Difusão de Itō

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Em matemática, especificamente em análise estocástica, uma difusão de Itō é uma solução para um tipo específico de equação diferencial estocástica. Esta equação é semelhante à equação de Langevin usada em física para descrever o movimento browniano de uma partícula sujeita a um potencial em um fluido viscoso. As difusões de Itō recebem este nome em homenagem ao matemático japonês Kiyoshi Itō.[1]

Visão geral[editar | editar código-fonte]

Este processo de Wiener (movimento browniano) em um espaço tridimensional (com um caminho amostral exibido) é um exemplo de difusão de Itō.

Uma difusão de Itō homogênea em tempo em um espaço euclidiano de dimensões é um processo definido em um espaço de probabilidade e que satisfaz uma equação diferencial estocástica da forma:

em que é um movimento browniano de dimensões e e satisfazem a condição de continuidade de Lipschitz usual:

para alguma constante e todo .[2] Esta condição garante a existência de uma única solução forte à equação diferencial estocástica dada acima. O campo vetorial é conhecido como coeficiente de deriva de . O campo tensorial é conhecido como o coeficiente de difusão de . É importante notar que e não dependem do tempo. Se dependessem do tempo, seria apenas considerado um processo de Itō, não uma difusão. Difusões de Itō têm uma série de propriedades importantes, que incluem:

Em particular, uma difusão de Itō é um processo contínuo e fortemente markoviano de tal modo que o domínio de seu operador característico inclui todas as funções dupla e continuamente diferenciáveis, sendo uma difusão no sentido definido pelo matemático soviético-americano Eugene Dynkin.

Continuidade[editar | editar código-fonte]

Continuidade amostral[editar | editar código-fonte]

Um difusão de Itō é um processo contínuo amostral, isto é, para quase todas as realizações do ruído, é uma função contínua do parâmetro de tempo . Mais precisamente, há uma "versão contínua" de , um processo contínuo tal que:

Isto se segue da existência padrão e da teoria da unicidade para soluções fortes de equações diferenciais estocásticas.[3]

Continuidade de Feller[editar | editar código-fonte]

Além de ser contínua e amostral, uma difusão de Itō satisfaz o requisito mais forte da continuidade de Feller.

Para um ponto , considere que P denota a lei de , sendo o dado inicial , e considere que denota o valor esperado em relação a P.

Considere que é uma função mensurável de Borel limitada abaixo e defina, para fixo, por:

  • Semicontinuidade inferior: se for semicontínua inferior, então, é semicontínua inferior.
  • Continuidade de Feller: se for limitada e contínua, então, é contínua.

O comportamento da função acima quando o tempo é variado foi abordado pela equação regressiva de Kolmogorov, pela equação de Fokker–Planck, entre outras.[4]

Propriedade de Markov[editar | editar código-fonte]

Propriedade de Markov[editar | editar código-fonte]

Uma difusão de Itō tem a importante propriedade de ser markoviana: o futuro comportamento de , dado o que aconteceu até o tempo , é o mesmo como se o processo tivesse sido iniciado na posição no tempo 0. A formulação matemática precisa desta afirmação exige alguma notação adicional.

Considere que denota a filtração natural de gerada pela movimento browniano . Para ,

É fácil mostrar que é adaptada a (isto é, que cada é -mensurável), de modo que a filtração natural de gerada por tem para cada . Considere que é uma função limitada e mensurável de Borel. Então, para todo e , o valor esperado condicional condicionado na σ-álgebra e o valor esperado do processo "reiniciado" a partir de satisfazem a propriedade de Markov:

De fato, é também um processo de Markov no que se refere à filtração , como mostra o que segue:

[5]

Propriedade forte de Markov[editar | editar código-fonte]

A propriedade forte de Markov é uma generalização da propriedade de Markov acima em que é substituído por um tempo aleatório adequado conhecido como tempo de parada. Então, por exemplo, em vez de "reiniciar" o processo no tempo , pode-se "reiniciar" quando quer que alcance pela primeira vez algum ponto especificado de .

Como antes, considere uma função limitada e mensurável de Borel. Considere um tempo de parada no que se refere à filtração com quase certamente. Então, para todo ,

[4]

Gerador[editar | editar código-fonte]

Definição[editar | editar código-fonte]

Associado a cada difusão de Itō, há um operador diferencial parcial de segunda ordem conhecido como o gerador de difusão. O gerador é muito útil em muitas aplicações e codifica uma grande quantidade de informação sobre o processo . Formalmente, o gerador infinitesimal de uma difusão de Itō é o operador , que é definido como agindo em funções adequadas por:

O conjunto de todas as funções para as quais este limite existe em um ponto é denotado como , enquanto denota o conjunto de todas as para as quaIS o limite existe para todo . Pode-se mostrar que qualquer função compactamente suportada (duplamente diferenciável com segunda derivada contínua) repousa em e que:

ou, em termos de gradiente, escalar e produto interno de Frobenius,

[3]

Exemplo[editar | editar código-fonte]

O gerador para o movimento browniano padrão de dimensões, que satisfaz a equação diferencial estocástica , é dado por

isto é, , em que denota o operador de Laplace.

Equações de Kolmogorov e de Fokker–Planck[editar | editar código-fonte]

O gerador é usado na formulação da equação regressiva de Kolmogorov. Intuitivamente, esta equação diz como o valor esperado de qualquer estatística adequadamente suave de evolui no tempo: ele deve resolver uma certa equação diferencial parcial em que o tempo e a posição inicial são variáveis independentes. Mais precisamente, se tiver suporte compacto e for definida por:

então, é diferenciável no que diz respeito a para todo e satisfaz a seguinte equação diferencial parcial, conhecida como equação regressiva de Kolmogorov:

A equação de Fokker–Planck (também conhecida como equação progressiva de Kolmogorov) é, em algum sentido, a "adjunta" da equação regressiva e diz como as funções densidade de probabilidade de evoluem com o tempo . Considere que é a densidade de no que diz respeito à medida de Lebesgue em , isto é, para qualquer conjunto mensurável de Borel :

Considere que denota o adjunto hermitiano de (no que diz respeito ao produto interno L2). Então, dado que a posição inicial tem a densidade prescrita , é diferenciável no que diz respeito a , para todo e satisfaz a seguinte equação diferencial parcial, conhecida como a equação de Fokker–Planck:

[6]

Fórmula de Feynman–Kac[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Fórmula de Feynman–Kac

A fórmula de Feynman–Kac é uma generalização útil da equação regressiva de Kolmogorov. Novamente, está em e tem suporte compacto e assume-se que é uma função contínua que é limitada abaixo. Define-se uma função por:

A fórmula de Feynman–Kac afirma que satisfaz a equação diferencial parcial:

Além disso, se for em tempo, em espaço, limitada como para todo compacto e satisfizer a equação diferencial parcial acima, então, deve ser como definida acima.

A equação regressiva de Kolmogorov é o caso especial da fórmula de Feynman–Kac em que para todo .[3]

Operador característico[editar | editar código-fonte]

Definição[editar | editar código-fonte]

O operador característico de uma difusão de Itō é um operador diferencial parcial intimamente relacionado com o gerador, mas de certa forma mais geral. É mais adequado para certos problemas, por exemplo na solução do problema de Dirichlet.

O operador característico de uma difusão de Itō é definido por:

em que os conjuntos formam uma sequência de conjuntos abertos que decrescem ao ponto no sentido em que:

e

é o primeiro tempo de saída a partir de para . denota o conjunto de todas as para as quais este limite existe para todo e todas as sequências . Se para todos os conjuntos abertos contendo , define-se:

[4]

Relação com o gerador[editar | editar código-fonte]

O operador característico e o gerador infinitesimal estão muito intimamente relacionados e até mesmo concordam para uma grande classe de funções. Pode-se mostrar que:

e que

Em particular, o gerador e o operador característico concordam para todas as funções e nesse caso:

Aplicação do movimento browniano em uma variedade de Riemann[editar | editar código-fonte]

O operador característico de um movimento browniano é uma vez e meia o operador de Laplace-Beltrami. Aqui está o operador de Laplace-Beltrami em uma esfera bimensional.

Acima, o gerador (e assim o operador característico) do movimento browniano em foi calculado como sendo , em que denota o operador de Laplace. O operador característico é útil ao definir o movimento browniano em uma variedade de Riemann de dimensões: um movimento browniano em é definido como sendo uma difusão em cujo operador característico em coordenadas locais , , é dado por , em que é operador de Laplace–Beltrami dado em coordenadas locais por:

em que no sentido do inverso da matriz quadrada.[7]

Operador resolvente[editar | editar código-fonte]

Em geral, o gerador de uma difusão de Itō não é um operador limitado. Entretanto, se um múltiplo positivo do operador identidade for subtraído a partir de , então, o operador resultante é invertível. O inverso deste operador pode ser expresso em termos do próprio usando o operador resolvente.

Para , o operador resolvente , agindo em funções limitadas, contínuas , é definido como:

Pode-se mostrar, usando a continuidade de Feller da difusão , que é ele mesmo uma função limitada, contínua. Também, e são operadores mutuamente inversos:

  • Se for com suporte compacto, então, para todo ,

  • Se for limitada e contínua, então, repousa em , para todo ,

[3]

Medidas invariantes[editar | editar código-fonte]

Algumas vezes, é necessário encontrar uma medida invariante para uma difusão de Itō , isto é, uma medida em que não muda sob o "fluxo" de , ou seja, se for distribuída de acordo com tal medida invariante , então, é também distribuída de acordo com para qualquer . A equação de Fokker–Planck oferece uma maneira de encontrar tal medida, pelo menos se tiver uma função densidade de probabilidade : se for de fato distribuída de acordo com uma medida invariante com densidade , então, a densidade de não muda com , de modo que , e então deve resolver a equação diferencial parcial (independente de tempo):

Isto ilustra uma das conexões entre a análise estocástica e o estudo das equações diferenciais parciais. Reciprocamente, uma dada equação diferencial parcial linear de segunda ordem da forma pode ser difícil de resolver diretamente, mas se para alguma difusão de Itō e uma medida invariante para for fácil de computar, então, a densidade daquela medida oferece uma solução para a equação diferencial parcial.

Medidas invariantes para fluxos de gradiente[editar | editar código-fonte]

Uma medida invariante é comparativamente fácil de computar quando o processo é um fluxo de gradiente estocástico de forma:

em que desempenha o papel de uma temperatura inversa e é um potencial escalar que satisfaz a suavidade adequada e as condições de crescimento. Neste caso, a equação de Fokker–Planck tem uma única solução estacionária (isto é, tem uma única medida invariante com densidade ) e é dada pela distribuição de Gibbs:

em que a função de partição é dada por:

Além disso, a densidade satisfaz um princípio variacional: isto minimiza sobre todas as densidades de probabilidade em a energia livre funcional dada por:

em que

desempenha o papel de uma energia funcional e

é a negativa da funcional de entropia de Gibbs–Boltzmann. Mesmo quando o potencial não é bem comportado o bastante para a função de partição e a medida de Gibbs a serem definidas, a energia livre ainda faz sentido para cada tempo , desde que a condição inicial tenha . A energia livre funcional é, na verdade, uma função de Lyapunov para a equação de Fokker–Planck: pode decrescer conforme aumenta. Assim, é uma função H para a dinâmica X.[8]

Exemplo[editar | editar código-fonte]

Considere o processo Ornstein–Uhlenbeck em que satisfaz a equação diferencial estocástica:

em que e são constantes dadas. Neste caso, o potencial é dado por:

e, então, a medida invariante para é uma medida gaussiana com densidade dada por:

Heuristicamente, para um grande, é aproximadamente normalmente distribuída com média e variância . A expressão para a variância pode ser interpretada como se segue: grandes valores de significam que o poço de potencial tem "lados muito íngremes", de modo que é improvável que se mova para longe do mínimo de em ; de forma semelhante, grandes valores de significam que o sistema é muito "frio" com pouco ruído, de modo que, novamente, é improvável que se mova para longe de .

Propriedade martingale[editar | editar código-fonte]

Em geral, uma difusão de Itō não é um martingale. Entretanto, para qualquer com suporte compacto, o processo definido por:

em que é o gerador de , é um martingale no que diz respeito à filtração natural de por . A prova é simples: segue-se da expressão usual da ação do gerador em funções suficientemente suaves e do lema de Itō (a regra da cadeia estocástica) que:

Já que as integrais de Itō são martingales no que diz respeito à filtração natural de por , para ,

Assim, como exigido,

já que é -mensurável.

Fórmula de Dynkin[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Fórmula de Dynkin

A fórmula de Dynkin, que recebe este nome em homenagem ao matemático russo-americano Eugene Dynkin, dá o valor esperado de qualquer estatística adequadamente suave de uma difusão de Itō (com gerador ) em um tempo de parada. Precisamente, se for um tempo de parada com e se for com suporte compacto, então:

A fórmula de Dynkin pode ser usada para calcular muitas estatísticas úteis de tempos de parada. Por exemplo, o movimento browniano canônico na reta real começando em 0 sai do intervalo em um tempo aleatório com valor esperado:

A fórmula de Dynkin oferece informação sobre o comportamento de em um tempo de parada razoavelmente geral. Para mais informações sobre a distribuição de em um tempo de chegada, pode-se estudar a medida harmônica do processo.[9]

Medidas associadas[editar | editar código-fonte]

Medida harmônica[editar | editar código-fonte]

Em muitas situações, é suficiente saber quando uma difusão de Itō deixará pela primeira vez um conjunto mensurável , isto é, estudar o primeiro tempo de saída:

Algumas vezes, entretanto, pode-se querer saber a distribuição dos pontos nos quais deixa o conjunto. Por exemplo, o movimento browniano canônico na reta real começando em 0 deixa o intervalo em -1 com probabilidade e em 1 com probabilidade , de modo que é uniformemente distribuído no conjunto Em geral, se for compactamente encaixado em , então, a medida harmônica (ou distribuição de chegada) de na fronteira de é a medida definida por:

para e .

Retornando ao exemplo anterior do movimento browniano, pode-se mostrar que, se for um movimento browniano em começando em e for uma bola aberta centrada em , então, a medida harmônica de em é invariante sob todas as rotações de sobre e coincide com a medida de superfície normalizada em .

A medida harmônica satisfaz uma interessante propriedade de valor médio: se for qualquer função limitada e mensurável de Borel e for dado por:

então, para todos os conjuntos de Borel e todo ,

A propriedade de valor médio é muito útil na solução de equações diferenciais parciais usando processos estocásticos.[10]

Medida de Green e fórmula de Green[editar | editar código-fonte]

Considere um operador diferencial parcial em um domínio e considere uma difusão de Itō com como seu gerador. Intuitivamente, a medida de Green de um conjunto de Borel é o comprimento esperado do tempo em que permanece em antes de deixar o domínio . Em outras palavras, a medida de Green de no que diz respeito a em , denotada , é definida para conjuntos de Borel por:

ou para funções limitadas, contínuas , por:

A nome "medida de Green" vem do fato de que, se for um movimento browniano, então:

em que é a função de Green para o operador no domínio . Suponha que para todo . Então, a fórmula de Green se aplica para toda com suporte compacto:

Em particular, se o suporte de for compactamente encaixado em ,

[1][4]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b Itô, Kiyosi; McKean, Henry P. Jr (5 de janeiro de 1996). Diffusion Processes and their Sample Paths: Reprint of the 1974 Edition (em inglês). [S.l.]: Springer Science & Business Media. ISBN 9783540606291 
  2. Øksendal, Bernt (1 de abril de 1990). «When is a stochastic integral a time change of a diffusion?». Journal of Theoretical Probability (em inglês). 3 (2): 207–226. ISSN 0894-9840. doi:10.1007/BF01045159 
  3. a b c d Kannan, D.; Lakshmikantham, V. (23 de outubro de 2001). Handbook of Stochastic Analysis and Applications (em inglês). [S.l.]: CRC Press. ISBN 9780824706609 
  4. a b c d Oksendal, Bernt (9 de março de 2013). Stochastic Differential Equations: An Introduction with Applications (em inglês). [S.l.]: Springer Science & Business Media. ISBN 9783662130506 
  5. Hirsa, Ali; Neftci, Salih N. (18 de dezembro de 2013). An Introduction to the Mathematics of Financial Derivatives (em inglês). [S.l.]: Academic Press. ISBN 9780123846839 
  6. Fuchs, Christiane (18 de janeiro de 2013). Inference for Diffusion Processes: With Applications in Life Sciences (em inglês). [S.l.]: Springer Science & Business Media. ISBN 9783642259692 
  7. Sakai, Takashi (1 de janeiro de 1996). Riemannian Geometry (em inglês). [S.l.]: American Mathematical Soc. ISBN 9780821889565 
  8. Klebaner, Fima C. (21 de março de 2012). Introduction to Stochastic Calculus with Applications (em inglês). [S.l.]: World Scientific Publishing Company. ISBN 9781911298670 
  9. Dynkin, Evgenij Borisovic (6 de dezembro de 2012). Markov Processes (em inglês). [S.l.]: Springer Science & Business Media. ISBN 9783662000311 
  10. Kisielewicz, Michał (12 de junho de 2013). Stochastic Differential Inclusions and Applications (em inglês). [S.l.]: Springer Science & Business Media. ISBN 9781461467564