Bula pontifícia
A bula pontifícia é um alvará passado pelo Papa ou Pontífice católico, com força de lei eclesiástica, pelo qual se concedem graças e indulgências aos que praticam algum acto meritório.[1] O termo bula refere-se não ao conteúdo e à solenidade de um documento pontifício, como tal, mas à apresentação, à forma externa do documento, a saber, lacrado com pequena bola (em latim, "bulla") de cera ou metal, em geral, chumbo (sub plumbo). Assim, existem Litterae Apostolicae (carta apostólica) em forma ou não de bula e também Constituição Apostólica em forma de bula.
Por exemplo, a carta apostólica "Munificentissimus Deus", bem como as Constituições Apostólicas de criação de dioceses. A bula mais antiga que se conhece é do papa Agapito I (535), conservada apenas em desenho. O mais antigo original conservado é do papa Adeodato I (615-618).
Explica a página da Torre do Tombo, em Portugal que dos séculos XI ao XV numerosos diplomas pontifícios com diverso valor jurídico, como as Constitutiones (leis gerais eclesiásticas) ou as Decretales (disposições de governo da Igreja, também chamadas litterae decretales) receberam a mesma forma de validação, ou seja, a aposição de um selo pendente de chumbo, designado por bulla, por ser o resultado da compressão de uma esfera de chumbo entre duas matrizes.
E prossegue a explicação: Tal forma de validação (a "bulla") passou a ser usada como designação de todos os diplomas pontifícios, ou, vulgarmente, bulas. Além do selo pendente de chumbo, comum a estes diplomas, nas litterae iustitiae, ou seja, nas disposições de governo resolvidas pelo Papa em conformidade com o Direito, o selo está suspenso por meio de fio de cânhamo. Já nas litterae gratiae ou litterae tituli, disposições de governo em que o Papa graciosamente concede dispensas e indulgências solicitadas, o selo de chumbo está suspenso por fio de seda amarela e vermelha. No anverso do selo são representados em efígie os Apóstolos Pedro e Paulo e no reverso o nome e o numeral do Papa.
Durante o século XV a forma tradicional da bula ficou reservada aos diplomas mais importantes e os de teor comum ficaram chamados de litterae breves, com maior simplicidade de forma e com a aposição, sobre o diploma dobrado, de um selo de cera, o anel do Pescador, que representa São Pedro lançando as redes.
A matéria do selo era de chumbo, mas para acentuar a solenidade do diploma e a importância do assunto, em algumas ocasiões tais diplomas receberam selo de prata, dando origem às chamadas bulas argênteas. Em ocasiões ainda mais raras, o selo podia ser de ouro, o que dava origem às chamadas bulas áureas. Clemente XII e Bento XIV concederam entre 1737 e 1742 várias graças, formalizadas em sete bulas áureas.
Na Torre do Tombo, o maior arquivo de Portugal, conserva-se uma coleção de bulas organizada, entre 1751 e 1754, por Manuel da Maia, ao qual foram mandados entregar todos os breves e bulas expedidos para o reino e seus domínios, que se encontrassem dispersos por secretarias de Estado, Secretaria das Mercês, Real Biblioteca e outras repartições.
Bulas e breves foram reunidas consoante os pontífices que as emitiram, ordenados alfabeticamente. A coleção mostra documentos sobre conflitos de jurisdição entre o rei e autoridades religiosas, entre as quais o arcebispo de Braga, os bispos de Lisboa, Évora, Lamego e de Coimbra, o abade do mosteiro de Alcobaça, o de São Vicente de Fora, o prior do convento de Santa Cruz de Coimbra; concessão ou ordem de respeito pelos privilégios das Ordens Militares de Cristo, Santiago e Avis; concessão de direitos de padroado sobre igrejas do Reino e Ultramar; criação e regime da igreja Patriarcal de Lisboa; canonização da rainha Isabel; sucessão no governo de bispados; concessão de rendas eclesiásticas ao rei; ordens para a edificação e reformação de conventos; atribuição ao Rei de Portugal de terras por descobrir; e outros temas.
Bulas papais
[editar | editar código-fonte]Século XI
[editar | editar código-fonte]- 13 de abril de 1059 - In nomine Domini, promulgada pelo papa Nicolau II (estabelece quem elege o Papa).
- 1079 - Libertas Ecclesiae, promulgada pelo papa Gregório VII (fala sobre a liberdade da Igreja).
- 1079 - Antiqua sanctorum patrum, Concessão à igreja de Lyon da supremacia sobre todas as igrejas da França para Gregorio VII.
Século XII
[editar | editar código-fonte]- 15 de fevereiro de 1113 - Pie Postulatio Voluntatis, promulgada pelo papa Pascal II (cria Ordem dos Hospitalários de São João de Jerusalém).
- 19 de junho de 1119 - Ad Hoc Nos Disponente, promulgada pelo papa Calisto II (confirmação dos privilégios e posses dos Hospitalários de São João de Jerusalém).
- 1120 - Sicut Judaeis, promulgada pelo papa Calisto II (Uma bula destinada a proteger os judeus durante as Cruzadas e a proibir conversões forçadas).
- 7 de julho de 1136 - Ex Commisso Nobis, também chamado de bula de Gniezno, promulgada pelo papa Inocêncio II (confirma a independência da Igreja polaca).
- 29 de março de 1139 - Omne Datum Optimum, promulgada pelo papa Inocêncio II (fala sobre o reconhecimento da Ordem dos Templários).[2]
- 9 de fevereiro de 1143 - Milites Templi, promulgada pelo papa Celestino II (fala sobre a garantia de privilégios aos Templários).[2]
- 7 de abril de 1145 - Militia Dei, promulgada pelo papa Eugénio III (fala sobre a garantia de mais privilégios aos Templários).[2]
- 1145 - Quantum praedecessores, promulgada pelo papa Eugénio III (chamada à Segunda Cruzada. Primeira bula que coloca o Cruzado, sua família e seus bens sob a proteção da Igreja).
- 1154 - Christiane Fidei Religio, promulgada pelo papa Anastácio IV (adiciona regras aos privilégios e aos direitos adicionais de Hospitalários da Ordem de São João de Jerusalém).
- 1155 - Laudabiliter - promulgada pelo papa Adriano IV (Reconhecer o domínio de Henrique II sob a Irlanda).
- 23 de maio de 1179 - Manifestis Probatum, emitida pelo Papa Alexandre III que declarou o Condado Portucalense (Portugal) independente do Reino de Leão, e D. Afonso Henriques, o seu soberano.
- maio de 1184 - Ad Abolendam, promulgada pelo papa Lúcio III (confirmando a fundação do capítulo da Igreja Colegiada de Saint-Florent em Roye)
- 1187 - Audita Tremendi, promulgada pelo papa Gregório VIII (chamada à Terceira Cruzada).
- 1192 - Cum Universi, promulgada pelo papa Celestino III (afirma que a Igreja da Escócia não mais se reporta ao Arcebispo de York, mas à Santa Sé).
- 15 de agosto de 1198 - Post Miserabile, promulgada pelo papa Inocêncio III (Convoca a IV Cruzada e dando privilégios para o futuro cruzado).
- 1198 - Dilecti Filii, promulgada pelo papa Inocêncio III (Revisa a Militia Dei de 1145 a fim de resolver um conflito entre o clero e a ordem do Templo).
Século XIII
[editar | editar código-fonte]- Fevereiro de 1205 - Etsi Non Displiceat, promulgada pelo papa Inocêncio III (Aborda uma série de acusações contra os judeus, dirigida ao rei da França).
- 1218 - In Generali Concilio, promulgada pelo papa Honório III (Ordena a execução das decisões do IV Concílio de Latrão).
- 1219 - Super Specula, promulgada pelo papa Honório III (Proibição do ensino de direito romano na Universidade de Paris).
- 29 de novembro de 1223 - Solet Annuere, promulgada pelo papa Honório III (Aprova a regra dos franciscanos).
- 1231 - Parens Scientiarum, promulgada pelo papa Gregório IX (Concede autonomia e privilégios à Universidade de Paris).
- 8 de fevereiro de 1132 - Ille Humani Generis, promulgada pelo papa Gregório IX (Confia a Inquisição aos dominicanos).
- 20 de abril de 1233 - Licet ad capiendos, promulgada pelo papa Gregório IX (Marca oficialmente o início da Inquisição).
- 1233 - Etsi Judaeorum promulgada pelo papa Gregório IX (Convoca os prelados de todos os níveis a prevenir e limitar os ataques de cristãos contra os judeus).
- 1233 - Vox In Rama, promulgada pelo papa Gregório IX (Aborda sobre a participação de hereges em cerimônias com o diabo).
- 1239 - Se Vera Sunt, promulgada pelo papa Gregório IX (Solicitar o confisco e a inspeção dos livros do Talmude pelos prelados da França e Espanha).
- 9 de maio de 1244 - Perfidia Impia Iudeorum, promulgada pelo papa Inocêncio IV (Requer que o rei da França queime o Talmud e outros livros judaicos em todo o seu reino).
- 5 de março de 1245 - Dei Patris Inmensa, promulgada pelo papa Inocêncio IV (para os mongóis expondo sua fé cristã).
- 13 de março de 1245 - Cum Non Solum, promulgada pelo papa Inocêncio IV (para os mongóis, solicitando não atacar os cristãos e sondando as suas intenções).
- 1247 - Lachrymabilem Judaeorum, promulgada pelo papa Inocêncio IV.
- 1248 - Viam Agnoscere Veritatis, promulgada pelo papa Inocêncio IV (para os mongóis, instando-os a não atacar os cristãos, e sondando as suas intenções.
- 15 de maio de 1252 - Ad extirpanda, promulgada pelo papa Inocêncio IV (autorização a Inquisição aplicar a tortura em hereges).
- 1267 - Turbato Corde, promulgada pelo papa Clemente IV.
- 7 de julho de 1274 - Ubi Periculum, promulgada pelo papa Gregório X (Estabelece o conclave como forma da eleição dos papas).
- 25 de fevereiro de 1296 - Clericis Laicos, promulgada pelo papa Bonifácio VIII (Protesta contra uma imposição de Felipe IV, rei da França de cobrar imposto da igreja).
- 27 de outubro de 1299 - Detestande Feritatis, promulgada pelo papa Bonifácio VIII (oposição ao corte de cadáveres, mas também e especialmente ao seu desmembramento).
Século XIV
[editar | editar código-fonte]- Unam Sanctam, 1302—Bonifácio VIII (supremacia da Igreja Católica Romana sobre o estado).
- Fasciens misericordiam, 1308—Clemente V.
- Regnans in coelis, 1308—Clemente V.
- Cum inter nonnullos, 1323—João XXII (rejeição da doutrina Franciscana da pobreza de Cristo).
Século XV
[editar | editar código-fonte]- Dum diversas, 1452—Nicolau V (autorização de Afonso V de Portugal para escravizar os infiéis da África Ocidental).
- Romanus Pontifex 1455—Papa Nicolau V (no seguimento da Dum diversas, autorizando a conquista e vassalagem de todas as populações a sul do Cabo Bojador).
- Æterni regis, 1481—Sisto IV (garantia a Portugal todas as terras ao Sul das ilhas Canárias, divisão do Novo Mundo).
- Summis desiderantes, 1484—Inocêncio VIII (supressão da bruxaria ao longo do rio Reno).
- Inter cætera, 1493—Papa Alexandre VI (realinhamento da divisão do Novo Mundo entre Espanha e Portugal, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, assinado no ano seguinte).
Século XVI
[editar | editar código-fonte]- Exsurge Domine, 1520—Leão X (aviso a Martinho Lutero).
- Decet Romanum Pontificem, 1521—Leão X (excomungação de Martinho Lutero).
- Exponi Nobis Omnímoda, 1522—Adriano VI (amplos poderes no foro interno e externo às Ordens mendicantes).
- Sublimis Deus, 2 de junho de 1537—Paulo III (revogada por Carlos V do Sacro-Império Romano).
- Regimini militantis, 27 de setembro de 1540—Paulo III (estabelecimento dos Jesuítas).
- Injunctum nobis, 14 de março de 1543—Paulo III.
- In Coena Domini, 1568—Pio V.
- Regnans in Excelsis, 1570—Pio V (anatemização de Elizabeth I).
- Quo Primum Tempore, 1570—Pio V (instituição da Missa tridentina).
- Inter gravissimas, 1582—Gregório XIII (reforma do calendário).
- Immensa Aeterni Dei, 1588—Sisto V.
Século XVII
[editar | editar código-fonte]- Gratia Divina, 1656.
Século XVIII
[editar | editar código-fonte]- Unigenitus, 1713—Clemente XI (condenação do jansenismo).
- In eminenti apostolatus specula, 1738—Clemente XII (condenação da Maçonaria).
Século XIX
[editar | editar código-fonte]- Sollicitudo omnium ecclesiarum, 1814—Pio VII (restabelecimento dos Jesuítas após supressão).
- Divinis Praeceptis, de 28 de novembro de 1816—Papa Pio VII introdução do Primaz das Índias.[3]
- Quanta cura, 1864—Pio IX (introdução da Syllabus errorum).
- Pastor aeternus, 1871—Pio IX do Primeiro Concílio do Vaticano (infalibilidade papal).
Século XX
[editar | editar código-fonte]- Quam singulari, 1910—Pio X (admissão da Primeira Comunhão às crianças).
- Munificentissimus Deus, 1950—Pio XII (definição do dogma Assunção de Maria).
- Dei Verbum, 1965—Paulo VI do Segundo Concílio do Vaticano.
Século XXI
[editar | editar código-fonte]- Misericordiae Vultus, 2015—Francisco (Proclamação do Jubileu extraordinário da Misericórdia).
Bulas douradas
[editar | editar código-fonte]As bulas douradas foram emitidas não pelo papa, mas por monarcas europeus, como a Bula Dourada de 1356, que determinou a estrutura do Sacro Império Romano-Germânico.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ A Bulla da Santa Cruzada, Leituras Populares, n.º 40, 3º ano, 1853-1854
- ↑ a b c DEMURGER Main. Os Cavaleiros de Cristo. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2002.
- ↑ Pius 7. (1849). Bullarii Romani continuatio Summorum Pontificum Clementis 13., Clementis 14., Pii 6., Pii 7., Leonis 12. et Pii 8. (dal v. 11: ..., Pii 8. et Gregorii 16.) constitutiones, literas in forma brevis, epistolas ad principes viros, et alios, atque allocutiones (poi anche: alloquutiones) complectens: Tomus decimus quartus continens pontificatus Pii 7. annum decimum septimum ad octavum (em italiano). [S.l.]: ex typographia Reverendae Camerae Apostolicae. p. 254.
Primatis Indiae
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- ABRANCHES, Joaquim dos Santos - Summa do Bullario Portuguez. Coimbra, 1895.
- COSTA, Avelino de Jesus da, e MARQUES, Maria Alegria F. - Bulário português: Inocêncio III (1198-1216). Lisboa: INIC, 1989.
- JORDÃO, Levi Maria - Bullarium Patronatus Portugaliae Regum in Ecclesis Africae, Asiae atque Oceaniae. Bulas, Brevia Epistolas, Decreta Actaque Sanctae Sedis ab Alexandro III ad hoc tempus amplectus, 5 vols. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868-1873.