Estado

O termo Estado se refere, no uso contemporâneo, à entidade político-jurídica soberana que exerce autoridade sobre uma população dentro de um território definido. Corresponde ao conjunto de instituições responsáveis pela organização social, pela criação e aplicação das leis e pela administração dos interesses públicos.
O conceito de Estado é de interesse de diferentes áreas de conhecimento, como a filosofia, o direito, a ciência política e as relações internacionais. Ao longo da história, o Estado foi interpretado por diversos pensadores, incluindo Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Karl Marx, entre outros.
Etimologia e uso do termo
[editar | editar código-fonte]O termo Estado deriva do latim status, que significa "modo de estar", "condição" ou "posição". Seu uso político remonta à Idade Média, mas foi consolidado no contexto da formação das estruturas estatais modernas a partir do Renascimento. Maquiavel, em O Príncipe (1532), foi o primeiro a utilizar o termo "Estado" (do italiano stato) no sentido moderno de uma entidade política soberana e autônoma, distinta do governante e da sociedade. Antes dele, os termos usados para designar a organização política eram "reino", "principado" ou "república".[1]
O Estado se diferencia de termos relacionados como governo (que representa o poder político exercido em um dado momento) e nação (relativa à identidade cultural ou étnica de um.[2][3] Embora os termos Estado, governo, nação e país sejam frequentemente usados como sinônimos no cotidiano, há diferenças importantes entre eles. O Estado corresponde à estrutura institucional soberana e permanente, enquanto o governo é o conjunto de autoridades que exerce o poder político em nome do Estado de forma temporária. A nação se refere à comunidade que compartilha cultura, idioma, história ou identidade étnica. País designa o território geográfico habitado por uma população sob autoridade estatal.[1]
Em contextos federativos, pode o vocábulo pode indicar uma unidade subnacional, como nos estados do Brasil ou nos estados dos Estados Unidos.[1] Na língua portuguesa, costuma-se grafar 'Estado' com inicial maiúscula quando se refere à entidade político-jurídica soberana, para distingui-lo de usos genéricos do termo (por exemplo: 'estado emocional', 'estado de exceção'). Alguns autores, no entanto, argumentam que essa distinção gráfica não é necessária.[2]
Perspectiva histórica
[editar | editar código-fonte]A formação do Estado é resultado de processos complexos, marcados por transformações sociais, políticas, econômicas e culturais. Embora instituições com funções estatais tenham existido em diferentes civilizações[nota 1], o conceito moderno de Estado só foi consolidado a partir da Idade Moderna na Europa Ocidental.
Primeiros Estados
[editar | editar código-fonte]As primeiras formas de organização estatal surgiram quando a centralização do poder se tornou possível em estruturas sociais duráveis. O desenvolvimento da agricultura permitiu o surgimento de excedentes econômicos, possibilitando a manutenção de elites administrativas e militares que não dependiam diretamente da produção para sua subsistência. O controle desses excedentes e a capacidade de mobilização de trabalho e guerra favoreceram a constituição de Estados nas civilizações da Suméria, Egito, China Antiga, América Central e Vale do Indo.[4]
Além da centralização econômica, o surgimento da escrita e de sistemas de registro – como os quipos dos incas – tornou viável a administração de territórios maiores, dando origem às primeiras estruturas estatais complexas.[4]
Antiguidade clássica
[editar | editar código-fonte]Na Grécia Antiga, surgiram formas inovadoras de organização política, especialmente nas cidades-estado, como Atenas e Esparta. Atenas desenvolveu práticas associadas à democracia direta, concedendo cidadania à grupos específicos da população livre e combinando esses direitos com uma forma democrática embrionária de governo durante o século IV a.C. Outras cidades mantiveram regimes aristocráticos ou oligárquicos, criando um laboratório de experiências políticas que influenciaria o pensamento ocidental.
Em Roma, a transição da Monarquia para a República Romana estabeleceu um sistema político inovador, regido por um Senado dominado pela aristocracia romana. O sistema político romano contribuiu significativamente para o desenvolvimento das leis e para a distinção entre a esfera privada e a pública. Mais tarde, o Império Romano unificou vastos territórios sob uma burocracia administrativa e militar sofisticada, criando estruturas que serviam como modelo para futuras organizações estatais. Essa experiência imperial demonstrou a viabilidade de governar territórios extensos através de instituições centralizadas e sistemas legais unificados.
Do Estado feudal ao Estado Moderno
[editar | editar código-fonte]Com a ruptura do Império Romano do Ocidente no século V, a arrecadação fiscal regular colapsou; sem tributação monetária não havia exércitos permanentes nem “monopólio legítimo da violência”. O poder político passou a repousar sobre a posse da terra: senhores locais tornaram-se responsáveis, ao mesmo tempo, pela defesa militar, pela justiça e pela exploração econômica de seus domínios — arranjo posteriormente denominado feudalismo. Nesse sistema, a autoridade efetiva era fragmentada, e a lealdade dos habitantes se dirigia a um senhor imediato, não a uma instância central.[5][6]
No feudalismo, o poder passou ser exercido localmente por senhores, que combinavam funções econômicas, judiciais e militares.[7] A hierarquia era instável, dos suseranos aos reis ungidos. Um monarca era, formalmente, o chefe de uma hierarquia de soberanos, mas não possuía poder absoluto para legislar, o que era compartilhado com a Igreja Católica, nem os meios de violência, partilhados com os nobres. As relações entre senhores e monarcas eram mediadas por diversos graus de dependência mútua, assegurada pela ausência de um sistema tributário centralizado. Essa realidade garantiu que cada governante precisasse obter o consentimento de outros soberanos no reino.[7]
Durante esse período, a formalização das disputas sobre tributação entre o monarca e outros elementos da sociedade deu origem ao Estados estamentais, caracterizados por parlamentos nos quais grupos sociais fundamentais negociavam com o rei sobre questões jurídicas e econômicas. Esses Estados, por vezes, evoluíram no sentido de verdadeiros parlamentos, mas outras vezes perderam em suas lutas com o monarca, conduzindo a uma maior centralização do processo legislativo e coercitivo, principalmente o militar. A partir do século XV, este processo deu origem ao Estado Absolutista.[7]
Embora reis continuassem a figurar como suseranos máximos, o exercício concreto do poder era compartilhado. A Igreja reivindicava prerrogativas normativas sobre vastas áreas do direito canônico; a nobreza guardava tropas próprias e castelos; e, sem um fisco unificado, o monarca dependia de concessões pontuais de seus vassalos para financiar expedições militares ou a administração do reino. Cada iniciativa régia exigia, portanto, negociação com outros detentores de autoridade — um arranjo que mantinha a hierarquia política instável e impedia a formação de um Estado no sentido moderno.[8]
A necessidade de levantar recursos levou à formalização dessas negociações em assembleias estamentais, as Cortes ibéricas com os Habsburgos, os Estados Gerais franceses com os Bourbons, o Parlamento inglês com os Tudors — onde clero, nobreza e (gradualmente) representantes urbanos deliberavam sobre impostos e petições. Na Inglaterra, o controle parlamentar da tributação concedeu à Câmara dos Comuns um papel duradouro; na França, por contraste, a Coroa logrou restringir a frequência e o poder deliberativo dos Estados, preparando o caminho para maior concentração de autoridade na pessoa do rei.[9]
Entre os séculos XV e XVII, guerras prolongadas e técnicas fiscais mais eficientes permitiram que certas monarquias — notadamente França, Espanha, Rússia e Prússia — transformassem-se em Estados Absolutistas. Esses soberanos passaram a reivindicar o direito exclusivo de legislar, tributar e manter grandes exércitos permanentes, suprimindo privilégios municipais e integrando a alta nobreza na administração central.[8]
No plano internacional, a Paz de Vestfália (1648) estabeleceu as bases de uma ordem entre Estados soberanos, consolidando o princípio de que cada um deveria ter autoridade suprema dentro de suas fronteiras sem interferência externa. O florescimento desse ambiente recebeu também as contribuições de relações diplomáticas permanentes, com embaixadas, e o desenvolvimento de políticas econômicas estatais de orientação mercantilista.
Elementos constitutivos
[editar | editar código-fonte]Segundo a formulação predominante no direito internacional e na ciência política, o Estado é constituído por quatro elementos fundamentais: população, território, governo e soberania. A máxima "Um governo, um povo, um território" sintetiza a ideia de Estado soberano moderno, enfatizando a unidade política que caracteriza esta forma de organização.[10]
A população corresponde ao conjunto de indivíduos submetidos à autoridade do Estado, independentemente de sua nacionalidade, etnia ou origem. Quando os indivíduos da população possuem elementos comuns, como cultura, religião, nacionalidade, etnia ou idioma, são chamados de nação; caso contrário, são chamados de povo, pois, apesar de se submeterem ao poder de um Estado e estarem reunidos em determinado local, possuem esses elementos diversificados. Esta distinção é importante para compreender a diferença entre Estados nacionais homogêneos e Estados multiétnicos.[10]
O território é o espaço geográfico determinado sobre o qual o Estado exerce jurisdição exclusiva, incluindo terra firme, águas interiores, mar territorial e espaço aéreo. Serve como limite de atuação dos poderes do Estado, estabelecendo que não pode haver dois Estados exercendo autoridade soberana sobre o mesmo território. O território fornece a base física para o exercício da soberania e delimita o alcance das leis estatais.[10]
O governo é a organização responsável por exercer o poder político e administrativo, com competência para criar normas, executá-las e aplicar sanções. Representa a autoridade governante de uma unidade política, que tem o objetivo de regular a sociedade e exercer autoridade sobre ela. O tamanho e a estrutura do governo variam de acordo com o tamanho do Estado e, quanto à esfera de abrangência, pode ser local, regional ou nacional. É importante distinguir que o governo é transitório e mutável, enquanto o Estado é a estrutura permanente.[10]
A soberania, por sua vez, diz respeito à autoridade suprema que o Estado detém dentro de suas fronteiras, bem como à sua autonomia nas relações externas. Internamente, significa que o Estado não reconhece autoridade superior à sua dentro de seu território. Externamente, implica independência em relação a outros Estados e capacidade de estabelecer relações internacionais em pé de igualdade. O Estado soberano deve ser capaz de controlar seus recursos, dirigir seus objetivos políticos, econômicos e sociais, sem depender de nenhum outro Estado ou órgão internacional.[10]
Esses quatro elementos foram estabelecidos como critérios para a definição jurídica de Estado na Convenção de Montevidéu de 1933, que estabelece como requisitos mínimos a existência de população permanente, território definido, governo e capacidade jurídica para estabelecer relações com outros Estados.[10]
Visões teóricas do Estado
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A compreensão do Estado tem sido objeto de diversas abordagens teóricas ao longo da história da filosofia política e das ciências sociais. Essas teorias buscam explicar sua origem, natureza, funções e a relação com a sociedade.
Nicolau Maquiavel é amplamente reconhecido como um dos pensadores que mais contribuíram para a formulação do conceito de Estado Moderno. Ele escreveu a obra O Príncipe,[1] publicada no século XV, onde rompe com as tradições políticas medievais, que frequentemente subordinavam o poder temporal a considerações morais ou religiosas, inaugurando, assim, uma análise pragmática e secular da política. Neste livro, um manual sobre a arte de governar, a política é analisado de forma realista, quer dizer, não como um campo onde se aplicam cegamente os preceitos da moral cristã ou da ética filosófica, mas o que for necessário para conquistar e manter o poder. Ele argumenta que, na prática, os governantes que tentam ser sempre 'bons' ou seguir virtudes idealizadas (como generosidade, honestidade, piedade) muitas vezes acabam arruinados, pois o mundo político é cruel e cheio de adversidades.[11]
No campo da filosofia política, os teóricos contratualistas propuseram que o Estado surge a partir de um acordo ou pacto social entre indivíduos, visando superar um hipotético "estado de natureza" sem organização política.[12]
Na obra obra Leviatã, Thomas Hobbes, argumentou que o estado de natureza é um cenário de "guerra de todos contra todos", onde a vida é "solitária, pobre, desagradável, brutal e curta". Para escapar desse caos, os indivíduos renunciam a parte de sua liberdade em favor de uma autoridade soberana e absoluta. O Estado, assim, é concebido como um poder centralizado e indivisível, responsável por garantir a paz e a segurança através da concentração da força.[13] John Locke, em Dois Tratados sobre o Governo, apresentou uma visão diferente. Para ele, o estado de natureza já possui leis morais e direitos naturais inalienáveis (vida, liberdade e propriedade). O contrato social, portanto, não visa criar a ordem do zero, mas sim proteger e garantir esses direitos, cabendo ao Estado atuar como um árbitro imparcial e protetor das liberdades individuais.[14] Jean-Jacques Rousseau, em Do Contrato Social, concebeu o Estado como a expressão da "vontade geral" do povo. Diferente de Hobbes e Locke, Rousseau defendia que a soberania reside no povo, e o Estado legítimo é aquele que reflete e busca o bem comum, resultando da participação direta dos cidadãos na formulação das leis.[15]
O conceito de Estado foi continuamente reinterpretado por diversas tradições intelectuais, enriquecendo sua compreensão ao longo do tempo. Immanuel Kant, um dos pilares do Iluminismo, concebia o Estado não apenas como uma organização de poder, mas fundamentalmente como uma comunidade política regida por leis racionais e universais. Para Kant, a moralidade e o direito são indissociáveis da constituição estatal, e a finalidade última do Estado é garantir a liberdade individual sob a égide da lei. Além disso, sua visão se estendia à esfera internacional, onde o Estado se relaciona com outras nações em busca de uma ordem jurídica global que pudesse levar à paz perpétua, expressando uma continuidade histórica e identitária que transcende as particularidades locais.[16]
No início do século XX, Max Weber ofereceu uma das definições mais influentes e duradouras do Estado moderno, que se tornou um marco na sociologia política. Para ele, o Estado é a "organização que detém, com sucesso, o monopólio da violência legítima sobre um território determinado." Essa formulação é crucial porque destaca não apenas a exclusividade do uso da força, mas também a sua legitimidade, que pode vir da tradição, do carisma ou, no caso do Estado moderno, da racionalidade legal-burocrática. Weber enfatiza o caráter institucional, impessoal e burocrático do Estado, que opera por meio de regras e procedimentos formais, e cuja autoridade se manifesta pela capacidade exclusiva de impor normas e sanções por meio de instituições organizadas, como o exército, a polícia e o sistema judiciário. A legitimidade desse monopólio da força é, para Weber, o elemento central que distingue o poder estatal de outras formas de dominação.[17]
Contemporaneamente, o Estado é analisado de forma mais abrangentes, que levam em conta novas dimensões políticas, jurídicas, sociológicas e econômicas e em diferentes contextos históricos e culturais. A compreensão do Estado por autores do neoinstitucionalismo, por exemplo, contribuiu significativamente enfatizando sua autonomia e sua capacidade de agir independentemente de interesses de classe ou grupos sociais, moldando a sociedade e as políticas públicas[18]. Mas há diversas novas maneiras de abordar direta ou indiretamente o Estado, como ao considerar aspectos como a governança em rede,[19] ou a influência de atores não estatais como ONGs, corporações multinacionais e organizações transnacionais,[20] e os desafios que enfrenta com globalização e da revolução digital.[21]
Legitimidade do Estado
[editar | editar código-fonte]A legitimidade do Estado diz respeito às justificativas normativas e políticas que fundamentam sua autoridade perante a sociedade. Diferentes concepções históricas buscaram explicar por que os indivíduos obedecem às leis e instituições estatais.[22]
Durante o Antigo Regime, a doutrina do direito divino dos reis sustentava que o poder dos monarcas derivava diretamente da vontade de Deus, sendo, portanto, inquestionável por parte de seus súditos. O Estado era legitimado não por consentimento popular, mas por uma ordem transcendental que associava autoridade política à ordem religiosa.
Com a emergência do Iluminismo e a crise das monarquias absolutas, ganharam força as teorias do contrato social. Para autores como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, o Estado nasce de um acordo entre indivíduos livres que renunciam, em parte, à sua liberdade natural em troca de proteção e ordem.[23]
A sociologia moderna, especialmente na obra de Max Weber, propôs uma tipologia das formas de legitimação da dominação política. Segundo Weber, há três tipos ideais de autoridade: a tradicional, baseada nos costumes e na hereditariedade; a carismática, fundada na devoção a líderes excepcionais; e a legal-racional, sustentada em normas impessoais e na crença na legalidade das regras estabelecidas. A autoridade legal-racional é a forma predominante nos Estados modernos.[24][25][26]
O Estado no Sistema Internacional
[editar | editar código-fonte]A questão de quando uma entidade se torna um Estado plenamente reconhecido gerou duas principais correntes teóricas no direito internacional: as teorias constitutivas e as declaratórias.
Surgidas no século XIX, as teorias constitutivas defendem que a existência plena de um Estado depende crucialmente do seu reconhecimento por parte de outros Estados soberanos no sistema internacional. Essa perspectiva sublinha que o status de Estado é conferido pela comunidade internacional, implicando que a soberania não é apenas um fato interno, mas também uma condição validada externamente.[27]
Em contraste, a teoria declaratória sustenta que o reconhecimento é meramente o reconhecimento de uma situação de fato já existente. Segundo esta visão, se uma entidade possui os elementos constitutivos de um Estado – território definido, população permanente, governo e capacidade de entrar em relações com outros Estados, conforme estabelecido na Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados (1933) – ela é um Estado independentemente do reconhecimento por outros países.[27]
O reconhecimento estatal é, portanto, uma prática política e diplomática complexa, que transcende a mera formalidade jurídica. Fatores como interesses geopolíticos, relações econômicas, considerações estratégicas e pressões internacionais influenciam as decisões de reconhecimento, criando situações em que a mesma entidade pode ser reconhecida por alguns países e ignorada por outros.
Embora a definição jurídica de Estado estabeleça critérios objetivos, na prática internacional há distinções relevantes entre Estados reconhecidos formalmente (de jure) e aqueles que existem na realidade, mas carecem de amplo reconhecimento (de facto).[28]
Um Estado de jure é aquele reconhecido como soberano pela comunidade internacional e que mantém relações diplomáticas com outros Estados. No entanto, nem todos os Estados de jure exercem controle efetivo sobre seu território. Um exemplo clássico são os governos no exílio que, durante a Segunda Guerra Mundial, continuaram a ser reconhecidos como legítimos apesar de seus países estarem sob ocupação estrangeira. Países como França, Polônia, Noruega e Holanda mantiveram governos no exílio em Londres, continuando a gozar de relações diplomáticas com os Aliados e participando de decisões internacionais importantes.[27]
Por outro lado, um Estado de facto possui controle administrativo e coercitivo sobre um território e população, mas não é amplamente reconhecido como tal por outros países. A Somalilândia é um exemplo paradigmático: atua de forma independente da Somália desde 1991, com instituições próprias, moeda nacional, forças de segurança organizadas, eleições regulares e controle efetivo sobre seu território, mas permanece excluída da maior parte das organizações internacionais e não é reconhecida pela Organização das Nações Unidas.[29][30]
A República da China (Taiwan) representa outro caso emblemático: apesar de possuir governo próprio democraticamente eleito, eleições regulares, território delimitado, população permanente e plena funcionalidade institucional, não é reconhecida como Estado-membro da Organização das Nações Unidas desde 1971, em razão da política de "uma só China" adotada pela República Popular da China. Taiwan mantém relações diplomáticas formais com apenas alguns países, embora mantenha relações comerciais e culturais extensas com a maioria das nações.
Contexto contemporâneo
[editar | editar código-fonte]Em 1815, o Congresso de Viena formalizou o reconhecimento de apenas 39 Estados soberanos no sistema diplomático europeu, estabelecendo um precedente para o reconhecimento futuro de novas entidades estatais. Atualmente, mais de 190 Estados compõem a comunidade internacional, com a grande maioria representada na Organização das Nações Unidas.[27]
Desde o século XIX, a totalidade do território habitável do planeta passou a ser formalmente reivindicada por Estados, processo que consolidou a ideia de um sistema internacional composto por unidades político-territoriais soberanas. A ordem internacional contemporânea é estruturada com base na igualdade formal entre os Estados e na sua capacidade de estabelecer relações diplomáticas e jurídicas entre si, ainda que persista uma acentuada diferença de poder político e econômico entre eles. A organização desse sistema foi gradualmente institucionalizada por meio de normas, tratados e organizações intergovernamentais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que reconhece como membros apenas entidades dotadas dos atributos clássicos de um Estado.[27]
No entanto, o papel tradicional do Estado tem sido reconfigurado por dinâmicas contemporâneas. Em algumas regiões do mundo, especialmente na Europa Ocidental, os Estados cederam voluntariamente parcelas de sua soberania para instituições supranacionais, como a União Europeia ou o Mercosul na América do Sul. Esse processo, conhecido como integração regional, visa harmonizar políticas econômicas, jurídicas e administrativas entre os países-membros, criando estruturas decisórias comuns que vão além da cooperação intergovernamental tradicional.[27]
A experiência europeia demonstra como Estados podem manter sua identidade fundamental enquanto compartilham competências específicas com instituições supranacionais. Na União Europeia, por exemplo, a política monetária é decidida pelo Banco Central Europeu, a política comercial externa é coordenada pela Comissão Europeia, e o Tribunal de Justiça da União Europeia pode anular decisões de tribunais nacionais em certas matérias.
No final do século XX e início do XXI, o aumento da mobilidade de pessoas e capital, e o fortalecimento de muitas instituições internacionais combinaram-se para circunscrever a liberdade de ação dos Estados. As circunscrições se baseiam em acordos comerciais internacionais, regimes de direitos humanos, protocolos ambientais e sistemas financeiros globais que limitam as opções de política nacional.[27]
Ainda que essas tendências indiquem uma limitação da autonomia estatal em certos domínios, o Estado continua a ser a principal forma de organização política no sistema internacional.[31] Ele permanece responsável pela criação do direito interno, pela manutenção da segurança pública, pela definição de políticas públicas e pela representação oficial de sua população. Como destacou o economista Martin Wolf,[32] mesmo diante dos impactos da globalização, os Estados ainda mantêm três funções centrais:
- Garantir um marco legal comum, para os que nele vivem e fazem negócios;
- Assegurar uma identidade coletiva única (especialmente quando suas fronteiras coincidem com as da nação);
- Exercer o monopólio da força legítima (reprimindo o crime na esfera interna e garantindo a segurança na esfera externa).
Ver também
[editar | editar código-fonte]Bibliografia
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Ligações externas
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