Liberalismo social

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 Nota: Não confundir com Socialismo liberal, nem com Socialismo libertário, nem com Liberalismo cultural.

O social liberalismo, liberalismo social, novo liberalismo,[1] ou liberalismo moderno[2] é um desenvolvimento do liberalismo no início do século XX que, tal como outras formas de liberalismo, vê a liberdade individual como um objetivo central. A diferença está no que se define por liberdade. Para o liberalismo clássico, liberdade é a inexistência de compulsão e coação nas relações entre os indivíduos, já para o liberalismo social a falta de oportunidades de emprego, educação, saúde etc. podem ser tão prejudiciais para a liberdade como a compulsão e coação.

As ideias e partidos que adotam o liberalismo social são considerados de centro, com alguns setores de centro-direita e centro-esquerda.[3][4][5][6] Derivando disso, os liberais sociais se encontram entre os mais fortes defensores dos direitos humanos e das liberdades civis, embora combinando esta vertente com o apoio a uma economia em que o estado desempenha essencialmente um papel de regulador e de garantidor do acesso a todos (independentemente da sua capacidade econômica), aos serviços públicos que asseguram os direitos sociais considerados fundamentais.[7] Todavia no liberalismo social, o estado não tem obrigatoriamente de ser o fornecedor do serviço público, tendo apenas de garantir que todos os cidadãos têm acesso a serviços públicos básicos, independentemente da sua capacidade económica.[7] Nos Países Baixos, por exemplo, apenas um terço das escolas da rede pública de educação são detidas e geridas pelo estado, sendo as restantes dois terços detidas e geridas por privados.[8]

A palavra social é utilizada nesta versão do liberalismo com um duplo sentido.[7] Um primeiro como forma de diferenciação dos grupos que defendem correntes do liberalismo como o liberalismo clássico, o neoliberalismo e o libertarianismo.[7] Um segundo como forma de se aproximar de ideais progressistas ao nível da defesa das liberdades individuais e em oposição às ideias defendidas pelos partidos conservadores. O Liberalismo Social é uma filosofia política que enfatiza a colaboração mútua através de instituições liberais, em oposição à utilização da força para resolver as controvérsias políticas.[7] Rejeitando quer a versão "laissez-faire" do capitalismo, quer os elementos revolucionários da escola socialista, o liberalismo social coloca a sua ênfase nas liberdades positivas, tendo como objetivo aumentar as liberdades dos desfavorecidos da sociedade.[7]

Origens[editar | editar código-fonte]

No final do século XIX e início do século XX, na Inglaterra, um grupo de pensadores Ingleses, conhecidos como os Novos Liberais considerou que o laissez-faire defendido pelo Liberalismo Clássico não era necessariamente promotor da liberdade individual e que por isso seria necessária alguma intervenção do Estado na vida social, econômica e cultural de um país. Os Novos Liberais, que incluíam pensadores como T. H. Green e Leonard Trelawny Hobhouse, consideravam por isso que a defesa da liberdade individual se deveria centrar na defesa de liberdades positivas, e que as liberdades que idealizavam para todos apenas poderiam ser alcançadas sob as condições económicas e sociais certas. Por forma a alcançar estas condições estavam dispostos a que existisse um Estado social e intervencionista.

Comparação com liberalismo clássico[editar | editar código-fonte]

O Liberalismo Clássico acredita que a defesa da liberdade se deve concentrar na defesa das liberdades individuais e consequentemente num Estado laissez-faire. Já o Liberalismo Social vê um papel para o Estado no garantimento de liberdades positivas para o indivíduo. Para o liberal social, a falta de liberdades positivas como oportunidades econômicas, educação e saúde podem ser consideradas ameaças à liberdade.

Os Liberais Sociais, consequentemente, defendem uma economia essencialmente de mercado, mas onde o Estado também pode fornecer alguns serviços directamente, garantir o seu fornecimento ou regular a economia. Por exemplo, alguns Liberais Sociais defendem que deve existir uma seguro de saúde universal e obrigatório, com o Estado a pagar um nível de serviço básico aos mais desfavorecidos da sociedade. É também habitual ver-se Liberais Sociais a defender políticas anti-monopólio, a criação de entidades reguladoras ou o estabelecimento de um salário mínimo. Mesmo a acumulação de riqueza por um pequeno grupo de interesse pode ser vista por um liberal social como uma excessiva concentração de poder numa fracção demasiado pequena da sociedade e consequentemente ser considerada uma ameaça à liberdade.

Liberais clássicos como Nozick rejeitam o Liberalismo Social como uma forma pura de liberalismo. Para estes autores o governo não tem qualquer dever de intervir na sociedade para ajudar os mais desfavorecidos pois tal traduz-se em retirar riqueza aos outros sob a forma de imposto. Consideram também que interferir no mercado é destruir a liberdade e fazer isto para dar mais liberdade ao indivíduo constitui uma contradição.[3]

Comparação com liberalismo conservador[editar | editar código-fonte]

Ambas as formas de Liberalismo partilham as preocupações com a defesa da liberdade individual, mas enquanto o termo Liberalismo Social é adequado para descrever alguns partidos liberais que se situam à esquerda do centro no que toca a questões económicas e suportam um vasto conjunto de direitos democráticos, o Liberalismo conservador coloca a ênfase na defesa da liberdade económica e tende a situar-se à direita do centro. Por exemplo, partidos liberais conservadores como o Holandês VVD e o Alemão FDP adotam uma agenda economicamente conservadora, defendendo um Estado mínimo na economia. Alguns autores, como Merquior, defendem que o Liberalismo Conservador se baseia no conceito de liberdade negativa (“onde não existe lei não existe transgressão”), são moralmente pluralistas, defendem o progresso, o individualismo e um Estado controlável pelo cidadão, enquanto os partidos liberais sociais, como o Holandês D66 e o Dinamarquês Radikale Venstre, se focam na ilegitimidade de um Estado tirânico que controla em demasia a vida dos cidadãos e nas condições sociais que tornam esse governo possível.

Comparação com neoliberalismo[editar | editar código-fonte]

O Liberalismo Social é muito diferente do termo ambíguo Neoliberalismo, que é frequentemente atribuído aos vários proponentes de mercados livres.[9] A palavra Neoliberalismo tem sido usada para descrever as políticas económicas liberais de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.[9] Como um corpo de pensamento, o Neoliberalismo defende posições contrárias a muitas das que são tomadas pelos Liberais Sociais, especialmente no que toca ao desmantelamento das medidas de apoio social.[10]

Comparação com social-democracia[editar | editar código-fonte]

As grandes diferenças entre o Liberalismo Social e a Social Democracia centram-se essencialmente na relação do Estado com o indivíduo.

Os Liberais Sociais valorizam extremamente as liberdades individuais, considerando a propriedade privada como uma liberdade individual, essencial à felicidade do indivíduo. Adicionalmente, consideram a Democracia como um instrumento que permite manter uma sociedade onde o indivíduo pode gozar do máximo de liberdade possível. Consequentemente, a democracia e o parlamentarismo são meros sistemas políticos que se legitimam a si mesmos apenas via a liberdade que promovem. Embora considerem que o Estado tem um importante papel no assegurar das liberdades positivas, os Liberais Sociais consideram que o indivíduo é no geral capaz de decidir sobre a sua própria vida e não necessita que o conduzam em direção à felicidade.

A Social Democracia, por outro lado, tem as suas raízes no Socialismo e defende uma visão mais comunitária da sociedade. Enquanto os social democratas também defendem a liberdade individual, não acreditam que uma liberdade real possa ser atingida sem se transformar também a natureza do Estado. Tendo rejeitado o Marxismo revolucionário e pretendendo atingir os seus objetivos através do processo democrático, os sociais democratas defendem que o capitalismo necessita ser regulado ou gerido, para beneficiar a sociedade como um todo. A sua defesa de uma sociedade mais comunitária conduz muitas vezes também à defesa de uma sociedade mais igualitária que os Liberais Sociais.

Na prática, contudo, as diferenças entre as duas ideologias podem ser difíceis de se perceber, principalmente na atualidade onde os partidos sociais-democratas se aproximaram mais do centro económico.

Exemplos na atualidade[editar | editar código-fonte]

Por exemplo na Países Baixos, metade das escolas da rede pública são detidas por instituições privadas, mas o Estado garante que qualquer criança tenha acesso à educação independentemente das condições financeiras dos pais, podendo os pais escolher qualquer escola da referida rede pública. Na Países Baixos o sistema de saúde funciona apenas por seguros, todavia caso o cidadão não tenha condições financeiras para suster um seguro básico de saúde, o Estado paga-o.

Em geral, os liberais sociais contemporâneos apoiam:

  • Uma economia de mercado constituída essencialmente por empresas privadas, mas onde existem programas e serviços detidos ou subsidiados pelo governo de educação, saúde, cuidado infantil, etc., para todos os cidadãos;
  • Entidades reguladoras que defendem os trabalhadores, consumidores e a competição;
  • Comércio livre;
  • Um sistema básico de segurança social; podendo ser gerido por privados;
  • Níveis moderados de taxação;
  • Leis de proteção ambiental, embora muitas vezes não com a extensão defendida pelos ecologistas;
  • Uma grande abertura à emigração, imigração e multiculturalismo;
  • Uma política social laica e de alta liberdade civil, incluindo apoio a educação sexual, direitos LGBT, direitos reprodutivos, pesquisa em células estaminais, abolição da pena capital e eutanásia;
  • Uma descrença na existência de crimes sem vítima (ex: drogas e prostituição) e na necessária descriminalização ou legalização destas práticas;
  • Sistemas decisórios descentralizados;
  • Internacionalismo, em oposição ao nacionalismo extremista;
  • Uma política externa promotora da democracia, direitos humanos e sempre que possível, do multilateralismo;
  • Direitos humanos, a defesa de direitos sociais e civis.
  • Direito inalienável à legítima defesa, incluindo o direito de possuir armas para tal fim.[11]

No mundo[editar | editar código-fonte]

Pensadores[editar | editar código-fonte]

Alguns pensadores liberais sociais de referência são:

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Hobhouse, L. T. (1994). Liberalism and Other Writings. Cambridge: Cambridge University Press. 0521437261 
  • Merquior, J.G. (1991). Liberalism Old and New. Boston: Twayne Publishers. 0805786279 

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Shaver, Sheila (julho de 1997). «Liberalism, Gender and Social Policy» (PDF). EconPapers. Consultado em 18 de maio de 2008. Arquivado do original (PDF) em 30 de maio de 2008 
  2. a b c d e f Richardson, James L. (2001). Contending Liberalisms in World Politics: Ideology and Power. Colorado: Lynne Rienner Publishers. 155587939X 
  3. a b c d e f g h i j k Adams, Ian (2001). Political Ideology Today (Politics Today). Manchester: Manchester University Press. 0719060206 
  4. Slomp, Hans (2000). European Politics Into the Twenty-First Century: Integration and Division. Westport: Greenwood Publishing Group. ISBN 0275968146 
  5. a b c d e f g Ortiz, Cansino; Gellner, Ernest; Geliner, E.; Merquior, José Guilherme; Emil, César Cansino (1996). Liberalism in Modern Times: Essays in Honour of Jose G. Merquior. Budapest: Central European University Press. 185866053X 
  6. Hombach, Bodo (2000). The politics of the new centre. [S.l.]: Wiley-Blackwell. ISBN 9780745624600 
  7. a b c d e f Valle, Alvaro (1992). O Liberalismo Social: a doutrina do Partido Liberal. Rio de Janeiro: Nórdica 
  8. «Education in the Netherlands: A guide to the Dutch education system» (em inglês) 
  9. a b Keith. Political Sociology: A Critical Introduction. Edinburgh University Press, 1999, pages 71–75
  10. AFRICAN VOICES ON STRUCTURAL ADJUSTMENT
  11. carece de fontes
  12. a b c Marks, Gary and Wilson, Carole (julho de 2000). «The Past in the Present: A Cleavage Theory of Party Response to European Integration» (PDF). British Journal of Political Science. 30: 433-459. Consultado em 18 de maio de 2008. Arquivado do original (PDF) em 25 de junho de 2008 
  13. a b c d J. Kirchner, Emil (1988). Liberal parties in Western Europe. Avon: Cambridge University Press. 0-521-32394-0 
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  18. a b c «James Hobson». Consultado em 19 de maio de 2008. Arquivado do original em 31 de março de 2008 
  19. Ortiz, Cansino; Gellner, Ernest; Merquior, José Guilherme; Emil, César Cansino (1996). Liberalism in Modern Times: Essays in Honour of Jose G. Merquior. Budapest: Central European University Press. 185866053X 
  20. Merquior, J. G. (1991). Liberalism Old and New. Boston: Twayne Publishers. ISBN 0805786279 
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