Travesti

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Disambig grey.svg Nota: Este artigo é sobre a identidade de género. Para a pessoa que veste roupas de expressão de género oposto ao seu, veja Transformista.
Um grupo de travestis retratadas em Salta, Argentina, em 1988.

Travesti é uma identidade de gênero, feminina ou não binária, exclusivamente latino-americana, na Espanha, por exemplo, o termo foi usado de uma forma similar durante o período da Espanha Franquista. Contudo esse termo entrou em desuso com o advento do modelo medico da transexualidade, entre o final da década de 1980 e início da década de 1990, de modo a diminuir os esteriótipos negativos. As travestis rejeitam a masculinidade que lhes foi designada no nascimento, podendo elas ser tanto intersexo quanto endossexo. Ao se autoidentificarem como travestis, comumente transicionam, buscando adaptar sua expressão de género para uma que as conforte e reflita a sua identidade.[1][2][3] Algumas travestis se expressam de forma não binária, ainda assim, por serem travestis, seu tratamento é necessariamente no feminino.[4]

A transição de gênero pode se dar através da adaptação das suas vestimentas, gestos, fala e outras formas de expressão, assim como podem ser realizadas uma ou mais cirurgias de reafirmação de gênero.[1][5][6] A travestilidade não tem como exigência uma expressão interpretada como feminina: a identidade da travesti é determinada a partir do momento em que ela se identifica. Por este motivo, destacada a diferença entre identidade e expressão de gênero, nenhum procedimento de transição (ou a sua falta) define a travestilidade.[4]

A travestilidade não faz parte da modalidade de gênero transgênero (que inclui a mulheridade trans). A travestilidade parte de um paradigma que desconsidera a binariedade colonial de gênero.[7] Sendo, assim, um gênero próprio.[4] Diverge da cisgeneridade e da trangeneridade binária por não se enquadrar na dicotomia colonial homem/mulher; e se diferencia da trangeneridade não binária pela sua história característica de resistência contra diversos tipos de opressão de gênero e de sexualidade.[8] A travestilidade é uma identidade histórica de luta política.

Termos relacionados[editar | editar código-fonte]

Mulher trans[editar | editar código-fonte]

Mulher transgênero na parada LGBT de Roma
Ver artigo principal: Mulher trans

Uma mulher trans[9] é uma pessoa que foi atribuída ao sexo ou género masculino ao nascer que possui uma identidade de gênero feminina.[10] Mulheres trans podem sentir disforia de gênero e fazer a transição de gênero; este processo comumente inclui terapia de substituição hormonal e às vezes cirurgia de redesignação sexual, que pode trazer grande alívio e até resolver a disforia de gênero por completo. Mulheres trans podem ser heterossexuais, bissexuais, homossexuais, assexuais ou identificar-se com outros termos (como queer).[11]

Transfeminina[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Transfeminilidade

Transfeminina ou transfeminino é um termo guarda-chuva, usado no transfeminismo, para unir mulheres trans binárias e pessoas não-binárias de identidade feminina cujo sexo masculino foi atribuído ao nascer, sem necessariamente serem mulheres. Travesti pode ser considerada uma identidade transfeminina, pois passa por uma transição de gênero para ter um gênero feminino, sem necessariamente ser mulher, mas também não sendo essencialmente não-binária.[12]

Transgênero[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Transgeneridade

Transgênero são pessoas cuja identidade de gênero difere do típico do seu sexo, atribuído ao nascer. Transgênero também é um termo abrangente: além de incluir pessoas (homens trans e mulheres trans) cuja identidade de gênero difere do sexo atribuído, podendo incluir pessoas não-binárias quanto ao gênero. Outras definições de transgênero também incluem pessoas que pertencem a um terceiro gênero. A identidade trans tem sido considerada como uma modalidade de gênero.

Transexual[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Transexualidade

Transexualidade refere-se à condição do indivíduo cuja a identidade de gênero diverge do gênero ligado ao sexo físico biológico lhe atribuído ao nascimento. Uma pessoa transexual pode realizar processos que melhorem o bem-estar pessoal da pessoa enquanto transexual, através da forma como se apresenta e de intervenções no corpo com o intuito de alterar as características sexuais secundárias e fenótipos das características sexuais primárias.

Transmedicalismo[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Transmedicalismo

Transmedicalismo (frequentemente abreviado para transmed) ou transfundamentalismo[13] é amplamente definido como a crença de que ser transgênero depende de vivenciar disforia de gênero ou de ser submetido a tratamento médico para transição de gênero.[14][15][16] Os transmedicalistas, ou transfundamentalistas, às vezes chamados de "truscum",[17] acreditam que indivíduos que se identificam como transgêneros, mas que não experienciam disforia de gênero ou passam por uma transição médica - por métodos como cirurgia de redesignação sexual ou terapia de reposição hormonal - não são genuinamente transgêneros, que por alguns são chamados, em forma pejorativa, de transtrenders (trans modinha, em tradução livre).[18][19][20][21][22]

Estudos sobre a travestilidade[editar | editar código-fonte]

Os estudos mais antigos indicam a frequência da travestilidade e transgeneridade de 1 em 37.000 em pessoas designadas homens ao nascer e 1 em 107.000 em pessoas designadas mulheres ao nascer. Em estudo mais recente, realizado nos Países Baixos, os dados apontam para a frequência de uma travesti a cada 11.900 homens e um transmasculino a cada 30.400 mulheres.[23][24] Há predominância no sexo masculino. Em outro estudo, realizado na Escócia, em 1999, foi verificada uma prevalência de 8,18 em 100.000, com uma relação de transfeminina/transmasculino igual a 4/1.[25] Em crianças, num levantamento em uma clínica psiquiátrica canadense, de 1978 a 1995, encontraram-se 275 pessoas transgênero, com uma relação transfemininas/transmasculinos igual a 6,1/1.

Políticas públicas do Brasil[editar | editar código-fonte]

Em 29 de janeiro de 2004 foi lançada a primeira campanha brasileira contra a transfobia. O lançamento foi feito no Congresso Nacional e contou com a participação de ativistas trangêneros. A campanha foi uma iniciativa do Departamento DST/Aids e Hepatites Virais (DIHV) do Ministério da Saúde, e recebeu o nome “Travesti e Respeito”, tendo sido idealizada e pensada por ativistas trangêneros para promoção do respeito e da cidadania.[26] A campanha teve como principal objetivo reforçar as "atitudes de respeito e de inclusão social deste segmento da população, que se torna muito vulnerável ao vírus da aids pelo preconceito e violência".[27] Assim, 29 de janeiro tornou-se o Dia da Visibilidade Trans: "A data tem o objetivo de ressaltar a importância da diversidade e respeito para o Movimento Trans, representado por travestis, transexuais, transgêneros e outros grupos que subvertem a heteronormatividade e o cissexismo das relações humanas".[28] Defensores dos direitos LGBT no Brasil estão sensíveis às dificuldades enfrentadas pelas travestis tanto na construção de uma cidadania que as aceite como no estudo e aconselhamento sobre os tratamentos hormonais e estéticos que elas almejam. Em audiência com o Ministro da Saúde José Gomes Temporão, realizada em 29 de janeiro de 2008, Dia da Visibilidade Trans, foi entregue uma carta de reivindicações: entre elas estão a humanização do atendimento às travestis nos serviços de saúde públicos e a ampliação de pesquisas sobre uso de hormônios femininos nas travestis e as consequências para a saúde delas.[29]

Várias políticas vem sendo adotadas pelo governo brasileiro, sejam elas na esfera federal, estadual ou municipal a fim de se criar uma cidadania para travestis, transexuais e transgêneros em geral:

Educação[editar | editar código-fonte]

Considerando a dificuldade de vários transgêneros em concluir os estudos, o MEC passou a recomendar políticas específicas como o uso do nome social no ensino. Em julho de 2010, 12 estados brasileiros já possuíam diretrizes estaduais do uso do nome social no ensino público: Tocantins, Goiás, Santa Catarina, Paraná, Piauí, Paraíba, Pará, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas e Rio Grande do Sul.[30]

Saúde[editar | editar código-fonte]

De forma semelhante o CREMESP aprovou a Resolução nº 208/2009, que garante o direito das pacientes trangêneros e travestis serem atendidas pelo nome social, independente do nome e sexo do registro civil.[31] Em 2010 o Ministério da Saúde e a Secretaria de Direitos Humanos também esclareceu que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve adotar o nome social de travestis (como preferem ser chamados) nos prontuários médicos.[32]

Algumas políticas de saúde pública voltadas a travestis, transexuais e transgêneros em geral vem sendo implementadas: em 9 de junho de 2009, o primeiro ambulatório de saúde do Brasil dedicado exclusivamente a travestis e trangêneros foi inaugurado pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo.[33] Em um ano de funcionamento mais de 4 mil atendimentos foram realizados pelo ambulatório.[34] Em dezembro de 2011, o Ministério da Saúde lançou a portaria nº 2.836 instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT).[35]

Direitos[editar | editar código-fonte]

As servidoras públicas federais, travestis e trangêneros, têm assegurado o direito de usar os seus nomes sociais no cadastro de dados e informações, nas comunicações internas, nas correspondências por e-mail, crachá, lista de ramais e nome de usuário em sistemas de informática.[36]

Identificação legal[editar | editar código-fonte]

O uso do nome social de pessoas trans e travestis, ou seja, aquele pelo qual essas pessoas se identificam e são identificadas pela sociedade[36] é uma antiga reivindicação que vem ganhando uma boa aceitação dentro das políticas públicas afetas aos direitos LGBT.

Em São Paulo o uso do nome social no Bilhete Único está assegurado através do decreto 51.181/2010.[37] Desde junho de 2018, é possível que travestis e pessoas trans, em todo o Brasil, alterem o seu nome civil e gênero se apresentando ao cartório (mediante uma taxa e comprovantes legais) sem a necessidade de ação judicial.[38] A retificação permite à pessoa trans/travesti a alteração do prenome e de agnome. Após a emissão da certidão de nascimento retificada, os demais documentos poderão ser alterados.

Emprego[editar | editar código-fonte]

A prostituição acaba ainda se tornando a única oportunidade de trabalho para a esmagadora maioria das travestis e mulheres trans, devido a grande evasão escolar.[39] Alguma forma, pode ser explicada através do processo de hormonização e/ou aplicação de silicone no corpo para torná-lo mais facilmente associado ao feminino, que muitas vezes inicia-se ainda na adolescência, sendo difícil suportar, portanto, as chacotas ou violências que este processo gera no ambiente escolar, ocasionando uma evasão precoce nos estudos e formação educacional.[40]

Existem poucas ações governamentais a fim de facilitar o ingresso no mercado formal do trabalho para travestis, transexuais e transgêneros em geral: o projeto mais conhecido é o "Projeto Damas" do Rio de Janeiro, coordenado pela ASTRA-Rio onde várias travestis e transexuais receberam cursos profissionalizantes;[41] outro projeto conhecido é o "Escola Jovem LGBT", coordenado pelo Grupo E-JOVEM, de Campinas, que também oferece cursos profissionalizantes.[42]

Ver também[editar | editar código-fonte]

  1. a b Manual de comunicação LGBT Arquivado em 22 de outubro de 2016, no Wayback Machine.. ABGLT.
  2. ROSA, Mariléia Catarina. KAHHALE, Edna M. P. Travestilidade: A constituição da subjetividade na pele em que se habita. Salvador, BA. 2012
  3. «Travestibilidade em cena - Verso». Diário do Nordeste. Consultado em 10 de fevereiro de 2020 
  4. a b c «Transcendemos Explica: principais perguntas sobre as pessoas trans». Transcendemos Consultoria. Consultado em 11 de agosto de 2022 
  5. CASSEMIRO, Luiza Carla. Travestilidade, Transexualidade: revisão da literatura recente das Ciências Sociais. PUC-Rio, 2010
  6. «Fátima errou e se desculpou: entenda diferença entre travesti e transexual». www.uol.com.br. Consultado em 11 de agosto de 2022 
  7. midiaqueer. «História bem antiga.». Midia Queer. Consultado em 11 de agosto de 2022 
  8. «SintetUFU – Operação Tarântula, Ditadura Militar e Ausência de Travestis nas Instituições». www.sintetufu.org. Consultado em 11 de agosto de 2022 
  9. «ONU Livres & Iguais DEFINITIONS». Consultado em 24 de março de 2019 
  10. Instituto Humanitas Unisinos (ed.), Transexualidade. «Nós fazemos gênero no dia a dia». Entrevista especial com Berenice Bento, consultado em 11 de maio de 2014 
  11. «Mitos LGBTIA+: pessoas trans». SBMFC. Consultado em 12 de agosto de 2022 
  12. «Sobre transfeminilidade». Transfeminismo. 26 de abril de 2017. Consultado em 19 de dezembro de 2020 
  13. Conrad, Felix (22 de agosto de 2016). How to Jedi Mindtrick Your Gender Dysphoria (em inglês). [S.l.]: Lulu Press, Inc 
  14. Vincent, Ben (2018). Transgender Health: A Practitioner's Guide to Binary and Non-Binary Trans Patient Care. Jessica Kingsley Publishers. [S.l.: s.n.] ISBN 978-1785922015 
  15. Earl, Jessie. «What Does the ContraPoints Controversy Say About the Way We Criticize?». Pride.com 
  16. Fontaine, Andie. «The New Frontier: Trans Rights In Iceland». The Reykjavík Grapevine 
  17. Williams, Rachel Anne (2019). Transgressive: A Trans Woman On Gender, Feminism, and Politics. Jessica Kingsley Publishers. [S.l.: s.n.] ISBN 978-1785926471 
  18. Fisher, Jessica (7 de maio de 2019). «Transgender Digital Embodiments: Questions of the Transgender Body in the 21st Century». Master of Arts in American Studies Capstones 
  19. «Checking Our Privilege, Working Together: Notes on Virtual Trans* Communities, Truscum Blogs, and the Politics of Transgender Health Care – The Feminist Wire» (em inglês) 
  20. «Transtrending: What It Means and How It Harms | Be You Network» 
  21. «Transitioning Isn't "Trendy"» (em inglês). 27 de junho de 2013 
  22. Konnelly, Lex (4 de junho de 2021). «Both, and: Transmedicalism and resistance in non-binary narratives of gender-affirming care». Toronto Working Papers in Linguistics (em inglês) (1). ISSN 1718-3510. doi:10.33137/twpl.v43i1.35968. Consultado em 26 de agosto de 2021 
  23. Meyer III W, Bockting WO, Cohen-Kettenis P, Coleman E, DiCeglie D, Devor H; et al. (2001). «Standards of Care for Gender Identity Disorders, Sixth Version» (PDF). International Journal of Transgenderism. The Harry Benjamin International Gender Dysphoria Association's. 2 (2). Consultado em 29 de setembro de 2007. Arquivado do original (PDF) em 29 de novembro de 2012 
  24. Amanda V. Luna de Athayde (2001). «Transexualismo Masculino». International Journal of Transgenderism. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia. 45 (4). Consultado em 29 de setembro de 2007 
  25. Wilson P, Sharp C, Carr S. (1999). «The prevalence of gender dysphoria in Scotland: a primary care study». Royal College of General Practitioners. British Journal of General Practice. 49: 991-2. Consultado em 17 de setembro de 2007 
  26. Blogueiras Feministas (2012). «Chamada Blogagem Coletiva: Dia da Visibilidade Trans». Consultado em 10 de setembro de 2013 
  27. Ministério da Saúde (2004). «Travestis ganham campanha contra aids e preconceito». Consultado em 10 de setembro de 2013 
  28. JESUS, Jaqueline Gomes de (2013). «Manifesto Transgênero». Consultado em 10 de setembro de 2013 
  29. «Ministro da Saúde recebe ativistas no Dia da Visibilidade Travesti». 29 de janeiro de 2008. Consultado em 31 de janeiro de 2008 
  30. «RS: trans poderão usar nome social nas escolas». MixBrasil + UOL. 7 de julho de 2010. Consultado em 11 de julho de 2010 
  31. «Resolução permite que transexuais e travestis sejam atendidas pelo nome social». A Capa. 11 de novembro de 2009. Consultado em 11 de julho de 2010 
  32. «Campanha orienta travestis sobre uso de nome social no SUS». iparaiba. 28 de abril de 2010. Consultado em 11 de julho de 2010 
  33. «SP ganha primeiro ambulatório para travestis e transexuais do país». Secretaria da Saúde. 9 de junho de 2009. Consultado em 6 de agosto de 2010 
  34. Ricardo Barbosa Martins. «Ambulatório garante cidadania e direitos humanos». Agência de Notícias da AIDS. Consultado em 6 de agosto de 2010 
  35. Ministério da Saúde (2011). «PORTARIA Nº 2.836, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2011». Consultado em 10 de setembro de 2013 
  36. a b «PORTARIA Nº 233, DE 18 DE MAIO DE 2010». Imprensa Nacional. 19 de maio de 2010. Consultado em 14 de setembro de 2010 
  37. «Após humilhação, transexual consegue nome social em Bilhete Único». A Capa. 10 de fevereiro de 2010. Consultado em 14 de julho de 2010 
  38. Conselho Nacional de Justiça nº 119/2018, Provimento Nº 73 de 28/06/2018, p. 8 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2623
  39. «Preconceito afasta travestis e transexuais do ambiente escolar e do mercado de trabalho». EBC. 13 de novembro de 2015. Consultado em 7 de março de 2017 
  40. «Guia de Prevenção das DST/Aids e Cidadania para Homossexuais» (PDF). 1 de setembro de 2002. Consultado em 1 de janeiro de 2008 
  41. «Em defesa dos direitos de travestis e transexuais». Agencia Fiocruz de Notícias. Consultado em 14 de setembro de 2010 
  42. «São Paulo terá Escola Jovem LGBT a partir de 2010». MixBrasil. 18 de dezembro de 2009. Consultado em 14 de julho de 2010 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]