Hilário Jovino Ferreira
Hilário Jovino Ferreira | |
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Nascimento | 21 de outubro de 1855 local incerto |
Morte | 1 de março de 1933 (77 anos) Rio de Janeiro |
Nacionalidade | brasileiro |
Ocupação | compositor, letrista e agitador cultural |
Hilário Jovino Ferreira, o Lalau de Ouro (local de nascimento incerto[nota 1], 21 de outubro de 1855[2][6][nota 2] — Rio de Janeiro, 1 de março de 1933), foi um compositor, letrista e agitador cultural brasileiro, pioneiro do samba e primeiro carnavalesco.[1][7][8][9]
Presente em várias manifestações de cultura popular da cidade do Rio de Janeiro, Hilário Jovino Ferreira foi o criador do primeiro rancho de carnaval, o "Rei de Ouros", responsável por apresentar novidades como o enredo, o uso de instrumentos de cordas e de sopro e personagens como o casal de mestre-sala e porta-bandeira.[8]
Biografia[editar | editar código-fonte]
"Falsos filhos da Bahia
Que nunca pisaram lá
Que não comeram pimenta
Na moqueca e vatapá"– Hilário Jovino, in: "Entregue o Samba a seus Donos"[5]
Filho de escravos libertos, Hilário Jovino Ferreira nasceu na Bahia ou em Pernambuco, no ano de 1855. Fato inconteste foi que cresceu na Bahia, onde aprendeu música e a cultura afro-descendente e viria a tornar-se aprendiz de estaleiro, sendo transferido para o Rio de Janeiro em 17 de junho de 1872, e ali se identificava como sendo baiano e um dos migrantes responsáveis por levar o samba à então capital do país.[5][10] Foi então morar no Morro da Conceição, onde encontrou um rancho chamado "Dois de Ouros" que saía no Dia de Reis. Hilário passou a integrar este rancho, mas logo fundou o seu, o "Rei de Ouros", que foi o primeiro a sair no Carnaval. Este fato mudou o carnaval carioca, dando origem a uma "febre" de ranchos carnavalescos.[8]
Hilário foi fundador de outros ranchos, como "Rosa Branca", "Botão de Rosa", "As Jardineiras", "Filhas da Jardineira", "Ameno Resedá", "Reino das Magnólias", "Riso Leal", e também blocos, como "Paredes têm ouvidos" e "Macaco é outro". Hilário era, contudo, adepto da malandragem, e chegou a passar um dia na cadeia por ameaça — ao senhorio que lhe cobrara o aluguel atrasado — e lesão corporal — pelos golpes de capoeira desferidos contra o policial que o perseguiu.[6][8]
Frequentador da casa de Tia Ciata, envolveu-se na polêmica da autoria do samba Pelo Telefone. A música não seria de Donga, mas uma criação feita de forma coletiva na casa da célebre mãe de santo e quituteira. Hilário seria um dos autores da canção.[8]
Foi pai de Saturnino, um famoso malandro que atuava na Praça Onze.[8] Era tio de Heitor dos Prazeres.
Depoimento sobre a criação dos "ranchos"[editar | editar código-fonte]
Numa entrevista de 1930 (domínio público), o então Tenente Hilário narrou o surgimento dos ranchos no carnaval do Rio de Janeiro: “Em 6 de janeiro de 1893, estava eu no botequim do ‘Paraíso’, na rua Larga de São Joaquim (hoje Marechal Floriano Peixoto), entre as ruas da Imperatriz e Regente, em companhia de vários baianos que costumeiramente ali se reuniam, quando lembrei-me da festa dos Três Reis Magos que na Bahia se comemorava naquele dia. Estavam presentes o Luiz de França, o Avelino Pedro de Alcântara, o João Câncio Vieira da Silva, e eu propus então a fundação de um rancho. Passando a ideia em julgado, ali mesmo eu dei o nome de “Rei de Ouro”! Na mesma hora, no armarinho de um turco fronteiro ao botequim, comprei meio metro de pano verde e meio metro de pano amarelo e fiz um estandarte no estilo da Bahia, para os ensaios. Ninguém mais descansou. O pessoal saiu avisando que à noite havia ‘um chá... dançante’ em minha casa” (...) “à hora aprazada, entre outros, lá estavam: Cleto Ribeiro, a Gracinda, que ainda hoje vende doces na Gruta Baiana, ao lado do frontão, e a Noelia, que eram duas baianas influentes. Às tantas da noite reuni o pessoal e disse qual o fim daquela brincadeira e então ficou definitivamente fundado o rancho, o primeiro rancho carioca, se bem que já existisse o ‘Dois de Ouros’, mas sem organização própria.” (...) “...o Rei de Ouro – Vagalume, quando se apresentou com perfeita organização de rancho, foi um sucesso! Nunca se tinha visto aquilo, aqui no Rio: porta-bandeira, porta-machado, batedores, etc.” (...) “Estas coisas eu costumo plantar e desde que pega de galho, eu solto nas mãos dos outros e vou fundar qualquer novidade (...) Assim é que, no terceiro ano, fundei a ‘Rosa Branca’ (...) Logo no ano seguinte fundei o ‘Botão de Rosa’...”[11]
Doença e morte[editar | editar código-fonte]
Em janeiro de 1933 Hilário deixou de participar dos bailes carnavalescos, inclusive da entidade que presidia, por “se achar enfermo”.[12] O jornal “Diário Carioca” voltou a publicar notícia sobre sua doença, no dia 28 de janeiro: “A nota triste da temporada que antecede aos dias da loucura, foi a da enfermidade que desde alguns dias prende ao leito a figura veneranda do velho carnavalesco Hilário Jovino Ferreira...”[13]
Finalmente, no dia 2 de março o Diário Carioca publicou: “Faleceu, à primeira hora de ontem, quinze minutos após a despedida de Momo, este monarca sem pretensões nobilíssimas a quem ele serviu desde os dias da sua mocidade, o querido e veterano carnavalesco Hilário Jovino Ferreira” e, ainda: “Baiano, filho daquele pedaço do Brasil onde a nossa festa popular teve início com os ‘cordões’, os ‘ternos’, os ‘ranchos’, vindo para o Rio trouxe consigo o estilo do carnaval característico da sua terra natal”, completando: “seu enterramento realizou-se às 17 horas da tarde, tendo a acompanhá-lo um grande número de amigos e carnavalescos”.[14] Foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier.[15]
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Carnaval do Rio de Janeiro
- Desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro
- Rancho carnavalesco
- Mestre-sala e porta-bandeira
- Samba
Notas
- ↑ Embora algumas fontes digam, como o Dicionário Cravo Albin de MPB (com vários erros e incoerências, como no verbete do próprio artista que o coloca como nascendo em 1873[1], mas que se desmente ao informar noutro artigo que ele teria nascido no ano de 1855[2]) que tenha nascido no estado de Pernambuco sobretudo em estudos da segunda década do século XXI, outras fontes dão-no como natural da Bahia, a exemplo do site da Biblioteca Nacional,[3] estudos acadêmicos[4] e livros.[5]
- ↑ A data de 1873, informada no verbete do Dicionário Cravo Albin, é irreal, pois o mesmo dicionário, além de dizer que ele "Chegou ao Rio de Janeiro já adulto, em 1872", informa noutra parte seu nascimento em 1855, como referenciado.
Referências
- ↑ a b «Hilário Jovino Ferreira». Dicionário Cravo Albin. Consultado em 23 de novembro de 2017
- ↑ a b «Samba - dados artísticos». Dicionário Cravo Albin. Consultado em 10 de dezembro de 2020. Cópia arquivada em 26 de setembro de 2020
- ↑ Institucional. «Carnaval». Biblioteca Nacional. Consultado em 10 de dezembro de 2020. Cópia arquivada em 10 de dezembro de 2020
- ↑ Lúcia Nagib (2001). «Orfeu Negro em Cores: mito e realismo no filme de Cacá Diegues». A LetrA. Consultado em 10 de dezembro de 2020. Cópia arquivada em 10 de dezembro de 2020
- ↑ a b c Luiz Américo Lisboa Júnior (2006). Compositores e Intérpretes Baianos: de Xisto Bahia a Dorival Caymmi. [S.l.]: Via Litterarum/Editus. 371 páginas. ISBN 859849324-4
- ↑ a b «Hilário, o "Fundador do Carnaval dos Ranchos", faz anos hoje» (PDF). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional (acervo online). Diário Carioca. V (1289): 6. 21 de outubro de 1932
- ↑ «Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro» (PDF). IPHAN. Consultado em 23 de novembro de 2017
- ↑ a b c d e f «Como um valentão criou uma nova forma de pular o Carnaval». Folha de S.Paulo. Consultado em 23 de novembro de 2017
- ↑ «Pesquisa e texto legitimam história do samba contada em livro essencial». G1. Consultado em 23 de novembro de 2017
- ↑ Almir de Freitas (23 de fevereiro de 2017). «A dor e a delícia do samba». Bravo. Consultado em 10 de dezembro de 2020
- ↑ «A Origem dos Ranchos». Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional. Diário Carioca. III (491): 5. 27 de fevereiro de 1930
- ↑ «Nos Arraiaes da Folia - Riso Club». Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional (acervo online). Diário Carioca. V (1363): 5. 17 de janeiro de 1933
- ↑ «Está enfermo o decano dos carnavalescos da cidade». Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional (acervo online). Diário Carioca. V (1373): 5. 28 de janeiro de 1933
- ↑ «Um nome tradicional do carnaval que desaparece». Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional (acervo online). Diário Carioca. V (1400): 11. 2 de março de 1933
- ↑ «Obituário da cidade». Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional (acervo online). Diário da Noite. V (869): 10. 1 de março de 1933
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
- ALMIRANTE. No Tempo de Noel Rosa. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1963.
- CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
- EFEGÊ, Jota. Ameno Resedá - o rancho que foi escola. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes Ltda, 1965.
- EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1978.
- MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
- MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Coleção Biblioteca Carioca, 1995.
- SEVERIANO, Jairo e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo. Volume 1. São Paulo: 34, 1997.
- VAGALUME. Na Roda de Samba. Rio de Janeiro: Tip. São Benedito, 1933.
- VASCONCELOS, Ary. Panorama da Música Popular Brasiuleira na Belle Époque. Rio de Janeiro: Livraria Sant'Anna, 1977.