Campeonato Paulista de Futebol de 1906

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Campeonato Paulista de Futebol de 1906
V Campeonato da Liga Paulista Foot-Ball
Dados
Participantes 6
Período 3 de maio7 de outubro
Gol(o)s 91
Partidas 23
Média 3,96 gol(o)s por partida
Campeão Germânia (1º título)
Vice-campeão Internacional
Melhor marcador Friese e Fuller (Germânia) e Leo (Internacional) – 6 gols
Maior goleada
(diferença)
São Paulo Athletic 1 – 9 Internacional
Velódromo PaulistaSão Paulo
5 de agosto de 1906
◄◄ São Paulo 1905 1907 São Paulo ►►

O Campeonato da Liga Paulista Foot-Ball de 1906 foi a quinta edição dessa competição entre clubes de futebol paulistanos filiados à LPF. É reconhecido oficialmente pela Federação Paulista de Futebol como a quinta edição do Campeonato Paulista de Futebol.[nota 1]

Disputado entre 3 de maio e 7 de outubro daquele ano, contou com a participação de seis agremiações. Contudo, o campeonato ficou ofuscado pela primeira grande crise do futebol paulistano, resultado de uma suspeita de desvio da arrecadação com a venda de ingressos.[2][3]

Líder da competição, a Athletica das Palmeiras acabou punida com a desclassificação do torneio e a anulação de todos os seus pontos conquistados.[4][5]

O caso acabou encerrado somente nos fins de 1908 e início de 1909 quando a Athletica foi reintegrada à Liga, que considerou a competição de 1906 anulada - o próprio Germânia, que herdaria o título, não havia reivindicado a "Taça Conde Álvares Penteado" naquele momento.[6]

Contudo, se nos registros da Liga Paulista de Foot-Ball não houve vencedor naquele campeonato, a sucessora Federação Paulista de Futebol atribuiu ao Germânia o título de campeão paulista daquele ano, bem como a imprensa paulistana.[7]

História[editar | editar código-fonte]

Antes de começar o campeonato, duas decisões denotaram que o entrevero entre jogadores e diretoria do Paulistano no final do último torneio, que culminou com a debandada de vários jogadores para a Athletica das Palmeiras, não havia sido esquecido.[2]

Ofendido com a rebelião, o presidente Numa de Oliveira submeteu submeteu um pedido de expulsão definitiva para o jogador Jorge Mesquita, a quem atribuía a culpa pelo episódio que culminou no desmanche do time campeão. A LPF aprovou a punição num primeiro momento e, pouco depois, a reduziu para um ano de suspensão.[8][9] Como consequência, a liga revisou seus estatutos para incluir dispositivos mais rígidos no controle dos clubes associados e criou um conselho de representantes para julgar futuros casos considerados como transgressões.[2]

Também num claro sinal de má vontade, a liga melou a incorporação da Athletica das Palmeiras ao Club de Regatas São Paulo, fundado dois anos antes por membros da elite fazendeira paulista. Costurando a aliança por muitos meses, os planos ficaram mais próximos da realização quando a Athletica transferiu sua sede para a chácara da Floresta, às margens do rio Tietê, em janeiro daquele ano. Mas quando os representantes do Regatas São Paulo se apresentaram à LPF como agremiação sucessora, sua admissão não foi aceita pelos comissários da liga.[2]

A mudança para a chácara da Floresta deu uma melhor estrutura para a Athletica das Palmeiras, que havia sido a última colocada nas duas edições que participou do campeonato da liga. A equipe enfrentou o Internacional de Santos, pela disputa anual da vaga de acesso ao campeonato. O time santista havia vencido a primeira eliminatória contra o Sport Club Americano por 2–0. Reforçada pelos habilidosos jogadores dissidentes do Paulistano, a Athletica venceu com muita facilidade o Internacional santista, por 4–1.

Na disputa do campeonato da liga, que teve início em princípios de maio, os tradicionais favoritos Paulistano e São Paulo Athletic sucumbiram. Os primeiros sentiram a ausência de seus principais jogadores, que agora defendiam a Athletica. Já o tricampeão São Paulo Athletic fez uma péssima campanha, sem conquistar uma vitória sequer e ainda sofrendo duas goleadas desconcertantes por 0–6 ante o Germânia e 1–9 diante do Internacional. Esta última provocou uma crise no time dos ingleses que culminou no abandono do torneio, atitude pouco comum para a ética esportiva da época.[2] Como consequência, um grupo dissidente formado por Jeffery, Robottom, Viotti, Butler e Rowlands deixou a liga para fundar uma nova agremiação, o Concordia Football Club. [10] O líder da equipe, Charles Miller, também deixou o cargo de vice-presidência da LPF antes do fim do campeonato.[11]

Sem as duas tradicionais forças, o futebol paulistano viu emergir dois novos protagonistas, a Athletica das Palmeiras e o Germânia, que disputaram intensamente o campeonato. Líder na maior parte do torneio, o Germânia perdeu o segundo confronto entre as equipe em agosto e viu a Athletica ficar bem próxima do título, até que um escândalo abalou a disputa.

Logo após a derrota diante da Athletica das Palmeiras por 0–2 no dia 30 de setembro, a diretoria do Internacional entrou com um recurso na LPF, denunciando o rival por desviar parte do dinheiro da arrecadação daquela partida. A acusação foi rebatida pela diretoria da Athletica, que alegou em sua defesa ser vítima calúnia, porque um funcionário do clube havia vendido ingressos com desconto de 50% para os sócios do Club de Regatas São Paulo, e que estaria disposta a ressarcir as perdas do Internacional.[3]

Segundo o jornal O Commercio de São Paulo, por trás da denúncia, existiria um suposto pacto entre Paulistano, Germânia e Mackenzie para eliminar a Athletica do campeonato.[12][13] A crise se aprofundou com a renúncia de Armando Prado à presidência da liga, substituído imediatamente por Antonio Prado. Já a direção do Mackenzie College havia determinado que a associação atlética dos seus alunos, que geria o time de futebol, fosse extinta, por “questões disciplinares”.[14]

Em protesto, a diretoria da Athletica se retirou da liga e pediu para o então secretário de segurança pública, Washington Luis, a abertura de inquérito policial para esclarecer o caso.[4][15][16][17] Apesar de nenhuma ilegalidade ter ficado comprovada, o conselho da LPF confirmou no dia 22 de outubro a decisão de desclassificar a Athletica das Palmeiras e anular todos os pontos das partidas que ela havia disputado.[4][5] A punição tinha como base a interpretação do artigo 19 do estatuto da liga, que estipulava que a arrecadação deveria ser dividida igualmente entre os dois participantes e que os jogos nunca poderiam “constituir objeto de exploração por parte de qualquer indivíduo, empresa ou associação”.[18]

A história do campeonato não acabou por aí. No ano seguinte, simpatizantes e futebolistas da Athletica das Palmeiras divulgaram um manifesto com dezenas de assinaturas, no qual exigiam uma reparação pública pela Liga, através da devolução do título cassado ou anulação do campeonato.[19][20][21] Mas a LPF ignorou o desagravo, e a Athletica se distanciou da entidade, tendo ambos se conciliado somente a partir de 1908.[22][23][24][25] Até que finalmente, a Liga Paulista de Foot-Ball anulou o campeonato de 1906 dos seus registros históricos e fez um convite para a Athletica das Palmeiras jogar o torneio de 1909 sem passar por seletiva.[26][27]

Participantes[editar | editar código-fonte]

Equipe Cidade Fundação Participação Títulos
Athletica das Palmeiras São Paulo 9 de novembro de 1902 -
Germânia São Paulo 7 de setembro de 1899 -
Internacional São Paulo 19 de agosto de 1899 -
Mackenzie São Paulo 18 de agosto de 1898 -
Paulistano São Paulo 29 de dezembro de 1900 1 (1905)
São Paulo Athletic São Paulo 13 de maio de 1888 3 (1902, 1903 e 1904)

Regulamento[editar | editar código-fonte]

Segundo o estatuto do campeonato:[18]

  • Cada clube tem de jogar duas partidas com os outros participantes, sendo uma como mandante e outra como visitante. (Artigo 18)
  • Quando um dos clubes não comparecer no lugar, dia e hora designados para a partida, esta será considerada ganha pelo clube que comparecer. Se nenhum clube comparecer, a partida será considerada perdida para os dois ausentes. (Artigo 19)
  • As partidas só podem ser adiadas por motivo de grande relevância, a juízo dos representantes da Liga encarregados de fiscalizá-lo. O clube que, infringindo esse artigo, deixar de disputar três partidas consecutivas, será considerado desligado, ficando nulas as partidas já jogadas. (Artigo 20)
  • O clube vencedor do campeonato anual recebe uma taça, pela qual fica responsável, e terá possa definitiva dessa taça aquele que for vencedor de três taças consecutivas. (Artigo 21)
  • O campeão é a equipe que somar mais pontos (a vitória vale dois pontos, e o empate, um ponto). Havendo empate no resultado final, disputa-se um jogo extra. Essa partida desempate terminar em empate, é feita uma prorrogação não superior a 30 minutos. Se terminada essa prorrogação continuar o empate, é marcada uma nova partida, e assim por diante. (Artigo 22)

Tabela[editar | editar código-fonte]

  • 3 de maio - Mackenzie 3–1 Internacional
  • 6 de maio - Athletica das Palmeiras 2–1 São Paulo Athletic
  • 13 de maio - Germania 3–1 Internacional
  • 20 de maio - Germania 6–0 São Paulo Athletic
  • 24 de maio - Mackenzie 2–2 São Paulo Athletic
  • 27 de maio - Germania 1–0 Athletica das Palmeiras
  • 3 de junho - Internacional 2–0 São Paulo Athletic
  • 10 de junho - Athletica das Palmeiras 3–2 Paulistano
  • 14 de junho - Paulistano 2–2 Mackenzie
  • 24 de junho - Germânia 4–0 Paulistano
  • 29 de junho - Paulistano 2–0 São Paulo Athletic
  • 1 de julho - Athletica das Palmeiras 3–1 Internacional
  • 8 de julho - São Paulo Athletic 1–3 Germânia
  • 14 de julho - Germânia 5–3 Mackenzie
  • 15 de julho - Internacional 2–1 Paulistano
  • 2 de julho - Paulistano 2–5 Athletica das Palmeiras
  • 29 de julho - Paulistano 0–2 Germânia
  • 5 de agosto - São Paulo Athletic 1–9 Internacional
  • 12 de agosto - Athletica das Palmeiras 3–1 Germânia
  • 15 de agosto - Mackenzie – São Paulo Athletic**
  • 19 de agosto - Internacional 1–0 Germânia
  • 7 de setembro - Internacional 3–0 Mackenzie*
  • 8 de setembro - São Paulo Athletic – Paulistano**
  • 16 de setembro - Athletica das Palmeiras – São Paulo Athletic**
  • 20 de setembro - Mackenzie – Paulistano***
  • 30 de setembro - Internacional 0–2 Athletica das Palmeiras
  • 7 de outubro - Paulistano 1–3 Internacional
  • 12 de outubro - Mackenzie – Athletica das Palmeiras***
  • 1 de novembro - Mackenzie – Germânia***
  • 15 de novembro - Athletica das Palmeiras – Mackenzie***

** jogos cancelados devido à desistência do São Paulo Athletic
*** jogos cancelados devido à desistência do Mackenzie

Classificação final[editar | editar código-fonte]

Após a goleada sofrida diante do Internacional em 5 de agosto, o time do São Paulo Athletic abandonou a competição, faltando enfrentar mais uma vez a Athletica das Palmeiras, o Mackenzie e o Paulistano. Pouco depois, foi a vez do Mackenzie se retirar da disputa, assim as partidas restantes (duas contra a Athletica das Palmeiras e uma cada contra Paulistano e Germânia) foram canceladas. Para ambos os casos, foram dados os pontos para os times.

Classificação
Time PG J V E D GP GC SG
1 Athletica das Palmeiras 18 7 6 0 1 18 8 10
2 Germânia 16 9 7 0 2 25 6 19
3 Internacional 12 9 6 0 3 23 14 9
4 Paulistano 7 8 1 1 6 10 21 - 11
5 Mackenzie 6 5 1 2 2 10 13 - 3
6 São Paulo Athletic 1 7 0 1 6 5 26 - 21
PG - pontos ganhos; PH - pontos herdados (partidas canceladas); J - jogos; V - vitórias; E - empates; D - derrotas; GP - gols pró; GC - gols contra; SG - saldo de gols
Campeão
Abandonaram a disputa

Com os resultados, a Athletica das Palmeiras era o campeã da liga naquele ano e seus jogadores chegaram a comemorar o título.[28] Mas o Internacional entrou com o recurso contra a partida do dia 30 de setembro, vencida pela Athletica das Palmeiras, acusando o adversário de descumprir o estatuto da Liga e cometer irregularidades na cobrança de ingressos para aquela partida. Em 22 de outubro, a LPF julgou que a acusação procedente e, com isso, a Athletica das Palmeiras teve seus pontos anulados e foi desclassificada, o Germânia ficou com o título.

Classificação final
Time PG J V E D GP GC SG
1 Germânia 16 9 7 0 2 25 6 19
2 Internacional 12 9 6 0 3 23 14 9
3 Paulistano 7 8 1 1 6 10 21 - 11
4 Mackenzie 6 5 1 2 2 10 13 - 3
5 São Paulo Athletic 1 7 0 1 6 5 26 - 21
6 Athletica das Palmeiras 0 7 6 0 1 18 8 10
PG - pontos ganhos; PH - pontos herdados (partidas canceladas); J - jogos; V - vitórias; E - empates; D - derrotas; GP - gols pró; GC - gols contra; SG - saldo de gols
Campeão da LPF de 1906
Abandonaram a disputa
Desclassificado

Premiação[editar | editar código-fonte]

Campeão Paulista de 1906
GERMÂNIA
(1º título)

* Posteriormente, a Liga Paulista de Foot-Ball considerou aquele torneio sem vencedor, mas o título é reconhecido pela Federação Paulista de Futebol[6][7]

Notas

  1. Fundada em 1941, a FPF se tornou a entidade máxima do futebol paulista em 1941 e reconheceu os campeonatos organizados pela Lfesp, LAF, Apea e LPF como edições oficiais do Campeonato Paulista, que contavam quase que exclusivamente com clubes da capital. Os principais jornais de São Paulo à época muitas vezes se referiam aos torneios disputados pelos maiores clubes paulistanos como campeonato de futebol da cidade.[1] No entanto, a FPF não concede o mesmo status para edições do Campeonato do Interior e o Campeonato entre os campeões da capital e do interior (Taça Competência), disputados pela primeira vez em 1919.

Referências

  1. «O melhor prelio da rodada inicial» (PDF). Correio de S.Paulo. 25 de abril de 1936. p. 6. Consultado em 24 de dezembro de 2014 
  2. a b c d e Gambeta, Wilson R (2013). A bola rolou. o velódromo paulista e os espetáculos de futebol (1895/1916) (Tese de Doutorado em História Social). São Paulo: Universidade de São Paulo. p. 238-240. 408 páginas 
  3. a b Figueiredo, Antonio (1918). Historia do football em São Paulo. São Paulo: Seção de Obras d'O Estado de São Paulo. p. 18;29-30. 182 páginas 
  4. a b c O Estado de S. Paulo, 23 out. 1906, p. 4.
  5. a b Correio Paulistano, 23 out. 1906, p. 4.
  6. a b O Estado de S. Paulo, 18 dez. 1909, p. 7.
  7. a b Mazzoni, Thomaz (1950). História do futebol no Brasil, 1894-1950. São Paulo: Leia. p. 61 
  8. O Estado de S. Paulo, 2 mar. 1906, p. 3.
  9. O Estado de S. Paulo, 14 mar. 1906, p. 3.
  10. Correio Paulistano, 14 ago. 1906, p. 2.
  11. O Estado de S. Paulo, 27 set. 1906, p. 3.
  12. O Commercio de São Paulo, 6 out., 1906, p. 1.
  13. O Commercio de São Paulo, 20 out. 1906, p. 3.
  14. O Estado de S. Paulo, 22 out. 1906, p. 2.
  15. O Commercio de São Paulo, 7 out. 1906, p. 5.
  16. O Estado de S. Paulo, 10 out. 1906, p. 3.
  17. O Commercio de São Paulo, 16 out. 1906, p. 4.
  18. a b LIGA Paulista de Football. Guia de football 4 ed. São Paulo: Cardoso. 1906. p. 10-13. 119 páginas 
  19. Correio Paulistano, 5 abr. 1907, p. 3.
  20. O Estado de S. Paulo, 6 abr. 1907, p. 3.
  21. O Estado de S. Paulo, 7 abr. 1907, p. 3.
  22. O Estado de S. Paulo, 12 mar. 1908, p. 3.
  23. O Estado de S. Paulo, 22 mar. 1908, p. 3.
  24. O Estado de S. Paulo, 14 jul. 1908, p. 4.
  25. O Estado de S. Paulo, 6 ago. 1908, p. 3.
  26. O Estado de S. Paulo, 5 dez. 1908, p. 3.
  27. O Estado de S. Paulo, 24 dez. 1908, p. 3.
  28. Murillo Pessoa (Outubro de 2010). «Mistérios de uma taça» (PDF). Revista O Paulistano (ano XXII - edição 260). p. 80-81. Consultado em 25 de dezembro de 2014 

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]