Frente Homossexual de Ação Revolucionária

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Frente Homossexual de Ação Revolucionária
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A Frente Homossexual de Ação Revolucionária (em francês: Front homosexuel d'action révolutionnaireFHAR) foi um movimento parisiense autônomo, fundado em 1971,[1] como resultado da aproximação entre feministas lésbicas e ativistas gays. Entre as pessoas notórias associadas à FHAR, pode-se citar Guy Hocquenghem, Christine Delphy, Daniel Guérin, Pierre Hahn, Laurent Dispot, Hélène Hazera, Jean Le Bitoux, René Schérer, Françoise d'Eaubonne, Patrick Schindler e Yves Hernot. Sua dissolução ocorreu em 1976.[2]

A FHAR tornou-se conhecida por ter dado visibilidade à luta radical de gays e lésbicas durante a década de 1970, na sequência dos levantes estudantis e proletários ocorridos no maio de 1968, que deixaram pouco espaço para a libertação de mulheres e homossexuais. O movimento rompeu com antigos grupos homossexuais que consideravam mais resignados e até mesmo conservadores. A reivindicação central do movimento era a subversão do Estado burguês e cis-heteropatriarcal, bem como a derrubada de valores machistas, chauvinistas e homofóbicos então bastante presentes dentro dos círculos da esquerda e da extrema-esquerda.

A crescente presença de homens na FHAR, que eventualmente se tornaram maioria numérica e gradualmente obscureceram as questões feministas e as vozes lésbicas, provocou a desintegração do grupo. Em seguida, surgiram o Grupo de Libertação Homossexual (GLH) e as Gouines Rouges dentro do Movimento de Liberação das Mulheres (MLF).

Origens e fundação[editar | editar código-fonte]

Jean-Paul Sartre, processado por publicar uma declaração da FHAR no jornal Tout!

Em sua origem, o grupo reunia feministas da MLF e lésbicas ligadas à associação da revista mensal Arcadie, na qual homossexuais começaram a ingressar a partir fevereiro de 1971.[3] O grupo organizava reuniões na Escola Nacional Superior de Belas Artes, localizada em Paris, próxima ao Museu do Louvre. O estopim para a formação da FHAR foi um cartaz do Comitê Revolucionário de Ação Pederástica (em francês: Comité d'action pédérastique révolutionnaire) publicado na Universidade Sorbonne em maio de 1968.

Em 5 de março de 1971, o grupo interrompeu uma manifestação contra o direito ao aborto,[4] e em 10 de março atraiu a atenção do público ao perturbar e interromper uma transmissão de Menie Grégoire sobre o tema da homossexualidade, que estava sendo veiculada pela Rádio Luxemburgo.[5] O grupo defendia a liberdade sexual de todos os indivíduos e realizou publicações no jornal de esquerda Tout!, com destaque para a declaração veiculada na edição de fevereiro de 1971. O texto fazia referência ao Manifesto das 343:[6]

Nous sommes plus de 343 salopes

Nous nous sommes faits enculer par des Arabes

Nous en sommes fiers et nous recommencerons
Nós somos mais de 343 vadias

Fomos enganadas pelos árabes

Estamos orgulhosas disso e faremos novamente

A edição em que constava tal texto foi apreendida das bancas pela polícia[7] e o diretor da publicação, Jean-Paul Sartre, foi acusado e processado. Entretanto, a FHAR recorreu ao Conselho Constitucional da França para declarar que os ataques à liberdade de expressão eram inconstitucionais, e em julho de 1971 a acusação foi interrompida.

A FHAR denunciou o heterossexismo e a medicalização da homossexualidade. Em 1971, se manifestaram no Congresso Internacional de Sexologia, realizado em Sanremo. Eles também intervieram em reuniões políticas comunistas, com destaque para a manifestação realizada durante reunião no Maison de la Mutualité, onde Jacques Duclos disse aos militantes da FHAR: "Vão buscar tratamento, bando de pederastas, o Partido Comunista Francês (PCF) é saudável!".[8]

Em 1º de maio de 1971, a FHAR marchou em conjunto com membros da MLF em uma manifestação sindical carregando uma faixa com os dizeres "Abaixo a ditadura do normal!".[9] A FHAR também denunciava o heterossexismo e a medicalização da homossexualidade. Nesse sentido, uma ação notável foi a ação, por militantes da FHAR, contra uma conferência sobre a homossexualidade enquanto doença no Congresso Internacional de Sexologia, realizado em Sanremo em 1972.[10]

Dissidências e controvérsias[editar | editar código-fonte]

Diante do crescente número de homens desenvolvendo seus próprios centros de interesse, algumas mulheres que militavam pela FHAR se separaram e formaram o movimento dissidente das Gouines Rouges com um enfoque no lesbianismo radical,[11][12] a fim de continuar o combate contra o sexismo e o falocentrismo com o protagonismo feminista.

Outros grupos dissidentes de destaque foram os Gazolines,[13] e os jornais Fléau social e o Antinorm.[14] Eles também publicaram um manifesto intitulado "Relatório contra a normalidade" em 1971[15] e um número especial da revista Research, dirigida por Félix Guattari em 1973.

Embora todos esses grupos possam ser identificados nos slogans da FHAR (como em "Trabalhadores de todos os países, acariciem-se!”) e compartilhassem a luta contra a heteronormatividade,[16] eles acabaram se afastando uns do outros.

Declínio e posteridade[editar | editar código-fonte]

Além disso, os membros do grupo começam a abandoná-lo, a exemplo de Daniel Guérin, por causa dos excessos dos Gazolines durante o enterro de Pierre Overney, um ativista maoísta que foi morto por um vigilante em 1972, e Françoise d'Eaubonne, que não enxergava mais motivos para permanecer no grupo.

A polícia proibiu reuniões na Escola Nacional Superior de Belas Artes em fevereiro de 1974, e a FHAR abandonou suas ações radicais.

No entanto, a FHAR deixou descendentes. O radicalismo do movimento e a alta politização também foram adotados pelos movimentos LGBT na década de 1990, inspirando em parte o atual movimento queer nos Estados Unidos da América e na França.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. DO CARMO, Isabel (2017). Luta Armada – As Brigadas Revolucionárias, a ARA e a LUAR contadas pelos próprios protagonistas. E os dias de fúria da Europa Rebelde da segunda metade do século XX. Portugal: [s.n.] ISBN 9789722063838 
  2. Ross, Kristin. (2002). May '68 and its afterlives. Chicago: University of Chicago Press. OCLC 593356182 
  3. «Du Fhar aux collectifs queers et racisés, 50 ans de mobilisation associative LGBT+ en France». KOMITID (em francês). 28 de junho de 2019. Consultado em 12 de julho de 2020 
  4. Le mouvement homosexuel français face aux stratégies identitaires por Yves Roussel.
  5. Retranscription de l'émission por Françoise d'Eaubonne e Marie-Jo Bonnet.
  6. «Tout! N°12». Tout! (em French). 23 de abril de 1971. Consultado em 12 de julho de 2020. Cópia arquivada em 20 de abril de 2006 
  7. K), Mauricio Marques de Souza (Maurin (2016). «Escrita de si, escrita da diferença». ECOPOLÍTICA. 0 (16). ISSN 2316-2600 
  8. Tin, Louis-Georges, ed. (2008). «Communism» [Comunismo]. The dictionary of homophobia: a global history of gay & lesbian experience [O dicionário da homofobia: uma história global da experiência de gays e lésbicas]. Canadá: Arsenal Pulp Press. p. 79. ISBN 978-1-55152-229-6 
  9. «Direito à diferença». O direito à diversidade no novo constitucionalismo. Porto Alegre: Simplíssimo. 2017. ISBN 9788595130579 
  10. Tarì, Marcello (2013). Um Piano nas Barricadas: Autonomia operária (1973-1979). [S.l.]: Edições Antipáticas. p. 161 
  11. Benoît Bréville (8 de setembro de 2011). «Homosexuels et subversifs». Manière de voir 
  12. resistaorp (25 de julho de 2019). «O que fazer depois da orgia?». Resista! Observatório de resistências plurais. Consultado em 12 de julho de 2020 
  13. Stokoe, Kayte (19 de novembro de 2019). Reframing Drag: Beyond Subversion and the Status Quo (em inglês). [S.l.]: Routledge 
  14. «Catalogue général du Conservatoire des Archives et des Mémoires LGBTQI de l'Académie Gay & Lesbienne». www.archiveshomo.info. Consultado em 12 de julho de 2020 
  15. «Rapport contre la normalité (extraits)». Révolution Permanente (em francês). Consultado em 12 de julho de 2020 
  16. Travelet, Françoise (1972). «Proletaires de tous les pays, caressez-vous!» (PDF). Gulliver. Consultado em 12 de julho de 2020 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Filmografia
  • Le FHAR, documentário de Carole Roussopoulos em preto e branco que mostra trechos das primeiras reuniões e manifestações da FHAR (1971)
  • A Revolução do Desejo (La révolution du désir), documentário de Alessandro Avellis (2006)
  • Azul, branco, rosa (Bleu, blanc, rose), documentário de Yves Jeuland sobre o movimento gay francês (2002)
Relatórios da FHAR