princípio denominada de "Largo do Rocio Pequeno", tornou-se nas primeiras décadas do século XX, um dos locais mais cosmopolitas da então Capital Federal, ao abrigar famílias de imigrantes recém desembarcados. As etnias mais populares no entorno da Praça Onze eram os negros (na maioria oriundos da Bahia), seguidos pelos judeus de várias procedências. Portugueses, espanhóis e italianos também eram numerosos.

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

A região onde mais tarde existiria a Praça 11 de Junho era desabitada até o final do século XVIII, sendo terras inadequadas à lavoura e à edificação por se tratar de uma zona pantanosa. Foi somente após a chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro e a sua instalação no Paço de São Cristóvão que as primeiras estradas de acesso àquela área foram construídas. Em 1810, por ordem d'El Rey D. João VI, foi criada a "Cidade Nova", que ia do Campo de Santana até São Cristovão. Com ruas retilíneas e extensos lotes, muito se diferenciava da área central, congestionada de casas em lotes estreitos. Na mesma ocasião, o rei criou uma praça onde começava o Mangue de São Diogo: o Largo do Rocio Pequeno.

Apesar de ser a única praça de comércio da Cidade Nova, o Rocio Pequeno continuou quase deserto. Foi somente em 1842, já durante o Segundo Reinado que o local voltou a receber a atenção das autoridades municipais. Um chafariz em cantaria, de estilo neoclássico, projeto de Grandjean de Montigny, foi instalado no centro do largo, servindo para o abastecimento das casas e estabelecimentos do entorno.

No ano de 1854, com a construção e inauguração da Fábrica de Gás, o Visconde de Mauá percebeu a necessidade de canalização do mangue, saneando o caminho até a Baía de Guanabara, bem como possibilitando um sistema hidroviário ligando o subúrbio ao Centro. Em 1858, o mesmo Mauá inaugurava a Estrada de Ferro Dom Pedro II, que cortava a Cidade Nova, ligando-a a vários subúrbios e ao interior da província.

Com a eclosão da Guerra do Paraguai uma onda de nacionalismo tomou conta do império. Com a vitória brasileira na Batalha do Riachuelo, o Largo do Rocio Pequeno foi rebatizado com a data do confronto. Foi também nesta época, com o declínio do sistema escravagista, que a Praça 11 de Junho passou a ser um bom destino para os imigrantes, pela proximidade com o porto e pelo comércio variado.

A presença cultural africana[editar | editar código-fonte]

Com a Abolição, grandes massas de ex-escravizados se instalaram nas precárias "casas de cômodos" que abundavam nas ruas adjacentes à Praça 11 de Junho. Em breve, com os espaços esgotados, estes mesmos negros passaram a habitar casebres improvisados nas encosta dos morros. Um destes promontórios próximos à Praça 11 de Junho foi batizado de Morro da Favela por soldados regressados da Guerra de Canudos e deu origem à denominação hodierna e internacional dos agrupamentos miseráveis urbanos.

No raiar do século XX, a Praça 11 de Junho era o reduto por excelência dos negros cariocas. Das batucadas trazidas pelos negros baianos, misturadas ao lundu do Rio de Janeiro, nasceu o samba. Estudiosos e contemporâneos daqueles tempos são unânimes ao apontar a importância da mítica "Casa da Tia Ciata" para essa síntese cultural. Tia Ciata era uma baiana que se mudou para o Rio de Janeiro e tinha como ofício cozinhar quitutes. Assim, sua casa ficou famosa na praça, e se transformou em ponto de encontro de músicos e gente do povo. Ali, o ritmo do samba começou a ser moldado.

A casa daTia Ciata foi o principal local de onde se tocavam músicas e ritmos africanos daquela comunidade, de onde saíram sambas históricos e compositores de talento. Em 1926, por perseguições policiais, alguns compositores locais fundaram uma "escola de samba", nome eufêmico para uma associação recreativa que, na verdade, não tinha fins educacionais. A primeira foi a "Deixa Falar", cujas divisões, anos depois, resultariam em várias outras escolas, como a Estácio de Sá, Mangueira e Portela. Em 1933, o prefeito Pedro Ernesto organizou o primeiro desfile oficial de escolas de samba na Praça 11 de Junho, do qual a Mangueira sairia vencedora. Os desfiles passaram a ser anuais, com grande afluência do público.

O bairro judeu[editar | editar código-fonte]

A Praça 11 de Junho também reuniu a maior concentração judaica da história da cidade do Rio de Janeiro. Os imigrantes judeus escolheram a Praça 11 de Junho pois a configuração das casas na região, com espaço para lojas no térreo e residências nos andares superiores, era perfeita para o comércio. Centenas de estabelecimentos judaicos, bem como clubes, grêmios políticos e sinagogas se instalaram na área.

O encolhimento da Praça 11 de Junho[editar | editar código-fonte]

Na década de 1930, a Prefeitura do Distrito Federal planejou obras de modernização da região, o que incluía a construção de uma nova artéria rodoviária que melhorasse o acesso do Centro à Zona Norte. Com isso, a Praça 11 de Junho foi notavelmente reduzida. Pelo projeto, os quarteirões entre as ruas Senador Eusébio e Visconde de Itaúna seriam demolidos para a abertura da nova Avenida Presidente Vargas. Em 1941, começaram as demolições, que desalojaram centenas de famílias e que acabariam por derrubar 525 prédios, entre eles algumas construções históricas, como as igrejas de São Pedro dos Clérigos e de São Joaquim.

Referências na cultura[editar | editar código-fonte]

O ator Grande Otelo teve a ideia de protestar contra a decisão da prefeitura na forma de um samba. Ele levou uma letra para os compositores Max Bulhões, Wilson Batista e Herivelto Martins, sem lhes despertar o menor interesse. Mas Otelo era teimoso e Herivelto, para se livrar dele, compôs o samba em que aproveitou a ideia, desprezando os versos. Acontece que a composição – anunciando o fim da praça e dos desfiles e, de uma maneira comovente, exortando os sambistas a guardarem os seus pandeiros - superou as expectativas do autor, sugerindo-lhe uma gravação diferente, em que se reproduzisse o clima de uma escola de samba. E assim ele fez, tendo a novidade se tornado padrão para a execução de sambas do gênero. Além do canto, no estilo "empolgação", a cargo do Trio de Ouro reforçado por Castro Barbosa, foi primordial para que se estabelecesse tal clima o uso destacado de três elementos rítmicos - o tamborim, o apito e o surdo. Até então, o apito era usado nas escolas de samba somente como elemento sinalizador, para comandar o desfile. Sua função rítmica, sibilando em tempo de samba, foi uma invenção de Herivelto, lançada nesta gravação:

Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos

Anos mais tarde, Chico Anysio e João Roberto Kelly homenagearam a Praça Onze no "Rancho da Praça Onze":

Esta é a Praça Onze tão querida
Do carnaval a própria vida
Tudo é sempre carnaval
Vamos ver desta Praça a poesia
E sempre em tom de alegria
Fazê-la internacional
A Praça existe alegre ou triste
Em nossa imaginação
A Praça é nossa e como é nossa
No Rio quatrocentão
Este é o meu Rio boa praça
Simbolizando nesta Praça
Tantas praças que ele tem
Vamos da Zona Norte a Zona Sul
Deixar a vida toda azul
Mostrar da vida o que faz bem
Praça Onze, Praça Onze

Mais tarde, os Quatro Ases e Um Curinga fizeram a homenagem ao Rio Antigo no samba "O Samba não morre"

Eu vi a Favela desaparecer,
Eu vi a Lapa se transformar,
Eu vi morrer a Praça Onze,
Eu vi tudo isto sem reclamar.
Mas, felizmente, ficou o samba
Ficou o samba, ninguém pode acabar,
Pois nele existe uma lembrança singela
Da Praça Onze, da Lapa e da Favela
Não é preciso ter Salgueiro.
Nem Estácio de Sá,
Mangueira pode emudecer,
A Vila até pode acabar
Pode acabar o romance, o luar e o violão.
Tudo pode acontecer,
Menos o Samba morrer.

Atualidade[editar | editar código-fonte]

Engolida pela Avenida Presidente Vargas, a Praça 11 de Junho diminuiu de tamanho, passando a ser um local de apresentações regulares de espetáculos de circo[1][2][3]. Na década de 1970, foi inaugurada, na região, a estação Praça Onze do metrô. Entre 1983 e 1986, houve uma tentativa do governo estadual de Leonel Brizola de transformar o local em um espaço regularizado para vendedores ambulantes, mas o projeto não deu certo devido à distância do local em relação ao centro da cidade[4]. O atual monumento a Zumbi dos Palmares situa-se em terreno que fazia parte da antiga Praça 11 de Junho.

Atualmente, a praça abriga um espaço para shows de música popular, o Terreirão do Samba[5][6][7].

A presença judia permanece próxima à praça, na tradicional região comercial da SAARA[8].

Leituras recomendadas[editar | editar código-fonte]

  • ALVES, Henrique L'. "Sua Excia. o Samba". 2ª edição, São Paulo, Editora Símbolo, 1976.
  • GRINBAUM, Victor. "Algumas Memórias - A Vida de Luiz Chor". 1ª edição, Rio de Janeiro, MW Comunicação, 2010.
  • GRINBERG, Keila e LIMONCIC, Flávio. "Judeus Cariocas". 1ª edição, Rio de Janeiro, Editora Cidade Viva, 2010.
  • MALAMUD, Samuel. "Recordando a Praça Onze". 1ª edição, Rio de Janeiro, Editora Kosmos, 1988.
  • MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
  • SILVA, Beatriz Coelho. "Negros e Judeus na Praça Onze. A História que não ficou na memória". Rio de Janeiro, Bookstart, 2015. 
  • CARNAVAL NA PRAÇA ONZE | EDUARDO BUENO

Referências