Passe espírita
Passe é o nome que se dá no Espiritismo à imposição de mãos. Segundo os adeptos desta doutrina, visa promover a doação de bioenergias de um indivíduo ao outro. O passe é uma prática amplamente difundida entre os espíritas.
Mario B. Tamassia assim o define: “transfusão de energias da natureza física, biológica, psíquica e espiritual, de uma pessoa para a outra, fazendo-se isto, geralmente, estendendo as mãos. Dá-se o nome de passista a quem dá o passe”. (grifo original)[1]
Para os espíritas a "cura" não se dá pelo passe, pura e simplesmente, podendo ser um processo que dure mais que uma encarnação pelo reajuste espiritual do indivíduo, sendo este um simples mecanismo de auxílio.[2]
A prática também foi incorporada pela Umbanda, vertente sincrética fundada em 1908 no Brasil, que absorveu elementos do catolicismo, das religiões africanas, do espiritismo e do xamanismo.[3]
Histórico
[editar | editar código-fonte]Para alguns não-espíritas, o passe espírita seria um derivado das ideias de magnetismo animal de Franz Anton Mesmer,[4] e esses mesmos o considerariam charlatão[5][6][7][8][9][10] – muito embora outros estudos questionem a validade das conclusões então encontradas quando dos estudos de Lavoisier e Benjamin Franklin contra Mesmer.[11][12][13]
Gabriel Delanne expôs um histórico do fenômeno da cura pelo magnetismo, lembrando que desde a remota antiguidade os sacerdotes tinham conhecimento profundo das propriedades das práticas magnéticas, citando os magos da Caldeia, os brâmanes da Índia e em seu tempo, os faquires; assim também egípcios "empregavam, no alívio dos sofrimentos, os passes a aposição de mãos, como os executamos ainda em nossos dias", citados nos escritos de Arnóbio, Celso e Jâmblico; Celso narra que Asclepíades de Pruse, entre os romanos, fazia adormecer as pessoas acometidas de frenesi; de todos os antigos, o mais famoso nesta prática foi Simão, o Mago; de igual forma era prática comum na Gália entre os druidas e estes eram tão aptos e famosos na prática que vinham pessoas de todo o mundo consultá-los; na Idade Média os sábios praticavam-na, e Avicena, no século X escrevera que a alma pode atuar não apenas sobre o próprio corpo, como sobre outros, a distância; em 1682 Valentine Greatrakes curava com as mãos, na Inglaterra.[14]
No século XIX Allan Kardec reporta a prática do passe como parte da mediunidade curadora em diversas de suas obras; em A Gênese ele diz: "É muito comum a faculdade de curar pela influência fluídica e pode desenvolver-se por meio do exercício; mas, a de curar instantaneamente, pela imposição das mãos, essa é mais rara e o seu grau máximo se deve considerar excepcional."Capítulo 14, item 34 in:[15]
Na terminologia da época, Kardec menciona que há doação de "fluido": "O médium curador transmite o fluido salutar dos bons Espíritos" e, ao contrário dos médicos que estudaram e dos magnetizadores que muitas vezes davam da própria saúde, estes não poderiam cobrar pelo que faziam.[16]
Ensinou, ainda, o codificador da Doutrina que se trata de um tipo especial de mediunidade mas que "essa faculdade não é essencialmente mediúnica: possuem-na todos os verdadeiros crentes, sejam médiuns ou não. As mais das vezes, é apenas uma exaltação do poder magnético, fortalecido, se necessário, pelo concurso de bons espíritos."[17]
Léon Denis, contemporâneo de Kardec, assinalava que "...o magnetismo vem a ser a medicina dos humildes e dos crentes", enquanto Angel Aguarod pregava que "reservemos para os magnetizadores a medicina do espírito" e Albert de Rochas já utilizava o termo "passes" e falava em "imposição de mãos".[18]
Segundo Carlos Torres Pastorino (1973) o passe seria uma transfusão de elétrons de um indivíduo ao outro: “Os passes, portanto, são um “derramamento” de elétrons, através das pontas dos dedos, para restabelecer o equilíbrio daquele que recebe o passe, e que deles está carecente.”[19]
No Brasil
[editar | editar código-fonte]As práticas espíritas de cura receberam, no Brasil, diversas abordagens pelo meio científico, ao longo da história.[20]
Num primeiro momento, autores como Henrique Roxo e Xavier de Oliveira, psiquiatras, chegaram a relacionar o espiritismo como o terceiro maior agente causador de distúrbios mentais, só perdendo para a sífilis e o alcoolismo; estudos seguintes trataram de colocar a Doutrina Espírita entre as práticas sobrenaturais, de magia; também haveria ligação entre o espiritismo e a criminalidade, dizendo que suas práticas compunham uma "indústria organizada para explorar a credulidade pública".[20]
Num segundo momento, contudo, a ciência tratou de olhar as práticas como algo "cultural", dentro da ótica sociológica e antropológica.[20]
Conceituações
[editar | editar código-fonte]Segundo o Dicionário Aurélio passes (no plural), é: Ato de passar as mãos repetidamente ante os olhos de uma pessoa para magnetizá-la, ou sobre parte doente de uma pessoa para curá-la.[21][22] Passista é, assim, um termo que para os espíritas designa "médium que aplica passes".[22]
Jacob Luiz Melo traz outras definições sobre a cura ou tratamento espiritual pela imposição de mãos, dividindo-as entre os conceitos espíritas e aquelas feitas por outras correntes religiosas.[4] De um pastor colige a seguinte passagem: "(…)começo a cura repousando minhas mãos suavemente sobre a cabeça das pessoas(…)"[23] e, de um frei católico, esta: "(passes...)...são gestos rápidos e enérgicos que são feitos pela pessoa-que-cura ao lado e ao longo do corpo da pessoa-que-está-sendo-curada"[24]
Tipificação
[editar | editar código-fonte]Mario Tamassia vê três tipos básicos de passe, segundo a sua finalidade: passe de limpeza ou dispersivo; passe fluídico ou de transfusão; e passe de desenvolvimento mediúnico.[25]
Seria, segundo este autor, dispersivo o passe que tem por finalidade eliminar os fluidos negativos, promovendo uma "limpeza" espiritual em quem o recebe; é aplicado em movimentos rápidos e vigorosos das mãos, tanto no sentido longitudinal (de cima para baixo), quanto no transversal.[25]
O passe fluídico é, ao contrário do anterior que visa à retirada de fluidos, uma transfusão destes; sua realização se dá com movimentos mais lentos, podendo ser: de radiação geral, quando o passista faz projeções à altura da fronte, do coração e do umbigo; rotatórios, fazendo movimentos estimulantes diante do ponto a ser tratado; vibratório local, com movimentos rápidos no lugar.[25]
Passe de corrente ou espiritual é o passe magnético aplicado de forma coletiva; passe de energização é aquele em que há transmissão de energias revitalizantes, de origem anímica ou espiritual; passe dispersivo é aquele que promove a limpeza magnética, a assepsia vibratória.[22]
Doença e cura na abordagem espírita
[editar | editar código-fonte]Dois pontos devem ser considerados, na abordagem do espiritismo sobre a doença e a cura: as ideias sobre a evolução espiritual e as energias.[26]
Assim sendo, no mundo a busca pelo continuado aperfeiçoamento espíritos em graus diversos de desenvolvimento convivem, fazendo com que entre encarnados e desencarnados fluam energias, tanto positivas quanto negativas, sendo a doença uma forma de indicar fraqueza moral ainda a ser corrigida.[26]
A doença pode, além das causas da vida do indivíduo, ainda decorrer de situações em vidas passadas, segundo a doutrina do carma, da qual teria se apropriado Allan Kardec; em certos casos a doença deriva da ação direta de espíritos menos desenvolvidos, que encontram pontos de acesso nas pessoas mais vulneráveis, configurando assim a obsessão.[26]
O passe e o centro espírita
[editar | editar código-fonte]O passe faz parte do contexto das medidas assistenciais do centro espírita, muitos deles organizados de forma burocrática – onde os espaços são definidos para cada atividade e os tratamentos ocorrem sob metódico controle; estes consistem numa assistência pedagógica, que implicam em esclarecimentos tanto ao doente quando aos espíritos, de forma que condutas e pensamentos tidos como inferiores não permitam voltem a entrar em sintonia.[3]
O passe, então, consiste na transfusão de energias que permitiriam o fortalecimento de energias, enquanto se processa o progresso moral.[3]
No centro o ambiente é preparado para a realização dos passes; a música ao fundo é suave, a fala dos médiuns é pausada e lenta e dirigida a que os presentes fiquem em silêncio e relaxados e a iluminação azul completam o quadro; os recebedores ficam concentrados, de olhos fechados, enquanto os passistas realizam a movimentação das mãos sobre suas cabeças e ao redor do corpo de cada um.[3]
Outras religiões
[editar | editar código-fonte]Umbanda
[editar | editar código-fonte]O passe também é um ritual presente na Umbanda.[27] Nela, o consulente se dirige ao espírito guia para fazer uma consulta. Recebe dele uma bênção e pode fazer perguntas e pedidos.[27] É feito um ritual de descarrego em que o "guia" purifica o consulente. Sobre o passe é utilizada a expressão "dar um passe" ou "tomar um passe".[28]
Cada linha da Umbanda aplica o passe de modos distintos. Os pretos-velhos, por exemplo, fazem gestos estalando os dedos e fazendo o sinal da cruz sobre várias partes do corpo do consulente, como a cabeça, a nuca, as costas e as mãos. Também usam objetos como velas, crucifixos, ervas e fumo.
Igreja Messiânica
[editar | editar código-fonte]O passe espírita é considerado análogo a técnicas de outras religiões, tais como o Johrei.[29][30]
Crítica e análise acadêmica
[editar | editar código-fonte]Cristina Alencar, da Universidade Católica de Goiás, ressalta que a medicina precisa encontrar um ponto de ligação com a religião e, de forma holística, apreciar a saúde nas esferas do corpo, mente, espírito e ambiente.[3] A autora analisa a questão do acesso à saúde no Brasil, onde boa parte da população não tem acesso à medicina ou aos bons hospitais, recorrendo assim aos "meios alternativos" de cura.[3] Ela ressalta, contudo, a visão de diversos autores onde a saúde não é apenas a cura de um mal físico, mas o equilíbrio em vários níveis e que há diversos casos em que médicos atuam junto a "curadores".[3] Esta autora realça que o Espiritismo não se preocupa com a cura do corpo, e sim do espírito, procurando compreender os motivos que levaram à doença – sendo apenas uma das práticas neste sentido, ao lado da prece, da desobsessão, tratamentos à distância, receituário mediúnico, água fluidificada, etc..[3] Neste sentido, estudos demonstram que a religião relçam o papel da ritualística na mudança da experiência de aflição.[26]
George Minois é um dos acadêmicos que diz que seus princípios estariam baseados no magnetismo animal de Franz Anton Mesmer, que ele também considera charlatão.[5]
O médium Luiz Gasparetto critica o conservadorismo do espiritismo no Brasil que, segundo ele, quando o assunto é sexo dizem apenas "vai tomar passe, vai tomar passe", ocorrendo a mesma omissão quando o assunto é dinheiro – reflexo, para ele, da origem católica de seus adeptos; Gasparetto reputa ao centro de sua mãe – Zíbia a introdução da cromoterapia no passe espírita, através de "passes com luzes".[31] Gasparetto preconiza uma doutrina da prosperidade, onde médiuns possam cobrar por seu trabalho – um "espiritismo Nova Era", segundo ele.[31]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Animismo (espiritismo)
- Ceticismo científico
- Doença espiritual
- Emily Rosa
- Fluido cósmico universal
- Fluido magnético
- Magnetismo animal
- Magnetismo animal no Brasil
- Magnetizador
- Obsessão (espiritismo)
- Passe magnético
- Passe (umbanda)
- Perispírito
- Sonambulismo magnético
- Sukyo Mahikari
- Tenepes
- Toque terapêutico
Referências
- ↑ Glossário, in: Mario B. Tamassia (1984). Você e a Mediunidade 2ª ed. [S.l.]: Matão: O Clarim. 191 páginas
- ↑ Marta Antunes de Moura (25 de fevereiro de 2013). «O Que é Passe Espírita?». Federação Espírita Brasileira. Consultado em 22 de maio de 2015
- ↑ a b c d e f g h Cristina Galdino de Alencar (2011). «O Passe no Espiritismo: cura ou salvação» (PDF). Universidade Católica de Goiás. Consultado em 14 de novembro de 2015. Arquivado do original (PDF) em 17 de novembro de 2015
- ↑ a b Jacob Melo (1993). O Passe, seu estudo, suas técnicas, sua prática 4ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 447 páginas
- ↑ a b Minois, George (2014). História do Ateísmo: Os Descrentes no Mundo Ocidental, das Origens Aos Nossos Dias. São Paulo: UNESP. p. 465, 602. 762 páginas. ISBN 978-85-393-0524-7
- ↑ Podmore, Frank (1902). Modern Spiritualism: A History and A Criticism (em inglês). Londres: Methuen. 380 páginas. Consultado em 12 de abril de 2015
- ↑ «Benjamin Franklin . Inquiring Mind . Mesmer | PBS». Public Broadcasting Service. 2002. Consultado em 10 de agosto de 2014.
O relatório que a comissão publicou concluiu que não havia evidência científica do magnetismo animal e que as curas atribuídas a isto poderiam ter acontecido por remissão normal do problema ou esta cura era algum tipo de auto ilusão)
- ↑ Montesinos, José; Ordónez, Javier; Toledo (eds.), Sergio (2012). «Javier Ordónẽz. El Romanticismo Como Programa Científico. La Protoastrofísica». Ciencia y Romanticismo (em espanhol). Maspalomas: Fundación Canaria Orotava de Historia de la Ciencia. p. 81-105. 372 páginas. ISBN 84-607-8175-5
- ↑ Herr, H.W. (2005). «Franklin, Lavoisier, and Mesmer: origin of the controlled clinical trial». Elsevier. Urologic Oncology (em inglês). 23 (5): 346-351. PMID 16144669. doi:10.1016/j.urolonc.2005.02.003. Consultado em 15 de abril de 2015
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Precursor da hipnose, psicoterapia e do tratamento de doenças psicossomáticas foi taxado de charlatão, por causa do uso do magnetismo para curar.
- ↑ Kihlstrom, John F. (1 de outubro de 2002). «Mesmer, the Franklin Commission, and hypnosis: a counterfactual essay». The International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis. 50 (4): 407–419. ISSN 0020-7144. PMID 12362956
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- ↑ Todos citados por Jacob Melo, op. cit., p. 22.
- ↑ C. Torres Pastorino (1973). Técnica da Mediunidade 2ª ed. [S.l.]: São Paulo: Sabedoria. p. 24
- ↑ a b c Emerson Giumbelli (1997). «Heresia, doença, crime ou religião: o Espiritismo no discurso de médicos e cientistas sociais». Scielo. Revista de Antropologia. 40 (2). ISSN 1003-4770 Verifique
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(ajuda). Consultado em 14 de novembro de 2015 - ↑ Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI, Editora Nova Fronteira / Lexikon Informática, 1999, verbete passes – o vocábulo, no singular, traz outras acepções.
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- ↑ citação retirada de BLADES, Dudley. O que é a cura?, in: "A Energia Espiritual e seu Poder de Cura", cap. VI, p. 52
- ↑ extraído de BACK, Hugolino; GRISA, Pedro A. "As técnicas de Jesus", in A Cura pela Imposição de Mãos, p. 74
- ↑ a b c Mario B. Tamassia, op. cit., Cap. XI: "A prática do passe" pp 85-93.
- ↑ a b c d Miriam Cristina Rabelo, Paula Schaeppi, Sueli Mota, Juliana Rocha e Marcos Rubens (27–31 de outubro de 1998). «Comparando experiências de aflição e tratamento no candomblé, pentecostalismo e espiritismo». Trabalho apresentado no XXII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu. Consultado em 14 de novembro de 2015
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- ↑ Ego (17 de maio de 2008). «Jornalista lança livro com depoimento de famosos sobre sua experiência com a fé»
- ↑ Revista Trip (14 de outubro de 2009). «Raissa Totume». Consultado em 15 de novembro de 2018
- ↑ a b Sandra Jacqueline Stoll (setembro–novembro de 2005). «O espiritismo na encruzilhada: mediunidade com fins lucrativos?». Revista USP n.67, p. 176-185. Consultado em 14 de novembro de 2015
Bibliografia espírita
[editar | editar código-fonte]- ARMOND, Edgard. Passes e Radiações – métodos espíritas de cura. São Paulo: Aliança, 1986.
- CURTI, Rino. O Passe (imposição de mãos) (2ª ed.). São Paulo: LAKE, 1988.
- GURGEL, Luiz Carlos de M.. O Passe Espírita. Rio de Janeiro: FEB, 1991.
- JACINTHO, Roque. Passe e Passista. São Paulo: Luz no Lar, 1991.
- MELO, Jacob. O Passe, seu estudo, suas técnicas, sua prática. Rio de Janeiro: FEB, 1992.
- TAMASSIA, Mauro B.. Você e a Mediunidade. Matão (SP): O Clarim, 1987.
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- G1 (14 de março de 2015). «Médicos pesquisam influência do 'passe' espírita para tratar a ansiedade». g1.globo.com. Consultado em 22 de maio de 2015
- Instituto André Luiz. «Passe virtual». www.institutoandreluiz.org. Consultado em 22 de maio de 2015