Ameaça comunista no Brasil: diferenças entre revisões

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'''Ameaça comunista no Brasil''' é uma [[teoria da conspiração|teoria conspiratória]] que expressa a crença de que o país corria, ou ainda corre, o perigo iminente de virar para um [[Estado comunista]], seja através de uma revolução, seja através da conversão ideológica. No uso corrente é uma expressão inespecífica, englobando supostas ameaças por qualquer tendência de [[esquerda (política)|esquerda]]. É um equivalente de '''perigo vermelho''', '''ameaça vermelha''', '''perigo comunista''' e outras. A expressão encarna um fenômeno recorrente na história política e social do país, sendo divulgada por correntes [[conservadorismo|conservadoras]] de modo alarmista para criar um ambiente de medo e insegurança na população a respeito de um perigo que nunca teve a dimensão e iminência com que foi divulgado, e muitas vezes para justificar a introdução de [[estado de exceção|medidas de exceção]] de caráter autoritário e antidemocrático, alegadamente necessárias para combater a suposta ameaça.
'''Ameaça comunista no Brasil''' é uma [[teoria da conspiração|teoria conspiratória]] que expressa a crença de que o país corria, ou ainda corre, o perigo iminente de virar para um [[Estado comunista]], seja através de uma revolução, seja através da conversão ideológica. No uso corrente é uma expressão inespecífica, englobando supostas ameaças por qualquer tendência de [[esquerda (política)|esquerda]]. É um equivalente de '''ameaça vermelha''', '''perigo comunista''', '''perigo vermelho''' ([[Ameaça vermelha nos Estados Unidos]]) e outras. A expressão encarna um fenômeno recorrente na história política e social do país, sendo divulgada por correntes [[conservadorismo|conservadoras]] de modo alarmista para criar um ambiente de medo e insegurança na população a respeito de um perigo que nunca teve a dimensão e iminência com que foi divulgado, e muitas vezes para justificar a introdução de [[estado de exceção|medidas de exceção]] de caráter [[autoritário]] e [[antidemocrático]], alegadamente necessárias para combater a suposta ameaça.


== Definição e premissas ==
== Definição e premissas ==

{{AP|Anticomunismo|Conservadorismo no Brasil}}
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A teoria da ameaça comunista no Brasil é uma versão alarmista e acrítica de [[anticomunismo]], e na forma como é geralmente divulgada, nega qualquer possibilidade de qualquer contribuição positiva do comunismo para a sociedade. A expressão principal da teoria é a denúncia de que o comunismo está em vias de dominar o sistema político nacional, associada à insistência em seu combate urgente, porque ele, assim como todas as outras correntes de esquerda, é uma grande ameaça àquilo que se julga ser o modelo ideal de civilização e aos valores do bem comum, da moral, da família, da justiça, do patriotismo, da liberdade, da religião e/ou das hierarquias e estruturas sociais tradicionais. Também argumenta-se que o comunismo representa um ataque à soberania, à identidade, à estabilidade e à segurança da nação e suas instituições. Para os adeptos da teoria, o comunismo e as esquerdas em geral são a fonte de todo o mal, uma doença social e um inimigo nefasto e subversivo a ser combatido implacavelmente. Em geral seus defensores revelam possuir uma compreensão simplista, estereotipada, limitada ou distorcida do que seja o comunismo e outras ideologias de esquerda.<ref name="Domenici"/><ref name="Mariani">Mariani, Bethania. [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/lil/article/view/8657817 "As formas discursivas e a ameaça comunista"]. In: ''Língua e Instrumentos Jurídicos'', 2019 (44)</ref>
A teoria da ameaça comunista no Brasil é uma versão alarmista e acrítica de [[anticomunismo]], e na forma como é geralmente divulgada, nega qualquer possibilidade de qualquer contribuição positiva do comunismo para a sociedade. A expressão principal da teoria é a denúncia de que o comunismo está em vias de dominar o sistema político nacional, associada à insistência em seu combate urgente, porque ele, assim como todas as outras correntes de esquerda, é uma grande ameaça àquilo que se julga ser o modelo ideal de civilização e aos valores do bem comum, da [[moral]], da [[família]], da [[justiça]], do [[patriotismo]], da [[liberdade]], da [[religião]] e/ou das [[Estratificação social|hierarquias e estruturas sociais]] tradicionais. Também argumenta-se que o comunismo representa um ataque à [[soberania]], à identidade, à estabilidade e à segurança da nação e suas instituições. Para os adeptos da teoria, o comunismo e as esquerdas em geral são a fonte de todo o mal, uma doença social e um inimigo nefasto e subversivo a ser combatido implacavelmente. Em geral seus defensores revelam possuir uma compreensão simplista, estereotipada, limitada ou distorcida do que seja o comunismo e outras ideologias de esquerda.<ref name="Domenici"/><ref name="Mariani">Mariani, Bethania. [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/lil/article/view/8657817 "As formas discursivas e a ameaça comunista"]. In: ''Língua e Instrumentos Jurídicos'', 2019 (44)</ref>

É no fundo uma [[teoria da conspiração]]<ref name="Moya"/><ref name="Peixoto"/><ref>Cruz, Natalia dos Reis. [https://ppghc.historia.ufrj.br/images/publicacoes/NeofascismoEConspiracionismoBrasileiroOMidiaSemMascaraEOEixoDoMal.pdf "Neofascismo e conspiracionismo brasileiro: o Mídia sem Máscara e o Eixo do Mal"]. In: ''Revista de História Comparada'', 2019; 13 (2)</ref> de índole [[conservadora]], que expressa o medo de certos grupos com relação a processos de transformação social, política e cultural que abalem as tradições, as suas certezas consagradas e o [[status quo]]. Os meios para impor a aceitação da teoria e torná-la uma realidade plausível são a transformação do comunismo em [[bode expiatório]] para todos os dilemas, inseguranças e dificuldades, e a manipulação da [[opinião pública]] com o recurso a falsidades e distorções, criando uma ilusão de consenso e amplificando dramaticamente um perigo que é imaginário, embora percebido por muitos como real e iminente.<ref name="Domenici"/><ref name="Mariani"/><ref name="Caroline">Oliveira, Caroline. [http://www.justificando.com/2018/10/04/o-comunismo-voltou-e-nao-nos-avisaram/ "O comunismo voltou e não nos avisaram!"] ''Justificando'', 04/10/2018</ref>

Segundo Bethania Mariani, a intensa e continuada propaganda anticomunista criou no país uma cultura política inflacionada e polarizada, alimentada por [[guerra da informação|guerras de informação]] onde abundam as chamadas [[fake news]], recusando o debate sério, não reconhecendo a alteridade nem qualquer tipo de diferença, e visando produzir uma política de silenciamento do "inimigo".<ref name="Mariani"/> Para Fábio Araújo Martins, o discurso da ameaça comunista se enquadra nos discursos totalitários e [[extremista]]s, os quais, sustentando a prática do amedrontamento, visam legitimar uma hostilidade seletiva contra um grupo-alvo, no caso, os comunistas e esquerdistas.

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''A criação e a manutenção de um ambiente de insegurança e medo completa este quadro terrorífico que é responsável por preparar a opinião pública para aceitar e concordar com o uso indiscriminado da força, processo que é promovido por meio de uma forte campanha de indução e ação psicológica massiva''".
</blockquote>

Ao ser eleito como bode expiatório e construído como um inimigo desprovido de dignidade humana, um perigo a rondar a sociedade, o grupo-alvo é etiquetado com as insígnias do mal e pode, no limite, ser erradicado "para o bem de todos".<ref>Martins, Fábio Henrique Araújo. [https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/192500/martins_fha_dr_assis.pdf?sequence=3 ''Sobre a violência no Brasil: Questões e problemas para o Direito e a Psicologia'']. Doutorado. Universidade Estadual Paulista, 2020, p. 96</ref> Essas narrativas tipicamente precisam construir a retórica do "nós" (os bons) contra "eles" (os maus) para legitimarem a si mesmas, e "eles", no caso do Brasil, segundo Sergio Schargel:


<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
É no fundo uma [[teoria da conspiração]]<ref name="Moya"/><ref name="Peixoto"/><ref>Cruz, Natalia dos Reis. [https://ppghc.historia.ufrj.br/images/publicacoes/NeofascismoEConspiracionismoBrasileiroOMidiaSemMascaraEOEixoDoMal.pdf "Neofascismo e conspiracionismo brasileiro: o Mídia sem Máscara e o Eixo do Mal"]. In: ''Revista de História Comparada'', 2019; 13 (2)</ref> de índole [[conservadora]], que expressa o medo de certos grupos com relação a processos de transformação social, política e cultural que abalem as tradições, as suas certezas consagradas e o [[status quo]]. Os meios para impor a aceitação da teoria e torná-la uma realidade plausível são a transformação do comunismo em [[bode expiatório]] para todos os dilemas, inseguranças e dificuldades, e a manipulação da opinião pública com o recurso a falsidades e distorções, criando uma ilusão de consenso e amplificando dramaticamente um perigo que é imaginário, embora percebido por muitos como real e iminente.<ref name="Domenici"/><ref name="Mariani"/><ref name="Caroline">Oliveira, Caroline. [http://www.justificando.com/2018/10/04/o-comunismo-voltou-e-nao-nos-avisaram/ "O comunismo voltou e não nos avisaram!"] ''Justificando'', 04/10/2018</ref>
:"''são todos englobados no suposto espantalho maior, o espectro onipotente que, a despeito de ter praticamente desaparecido no mundo todo, ainda é o grande inimigo imaginário combatido no país: o comunismo. Nessa estigmatização não importa o posicionamento político: socialistas, socialdemocrata, liberal, todos viram comunistas''".<ref name="Schargel"/>
</blockquote>


A teoria da ameaça comunista, como apontam muitos [[articulista]]s e [[historiador]]es, nunca teve uma base sólida na realidade,<ref name="Domenici"/><ref name="Andrada"/><ref name="Batista">Batista, Ariel Cherxes. [https://periodicos.ufes.br/index.php/semanadehistoria/article/view/23089 "O anticomunismo brasileiro e a afirmação de um passado recomposto"]. In: ''Anais da XI Semana de História UFES'', 2018</ref><ref name="Capital"/><ref>Souza, Sandra Regina Barbosa da Silva. [https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11490/1/Tese%20Sandra%20Souzaseg.pdf ''Os sete matizes do rosa ou o mundo contaminado pela radiação comunista: homens vermelhos e inocentes úteis'']. Doutorado. Universidade Federal da Bahia, 2009, p. 55</ref><ref name="Segredos">Ribeiro, Fábio de Oliveira. [http://www.observatoriodaimprensa.com.br/armazem-literario/ed685-segredos-da-propaganda-anticomunista/ "Segredos da propaganda anticomunista"]. ''Observatório da Imprensa'', 13/04/2012</ref> sendo uma percepção exagerada e equivocada das reais possibilidades de sucesso de uma [[revolução comunista]] no contexto especificamente brasileiro, marcado como sempre foi por uma adesão muito fraca às correntes de esquerda mais radicais.<ref name="Domenici"/><ref name="Moya">Moya, Isabela. [https://www.politize.com.br/marxismo-cultural/ "Marxismo cultural: o que é isso?"] ''Politize'', 16/10/2019</ref><ref name="Andrada"/><ref name="Segredos"/>
Segundo Bethania Mariani, a intensa e continuada propaganda anticomunista criou no país uma cultura política inflacionada e polarizada, alimentada por [[guerra da informação|guerras de informação]] onde abundam as chamadas [[fake news]], recusando o debate sério, não reconhecendo a alteridade nem qualquer tipo de diferença, e visando produzir uma política de silenciamento do "inimigo".<ref name="Mariani"/> Para Fábio Araújo Martins, o discurso da ameaça comunista se enquadra nos discursos totalitários e extremistas, os quais, sustentando a prática do amedrontamento, visam legitimar uma hostilidade seletiva contra um grupo-alvo, no caso, os comunistas e esquerdistas. "A criação e a manutenção de um ambiente de insegurança e medo completa este quadro terrorífico que é responsável por preparar a opinião pública para aceitar e concordar com o uso indiscriminado da força, processo que é promovido por meio de uma forte campanha de indução e ação psicológica massiva". Ao ser eleito como bode expiatório e construído como um inimigo desprovido de dignidade humana, um perigo a rondar a sociedade, o grupo-alvo é etiquetado com as insígnias do mal e pode, no limite, ser erradicado "para o bem de todos".<ref>Martins, Fábio Henrique Araújo. [https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/192500/martins_fha_dr_assis.pdf?sequence=3 ''Sobre a violência no Brasil: Questões e problemas para o Direito e a Psicologia'']. Doutorado. Universidade Estadual Paulista, 2020, p. 96</ref> Essas narrativas tipicamente precisam construir a retórica do "nós" (os bons) contra "eles" (os maus) para legitimarem a si mesmas, e "eles", no caso do Brasil, segundo Sergio Schargel, "são todos englobados no suposto espantalho maior, o espectro onipotente que, a despeito de ter praticamente desaparecido no mundo todo, ainda é o grande inimigo imaginário combatido no país: o comunismo. Nessa estigmatização não importa o posicionamento político: socialistas, socialdemocrata, liberal, todos viram comunistas".<ref name="Schargel"/>


Uma crítica conscienciosa do comunismo não negará a existência de [[corrupção]], [[violência]] e desmandos em regimes onde a ideologia foi posta em prática, como a [[União Soviética]],<ref name="Falabret"/><ref>Querido, Fábio Mascaro. [https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/entrevista2016_08_03_15_33_58.pdf "Para uma história marxista do marxismo: passado e presente – Entrevista com André Tosel"]. In: ''Crítica Marxista'', 2015 (40): 141-150</ref><ref>Betim, Felipe & Marreiro, Flávia. [https://brasil.elpais.com/brasil/2020-10-31/a-esquerda-radical-brasileira-desenterra-o-debate-sobre-o-socialismo-real-e-ganha-adeptos-nas-redes.html "A esquerda radical brasileira desenterra o debate sobre o socialismo real e ganha adeptos nas redes"]. ''El País'', 31/10/2020</ref><ref name="Lauria"/> (''ver: [[Assassinatos em massa sob regimes comunistas]]'') onde se desenvolveu uma realidade que foi em muitos aspectos opressiva e brutal, distante das imagens idílicas e edênicas divulgadas pela [[Propaganda na União Soviética|propaganda pró-soviética]].<ref>Dobrenko, Evgeny. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000300025 "A cultura soviética entre a revolução e o stalinismo"]. In: ''Estudos Avançados'', 2017; 31 (91)</ref> Um dos problemas da teoria conspiratória é, como já foi mencionado, a tendência de atribuir à esquerda o monopólio das maldades, sem reconhecer que abusos e distorções ocorrem em todos os sistemas e regimes políticos criados pelo homem.<ref name="Falabret"/><ref>Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. [http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/44482 "A corrupção como fenômeno social e político"]. In: ''Revista de Direito Administrativo'', 1991 (185)</ref> Para Ericson Falabret:
A teoria da ameaça comunista, como apontam muitos articulistas e historiadores, nunca teve uma base sólida na realidade,<ref name="Domenici"/><ref name="Andrada"/><ref name="Batista">Batista, Ariel Cherxes. [https://periodicos.ufes.br/index.php/semanadehistoria/article/view/23089 "O anticomunismo brasileiro e a afirmação de um passado recomposto"]. In: ''Anais da XI Semana de História UFES'', 2018</ref><ref name="Capital"/><ref>Souza, Sandra Regina Barbosa da Silva. [https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11490/1/Tese%20Sandra%20Souzaseg.pdf ''Os sete matizes do rosa ou o mundo contaminado pela radiação comunista: homens vermelhos e inocentes úteis'']. Doutorado. Universidade Federal da Bahia, 2009, p. 55</ref><ref name="Segredos">Ribeiro, Fábio de Oliveira. [http://www.observatoriodaimprensa.com.br/armazem-literario/ed685-segredos-da-propaganda-anticomunista/ "Segredos da propaganda anticomunista"]. ''Observatório da Imprensa'', 13/04/2012</ref> sendo uma percepção exagerada e equivocada das reais possibilidades de sucesso de uma revolução comunista no contexto especificamente brasileiro, marcado como sempre foi por uma adesão muito fraca às correntes de esquerda mais radicais.<ref name="Domenici"/><ref name="Moya">Moya, Isabela. [https://www.politize.com.br/marxismo-cultural/ "Marxismo cultural: o que é isso?"] ''Politize'', 16/10/2019</ref><ref name="Andrada"/><ref name="Segredos"/>


<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
Uma crítica conscienciosa do comunismo não negará a existência de corrupção, violência e desmandos em regimes onde a ideologia foi posta em prática, como a União Soviética,<ref name="Falabret"/><ref>Querido, Fábio Mascaro. [https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/entrevista2016_08_03_15_33_58.pdf "Para uma história marxista do marxismo: passado e presente – Entrevista com André Tosel"]. In: ''Crítica Marxista'', 2015 (40): 141-150</ref><ref>Betim, Felipe & Marreiro, Flávia. [https://brasil.elpais.com/brasil/2020-10-31/a-esquerda-radical-brasileira-desenterra-o-debate-sobre-o-socialismo-real-e-ganha-adeptos-nas-redes.html "A esquerda radical brasileira desenterra o debate sobre o socialismo real e ganha adeptos nas redes"]. ''El País'', 31/10/2020</ref><ref name="Lauria"/> onde se desenvolveu uma realidade que foi em muitos aspectos opressiva e brutal, distante das imagens idílicas e edênicas divulgadas pela propaganda pró-soviética.<ref>Dobrenko, Evgeny. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000300025 "A cultura soviética entre a revolução e o stalinismo"]. In: ''Estudos Avançados'', 2017; 31 (91)</ref> Um dos problemas da teoria conspiratória é, como já foi mencionado, a tendência de atribuir à esquerda o monopólio das maldades, sem reconhecer que abusos e distorções ocorrem em todos os sistemas e regimes políticos criados pelo homem.<ref name="Falabret"/><ref>Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. [http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/44482 "A corrupção como fenômeno social e político"]. In: ''Revista de Direito Administrativo'', 1991 (185)</ref> Para Ericson Falabret, "não há justificativas e desculpas para a violência [[stalinista]], como também não deveria haver indulgência para o silêncio complacente diante da violência perpetrada difusamente pelos aparatos de poder que sustentam as democracias liberais, [...] uma violência oficializada e normalizada, que sustenta a desigualdade e, por isso mesmo, prefere a propriedade à vida, [...] e, cotidianamente, prende, tortura e mata pobres, negros, índios e minorias sob a tutela da nossa consciência liberal".<ref name="Falabret">Falabret, Ericson Sávio. [https://revistas.pucsp.br/index.php/teoliteraria/article/view/49625 "Violência e história: o Lebenswelt da política"]. In: ''TeoLiterária'', 2020; 10 (21)</ref>
:"''não há justificativas e desculpas para a violência ''[[stalinista]],'' como também não deveria haver indulgência para o silêncio complacente diante da violência perpetrada difusamente pelos aparatos de poder que sustentam as ''[[democracia]]s'' liberais, ''[...]'' uma violência oficializada e normalizada, que sustenta a ''[[desigualdade]]'' e, por isso mesmo, prefere a ''[[propriedade]]'' à vida, ''[...]'' e, cotidianamente, prende, tortura e mata ''[[pobre]]s, [[negros]], [[índios]]'' e minorias sob a tutela da nossa consciência liberal''".<ref name="Falabret">Falabret, Ericson Sávio. [https://revistas.pucsp.br/index.php/teoliteraria/article/view/49625 "Violência e história: o Lebenswelt da política"]. In: ''TeoLiterária'', 2020; 10 (21)</ref>
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== Origens ==
== Origens ==
{{AP|Comunismo|Socialismo|Esquerda (política)|Integralismo no Brasil}}


{{Principal|Comunismo no Brasil|Integralismo no Brasil}}
A oposição ao comunismo surgiu desde que o comunismo existe, fortalecendo-se em um período em que em âmbito internacional cresciam tendências autoritárias contrárias à [[democracia]], tanto à [[direita (política)|direita]] quanto à [[esquerda (política)|esquerda]] do espectro político.<ref name="Castro" /> A [[Revolução de Outubro|Revolução Russa]] de 1917, que instituiu um Estado comunista como uma alternativa política viável, causou um grande impacto internacional,<ref name="Alves">Santos, Daniel Alves dos. "Anticomunismo, história e literatura de cordel". In: ''Revista Labirinto'', 2017; XVII (27)</ref> e desde logo passou a sofrer fortes críticas na imprensa brasileira de maneira sensacionalista e acrítica, em geral se baseando em boatos e em informações não confirmadas.<ref name="Filho">Silva Filho, César Alves da. [http://www.uel.br/cch/his/ISNHM/AnaisPDF/cesarasfilho.pdf "O perigo vermelho: A aproximação com a Alemanha nas páginas da Revista Militar Brasileira"]. In: ''I Simpósio Nacional de História Militar''. Universidade Estadual de Londrina, 2016</ref>
{{AP|vt=s|Comunismo|Socialismo|Esquerda (política)}}

A oposição ao comunismo surgiu desde que o comunismo existe, fortalecendo-se em um período em que em âmbito internacional cresciam tendências autoritárias contrárias à [[democracia]], tanto à [[direita (política)|direita]] quanto à [[esquerda (política)|esquerda]] do [[espectro político]].<ref name="Castro" /> A [[Revolução de Outubro|Revolução Russa]] de 1917, que instituiu um [[Estado comunista]] como uma alternativa política viável, causou um grande impacto internacional,<ref name="Alves">Santos, Daniel Alves dos. "Anticomunismo, história e literatura de cordel". In: ''Revista Labirinto'', 2017; XVII (27)</ref> e desde logo passou a sofrer fortes críticas na imprensa brasileira de maneira [[sensacionalista]] e acrítica, em geral se baseando em boatos e em informações não confirmadas.<ref name="Filho">Silva Filho, César Alves da. [http://www.uel.br/cch/his/ISNHM/AnaisPDF/cesarasfilho.pdf "O perigo vermelho: A aproximação com a Alemanha nas páginas da Revista Militar Brasileira"]. In: ''I Simpósio Nacional de História Militar''. Universidade Estadual de Londrina, 2016</ref>

Apesar da ampla rejeição do comunismo e sua pronta identificação com as forças do mal, do caos e da barbárie,<ref name="Alves"/><ref name="Filho"/> a ameaça para o Brasil neste período inicial ainda parecia remota, mas aos poucos ela iria adquirir materialidade, especialmente depois que foi fundado no país, em 1922, um [[Partido Comunista - Seção Brasileira da Internacional Comunista|Partido Comunista]].<ref name="Castro"/><ref name="Pimentel"/> A partir de então o anticomunismo viria a desempenhar um papel fundamental na história da República,<ref name="Pimentel">Pimentel, Carlos Henrique Lopes. "O anticomunismo e a esquerda militar no Brasil: uma análise historiográfica". In: ''História em Reflexão'', 2011. 5 (10)</ref> especialmente em momentos de crise ou de instabilidade político-social.<ref name="Marcos">Gonçalves, Marcos. "O anticomunismo no Brasil". In: ''História: Questões & Debates'', 2003; (39): 277-281</ref> No Brasil o anticomunismo se desenvolveu amparado em três ideologias principais: o [[catolicismo]], o [[nacionalismo]] e o [[liberalismo]]. Para os católicos, o comunismo solapava a [[espiritualidade]], negava [[Deus]] (''ver: [[Ateísmo marxista-leninista]]''), subvertia as hierarquias divinamente determinadas, e atacava a família e a moral cristã, inserindo a luta ideológica no âmbito da luta entre o bem e o mal. Para os [[nacionalista]]s, era uma ingerência estrangeira nos assuntos nacionais, abolia a ideia de união entre o povo e o Estado e a ideia de Pátria, e representava o princípio do caos. Por fim, para os liberais, era um ataque à liberdade, à [[livre iniciativa]], à propriedade.<ref>Oliveira, Marcus Roberto de. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782004000200019 "A ideologia anticomunista no Brasil"]. In: ''Revista de Sociologia e Política'', 2004</ref>


Apesar da ampla rejeição do comunismo e sua pronta identificação com as forças do mal, do caos e da barbárie,<ref name="Alves"/><ref name="Filho"/> a ameaça para o Brasil neste período inicial ainda parecia remota, mas aos poucos ela iria adquirir materialidade, especialmente depois que foi fundado no país, em 1922, um [[Partido Comunista - Seção Brasileira da Internacional Comunista|Partido Comunista]].<ref name="Castro"/><ref name="Pimentel"/> A partir de então o anticomunismo viria a desempenhar um papel fundamental na história da República,<ref name="Pimentel">Pimentel, Carlos Henrique Lopes. "O anticomunismo e a esquerda militar no Brasil: uma análise historiográfica". In: ''História em Reflexão'', 2011. 5 (10)</ref> especialmente em momentos de crise ou de instabilidade político-social.<ref name="Marcos">Gonçalves, Marcos. "O anticomunismo no Brasil". In: ''História: Questões & Debates'', 2003; (39): 277-281</ref> No Brasil o anticomunismo se desenvolveu amparado em três ideologias principais: o [[catolicismo]], o [[nacionalismo]] e o [[liberalismo]]. Para os católicos, o comunismo solapava a espiritualidade, negava Deus, subvertia as hierarquias divinamente determinadas, e atacava a família e a moral cristã, inserindo a luta ideológica no âmbito da luta entre o bem e o mal. Para os nacionalistas, era uma ingerência estrangeira nos assuntos nacionais, abolia a ideia de união entre o povo e o Estado e a ideia de Pátria, e representava o princípio do caos. Por fim, para os liberais, era um ataque à liberdade, à livre iniciativa, à propriedade.<ref>Oliveira, Marcus Roberto de. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782004000200019 "A ideologia anticomunista no Brasil"]. In: ''Revista de Sociologia e Política'', 2004</ref>
[[Imagem:Revolução de 1930.jpg|miniatura|Getúlio Vargas, ao centro, com outros líderes da Revolução de 1930, logo após a derrubada de Washington Luís]]
[[Imagem:Revolução de 1930.jpg|miniatura|Getúlio Vargas, ao centro, com outros líderes da Revolução de 1930, logo após a derrubada de Washington Luís]]

[[File:Propaganda anticomunista na revista Anauê.jpg|thumb|Propaganda anticomunista e pró-fascista na revista integralista [[Anauê]]. A personificação da República do Brasil é mostrada numa encruzilhada entre o caminho da esquerda, que leva a Moscou, representando o mundo do caos, e o da direita, que leva a Roma, representando o mundo da ordem.<ref name="Fiorucci2"/>]]
[[File:Propaganda anticomunista na revista Anauê.jpg|thumb|Propaganda anticomunista e pró-fascista na revista integralista [[Anauê]]. A personificação da República do Brasil é mostrada numa encruzilhada entre o caminho da esquerda, que leva a Moscou, representando o mundo do caos, e o da direita, que leva a Roma, representando o mundo da ordem.<ref name="Fiorucci2"/>]]


Na década de 1920 a propaganda comunista se intensificou através da publicação de livros, jornais e panfletos e a realização de palestras e conferências em sedes sindicais. Em 1924 era publicada a primeira edição brasileira do [[Manifesto Comunista]] de [[Karl Marx]]. Porém, em 1927 o Partido Comunista foi declarado ilegal, passando a ser representado pelo [[Bloco Operário e Camponês]]. Apesar da atividade divulgadora, o movimento enfrentava dissidências internas, enfraquecia sua penetração sindical, e nas eleições de 1930 o candidato do Bloco à presidência da República, [[Minervino de Oliveira]], teve uma votação inexpressiva, e não foi eleito nenhum senador da esquerda. Nas eleições de 1933 não elegeu nenhum candidato.<ref>Abreu, Alzira Alves de. [https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/Partido%20Comunista%20Brasileiro%20(PCB)%20-%20Primeira%20Rep%C3%BAblica.pdf "Partido Comunista do Brasil"]. In: ''Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro''. Fundação Getúlio Vargas, pp. 2-7</ref>
Na década de 1920 a [[propaganda comunista]] se intensificou através da publicação de livros, jornais e panfletos e a realização de palestras e conferências em sedes sindicais. Em 1924 era publicada a primeira edição brasileira do [[Manifesto Comunista]] de [[Karl Marx]]. Porém, em 1927 o Partido Comunista foi declarado ilegal, passando a ser representado pelo [[Bloco Operário e Camponês]]. Apesar da atividade divulgadora, o movimento enfrentava dissidências internas, enfraquecia sua penetração sindical, e nas eleições de 1930 o candidato do Bloco à presidência da República, [[Minervino de Oliveira]], teve uma votação inexpressiva, e não foi eleito nenhum [[senador]] da esquerda. Nas eleições de 1933 não elegeu nenhum candidato.<ref>Abreu, Alzira Alves de. [https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/Partido%20Comunista%20Brasileiro%20(PCB)%20-%20Primeira%20Rep%C3%BAblica.pdf "Partido Comunista do Brasil"]. In: ''Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro''. Fundação Getúlio Vargas, pp. 2-7</ref>


Desde a [[Revolução de 1930]] o país atravessava um período de grande instabilidade institucional e o ambiente político se polarizava entre várias frentes fortemente antagônicas. A Revolução de 1930 derrubou o presidente [[Washington Luís]] e colocou [[Getúlio Vargas]] no poder através de um [[golpe de Estado]], dissolveu o Congresso e os legislativos estaduais e municipais, instalando interventores federais. Porém, o [[tenentismo]], movimento centralizador, autoritário e antidemocrático, expressava uma profunda insatisfação de parte do oficialato militar contra o regime de Vargas.<ref name="Pandolfi"/> Estava também em andamento uma ampla mobilização popular através do ativismo da [[Ação Integralista Brasileira]], fundada em 1932, de caráter antiliberal, [[positivista]] e [[ultraconservador]], inspirada no [[fascismo]] italiano, que levantava as bandeiras de Deus, Pátria e Família. [[Plínio Salgado]], líder dos integralistas, era um ferrenho anticomunista, entendendo o comunismo como o que havia de pior no [[liberalismo]] e os comunistas como a degeneração da humanidade, meros "bonecos de carne, prontos a roubar, a matar e a usar de qualquer expediente para a satisfação de seus apetites".<ref name="Filho"/> Entre as Forças Armadas, desde a Revolução Russa se firmara um forte sentimento anticomunista,<ref name="Filho"/><ref name="Pimentel"/> e artigos na Revista Militar Brasileira na década de 1930 sinalizavam uma aproximação com o [[nazismo]] e pregavam ideais políticos autoritários e militaristas.<ref name="Filho"/>
Desde a [[Revolução de 1930]] o país atravessava um período de grande instabilidade institucional e o ambiente político se polarizava entre várias frentes fortemente antagônicas. A Revolução de 1930 derrubou o presidente [[Washington Luís]] e colocou [[Getúlio Vargas]] no poder através de um [[golpe de Estado]], dissolveu o Congresso e os legislativos estaduais e municipais, instalando [[Interventor federal|interventores federais]]. Porém, o [[tenentismo]], movimento centralizador, autoritário e antidemocrático, expressava uma profunda insatisfação de parte do oficialato militar contra o regime de Vargas.<ref name="Pandolfi"/> Estava também em andamento uma ampla mobilização popular através do ativismo da [[Ação Integralista Brasileira]], fundada em 1932, de caráter antiliberal, [[positivista]] e [[ultraconservador]], inspirada no [[fascismo]] italiano, que levantava as bandeiras de Deus, Pátria e Família. [[Plínio Salgado]], líder dos integralistas, era um ferrenho anticomunista, entendendo o comunismo como o que havia de pior no [[liberalismo]] e os comunistas como a degeneração da humanidade, meros "bonecos de carne, prontos a roubar, a matar e a usar de qualquer expediente para a satisfação de seus apetites".<ref name="Filho"/> Entre as Forças Armadas, desde a Revolução Russa se firmara um forte sentimento anticomunista,<ref name="Filho"/><ref name="Pimentel"/> e artigos na Revista Militar Brasileira na década de 1930 sinalizavam uma aproximação com o [[nazismo]] e pregavam ideais políticos autoritários e [[militarista]]s.<ref name="Filho"/>

Outros fatores estavam em jogo naquele momento. Na década de 1930 [[Luís Carlos Prestes]], um dos líderes do tenentismo, aderiu ao comunismo, e em 1935 foi fundada a [[Aliança Libertadora Nacional]], de orientação comunista.<ref name="Castro"/> Estes eventos aumentaram o nível de alerta dos conservadores contra os comunistas,<ref name="Pimentel"/> reforçando a já expressiva sistematização de propaganda anticomunista para combate ao "inimigo da ordem".<ref name="Marcos"/> Neste período os comunistas realizaram movimentos em várias regiões brasileiras, culminando na [[Intentona Comunista]] de 1935, que desencadeou revoltas em [[Natal]], [[Recife]] e [[Rio de Janeiro]]. Todas essas revoltas claramente não tinham condições de alcançar seu objetivo, tendo apoio escasso, e foram rapidamente suprimidas por forças leais ao governo de Getúlio Vargas.<ref name="Castro"/>


Outros fatores estavam em jogo naquele momento. Na década de 1930 [[Luís Carlos Prestes]], um dos líderes do tenentismo, aderiu ao comunismo, e em 1935 foi fundada a [[Aliança Libertadora Nacional]], de orientação comunista.<ref name="Castro"/> Estes eventos aumentaram o nível de alerta dos conservadores contra os comunistas,<ref name="Pimentel"/> reforçando a já expressiva sistematização de propaganda anticomunista para combate ao "inimigo da ordem".<ref name="Marcos"/> Neste período os comunistas realizaram movimentos em várias regiões brasileiras, culminando na [[Intentona Comunista]] de 1935, que desencadeou revoltas em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Todas essas revoltas claramente não tinham condições de alcançar seu objetivo, tendo apoio escasso, e foram rapidamente suprimidas por forças leais ao governo de Getúlio Vargas.<ref name="Castro"/>
[[Imagem:Intentona Comunista de 1935 - Membro do Comitê Comunista de Natal - Lauro Cortez Lago (1), João Baptista Galvão (2), José Macedo (3), da esquerda para direita.jpg|thumb|left|Membros do Comitê Comunista de Natal durante a Intentona Comunista]]
[[Imagem:Intentona Comunista de 1935 - Membro do Comitê Comunista de Natal - Lauro Cortez Lago (1), João Baptista Galvão (2), José Macedo (3), da esquerda para direita.jpg|thumb|left|Membros do Comitê Comunista de Natal durante a Intentona Comunista]]


Apesar do fracasso da Intentona, segundo Celso Castro, ela
Apesar do fracasso da Intentona, segundo Celso Castro, ela "desencadeou um processo de institucionalização da ideologia anticomunista no interior das Forças Armadas. Os comunistas brasileiros foram acusados de serem elementos 'a serviço de Moscou' e, portanto, traidores da Pátria. [...] Embora a oposição de amplos setores militares ao comunismo anteceda à revolta, foi a partir desse momento que os comunistas passaram a ser claramente identificados como o inimigo maior".<ref name="Castro">Castro, Celso. [https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/O_anticomunismo_nas_FFAA "O anticomunismo nas Forças Armadas"]. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil — Fundação Getúlio Vargas</ref> Para José Martins Ferreira, "não seria exagero nenhum afirmar que se a história política recente do Brasil tem se caracterizado por uma constante e crescente presença das Forças Armadas na cena política, esta presença tem sido justificada, antecipadamente ou posteriormente, através da retórica anticomunista".<ref>Ferreira, José Roberto Martins. ''Os Novos Bárbaros: Análise do Discurso Anticomunista do Exército Brasileiro''. São Paulo, 1986, pp. 50-51</ref> Além disso, de acordo com Pandolfi & Grynszpan, a Intentona foi uma justificativa para Vargas obter significativo apoio político para ampliar seus poderes centralizadores e autoritários.<ref name="Pandolfi"/>


<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
Por outro lado, a Aliança Libertadora Nacional obtivera uma expressiva adesão popular, especialmente entre a classe média, com seu programa contra o [[latifúndio]], o [[imperialismo]], o fascismo e em favor da democracia.<ref name="Pandolfi"/> Diante deste quadro, depois da formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1933, dominada pelos situacionistas, que resultou na restauração dos Legislativos e na promulgação da [[Constituição de 1934]], em 1935 foi aprovada uma Lei de Segurança Nacional, através da qual a Aliança Libertadora Nacional foi declarada ilegal. Várias outras medidas repressoras incluíam emendas constitucionais prevendo uma restrição dos poderes do Legislativo em favor do fortalecimento do Executivo.<ref name="Pandolfi"/><ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/sancionada-a-nova-lei-de-seguranca-nacional "Estão extintos os direitos políticos"]. Memorial da Democracia</ref> No mesmo ano foi fundada a [[Ação Católica Brasileira]], subordinada à hierarquia da Igreja, com o objetivo de combater a Aliança Nacional Libertadora, tendo entre suas principais preocupações defender o operariado da influência comunista.<ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/acao-catolica-brasileira-e-oficialmente-criada "Fundada a Ação Católica Brasileira"]. Memorial da Democracia</ref>
:"''desencadeou um processo de institucionalização da ideologia anticomunista no interior das Forças Armadas. Os comunistas brasileiros foram acusados de serem elementos "a serviço de ''[[Moscou]]''" e, portanto, traidores da Pátria. ''[...]'' Embora a oposição de amplos setores militares ao comunismo anteceda à revolta, foi a partir desse momento que os comunistas passaram a ser claramente identificados como o inimigo maior''".<ref name="Castro">Castro, Celso. [https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/O_anticomunismo_nas_FFAA "O anticomunismo nas Forças Armadas"]. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil — Fundação Getúlio Vargas</ref>
</blockquote>

Para José Martins Ferreira,

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''não seria exagero nenhum afirmar que se a história política recente do Brasil tem se caracterizado por uma constante e crescente presença das Forças Armadas na cena política, esta presença tem sido justificada, antecipadamente ou posteriormente, através da retórica anticomunista''".<ref>Ferreira, José Roberto Martins. ''Os Novos Bárbaros: Análise do Discurso Anticomunista do Exército Brasileiro''. São Paulo, 1986, pp. 50-51</ref> Além disso, de acordo com Pandolfi & Grynszpan, a Intentona foi uma justificativa para Vargas obter significativo apoio político para ampliar seus poderes centralizadores e autoritários.<ref name="Pandolfi"/>
</blockquote>

Por outro lado, a Aliança Libertadora Nacional obtivera uma expressiva adesão popular, especialmente entre a [[classe média]], com seu programa contra o [[latifúndio]], o [[imperialismo]], o fascismo e em favor da democracia.<ref name="Pandolfi"/> Diante deste quadro, depois da formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1933, dominada pelos situacionistas, que resultou na restauração dos Legislativos e na promulgação da [[Constituição de 1934]], em 1935 foi aprovada uma [[Lei de Segurança Nacional (Brasil)|Lei de Segurança Nacional]], através da qual a Aliança Libertadora Nacional foi declarada ilegal. Várias outras medidas repressoras incluíam emendas constitucionais prevendo uma restrição dos poderes do Legislativo em favor do fortalecimento do Executivo.<ref name="Pandolfi"/><ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/sancionada-a-nova-lei-de-seguranca-nacional "Estão extintos os direitos políticos"]. Memorial da Democracia</ref> No mesmo ano foi fundada a [[Ação Católica Brasileira]], subordinada à hierarquia da Igreja, com o objetivo de combater a Aliança Nacional Libertadora, tendo entre suas principais preocupações defender o operariado da influência comunista.<ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/acao-catolica-brasileira-e-oficialmente-criada "Fundada a Ação Católica Brasileira"]. Memorial da Democracia</ref>
[[Ficheiro:Plano Cohen - Correio da Manha.png|miniaturadaimagem|Notícia no ''[[Correio da Manhã (Brasil)|Correio da Manhã]]'' anunciando a "descoberta" do Plano Cohen pelo Estado-Maior do Exército.]]
[[Ficheiro:Plano Cohen - Correio da Manha.png|miniaturadaimagem|Notícia no ''[[Correio da Manhã (Brasil)|Correio da Manhã]]'' anunciando a "descoberta" do Plano Cohen pelo Estado-Maior do Exército.]]


Neste contexto, Getúlio Vargas recorreu insistentemente à teoria da ameaça comunista para consolidar seu poder e legitimá-lo diante da população.<ref name="Pandolfi"/> Criou uma Comissão Especial de Repressão ao Comunismo em 1935, pouco depois declarou [[Estado de exceção|estado de sítio]],<ref name="Repressão">[http://memorialdademocracia.com.br/card/ditadura-no-estado-novo#page-2 "Ditadura do Estado Novo: Repressão"]. Memorial da Democracia</ref> e em 1936 vários líderes comunistas foram presos.<ref name="Pandolfi"/> Parte crucial nesta estratégia foi a divulgação da "descoberta" do [[Plano Cohen]], um documento creditado à [[Internacional Comunista]] e que descrevia os planos de acender uma revolução comunista no país envolvendo destruição de prédios públicos, eliminação de chefes militares, sequestro de ministros e magistrados, greves, saques, desordem e confisco de propriedades. Mas o documento era uma falsificação, havia sido arquitetado em 1937 pelo capitão [[Olímpio Mourão Filho]], organizador da Ação Integralista e integrante do serviço secreto do Estado-Maior do Exército. O documento circulou pelos quartéis e foi divulgado pelo governo como sendo verdadeiro, com o objetivo de desencadear um pânico anticomunista generalizado e preparar a opinião pública para aceitar uma [[ditadura]].<ref name="Peixoto"/><ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/plano-cohen-falsificacao-para-legitimar-ditadura "Governo e Exército forjam o Plano Cohen"]. Memorial da Democracia</ref><ref name="conveniente">[http://memorialdademocracia.com.br/card/ditadura-no-estado-novo#page-2 "Ditadura do Estado Novo: O conveniente Plano Cohen"]. Memorial da Democracia</ref><ref>Dias, Valéria. [http://www.usp.br/agen/?p=6807 "Mito do complô judaico-comunista ajudou na implantação do Estado Novo"]. ''Agência USP de Notícias'', 26/06/2009</ref>
Neste contexto, Getúlio Vargas recorreu insistentemente à teoria da ameaça comunista para consolidar seu poder e legitimá-lo diante da população.<ref name="Pandolfi"/> Criou uma Comissão Especial de Repressão ao Comunismo em 1935, pouco depois declarou [[Estado de exceção|estado de sítio]],<ref name="Repressão">[http://memorialdademocracia.com.br/card/ditadura-no-estado-novo#page-2 "Ditadura do Estado Novo: Repressão"]. Memorial da Democracia</ref> e em 1936 vários líderes comunistas foram presos.<ref name="Pandolfi"/> Parte crucial nesta estratégia foi a divulgação da "descoberta" do [[Plano Cohen]], um documento creditado à [[Internacional Comunista]] e que descrevia os planos de acender uma revolução comunista no país envolvendo destruição de prédios públicos, eliminação de chefes militares, sequestro de ministros e magistrados, [[greve]]s, saques, desordem e confisco de propriedades. Mas o documento era uma falsificação, havia sido arquitetado em 1937 pelo capitão [[Olímpio Mourão Filho]], organizador da Ação Integralista e integrante do serviço secreto do Estado-Maior do Exército. O documento circulou pelos quartéis e foi divulgado pelo governo como sendo verdadeiro, com o objetivo de desencadear um pânico anticomunista generalizado e preparar a opinião pública para aceitar uma [[ditadura]].<ref name="Peixoto"/><ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/plano-cohen-falsificacao-para-legitimar-ditadura "Governo e Exército forjam o Plano Cohen"]. Memorial da Democracia</ref><ref name="conveniente">[http://memorialdademocracia.com.br/card/ditadura-no-estado-novo#page-2 "Ditadura do Estado Novo: O conveniente Plano Cohen"]. Memorial da Democracia</ref><ref>Dias, Valéria. [http://www.usp.br/agen/?p=6807 "Mito do complô judaico-comunista ajudou na implantação do Estado Novo"]. ''Agência USP de Notícias'', 26/06/2009</ref>

A divulgação pública do Plano Cohen teve uma grande repercussão na imprensa e na sociedade.<ref name="Peixoto"/> No dia seguinte à divulgação, em 30 de setembro de 1937, Vargas obteve do Congresso a decretação de [[estado de guerra]], suspendendo os direitos constitucionais e dando poderes de repressão ilimitados ao presidente,<ref name="conveniente"/><ref name="Gisele"/> apesar de a pequena oposição protestar dizendo que não havia evidências de que a ameaça comunista de fato existisse.<ref name="Pandolfi"/> Segundo Renato Peixoto, o Plano era típico da ideologia das [[teoria da conspiração|teorias de conspiração]], "com revelações perturbadoras, de fácil compreensão e forte apelo popular: o inimigo conspirava de dentro, por meio de ações sinistras e traiçoeiras, as quais uma vez divulgadas foram capazes de ajudar a compor um ambiente favorável à cena golpista", e uma vez denunciado, exigia uma reação rápida e forte. O Plano também procurava denegrir o integralismo associando-o com o nazismo, e aludia a uma suposta [[Teorias conspiratórias judaicas|conspiração judaica internacional]], tendo similaridades com os [[Protocolos dos Sábios de Sião]], outro documento falso que teve ampla divulgação internacional.<ref name="Peixoto">Peixoto, Renato Amado. [https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/19970?mode=full ''Gustavo Barroso, o führer brasileiro: nação e identidade no discurso integralista barrosiano de 1933-1937'']. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2014, pp. 135-137</ref>


A divulgação pública do Plano Cohen teve uma grande repercussão na imprensa e na sociedade.<ref name="Peixoto"/> No dia seguinte à divulgação, em 30 de setembro de 1937, Vargas obteve do Congresso a decretação de [[estado de guerra]], suspendendo os direitos constitucionais e dando poderes de repressão ilimitados ao presidente,<ref name="conveniente"/><ref name="Gisele"/> apesar de a pequena oposição protestar dizendo que não havia evidências de que a ameaça comunista de fato existisse.<ref name="Pandolfi"/> Segundo Renato Peixoto, o Plano era típico da ideologia das [[teoria da conspiração|teorias de conspiração]], "com revelações perturbadoras, de fácil compreensão e forte apelo popular: o inimigo conspirava de dentro, por meio de ações sinistras e traiçoeiras, as quais uma vez divulgadas foram capazes de ajudar a compor um ambiente favorável à cena golpista", e uma vez denunciado, exigia uma reação rápida e forte. O Plano também procurava denegrir o integralismo associando-o com o nazismo, e aludia a uma suposta conspiração judaica internacional, tendo similaridades com os [[Protocolos dos Sábios de Sião]], outro documento falso que teve ampla divulgação internacional.<ref name="Peixoto">Peixoto, Renato Amado. [https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/19970?mode=full ''Gustavo Barroso, o führer brasileiro: nação e identidade no discurso integralista barrosiano de 1933-1937'']. Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2014, pp. 135-137</ref>
[[Ficheiro:Luiz Carlos Prestes no Tribunal de Segurança, 1937.png|miniaturadaimagem|O líder comunista Luís Carlos Prestes entre dois policiais no Tribunal de Segurança, em 1937]]
[[Ficheiro:Luiz Carlos Prestes no Tribunal de Segurança, 1937.png|miniaturadaimagem|O líder comunista Luís Carlos Prestes entre dois policiais no Tribunal de Segurança, em 1937]]


A situação evoluiu rapidamente em direção ao esmagamento da oposição e eliminação de todas as tendências reformistas alinhadas à esquerda, formando-se um [[estado de exceção]]. Sendo alegado que o movimento comunista era muito mais extenso do que se supunha, numa onda de perseguição que atingiu grande número de civis, até mesmo deputados e o prefeito do Distrito Federal foram presos sob a acusação de envolvimento com o comunismo.<ref name="Pandolfi"/> Em 10 de novembro de 1937, em pronunciamento público, Vargas decretou o fechamento do Congresso e cancelou as eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938. Era um [[golpe de Estado]], instituindo o regime ditatorial do [[Estado Novo (Brasil)|Estado Novo]].<ref name="Pandolfi">Pandolfi, Dulce Chaves & Grynszpan, Mario. [https://core.ac.uk/download/pdf/328069361.pdf "Da Revolução de 30 ao Golpe de 37: a depuração das elites"]. In: ''Revista de Sociologia e Política'', 1997 (9) — Dossiê Estado Novo: 60 Anos</ref><ref name="conveniente"/><ref name="Gisele"/> A Justiça Eleitoral, os partidos políticos e o Legislativo foram extintos, foi instituída a [[censura]], e com a outorga da [[Constituição de 1937]], os poderes do Executivo se tornaram praticamente ilimitados.<ref name="Gisele">Leite, Gisele. [https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/nove-golpes-da-historia-do-brasil-nada-se-cria-tudo-se-copia "Nove golpes da história do Brasil: nada se cria, tudo se copia"]. ''Jornal Jurid'', 08/12/2020</ref> No preâmbulo da Constituição ficava explicitado que ela vinha a atender ao "estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda", e por isso exigia remédio "de caráter radical e permanente".<ref name="Boletim">Motta, Rodrigo Patto Sá. [https://ufmg.br/comunicacao/publicacoes/boletim/edicao/gente-nova-no-pedaco/o-novo-surto-anticomunista-e-a-democracia-em-risco "O novo surto anticomunista e a democracia em risco"]. In: ''Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais'', 2018; 44 (2005) (</ref> Para Vargas os comunistas eram os principais inimigos da sociedade cristã,<ref name="Peixoto4"/> e já em 1936 havia definido o comunismo como "o aniquilamento absoluto de todas as conquistas da cultura ocidental, sob o império dos baixos apetites e das ínfimas paixões da humanidade — espécie de regresso ao primitivismo, às formas elementares da organização social".<ref>''Apud'' Marques, Raphael Peixoto de Paula. [https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/10412/3/2011_RaphaelPeixotodePaulaMarques.pdf ''Repressão Política e Usos da Constituição no Governo vargas (1935-1937): a segurança nacional e o combate ao comunismo'']. Mestrado. Universidade de Brasília, 2011, p. 20</ref> Com o apoio de setores conservadores, da Igreja Católica e da imprensa, Vargas lançou um discurso [[populismo|populista]] onde idealizava uma nação homogênea e harmoniosa, que no entanto era baseada na intolerância, na [[xenofobia]] e no [[nacionalismo]] exacerbado.<ref name="Peixoto4">Peixoto, p. 140</ref> Enquanto divulgava as realizações de seu governo e estimulava o culto ao [[patriotismo]] e à sua personalidade, a repressão e as perseguições políticas aumentavam.<ref name="Repressão"/> Em 1940 a maioria dos dirigentes comunistas foi presa.<ref>Abreu, p. 10</ref>
A situação evoluiu rapidamente em direção ao esmagamento da oposição e eliminação de todas as tendências [[reformista]]s alinhadas à esquerda, formando-se um [[estado de exceção]]. Sendo alegado que o movimento comunista era muito mais extenso do que se supunha, numa onda de perseguição que atingiu grande número de civis, até mesmo deputados e o prefeito do Distrito Federal foram presos sob a acusação de envolvimento com o comunismo.<ref name="Pandolfi"/> Em 10 de novembro de 1937, em pronunciamento público, Vargas decretou o fechamento do Congresso e cancelou as eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938. Era um [[golpe de Estado]], instituindo o regime ditatorial do [[Estado Novo (Brasil)|Estado Novo]].<ref name="Pandolfi">Pandolfi, Dulce Chaves & Grynszpan, Mario. [https://core.ac.uk/download/pdf/328069361.pdf "Da Revolução de 30 ao Golpe de 37: a depuração das elites"]. In: ''Revista de Sociologia e Política'', 1997 (9) — Dossiê Estado Novo: 60 Anos</ref><ref name="conveniente"/><ref name="Gisele"/> A Justiça Eleitoral, os partidos políticos e o Legislativo foram extintos, foi instituída a [[censura]], e com a outorga da [[Constituição de 1937]], os poderes do Executivo se tornaram praticamente ilimitados.<ref name="Gisele">Leite, Gisele. [https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/nove-golpes-da-historia-do-brasil-nada-se-cria-tudo-se-copia "Nove golpes da história do Brasil: nada se cria, tudo se copia"]. ''Jornal Jurid'', 08/12/2020</ref> No preâmbulo da Constituição ficava explicitado que ela vinha a atender ao "estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda", e por isso exigia remédio "de caráter radical e permanente".<ref name="Boletim">Motta, Rodrigo Patto Sá. [https://ufmg.br/comunicacao/publicacoes/boletim/edicao/gente-nova-no-pedaco/o-novo-surto-anticomunista-e-a-democracia-em-risco "O novo surto anticomunista e a democracia em risco"]. In: ''Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais'', 2018; 44 (2005) (</ref> Para Vargas os comunistas eram os principais inimigos da sociedade cristã,<ref name="Peixoto4"/> e já em 1936 havia definido o comunismo como "o aniquilamento absoluto de todas as conquistas da [[cultura ocidental]], sob o império dos baixos apetites e das ínfimas paixões da humanidade — espécie de regresso ao [[primitivismo]], às formas elementares da organização social".<ref>''Apud'' Marques, Raphael Peixoto de Paula. [https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/10412/3/2011_RaphaelPeixotodePaulaMarques.pdf ''Repressão Política e Usos da Constituição no Governo vargas (1935-1937): a segurança nacional e o combate ao comunismo'']. Mestrado. Universidade de Brasília, 2011, p. 20</ref> Com o apoio de setores conservadores, da Igreja Católica e da imprensa, Vargas lançou um discurso [[populismo|populista]] onde idealizava uma nação homogênea e harmoniosa, que no entanto era baseada na [[intolerância]], na [[xenofobia]] e no [[nacionalismo]] exacerbado.<ref name="Peixoto4">Peixoto, p. 140</ref> Enquanto divulgava as realizações de seu governo e estimulava o culto ao [[patriotismo]] e à sua personalidade, a repressão e as perseguições políticas aumentavam.<ref name="Repressão"/> Em 1940 a maioria dos dirigentes comunistas foi presa.<ref>Abreu, p. 10</ref>


Embora enfrentasse diversas resistências e críticas, o governo de Vargas sustentou consistentemente o mito da ameaça comunista e de modo geral tornou plausível para a população a ideia da "salvação nacional" à custa da democracia, representando um momento de consolidação da aliança entre as Forças Armadas, a questão da segurança nacional e o combate ao comunismo, e garantindo para o Exército um papel de liderança na construção da ideia de nação e no combate, no imaginário coletivo, do comunismo como o grande inimigo, abrindo o caminho para seu crescente intervencionismo na cena política, como revelado em seu desempenho na derrubada do próprio Vargas em 1945, nas crises de 1954 e 1955, e depois na crise de 1964, que resultou numa [[ditadura militar no Brasil|ditadura militar]].<ref>Marques, pp. 189-192</ref>
Embora enfrentasse diversas resistências e críticas, o governo de Vargas sustentou consistentemente o mito da ameaça comunista e de modo geral tornou plausível para a população a ideia da "salvação nacional" à custa da democracia, representando um momento de consolidação da aliança entre as Forças Armadas, a questão da segurança nacional e o combate ao comunismo, e garantindo para o Exército um papel de liderança na construção da ideia de nação e no combate, no imaginário coletivo, do comunismo como o grande inimigo, abrindo o caminho para seu crescente intervencionismo na cena política, como revelado em seu desempenho na derrubada do próprio Vargas em 1945, nas crises de 1954 e 1955, e depois na crise de 1964, que resultou numa [[ditadura militar no Brasil|ditadura militar]].<ref>Marques, pp. 189-192</ref>


== Retorno da "ameaça" no pós-guerra ==
== Retorno da "ameaça" no pós-guerra ==

{{AP|Guerra Fria}}
{{AP|Guerra Fria}}


Com a queda de Vargas em 1945 em meio a uma grande onda de protestos, o PCB retornou à legalidade e se reorganizou, e todos os presos políticos foram anistiados.<ref name="Abreu2"/> Iniciava o processo de redemocratização do Brasil. Em meio ao entusiasmo gerado pelo fim da [[II Guerra Mundial]] e pela derrota do nazi-fascismo, o país se via cheio de novas esperanças de progresso. Luiz Carlos Prestes também ganhou liberdade, já então aclamado por parte da imprensa como "o cavaleiro da esperança", grande "líder popular", "líder das forças progressistas nacionais", "um dos chefes políticos de maior responsabilidade entre nós", "acatado pela maioria anti-fascista".<ref name="Rodeghero"/> Nas eleições para presidente deste ano, o candidato comunista, [[Iedo Fiúza]], obteve 10% dos votos. Em 1946 o partido já mantinha oito jornais diários, alguns semanários e duas editoras. Nesta altura tinha cerca de 180 mil filiados. A despeito de sua orientação, sua proposta oficial não previa uma derrubada do sistema e rejeitava qualquer forma de ditadura, mas sim pretendia introduzir reformas dentro do arcabouço [[capitalista]] e democrático.<ref name="Abreu2"/> Parte dos comunistas, incluindo Prestes, havia mesmo apoiado a permanência de Vargas, entendendo-a como a única alternativa legalista viável para combater o fascismo, enquanto outros queriam sua deposição na tentativa de conquistar reformas imediatas.<ref name="Rodeghero"/>
Com a queda de Vargas em 1945 em meio a uma grande onda de protestos, o PCB retornou à legalidade e se reorganizou, e todos os presos políticos foram anistiados.<ref name="Abreu2"/> Iniciava o processo de redemocratização do Brasil. Em meio ao entusiasmo gerado pelo fim da [[II Guerra Mundial]] e pela derrota do [[nazifascismo]], o país se via cheio de novas esperanças de progresso. Luiz Carlos Prestes também ganhou liberdade, já então aclamado por parte da imprensa como "o cavaleiro da esperança", grande "líder popular", "líder das forças progressistas nacionais", "um dos chefes políticos de maior responsabilidade entre nós", "acatado pela maioria [[antifascista]]".<ref name="Rodeghero"/> Nas eleições para presidente deste ano, o candidato comunista, [[Iedo Fiúza]], obteve 10% dos votos. Em 1946 o partido já mantinha oito jornais diários, alguns semanários e duas editoras. Nesta altura tinha cerca de 180 mil filiados. A despeito de sua orientação, sua proposta oficial não previa uma derrubada do sistema e rejeitava qualquer forma de ditadura, mas sim pretendia introduzir reformas dentro do arcabouço [[capitalista]] e democrático.<ref name="Abreu2"/> Parte dos comunistas, incluindo Prestes, havia mesmo apoiado a permanência de Vargas, entendendo-a como a única alternativa legalista viável para combater o fascismo, enquanto outros queriam sua deposição na tentativa de conquistar reformas imediatas.<ref name="Rodeghero"/>


Mesmo deposto, Vargas continuava uma figura de enorme carisma e grande aceitação popular, especialmente devido às reformas [[trabalhismo|trabalhistas]] que implementara, e seu apoio foi decisivo para que o general [[Eurico Gaspar Dutra]], antigo Ministro da Guerra, fosse eleito presidente como seu sucessor. No entanto, a aproximação entre Vargas e Prestes, embora breve e frouxa, assim como a rápida reorganização do PCB, foram vistas com temor pelos conservadores, de maneira que o tema da ameaça comunista se tornaria novamente central no debate político a partir de 1946. As greves trabalhadoras deste ano foram suspeitas de insuflação comunista, ocorreram muitas prisões, foram tomadas medidas de repressão e censura nos sindicatos e órgãos públicos, incluindo a proibição da comemoração pública do Dia do Trabalho, e jornais da esquerda foram apreendidos. O próprio Prestes perdia espaço e era duramente criticado por parte da esquerda pelos rumos ambíguos que dava ao PCB.<ref name="Rodeghero">Rodeghero, Carla Simone. [http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis/article/view/806/569 "O anticomunismo nas encruzilhadas do autoritarismo e da democracia: a conjuntura 1945-1947"]. In: ''Métis — História & Cultura'', 2006; 5 (10)</ref> Em 1947, após denúncias levadas ao [[Tribunal Superior Eleitoral]], o registro do Partido Comunista foi cancelado, os mandatos de políticos comunistas foram cassados, e foi iniciada uma onda de perseguições e repressão aos núcleos comunistas em todo o Brasil.<ref name="Abreu2">Abreu, pp. 12-15</ref> Tornado ilegal, cabia então ao governo combater o comunismo, classificado como o grande "inimigo da nação", em nome do [[estado de direito]] e da defesa da Constituição.<ref>Cavalcanti, Erinaldo Vicente. [https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/15490 ''O medo em cena: a ameaça comunista na ditadura militar (Caruaru, PE - 1960-1968)'']. Doutorado. Universidade Federal de Pernambuco, 2015, pp. 106-108</ref> Segundo Carla Rodeghero, "por um lado, o governo brasileiro foi tomando medidas para cercear a atuação dos comunistas, estes, como resposta, foram radicalizando suas posições, inicialmente contra o capital estrangeiro e o imperialismo e mais tarde contra o governo Dutra que, no início, teve o seu apoio. [...] Em 1946, aquela sensibilidade de esquerda e aquele propósito de colaboração foram perdendo espaço. O processo se completou em 1947. O governo Dutra deixou clara sua faceta conservadora e seu alinhamento com os Estados Unidos".<ref name="Rodeghero"/>
Mesmo deposto, Vargas continuava uma figura de enorme [[carisma]] e grande aceitação popular, especialmente devido às reformas [[trabalhismo|trabalhistas]] que implementara, e seu apoio foi decisivo para que o general [[Eurico Gaspar Dutra]], antigo Ministro da Guerra, fosse eleito presidente como seu sucessor. No entanto, a aproximação entre Vargas e Prestes, embora breve e frouxa, assim como a rápida reorganização do PCB, foram vistas com temor pelos conservadores, de maneira que o tema da ameaça comunista se tornaria novamente central no debate político a partir de 1946. As greves trabalhadoras deste ano foram suspeitas de insuflação comunista, ocorreram muitas prisões, foram tomadas medidas de repressão e censura nos sindicatos e órgãos públicos, incluindo a proibição da comemoração pública do [[Dia do Trabalho]], e jornais da esquerda foram apreendidos. O próprio Prestes perdia espaço e era duramente criticado por parte da esquerda pelos rumos ambíguos que dava ao PCB.<ref name="Rodeghero">Rodeghero, Carla Simone. [http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis/article/view/806/569 "O anticomunismo nas encruzilhadas do autoritarismo e da democracia: a conjuntura 1945-1947"]. In: ''Métis — História & Cultura'', 2006; 5 (10)</ref> Em 1947, após denúncias levadas ao [[Tribunal Superior Eleitoral]], o registro do Partido Comunista foi cancelado, os mandatos de políticos comunistas foram cassados, e foi iniciada uma onda de perseguições e repressão aos núcleos comunistas em todo o Brasil.<ref name="Abreu2">Abreu, pp. 12-15</ref> Tornado ilegal, cabia então ao governo combater o comunismo, classificado como o grande "inimigo da nação", em nome do [[estado de direito]] e da defesa da Constituição.<ref>Cavalcanti, Erinaldo Vicente. [https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/15490 ''O medo em cena: a ameaça comunista na ditadura militar (Caruaru, PE - 1960-1968)'']. Doutorado. Universidade Federal de Pernambuco, 2015, pp. 106-108</ref> Segundo Carla Rodeghero:
<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''por um lado, o governo brasileiro foi tomando medidas para cercear a atuação dos comunistas, estes, como resposta, foram radicalizando suas posições, inicialmente contra o capital estrangeiro e o ''[[imperialismo]]'' e mais tarde contra o governo Dutra que, no início, teve o seu apoio. ''[...]'' Em 1946, aquela sensibilidade de esquerda e aquele propósito de colaboração foram perdendo espaço. O processo se completou em 1947. O governo Dutra deixou clara sua faceta conservadora e seu alinhamento com os'' [[Estados Unidos]]".<ref name="Rodeghero"/>
</blockquote>

Assim, o tema da ameaça comunista se inseria no contexto da [[Guerra Fria]] entre os [[Estados Unidos]] e a [[União Soviética]], que dividiu o Ocidente em dois blocos opostos. Nesta polarização, os Estados Unidos se preocuparam em manter os países latino-americanos dentro de sua [[esfera de influência]].<ref name="Grisolio"/><ref name="Tamiris"/> No Brasil, alinhado aos Estados Unidos e visto pelo governo norte-americano como um aliado, foi divulgado muito material de teor anticomunista, inclusive revistas e filmes norte-americanos,<ref name="Grisolio"/><ref name="Colloque">Motta, Rodrigo Patto Sá. [https://journals.openedition.org/nuevomundo/68817 "O anticomunismo nas pesquisas de opinião: Brasil, 1955-1964"]. In: ''Nuevo Mundo Mundos Nuevos — Colloque Las derechas en América latina en el siglo XX: problemas, desafíos y perspectivas. Sección 1 – El liberalismo y sus enemigos'', 14/01/2016</ref> fortalecendo a já antiga tradição anticomunista brasileira,<ref name="Patto"/> enquanto grupos independentes e instituições se autointitulavam de guardiões do sistema e se empenhavam em uma cruzada anticomunista onde os EUA eram retratados como os representantes do bem, da democracia, da liberdade individual, do direito à [[propriedade privada]] e do [[liberalismo econômico]], e a URSS como a encarnação do mal, um inimigo perverso, traiçoeiro e desleal, uma ameaça para a [[civilização ocidental]] e seus valores mais caros. O anticomunismo nesta altura interessava aos defensores da indústria nacional, aos defensores da entrada do capital estrangeiro, às alas conservadoras agrárias, aos integralistas, ao tradicionalismo católico, aos militares e outros grupos. Tipicamente a propaganda tinha uma caráter [[maniqueísta]], melodramático e sensacionalista, apelava insistentemente ao medo, reduzia uma questão altamente complexa a elementos simples e superficiais, sem contextualização teórica, limitando-se à denúncia acrítica e recusando o debate aprofundado do que de fato constituía o comunismo e suas propostas sociais. Também a Igreja Católica se engajava ativamente no combate ao comunismo, associando-o ao [[diabo]], à devassidão e à imoralidade (''ver: [[Decreto contra o Comunismo]]''). Nesta época se desenvolve no Brasil uma intensa propaganda incentivando a adoção do modo de vida norte-americano (''[[american way of life]]''), com reflexos na cultura, na moda, no comportamento, na música, no entretenimento e nas utopias do bem-viver.<ref name="Grisolio">Grisolio, Lilian Maria. [https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548945021_bb127ed42b3f876069c200c18bef8721.pdf "A Ameaça Vermelha: O Perigo da Infiltração Comunista na América Latina"]. In: ''XXVIII Simpósio Nacional de História''. Florianópolis, 27-31/07/2015</ref>


Assim, o tema da ameaça comunista se inseria no contexto da [[Guerra Fria]] entre os Estados Unidos e a União Soviética, que dividiu o Ocidente em dois blocos opostos. Nesta polarização, os Estados Unidos se preocuparam em manter os países latino-americanos dentro de sua órbita de influência.<ref name="Grisolio"/><ref name="Tamiris"/> No Brasil, alinhado aos Estados Unidos e visto pelo governo norte-americano como um aliado, foi divulgado muito material de teor anticomunista, inclusive revistas e filmes norte-americanos,<ref name="Grisolio"/><ref name="Colloque">Motta, Rodrigo Patto Sá. [https://journals.openedition.org/nuevomundo/68817 "O anticomunismo nas pesquisas de opinião: Brasil, 1955-1964"]. In: ''Nuevo Mundo Mundos Nuevos — Colloque Las derechas en América latina en el siglo XX: problemas, desafíos y perspectivas. Sección 1 – El liberalismo y sus enemigos'', 14/01/2016</ref> fortalecendo a já antiga tradição anticomunista brasileira,<ref name="Patto"/> enquanto grupos independentes e instituições se autointitulavam de guardiões do sistema e se empenhavam em uma cruzada anticomunista onde os EUA eram retratados como os representantes do bem, da democracia, da liberdade individual, do direito à propriedade privada e do liberalismo econômico, e a URSS como a encarnação do mal, um inimigo perverso, traiçoeiro e desleal, uma ameaça para a civilização ocidental e seus valores mais caros. O anticomunismo nesta altura interessava aos defensores da indústria nacional, aos defensores da entrada do capital estrangeiro, às alas conservadoras agrárias, aos integralistas, ao tradicionalismo católico, aos militares e outros grupos. Tipicamente a propaganda tinha uma caráter [[maniqueísta]], melodramático e sensacionalista, apelava insistentemente ao medo, reduzia uma questão altamente complexa a elementos simples e superficiais, sem contextualização teórica, limitando-se à denúncia acrítica e recusando o debate aprofundado do que de fato constituía o comunismo e suas propostas sociais. Também a Igreja Católica se engajava ativamente no combate ao comunismo, associando-o ao diabo, à devassidão e à imoralidade. Nesta época se desenvolve no Brasil uma intensa propaganda incentivando a adoção do ''american way of life'' (modo de vida norte-americano), com reflexos na cultura, na moda, no comportamento, na música, no entretenimento e nas utopias do bem-viver.<ref name="Grisolio">Grisolio, Lilian Maria. [https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548945021_bb127ed42b3f876069c200c18bef8721.pdf "A Ameaça Vermelha: O Perigo da Infiltração Comunista na América Latina"]. In: ''XXVIII Simpósio Nacional de História''. Florianópolis, 27-31/07/2015</ref>
[[Ficheiro:Cuban rebel soldiers in the Habana Hilton foyer, January, 1959.jpg|miniaturadaimagem|left|Revolucionários cubanos tomando o Hotel Hilton de Havana em 1959.]]
[[Ficheiro:Cuban rebel soldiers in the Habana Hilton foyer, January, 1959.jpg|miniaturadaimagem|left|Revolucionários cubanos tomando o Hotel Hilton de Havana em 1959.]]


Neste período diversos levantes de esquerda desencadearam impacto internacional, como a [[Revolução Cubana]] de 1959 e as lutas anti-imperialistas na África.<ref name="Hessmann"/> Até então, para as duas superpotências, a América Latina era de interesse secundário no cenário político, mas a revolução em Cuba mudou isso, trazendo para a região com toda a força o contexto da Guerra Fria e tornando-a zona prioritária para os EUA no combate à ameaça vermelha.<ref name="Patto">Motta, Rodrigo Patto Sá. [http://pensamiento.unal.edu.co/fileadmin/recursos/focos/comunicacion/docs/Di__a_2._O_segundo_grande_surto_anticomunista.1961-64.pdf ''Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil'']. Doutorado. Universidade de São Paulo, 2000, pp. 286-289</ref> Os levantes bem-sucedidos da esquerda serviram de estímulo para grupos esquerdistas latino-americanos, inclusive brasileiros, que ganhavam um apoio mais amplo de intelectuais, artistas, dramaturgos e escritores, bem como de expressivas massas estudantis, camponesas e operárias, desejosos de uma renovação política e social através de uma série de reformas de base que consideravam necessárias. Criava-se uma significativa fermentação política que englobava um amplo espectro de propostas de esquerda, que iam das radicais às conciliatórias. Mesmo entre parte do clero católico, ouvindo as reivindicações populares por melhores condições de vida, houve uma certa migração para ideologias socialistas, embora o comunismo continuasse execrado.<ref name="Patto"/><ref name="Hessmann">Hessmann, Dayane Rúbila Lobo. [https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/26283 ''Cartilha da Repressão: os ensinamentos de um delegado sobre a subversão e a Segurança Nacional (1974-1977)'']. Mestrado. Universidade Federal do Paraná, 2011, pp. 27-33</ref>
Neste período diversos levantes de esquerda desencadearam impacto internacional, como a [[Revolução Cubana]] de 1959 e as lutas [[anti-imperialista]]s na [[África]].<ref name="Hessmann"/> Até então, para as duas [[superpotência]]s, a [[América Latina]] era de interesse secundário no cenário político, mas a revolução em Cuba mudou isso, trazendo para a região com toda a força o contexto da Guerra Fria e tornando-a zona prioritária para os EUA no combate à ameaça vermelha.<ref name="Patto">Motta, Rodrigo Patto Sá. [http://pensamiento.unal.edu.co/fileadmin/recursos/focos/comunicacion/docs/Di__a_2._O_segundo_grande_surto_anticomunista.1961-64.pdf ''Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil'']. Doutorado. Universidade de São Paulo, 2000, pp. 286-289</ref> Os levantes bem-sucedidos da esquerda serviram de estímulo para grupos esquerdistas latino-americanos, inclusive brasileiros, que ganhavam um apoio mais amplo de intelectuais, artistas, dramaturgos e escritores, bem como de expressivas massas estudantis, camponesas e operárias, desejosos de uma renovação política e social através de uma série de reformas de base que consideravam necessárias. Criava-se uma significativa fermentação política que englobava um amplo espectro de propostas de esquerda, que iam das radicais às conciliatórias. Mesmo entre parte do clero católico, ouvindo as reivindicações populares por melhores condições de vida, houve uma certa migração para ideologias socialistas, embora o comunismo continuasse execrado.<ref name="Patto"/><ref name="Hessmann">Hessmann, Dayane Rúbila Lobo. [https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/26283 ''Cartilha da Repressão: os ensinamentos de um delegado sobre a subversão e a Segurança Nacional (1974-1977)'']. Mestrado. Universidade Federal do Paraná, 2011, pp. 27-33</ref>


Do outro lado do espectro, continuavam fortes no Brasil as doutrinas de direita e conservadoras, e diante do exemplo de Cuba os grupos anticomunistas brasileiros intensificaram seu ativismo.<ref name="Patto"/> A teoria da ameaça comunista serviu como argumento decisivo para a realização de golpes e implantação de ditaduras militares na América Latina.<ref name="Tamiris"/> Tomava-se a Revolução Cubana como exemplo paradigmático da barbárie, da loucura e do caos que alegadamente seriam típicos do comunismo, retratando o povo cubano como um joguete inocente nas mãos de seu "perverso" e "perigoso" líder [[Fidel Castro]]. Essa pintura distorcida e tendenciosa foi um mote frequente na imprensa do Ocidente na época, demonizando os comunistas como os destruidores da civilização, comparando-os até mesmo aos [[Cavaleiros do Apocalipse]] e associando-os a profecias de catástrofes inimagináveis que poderiam se espalhar por todo o mundo através da sua influência corrompedora e destrutiva. Segundo Andréia Carvalho, "no quadro de crise em que se encontravam os países latino-americanos, e em particular o Brasil, a alternativa cubana parecia viável, um caminho para o futuro. Neste sentido tornou-se importante para os jornais mais à esquerda maximizar as benesses atribuídas à Revolução Cubana, enquanto a imprensa de tendência mais à direita procurava maximizar os males, demonizando e difamando as conquistas da ilha".<ref name="Andréia"/>
Do outro lado do espectro, continuavam fortes no Brasil as doutrinas de direita e conservadoras, e diante do exemplo de Cuba os grupos anticomunistas brasileiros intensificaram seu ativismo.<ref name="Patto"/> A teoria da ameaça comunista serviu como argumento decisivo para a realização de golpes e implantação de ditaduras militares na América Latina.<ref name="Tamiris"/> Tomava-se a Revolução Cubana como exemplo paradigmático da barbárie, da loucura e do caos que alegadamente seriam típicos do comunismo, retratando o povo cubano como um joguete inocente nas mãos de seu "perverso" e "perigoso" líder [[Fidel Castro]]. Essa pintura distorcida e tendenciosa foi um mote frequente na imprensa do Ocidente na época, demonizando os comunistas como os destruidores da civilização, comparando-os até mesmo aos [[Cavaleiros do Apocalipse]] e associando-os a profecias de catástrofes inimagináveis que poderiam se espalhar por todo o mundo através da sua influência corrompedora e destrutiva. Segundo Andréia Carvalho, "no quadro de crise em que se encontravam os países latino-americanos, e em particular o Brasil, a alternativa cubana parecia viável, um caminho para o futuro. Neste sentido tornou-se importante para os jornais mais à esquerda maximizar as benesses atribuídas à Revolução Cubana, enquanto a imprensa de tendência mais à direita procurava maximizar os males, demonizando e difamando as conquistas da ilha".<ref name="Andréia"/>


== Anos 1960 ==
== Anos 1960 ==

{{AP|Golpe de Estado no Brasil em 1964|Ditadura militar brasileira}}{{VT|Securing Sex: Morality and Repression in the Making of Cold War Brazil}}
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| image1 = Edmund S. Valtman, What you need is a revolution like mine ppmsca.02969.jpg
| caption1 = ''What you need, man, is a revolution like mine.'' <br />("O que você precisa, cara, é de uma revolução como a minha."): <br />[[Fidel Castro]] aconselhando o Brasil, enquanto conduz Cuba acorrentada. [[Charge]] de [[Edmund S. Valtman]], publicada em [[31 de Agosto]] de [[1961]] e ganhadora do [[Prêmio Pulitzer]] no ano seguinte.<ref>{{citar web|url=https://www.pulitzer.org/winners/edmund-s-valtman|titulo=The 1962 Pulitzer Prize Winner in Editorial Cartooning|data=31 de agosto de 1961|acessodata=3 de setembro de 2021|publicado=Prêmio Pulitzer {{en}}|ultimo=|primeiro=}}</ref>
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| caption2 = Che Guevara sendo condecorado por Jânio Quadros.
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| caption3 = [[Mikhail Ivanovich Filonenko]] que, de [[1954]] a [[1960]], junto com sua esposa [[Anna Feodorovna Filonenko-Kamaeva|Anna]], foi espião da [[KGB]] no Brasil.<ref>[http://www.ruspred.ru/arh/10/31rr.html Ruspred] - ЛЮДИ ИЗ ЧИСТОЙ СТАЛИ ("Pessoas de puro aço"). Vladimir Antonov, Fevereiro de 2003, {{ru}} Acessado em 03/09/2021.</ref><ref>[http://www.x-libri.ru/elib/pwlvw001/00000144.htm X-Libri] {{ru}} Acessado em 03/09/2021.</ref><ref>''The Mitrokhin Archive: The KGB in Europe and the West.'' Autores: Christopher Andrew & Vasili Mitrokhin. Penguin UK, (especificar página(s) 2015, {{en}} ISBN 9780141966465 Adicionado em 03/09/2021.</ref>
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| caption4 = Comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro.
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| caption4 = Manifestantes na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em 19 de março de 1964, em São Paulo.
}}

No início da década de 1960 o cenário político era de grande ativismo e muita polêmica, mas era também muito fragmentado em uma multiplicidade de tendências divergentes ao longo de todo o espectro ideológico. O [[Partido Social Democrático (1945)|Partido Social Democrático]], ligado às oligarquias agrárias, era o principal representante do [[conservadorismo]]; o [[Partido Trabalhista Brasileiro]] atraía majoritariamente trabalhadores urbanos; a [[União Democrática Nacional]] interessava à classe média, aos profissionais liberais, intelectuais e parte do empresariado; o [[Partido Socialista Brasileiro]] agrupava intelectuais e estudantes; e o Partido Comunista contava com bastante prestígio popular. Havia também grupos de centro-esquerda, de extrema-direita, [[anarquistas]] e outros.<ref name="Hessmann"/>
No início da década de 1960 o cenário político era de grande ativismo e muita polêmica, mas era também muito fragmentado em uma multiplicidade de tendências divergentes ao longo de todo o espectro ideológico. O [[Partido Social Democrático (1945)|Partido Social Democrático]], ligado às oligarquias agrárias, era o principal representante do [[conservadorismo]]; o [[Partido Trabalhista Brasileiro]] atraía majoritariamente trabalhadores urbanos; a [[União Democrática Nacional]] interessava à classe média, aos profissionais liberais, intelectuais e parte do empresariado; o [[Partido Socialista Brasileiro]] agrupava intelectuais e estudantes; e o Partido Comunista contava com bastante prestígio popular. Havia também grupos de centro-esquerda, de extrema-direita, [[anarquistas]] e outros.<ref name="Hessmann"/>
[[Ficheiro:Jânio Quadros condecora Ernesto Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul.jpg|thumb|left|Che Guevara sendo condecorado por Jânio Quadros.]]
[[Jânio Quadros]] elegeu-se presidente com o apoio de muitos que viram nele uma promessa de combate ao getulismo e às esquerdas, mas para a sua surpresa, ele passou a desenvolver uma política externa não alinhada aos EUA, sofrendo uma enxurrada de críticas, que se tornaram extremadas quando ele condecorou [[Che Guevara]], um dos líderes da Revolução Cubana, com a [[Ordem do Cruzeiro do Sul]].<ref name="Patto"/> Então deflagrou-se nova crise institucional: o presidente renunciou em 25 de agosto 1961, poucos meses após ser empossado. Seu vice, [[João Goulart]], deveria assumir o governo, mas ele tinha laços conhecidos com a esquerda e foi rejeitado por parte do Congresso e impedido pelos ministros militares, que o acusaram de corrupção, conspiração e vinculação ao comunismo e socialismo. Como solução conciliatória para uma situação que foi considerada na época próxima da [[guerra civil]], o Congresso propôs o regime [[parlamentarista]], onde o presidente teria poderes limitados. [[Tancredo Neves]] assumiu como primeiro-ministro, mas pediu demissão em 1962. No ano seguinte um [[plebiscito]] rejeitou o parlamentarismo, e Goulart reassumiu como presidente com plenos poderes.<ref name="Andrada">Andrada, Alexandre. [https://theintercept.com/2018/09/21/farsa-historia-ditadura-militar-comunista/ "O Golpe de 64 não salvou o país da ameaça comunista porque nunca houve ameaça nenhuma]. ''The Intercept'', 22/09/2018</ref><ref name="Hessmann"/>


[[Jânio Quadros]] elegeu-se presidente com o apoio de muitos que viram nele uma promessa de combate ao getulismo e às esquerdas, mas para a sua surpresa, ele passou a desenvolver uma [[Política Externa Independente|política externa não alinhada aos EUA]], sofrendo uma enxurrada de críticas, que se tornaram extremadas quando ele condecorou [[Che Guevara]], um dos líderes da Revolução Cubana, com a [[Ordem do Cruzeiro do Sul]].<ref name="Patto"/> Então deflagrou-se nova crise institucional: o presidente renunciou em 25 de agosto 1961, poucos meses após ser empossado. Seu vice, [[João Goulart]], deveria assumir o governo, mas ele tinha laços conhecidos com a esquerda e foi rejeitado por parte do Congresso e impedido pelos ministros militares, que o acusaram de corrupção, [[conspiração (política)|conspiração]] e vinculação ao comunismo e socialismo. Como solução conciliatória para uma situação que foi considerada na época próxima da [[guerra civil]], o Congresso propôs o [[República Parlamentarista (Brasil)|regime parlamentarista]], onde o presidente teria poderes limitados. [[Tancredo Neves]] assumiu como primeiro-ministro, mas pediu demissão em 1962. No ano seguinte um [[plebiscito]] rejeitou o [[parlamentarismo]], e Goulart reassumiu como presidente com plenos poderes.<ref name="Andrada">Andrada, Alexandre. [https://theintercept.com/2018/09/21/farsa-historia-ditadura-militar-comunista/ "O Golpe de 64 não salvou o país da ameaça comunista porque nunca houve ameaça nenhuma]. ''The Intercept'', 22/09/2018</ref><ref name="Hessmann"/>
O programa de Goulart, prometendo [[reformas de base]] em vários setores, não previa, contudo, uma mudança de sistema, nem para o socialismo e muito menos para o comunismo, mas foi o bastante para despertar a rejeição de amplos setores da sociedade,<ref name="Domenici"/><ref name="Hessmann2"/> especialmente as elites tradicionais, os grupos empresariais, parte da classe média, profissionais liberais, oficiais das Forças Armadas, e até mesmo pequenos proprietários.<ref name="Hessmann2">Hessmann, p. 34</ref> Para esses grupos, as reformas representavam uma ruptura da estrutura social e seus valores e instituições tradicionais.<ref>Giménez, Andrea Beatriz Wozniak. [https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/53392/andrea_wozniak_gimenez.pdf?sequence=1&isAllowed=y ''As representações anticomunistas na grande imprensa curitibana 1961-1964'']. Universidade Federal do Paraná, 1999, p. 68</ref> Segundo Marcelo Mattos, "apesar de os discursos e as memórias dos conservadores associarem as reformas de base a uma abertura de espaço para a implantação do comunismo no Brasil, as propostas concretas apresentadas estavam muito distantes do radicalismo que lhes atribuía o discurso conservador".<ref>Mattos, Marcelo Badaró. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882008000100012 "O governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica"]. In: ''Revista Brasileira de História'', 2008; 28 (55)</ref> Apesar disso, com a ascensão de Goulart a propaganda anticomunista, a radicalização esquerda-direita e a associação do presidente ao perigo vermelho se intensificaram. Seu governo não foi tranquilo, tendo de lidar com constantes protestos e greves e intensa agitação política. Surgiram muitas denúncias de infiltração comunista em instituições e órgãos públicos. Em outubro de 1963 o presidente pediu ao Congresso autorização para decretar estado de sítio, gerando grande comoção nacional, fazendo com que o pedido fosse retirado. A esta altura ele já praticamente perdera o controle da situação, enfrentando maciça oposição do centro, da direita e dos conservadores, que formaram uma frente ampla contra seu governo e contra a ameaça comunista. Ele havia perdido até mesmo o apoio de setores da esquerda. Em janeiro de 1964 a mobilização anticomunista atingiu uma intensidade nunca vista antes.<ref>Motta (2000), pp. 308-322</ref>
[[Imagem:Comício da Central do Brasil, Rio de Janeiro, GB..tif|thumb|Comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro.]]
[[Imagem:Marcha da familia com deus pela liberdade.jpg|thumb|Manifestantes na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em 19 de março de 1964, em São Paulo.]]


O programa de Goulart, prometendo [[reformas de base]] em vários setores, não previa, contudo, uma mudança de sistema, nem para o socialismo e muito menos para o comunismo, mas foi o bastante para despertar a rejeição de amplos setores da sociedade,<ref name="Domenici"/><ref name="Hessmann2"/> especialmente as elites tradicionais, os grupos empresariais, parte da [[classe média]], profissionais liberais, oficiais das Forças Armadas, e até mesmo pequenos proprietários.<ref name="Hessmann2">Hessmann, p. 34</ref> Para esses grupos, as reformas representavam uma ruptura da estrutura social e seus valores e instituições tradicionais.<ref>Giménez, Andrea Beatriz Wozniak. [https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/53392/andrea_wozniak_gimenez.pdf?sequence=1&isAllowed=y ''As representações anticomunistas na grande imprensa curitibana 1961-1964'']. Universidade Federal do Paraná, 1999, p. 68</ref> Segundo Marcelo Mattos,
Em 13 de março de 1964 um [[Comício da Central|comício na Central do Brasil]] no Rio mobilizou cerca de 350 mil pessoas em defesa das reformas propostas. Formou-se uma reação imediata contra o que foi visto por expressivos setores conservadores das classes média e alta e do oficialato militar como uma ameaça à ordem e uma perigosa corrida em direção ao comunismo.<ref name="Tamiris">Carvalho, Tamiris. [http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364325755_ARQUIVO_artigoanpuh2013.pdf "Desumanizando o outro: a construção do imaginário anticomunista na Revista Veja (1968-1970)"]. In: ''XXVII Simpósio Nacional de História''. Natal, 2003</ref><ref name="Hessmann35"/> Para [[Rodrigo Patto Sá Motta|Rodrigo Sá Motta]], "o comício da Central provocou a consolidação das mobilizações anticomunista e anti-Goulart, cujo movimento convergente se completou. Setores sociais importantes, que até então se mantinham em expectativa, alguns inclusive simpáticos à pregação reformista, alinharam-se ao lado da direita e dos conservadores, sob a bandeira do anticomunismo. O processo de formação da 'união sagrada' contra o comunismo se consumou, reunindo as elites empresariais, militares, políticas, religiosas e as classes médias, todos amedrontados ante a possibilidade de uma suposta ruptura revolucionária".<ref>Motta (2000), pp. 325-326</ref>


<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
Em resposta, no dia 19 aconteceu a primeira [[Marcha da Família com Deus pela Liberdade]], atraindo cerca de 500 mil pessoas para as ruas de São Paulo, lançando muitas palavras de ordem contra o comunismo. A marcha inspirou manifestações semelhantes em várias outras grandes cidades. Em meados de março a frente anticomunista abrangia praticamente toda a elite brasileira e amplos segmentos da classe média, Goulart se encontrava isolado, e a esta altura já se havia formado uma forte predisposição para a derrubada do presidente. O estopim para a ação direta dos grupos conservadores foi a [[Revolta dos Marinheiros de 1964|Revolta dos Marinheiros]], um protesto de alguns militares de esquerda contra a prisão de alguns companheiros. Isso, junto com a complacência de Goulart diante da revolta, convenceu definitivamente os conservadores de que as Forças Armadas estavam sendo minadas pelos comunistas e que havia um processo revolucionário em andamento.<ref>Motta (2000), pp. 328-331</ref> Assim, em 31 de março, alegando salvar o país da ameaça comunista, as Forças Armadas implementaram um golpe de Estado, instaurando um governo militar. Imediatamente começou um grande expurgo anticomunista.<ref name="Hessmann35">Hessmann, p. 35</ref><ref>Motta (2000), pp. 332-333</ref> O discurso do general Carlos Alberto da Fontoura é típico da retórica do momento:
:"''apesar de os discursos e as memórias dos conservadores associarem as ''[[reformas de base]]'' a uma abertura de espaço para a implantação do comunismo no Brasil, as propostas concretas apresentadas estavam muito distantes do radicalismo que lhes atribuía o discurso conservador''".<ref>Mattos, Marcelo Badaró. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882008000100012 "O governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica"]. In: ''Revista Brasileira de História'', 2008; 28 (55)</ref>
</blockquote>


Apesar disso, com a ascensão de Goulart a propaganda anticomunista, a radicalização esquerda-direita e a associação do presidente ao perigo vermelho se intensificaram. Seu governo não foi tranquilo, tendo de lidar com constantes protestos e greves e intensa agitação política. Surgiram muitas denúncias de infiltração comunista em instituições e órgãos públicos. Em outubro de 1963 o presidente pediu ao Congresso autorização para decretar [[estado de sítio]], gerando grande comoção nacional, fazendo com que o pedido fosse retirado. A esta altura ele já praticamente perdera o controle da situação, enfrentando maciça oposição do centro, da direita e dos conservadores, que formaram uma frente ampla contra seu governo e contra a ameaça comunista. Ele havia perdido até mesmo o apoio de setores da esquerda. Em janeiro de 1964 a mobilização anticomunista atingiu uma intensidade nunca vista antes.<ref>Motta (2000), pp. 308-322</ref>
::"Agora é a Nação toda de pé, para defender as suas Forças Armadas, a fim de que estas continuem a defendê-la dos ataques e das insídias comunistas. Neste grave momento da História, quando os brasileiros, patriotas e democratas, veem que não é mais possível contemporizar com a subversão, pois a subversão partindo do Governo fatalmente conduziria ao ''[[putsch]]'' (golpe) e à entrega do País aos vermelhos, elevemos a Deus nosso pensamento, pedindo-lhe que proteja esta Pátria Cristã, que a salve da guerra fratricida e que a livre da escravidão comuno-fidelista".<ref>''Apud'' Motta (2000), p. 333</ref>


Em 13 de março de 1964 um [[Comício da Central|comício na Central do Brasil]] no Rio mobilizou cerca de 350 mil pessoas em defesa das reformas propostas. Formou-se uma reação imediata contra o que foi visto por expressivos setores conservadores das classes média e alta e do oficialato militar como uma ameaça à ordem e uma perigosa corrida em direção ao comunismo.<ref name="Tamiris">Carvalho, Tamiris. [http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364325755_ARQUIVO_artigoanpuh2013.pdf "Desumanizando o outro: a construção do imaginário anticomunista na Revista Veja (1968-1970)"]. In: ''XXVII Simpósio Nacional de História''. Natal, 2003</ref><ref name="Hessmann35"/> Para [[Rodrigo Patto Sá Motta|Rodrigo Sá Motta]]:
A suposta ameaça comunista era a justificativa para reprimir as tendências reformistas de modo geral, que eram mal vistas por setores muito diferenciados da população, incluindo os insatisfeitos com a crise econômica, aqueles que se sentiam inseguros diante das mobilizações sociais, aqueles a quem não agradava o protagonismo político dos grupos populares reivindicando direitos, os que desconfiavam da capacidade de liderança de Goulart, os que temiam que ele desejasse impor um regime ditatorial, e outros.<ref name="Domenici"/> A imprensa contribuiu ativamente para a queda de Goulart com um discurso que mobilizou à exaustão o tema do perigo vermelho, a fim de criar um clima de pânico,<ref name="Domenici"/><ref name="Andrada"/> com representações distorcidas mostrando sistematicamente os comunistas como violentos, malignos e imorais.<ref>Motta (2000), p. 339</ref> Isso contrasta com várias pesquisas de opinião realizadas entre as décadas de 1950 e 1960, que mostravam o comunismo propriamente dito com um apoio muito limitado, impotente para levar a cabo a suposta revolução, face a uma larga preponderância do anticomunismo enraizado na população em geral.<ref name="Colloque"/> Um relatório do serviço secreto britânico de 1962 avaliou a ameaça de uma revolução comunista como exagerada, assinalando que os únicos grupos bem organizados, as [[Ligas camponesas|Ligas Camponesas]], estavam em declínio, e que outros grupos não haviam conseguido se articular com sucesso.<ref name="Segredos"/> Outro exemplo é o do deputado [[João Calmon]], um importante apoiador do golpe, que em 1965 reconheceu que a ameaça comunista era muito menor do que o divulgado: "Hoje, ninguém mais duvida de que existia, antes da vitória, muito mais corrupção do que comunismo. Nestes doze meses de depuração a ameaça vermelha se tornou ainda mais insignificante".<ref>''Apud'' Motta (2000), p. 335</ref> Para Rodrigo Sá Motta, autor do principal estudo sobre o anticomunismo no Brasil,<ref name="Grisolio"/>


<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
::"O Brasil não estava à beira do comunismo. É correto dizer que muitos atores da época acreditaram existir uma ameaça vermelha, mas, com frequência, não tinham visão clara sobre o significado de comunismo, às vezes confundiam-no vagamente com qualquer proposta de esquerda ou mesmo tentativas de reforma social. No entanto, muitas lideranças sabiam perfeitamente que o comunismo não estava no horizonte, mas manipularam o medo para engrossar a oposição ao governo Goulart".<ref name="Domenici">Domenici, Thiago. [https://apublica.org/2019/04/1964-o-brasil-nao-estava-a-beira-do-comunismo-diz-historiador/ "1964: O Brasil não estava à beira do comunismo, diz historiador"]. ''Pública — Agência de Jornalismo Investigativo'', 01/04/2019</ref>
:"''o comício da Central provocou a consolidação das mobilizações anticomunista e anti-Goulart, cujo movimento convergente se completou. Setores sociais importantes, que até então se mantinham em expectativa, alguns inclusive simpáticos à pregação reformista, alinharam-se ao lado da direita e dos conservadores, sob a bandeira do anticomunismo. O processo de formação da 'união sagrada' contra o comunismo se consumou, reunindo as elites empresariais, militares, políticas, religiosas e as classes médias, todos amedrontados ante a possibilidade de uma suposta ruptura revolucionária''".<ref>Motta (2000), pp. 325-326</ref>
</blockquote>

Em resposta, no dia 19 aconteceu a primeira [[Marcha da Família com Deus pela Liberdade]], atraindo cerca de 500 mil pessoas para as ruas de [[São Paulo]], lançando muitas palavras de ordem contra o comunismo. A marcha inspirou manifestações semelhantes em várias outras grandes cidades. Em meados de março a frente anticomunista abrangia praticamente toda a elite brasileira e amplos segmentos da classe média, Goulart se encontrava isolado, e a esta altura já se havia formado uma forte predisposição para a derrubada do presidente. O estopim para a ação direta dos grupos conservadores foi a [[Revolta dos Marinheiros de 1964|Revolta dos Marinheiros]], um protesto de alguns militares de esquerda contra a prisão de alguns companheiros. Isso, junto com a complacência de Goulart diante da revolta, convenceu definitivamente os conservadores de que as Forças Armadas estavam sendo minadas pelos comunistas e que havia um processo revolucionário em andamento.<ref>Motta (2000), pp. 328-331</ref> Assim, em 31 de março, alegando salvar o país da ameaça comunista, as Forças Armadas implementaram um golpe de Estado, instaurando um governo militar. Imediatamente começou um grande expurgo anticomunista.<ref name="Hessmann35">Hessmann, p. 35</ref><ref>Motta (2000), pp. 332-333</ref> O discurso do general Carlos Alberto da Fontoura é típico da retórica do momento:

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''Agora é a Nação toda de pé, para defender as suas Forças Armadas, a fim de que estas continuem a defendê-la dos ataques e das insídias comunistas. Neste grave momento da História, quando os brasileiros, patriotas e democratas, veem que não é mais possível contemporizar com a ''[[subversão]],'' pois a subversão partindo do Governo fatalmente conduziria ao ''[[putsch]]'' (golpe) e à entrega do País aos vermelhos, elevemos a Deus nosso pensamento, pedindo-lhe que proteja esta Pátria Cristã, que a salve da guerra fratricida e que a livre da escravidão'' [[Castrismo|comuno-fidelista]]".<ref>''Apud'' Motta (2000), p. 333</ref>
</blockquote>

A suposta ameaça comunista era a justificativa para reprimir as tendências reformistas de modo geral, que eram mal vistas por setores muito diferenciados da população, incluindo os insatisfeitos com a crise econômica, aqueles que se sentiam inseguros diante das mobilizações sociais, aqueles a quem não agradava o protagonismo político dos grupos populares reivindicando direitos, os que desconfiavam da capacidade de liderança de Goulart, os que temiam que ele desejasse impor um regime ditatorial, e outros.<ref name="Domenici"/> A imprensa contribuiu ativamente para a queda de Goulart com um discurso que mobilizou à exaustão o tema do perigo vermelho, a fim de criar um clima de pânico,<ref name="Domenici"/><ref name="Andrada"/> com representações distorcidas mostrando sistematicamente os comunistas como violentos, malignos e imorais.<ref>Motta (2000), p. 339</ref> Isso contrasta com várias pesquisas de opinião realizadas entre as décadas de 1950 e 1960, que mostravam o comunismo propriamente dito com um apoio muito limitado, impotente para levar a cabo a suposta revolução, face a uma larga preponderância do anticomunismo enraizado na população em geral.<ref name="Colloque"/> Um relatório do [[serviço secreto britânico]] de 1962 avaliou a ameaça de uma revolução comunista como exagerada, assinalando que os únicos grupos bem organizados, as [[Ligas camponesas|Ligas Camponesas]], estavam em declínio, e que outros grupos não haviam conseguido se articular com sucesso.<ref name="Segredos"/> Outro exemplo é o do deputado [[João Calmon]], um importante apoiador do golpe, que em 1965 reconheceu que a ameaça comunista era muito menor do que o divulgado:

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''Hoje, ninguém mais duvida de que existia, antes da vitória, muito mais corrupção do que comunismo. Nestes doze meses de depuração a ameaça vermelha se tornou ainda mais insignificante''".<ref>''Apud'' Motta (2000), p. 335</ref>
</blockquote>

Para [[Rodrigo Patto Sá Motta]], autor do principal estudo sobre o anticomunismo no Brasil,<ref name="Grisolio"/>

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''O Brasil não estava à beira do comunismo. É correto dizer que muitos atores da época acreditaram existir uma ameaça vermelha, mas, com frequência, não tinham visão clara sobre o significado de comunismo, às vezes confundiam-no vagamente com qualquer proposta de esquerda ou mesmo tentativas de reforma social. No entanto, muitas lideranças sabiam perfeitamente que o comunismo não estava no horizonte, mas manipularam o medo para engrossar a oposição ao governo Goulart.<ref name="Domenici">Domenici, Thiago. [https://apublica.org/2019/04/1964-o-brasil-nao-estava-a-beira-do-comunismo-diz-historiador/ "1964: O Brasil não estava à beira do comunismo, diz historiador"]. ''Pública — Agência de Jornalismo Investigativo'', 01/04/2019</ref> É interessante notar que após o desfecho da crise e com a consequente ofensiva repressiva, muitos atores da campanha anti-Goulart se surpreenderam com a fragilidade demonstrada pelos comunistas. ''[...]'' O trabalho de repressão policial desencadeado após o golpe não revelou evidências espetaculares da subversão comunista, ao contrário do esperado. Para a decepção de muitos, não foram encontrados indícios cabais da suposta trama revolucionária. A esta altura já era tarde para arrependimentos. Pela segunda vez na história republicana, a ordem institucional foi quebrada sob o argumento da necessidade de combater o comunismo''".<ref>Motta (2000), p. 341</ref>
</blockquote>


::"É interessante notar que após o desfecho da crise e com a consequente ofensiva repressiva, muitos atores da campanha anti-Goulart se surpreenderam com a fragilidade demonstrada pelos comunistas. [...] O trabalho de repressão policial desencadeado após o golpe não revelou evidências espetaculares da subversão comunista, ao contrário do esperado. Para a decepção de muitos, não foram encontrados indícios cabais da suposta trama revolucionária. A esta altura já era tarde para arrependimentos. Pela segunda vez na história republicana, a ordem institucional foi quebrada sob o argumento da necessidade de combater o comunismo".<ref>Motta (2000), p. 341</ref>
[[Imagem:Manifestação estudantil contra a Ditadura Militar 697.tif|thumb|left|Soldados do [[Exército Brasileiro]] para repressão dos protestos de 21 de junho de 1968, a chamada [[Sexta-feira sangrenta]].]]
[[Imagem:Manifestação estudantil contra a Ditadura Militar 697.tif|thumb|left|Soldados do [[Exército Brasileiro]] para repressão dos protestos de 21 de junho de 1968, a chamada [[Sexta-feira sangrenta]].]]


O golpe de 1964 e a ditadura militar têm sido alvo de grande quantidade de estudos, mas permanece na cultura popular uma grande controvérsia sobre seus objetivos e meios. Para os conservadores e as Forças Armadas, os militares responderam aos anseios populares e salvaram o país do comunismo e do [[totalitarismo]], mas diante da instabilidade permanente, a continuidade do regime teria sido necessária para garantir a lei e a ordem.<ref name="Heleno"/> Esta argumentação é frequente nos processos judiciais de condenação sumária dos dissidentes e nos textos dos [[Atos Institucionais]] subsequentes, fortalecendo uma narrativa, como refere Erinaldo Cavalcanti, que concorreu "para instituir o discurso do perigo na medida em que colocava os comunistas como grandes ameaças, violadores da Constituição. [...] Era acionada, portanto, uma política oficial de Estado para combater os infratores e também para intimidar e dissuadir os indecisos, promovendo uma suposta ação de caráter preventivo". Essa prática, como já foi observado, não era uma novidade, e ao mesmo tempo, emprestava ao regime uma aura de legalidade e de promotor da justiça e do bem comum. Forjava-se paralelamente, com o auxílio da propaganda pró-ditadura, a imagem dos "cidadãos de bem" — aqueles que cumpriam a lei e apoiavam o regime – em oposição àqueles que militaram nas esquerdas e eram "indesejáveis, diferentes, agressivos, hostis, ameaçadores" e, como tais, merecedores de punição.<ref>Cavalcanti, pp. 108-110</ref>
O golpe de 1964 e a ditadura militar têm sido alvo de grande quantidade de estudos, mas permanece na cultura popular uma grande controvérsia sobre seus objetivos e meios. Para os conservadores e as Forças Armadas, os militares responderam aos anseios populares e salvaram o país do comunismo e do [[totalitarismo]], mas diante da instabilidade permanente, a continuidade do regime teria sido necessária para garantir a lei e a ordem.<ref name="Heleno"/> Esta argumentação é frequente nos processos judiciais de condenação sumária dos dissidentes e nos textos dos [[Atos Institucionais]] subsequentes, fortalecendo uma narrativa, como refere Erinaldo Cavalcanti, que concorreu "para instituir o discurso do perigo na medida em que colocava os comunistas como grandes ameaças, violadores da Constituição. [...] Era acionada, portanto, uma política oficial de Estado para combater os infratores e também para intimidar e dissuadir os indecisos, promovendo uma suposta ação de caráter preventivo". Essa prática, como já foi observado, não era uma novidade, e ao mesmo tempo, emprestava ao regime uma aura de legalidade e de promotor da justiça e do bem comum. Forjava-se paralelamente, com o auxílio da propaganda pró-ditadura, a imagem dos "cidadãos de bem" — aqueles que cumpriam a lei e apoiavam o regime – em oposição àqueles que militaram nas esquerdas e eram "indesejáveis, diferentes, agressivos, hostis, ameaçadores" e, como tais, merecedores de punição.<ref>Cavalcanti, pp. 108-110</ref>


Ao longo das duas décadas da ditadura o governo e seus apoiadores insistiram no discurso da ameaça comunista usando em essência os mesmos argumentos repisados desde muito antes, e que falseavam ou distorciam os fatos, dramatizavam magnificadamente a suposta ameaça, e estimulavam as delações, criando um clima de tensão, paranoia e medo permanentes e uma cultura do terror,<ref name="Andréia">Carvalho, Andréia S. de. [http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Visoes%20do%20Inferno.pdf "Visões do Inferno: imprensa e o 'câncer' comunista na América Latina"]. In: ''6º Encontro Nacional da ALCAR''. Niterói, 2008</ref><ref name="Caluz"/><ref name="Mangini">Fernandes, Julio Mangini. [http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300857774_ARQUIVO_JulioManginiFernandes.pdf "Cultura do medo e terror: as práticas repressivas da ditadura civil-militar brasileira aos exilados brasileiros na década de 1970"]. In: ''Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH''. São Paulo, 2011</ref> consolidando o termo comunista, como disse Julio Fernandes, "como sinônimo de, entre outras coisas, terrorista, assassino, sequestrador e comedor de criancinhas. [...] O questionamento das desigualdades sociais ou que propusesse mudanças para a sociedade eram taxadas de ideais comunistas. [...] Para os militares, qualquer sinal de crítica da sociedade e do período ditatorial era enquadrado como 'terrorismo' e, portanto, considerado crime grave e que deveria ser prontamente reprimido e eliminado. [...] Essa repressão e perpetuação da ideia do comunista que ameaçava constantemente os brasileiros, provocava uma desejada paralisia na sociedade, com claro intuito de legitimar as ações dos líderes ditatoriais e eliminar toda e qualquer oposição que não fosse consentida".<ref name="Mangini"/> A partir da edição do [[AI-5]], a repressão recrudesceu e o regime entrou em sua fase mais dura com base na doutrina da segurança nacional.<ref name="Tamiris"/> A consequência desta política foi uma prolongada onda de censura, perseguições, cassações, expurgos, prisões, torturas e assassinatos,<ref name="Caluz">Ferrari, Julio Cesar; Pereira, Rafael Caluz; Fernandes, Paulo Sérgio. [http://www.unisalesiano.edu.br/encontro2009/trabalho/aceitos/PO21949907802.pdf "A imposição da ditadura militar na sociedade brasileira – uma breve analogia do comportamento Estado/Oposição"]. In: ''II Encontro Científico do Simpósio de Educação''. Lins, 2009</ref><ref name="Feijó">Feijó, Sara Duarte. [https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/4431 "Em teu nome... e Batismo de sangue: formas cinematográficas de representar o exílio na ditadura brasileira"]. In: ''Projeto História — Revista de Estudos Pós-Graduados em História'', 2011 (43)</ref><ref>Cavalcanti, pp. 205-207</ref><ref>[http://www.nonada.com.br/2019/03/para-nunca-esquecer-8-relatos-de-vitimas-da-ditadura-militar-no-brasil/ "Para nunca esquecer: 8 relatos de vítimas da ditadura militar no Brasil"]. ''Nonada'', 31/03/2019</ref> levando de 5 a 10 mil pessoas ao exílio.<ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/exilio-e-a-saida-para-milhares-de-brasileiros "Exílio é a saída para milhares de brasileiros"]. Memorial da Democracia</ref>
Ao longo das duas décadas da ditadura o governo e seus apoiadores insistiram no discurso da ameaça comunista usando em essência os mesmos argumentos repisados desde muito antes, e que falseavam ou distorciam os fatos, dramatizavam magnificadamente a suposta ameaça, e estimulavam as delações, criando um clima de tensão, paranoia e medo permanentes e uma cultura do terror,<ref name="Andréia">Carvalho, Andréia S. de. [http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Visoes%20do%20Inferno.pdf "Visões do Inferno: imprensa e o 'câncer' comunista na América Latina"]. In: ''6º Encontro Nacional da ALCAR''. Niterói, 2008</ref><ref name="Caluz"/><ref name="Mangini">Fernandes, Julio Mangini. [http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300857774_ARQUIVO_JulioManginiFernandes.pdf "Cultura do medo e terror: as práticas repressivas da ditadura civil-militar brasileira aos exilados brasileiros na década de 1970"]. In: ''Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH''. São Paulo, 2011</ref> consolidando o termo comunista, como disse Julio Fernandes,
<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''como sinônimo de, entre outras coisas, terrorista, assassino, sequestrador e comedor de criancinhas. ''[...]'' O questionamento das desigualdades sociais ou que propusesse mudanças para a sociedade eram taxadas de ideais comunistas. ''[...]'' Para os militares, qualquer sinal de crítica da sociedade e do período ditatorial era enquadrado como 'terrorismo' e, portanto, considerado crime grave e que deveria ser prontamente reprimido e eliminado. ''[...]'' Essa repressão e perpetuação da ideia do comunista que ameaçava constantemente os brasileiros, provocava uma desejada paralisia na sociedade, com claro intuito de legitimar as ações dos líderes ditatoriais e eliminar toda e qualquer oposição que não fosse consentida''".<ref name="Mangini"/>
</blockquote>
A partir da edição do [[AI-5]], a repressão recrudesceu e o regime entrou em sua fase mais dura com base na doutrina da segurança nacional.<ref name="Tamiris"/> A consequência desta política foi uma prolongada onda de censura, perseguições, cassações, expurgos, prisões, torturas e assassinatos,<ref name="Caluz">Ferrari, Julio Cesar; Pereira, Rafael Caluz; Fernandes, Paulo Sérgio. [http://www.unisalesiano.edu.br/encontro2009/trabalho/aceitos/PO21949907802.pdf "A imposição da ditadura militar na sociedade brasileira – uma breve analogia do comportamento Estado/Oposição"]. In: ''II Encontro Científico do Simpósio de Educação''. Lins, 2009</ref><ref name="Feijó">Feijó, Sara Duarte. [https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/4431 "Em teu nome... e Batismo de sangue: formas cinematográficas de representar o exílio na ditadura brasileira"]. In: ''Projeto História — Revista de Estudos Pós-Graduados em História'', 2011 (43)</ref><ref>Cavalcanti, pp. 205-207</ref><ref>[http://www.nonada.com.br/2019/03/para-nunca-esquecer-8-relatos-de-vitimas-da-ditadura-militar-no-brasil/ "Para nunca esquecer: 8 relatos de vítimas da ditadura militar no Brasil"]. ''Nonada'', 31/03/2019</ref> levando de 5 a 10 mil pessoas ao exílio.<ref>[http://memorialdademocracia.com.br/card/exilio-e-a-saida-para-milhares-de-brasileiros "Exílio é a saída para milhares de brasileiros"]. Memorial da Democracia</ref>


== Cenário recente ==
== Cenário recente ==

{{AP|Onda conservadora|Marxismo cultural|Negacionismo da ditadura militar brasileira}}
{{AP|Onda conservadora|Marxismo cultural|Negacionismo da ditadura militar brasileira}}


[[Imagem:Protestos de 15 de março de 2015 em São Paulo-3 (cropped).jpg|thumb|[[Protestos contra o governo Dilma Rousseff|Protesto contra o governo Dilma Rousseff]] no qual manifestantes seguram cartazes pedindo intervenção militar.]]
[[Imagem:Protestos de 15 de março de 2015 em São Paulo-3 (cropped).jpg|thumb|[[Protestos contra o governo Dilma Rousseff|Protesto contra o governo Dilma Rousseff]] no qual manifestantes seguram cartazes pedindo intervenção militar.]]

O bordão da ameaça comunista continua atual. Após a redemocratização do Brasil na década de 1980, o tema permaneceu sendo frequentemente ressuscitado, em geral por grupos militares e setores civis conservadores e direitistas ligados a eles. Para muitos desses grupos, conforme diz Eduardo de Jesus Santos, "todo político de esquerda é comunista, e todo o comunista deseja implantar uma ditadura no país. Outra característica destes grupos é que embora exista no Brasil dois partidos essencialmente comunistas (PCB e o PC do B), esta visão entranhada por um [[silogismo]] alcança representantes dos partidos de esquerda moderada, como o PSDB. No entanto, observa-se que o principal alvo da campanha anticomunista destes grupos, não é o [[Partido Comunista Brasileiro|PCB]] ou o [[PC do B]] e sim o [[Partido dos Trabalhadores]], e o seu principal nome, [[Luis Inácio Lula da Silva]]".<ref name="Heleno">Santos, Eduardo Heleno de Jesus. [http://anpocs.com/index.php/encontros/papers/34-encontro-anual-da-anpocs/st-8/st12-6/1444-esantosa-ameaca/file "A ameaça comunista vista pelos militares: entre a memória do regime militar de 1964 e a campanha presidencial de 2010"]. In: ''34º Encontro Anual da ANPOCS''. Caxambu, 25-29/10/2010</ref> Na campanha de 1989, [[Fernando Collor de Mello]] descreveu o Partido dos Trabalhadores repetidas vezes como o partido da desordem, do caos e da intolerância.<ref name="Modesto"/> Na sua primeira campanha eleitoral, Lula foi retratado por setores evangélicos como o demônio encarnado do comunismo, que fecharia as igrejas e se apossaria dos bens das pessoas.<ref name="Capital"/> A partir da eleição da presidente [[Dilma Rousseff]], o tema passou a receber forte revigoramento de conservadores e simpatizantes da direita.<ref name="Batista"/><ref name="Capital"/> Na campanha de 2010 [[José Serra]] recorreu com força à retórica do medo contra Dilma, acusando o seu partido de ter ligações com as [[Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]], o [[Comando Vermelho]], [[Hugo Chávez]] e terroristas.<ref name="Modesto"/> Conforme Luciana Girelli, "como a ameaça comunista parece ser ainda muito viva na memória do país, ela se traveste de antipetismo na atualidade, o qual precisa também ser combatido e exterminado".<ref name="Girelli"/>
O bordão da ameaça comunista continua atual. Após a redemocratização do Brasil na década de 1980 ([[Nova República]]), o tema permaneceu sendo frequentemente ressuscitado, em geral por grupos militares e setores civis conservadores e direitistas ligados a eles. Para muitos desses grupos, conforme diz Eduardo de Jesus Santos, "todo político de esquerda é comunista, e todo o comunista deseja implantar uma ditadura no país. Outra característica destes grupos é que embora exista no Brasil dois partidos essencialmente comunistas (PCB e o PC do B), esta visão entranhada por um [[silogismo]] alcança representantes dos partidos de esquerda moderada, como o PSDB. No entanto, observa-se que o principal alvo da campanha anticomunista destes grupos, não é o [[Partido Comunista Brasileiro|PCB]] ou o [[PC do B]] e sim o [[Partido dos Trabalhadores]], e o seu principal nome, [[Luis Inácio Lula da Silva]]".<ref name="Heleno">Santos, Eduardo Heleno de Jesus. [http://anpocs.com/index.php/encontros/papers/34-encontro-anual-da-anpocs/st-8/st12-6/1444-esantosa-ameaca/file "A ameaça comunista vista pelos militares: entre a memória do regime militar de 1964 e a campanha presidencial de 2010"]. In: ''34º Encontro Anual da ANPOCS''. Caxambu, 25-29/10/2010</ref> Na campanha de 1989, [[Fernando Collor de Mello]] descreveu o Partido dos Trabalhadores repetidas vezes como o partido da desordem, do caos e da intolerância.<ref name="Modesto"/> Na sua primeira campanha eleitoral, Lula foi retratado por setores evangélicos como o demônio encarnado do comunismo, que fecharia as igrejas e se apossaria dos bens das pessoas.<ref name="Capital"/> A partir da eleição da presidente [[Dilma Rousseff]], o tema passou a receber forte revigoramento de conservadores e simpatizantes da direita.<ref name="Batista"/><ref name="Capital"/> Na campanha de 2010 [[José Serra]] recorreu com força à [[retórica]] do medo contra Dilma, acusando o seu partido de ter ligações com as [[Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]], o [[Comando Vermelho]], [[Hugo Chávez]] e terroristas.<ref name="Modesto"/> Conforme Luciana Girelli, "como a ameaça comunista parece ser ainda muito viva na memória do país, ela se traveste de antipetismo na atualidade, o qual precisa também ser combatido e exterminado".<ref name="Girelli"/>

[[Imagem:(2015-09-18) Marcha Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadora 08 Romerito Pontes (21581389966).jpg|thumb|Manifestação contra Dilma Rousseff em 2015. Participantes erguem uma faixa com os dizeres "Trabalhadores, a ditadura voltou, PT e ECT usam o TST para escravizar você"]]
[[Imagem:(2015-09-18) Marcha Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadora 08 Romerito Pontes (21581389966).jpg|thumb|Manifestação contra Dilma Rousseff em 2015. Participantes erguem uma faixa com os dizeres "Trabalhadores, a ditadura voltou, PT e ECT usam o TST para escravizar você"]]


Apesar de o comunismo e o socialismo terem inspirado algumas diretrizes do PT,<ref name="Batista"/><ref name="Juliano">Medeiros, Juliano. [https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/21080/1/2016_JulianoMedeiros.pdf ''Por Dentro da Ordem: Os comunistas na Assembleia Constituinte de 1946'']. Mestrado. Universidade de Brasília, 2016, p. 37, nota 21</ref> e embora seja identificado geralmente como um partido de esquerda, ele defende a democracia e se auto-identifica com um modelo [[social-democrata]], mas também defende a pluralidade.<ref>Alves, Sarkis. [https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2019/07/Perseu_16.pdf "As tendências internas do Partido dos Trabalhadores: pluralidade e democracia"]. In: ''Perseu'', 2018; 12 (16)</ref> Seu perfil e programa nunca foram comunistas,<ref name="Boletim"/><ref name="Unisinos"/><ref>Moreira, Danilo Sorato Oliveira. [https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/41153 "Anticomunismo na política externa brasileira: passado e presente (1930-2020)"]. In: ''HOPLOS — Revista de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais'', 2020; 4 (6)</ref><ref>Fagundes, Raphael Silva. [https://revistaforum.com.br/colunistas/dragoes-que-nao-passam-de-moinhos-de-vento-o-comunismo-e-o-pt/# "Dragões que não passam de moinhos de vento: o comunismo e o PT"]. ''Revista Fórum'', 26/11/2018</ref><ref>Belém, Euler de França. [https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/jose-de-souza-martins-diz-que-reforma-agraria-do-pt-e-inferior-de-jose-sarney-57903/ "José de Souza Martins diz que reforma agrária do PT é inferior à de José Sarney"]. ''Jornal Opção'', 03/02/2016</ref><ref name="Menezes"/><ref name="Michael">Löwy, Michael. [http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/593814-neofascismo-um-fenomeno-planetario-o-caso-bolsonaro "Neofascismo: um fenômeno planetário – o caso Bolsonaro"]. ''Revista do Instituto Humanitas — Unisinos'', 26/10/2019</ref> combinando ideologias diversificadas em uma forma de governo conciliadora.<ref name="Batista"/><ref name="Capital"/><ref name="Juliano"/><ref name="Menezes"/> Nas palavras de [[Renato Janine Ribeiro]], "todos têm o direito de divergir do Partido dos Trabalhadores e do comunismo. Mas é errado confundir um com o outro. [...] O PT não é ou foi comunista, nem por seu programa nem por sua história".<ref name="Unisinos">Ribeiro, Renato Janine. [http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512862-o-pt-nao-e-comunista "O PT não é comunista"]. In: ''Revista do Instituto Humanitas — Unisinos'', 27/08/2012</ref> Para [[Rodrigo Patto Sá Motta|Rodrigo Motta]], "o uso do anticomunismo contra o PT é fenômeno que se explica pela mescla de conservadorismo, oportunismo e ignorância sobre o significado de socialismo e comunismo".<ref name="Boletim"/>
Apesar de o comunismo e o socialismo terem inspirado algumas diretrizes do PT,<ref name="Batista"/><ref name="Juliano">Medeiros, Juliano. [https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/21080/1/2016_JulianoMedeiros.pdf ''Por Dentro da Ordem: Os comunistas na Assembleia Constituinte de 1946'']. Mestrado. Universidade de Brasília, 2016, p. 37, nota 21</ref> e embora seja identificado geralmente como um partido de esquerda, ele defende a democracia e se auto-identifica com um modelo [[social-democrata]], mas também defende a pluralidade.<ref>Alves, Sarkis. [https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2019/07/Perseu_16.pdf "As tendências internas do Partido dos Trabalhadores: pluralidade e democracia"]. In: ''Perseu'', 2018; 12 (16)</ref> Seu perfil e programa nunca foram comunistas,<ref name="Boletim"/><ref name="Unisinos"/><ref>Moreira, Danilo Sorato Oliveira. [https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/41153 "Anticomunismo na política externa brasileira: passado e presente (1930-2020)"]. In: ''HOPLOS — Revista de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais'', 2020; 4 (6)</ref><ref>Fagundes, Raphael Silva. [https://revistaforum.com.br/colunistas/dragoes-que-nao-passam-de-moinhos-de-vento-o-comunismo-e-o-pt/# "Dragões que não passam de moinhos de vento: o comunismo e o PT"]. ''Revista Fórum'', 26/11/2018</ref><ref>Belém, Euler de França. [https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/jose-de-souza-martins-diz-que-reforma-agraria-do-pt-e-inferior-de-jose-sarney-57903/ "José de Souza Martins diz que reforma agrária do PT é inferior à de José Sarney"]. ''Jornal Opção'', 03/02/2016</ref><ref name="Menezes"/><ref name="Michael">Löwy, Michael. [http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/593814-neofascismo-um-fenomeno-planetario-o-caso-bolsonaro "Neofascismo: um fenômeno planetário – o caso Bolsonaro"]. ''Revista do Instituto Humanitas — Unisinos'', 26/10/2019</ref> combinando ideologias diversificadas em uma forma de governo conciliadora.<ref name="Batista"/><ref name="Capital"/><ref name="Juliano"/><ref name="Menezes"/> Nas palavras de [[Renato Janine Ribeiro]]:
<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''todos têm o direito de divergir do Partido dos Trabalhadores e do comunismo. Mas é errado confundir um com o outro. ''[...]'' O PT não é ou foi comunista, nem por seu programa nem por sua história''".<ref name="Unisinos">Ribeiro, Renato Janine. [http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512862-o-pt-nao-e-comunista "O PT não é comunista"]. In: ''Revista do Instituto Humanitas — Unisinos'', 27/08/2012</ref> Para [[Rodrigo Patto Sá Motta|Rodrigo Motta]], "o uso do anticomunismo contra o PT é fenômeno que se explica pela mescla de conservadorismo, oportunismo e ignorância sobre o significado de socialismo e comunismo".<ref name="Boletim"/>
</blockquote>

As tendências de direita vêm experimentando um significativo reaquecimento nos últimos anos no Brasil,<ref name="Puglia"/> alguns grupos ostentando abertamente cunho fascista,<ref name="Fiorucci2"/> ao mesmo tempo em que promovem o [[revisionismo]] do período da ditadura militar, tentando negar, apagar, esquecer ou minimizar as marcas do autoritarismo e da [[violência de Estado]],<ref name="Schargel"/><ref name="Lauria">Monteiro, Marcio Lauria. [https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1501727346_ARQUIVO_MONTEIRO,MarcioLauria.OrevisionismohistoriograficocontraaRevolucaoSovietica.pdf "O revisionismo historiográfico contra a Revolução Soviética"]. In: ''XXIX Simpósio Nacional de História da ANPUH''. Brasília, 2017</ref><ref name="Batista5"/><ref name="Eribelto">Castilho, Eribelto Peres. [https://sites.usp.br/prolam/wp-content/uploads/sites/35/2016/12/CASTILHO_SP18-Anais-do-II-Segundo-Simp%C3%B3sio-Internacional-Pensar-e-Repensar-a-Am%C3%A9rica-Latina.pdf "Teoria do Autoritarismo e o mito da ditabranda"]. In: ''Anais do II Simpósio Internacional Pensar e Repensar a América Latina''. Universidade de São Paulo, 17-21/10/2016</ref> ou propondo o regime não como uma ditadura mas como uma espécie de "[[contrarrevolução]]",<ref name="Schargel">Schargel, Sergio. [https://revistas.unipar.br/index.php/akropolis/article/view/7974 "O Golpe do Golpe: A Ascensão do Revisionismo da Ditadura Militar Brasileira"]. In: ''Akrópolis'', 2020; 28 (2): 155-164</ref> e legitimando o discurso anticomunista usado na época.<ref name="Lauria"/><ref name="Fiorucci2">Fiorucci, Rodolfo. [https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/113 "O Comunismo nas páginas da revista integralista Anauê! (1935-37): o inimigo (inter)nacional"]. In: ''Perseu'', 2016 (11) — Dossiê As Direitas no Brasil</ref><ref name="Batista5">Batista, Ariel Cherxes. [http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_11953_Disserta%E7%E3o%20-%20vers%E3o%20final%20-%2009-09-20.pdf ''Uma imersão no passado-presente: o revisionismo bolsonarista sobre a Ditadura (2011-2019)'']. Mestrado. Universidade Federal do Espírito Santo, 2020, pp. 125-129</ref><ref name="Giovane"/> Chegou-se a cunhar o termo "ditabranda" para descrever o regime de 1964, usado pelo jornal Folha de S.Paulo em editorial de 17 de fevereiro de 2009, que recebeu ampla divulgação na internet e desencadeou vários protestos,<ref>Venâncio, Ludmila Salomão. [http://repositorios.questoesemrede.uff.br/repositorios/handle/123456789/2651 "Redes sociais políticas na web: uma abordagem metodológica"]. In: ''Questões em Rede'', 24/02/2015</ref><ref>Toledo, Caio Navarro de. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782009000300014 "Crônica política sobre um documento contra a 'ditabranda'."] In: ''Revista de Sociologia e Política'', 2009; 17 (34)</ref><ref>Orro, Luiz Carlos. [http://www.observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/a-ditadura-virou-ditabranda-no-carnaval/ "A ditadura virou 'ditabranda' no carnaval"]. ''Observatório da Imprensa'', 03/03/2009</ref> aumentando a grande controvérsia pública que cerca o período.<ref name="Schargel"/><ref name="Eribelto"/><ref>Batista (2020), pp. 40-54</ref> Segundo Sergio Schargel, tendo como pano de fundo a "onipotente" ameça comunista, intensifica-se "a falha da formação de uma memória nacional firme e concisa acerca da ditadura e a consequente disputa entre diferentes grupos em colocar as diversas memórias de cada coletivo como a oficial". Para o pesquisador, os discursos totalitários crescem em épocas de crise, revelando "cidadãos de bem" como apoiadores de tortura e ditaduras, pois acreditam que em tempos difíceis "é necessário um líder com pulso forte, uma personalidade autoritária, para levar a nação ao crescimento". Assim, relativiza-se a violência e pratica-se o [[discurso de ódio]], mas ao serem questionados afirmam que "é somente liberdade de expressão", e que, "por si próprios, não cometem, cometeram ou cometerão nenhum ato de violência física e que, portanto, não são responsáveis se outros o fizerem". Muitos desses indivíduos sentem nostalgia de um passado mitificado, quando "a vida era melhor", e "em uma utopia regressiva, todas as falhas e defeitos desse passado são eliminados em prol de um fetiche pela tradição. [...] O revisionismo, para crescer, precisa ser apoiado pelo indivíduo comum, os nostálgicos de um passado idealizado incompatível com a realidade".<ref name="Schargel"/>


As tendências de direita vêm experimentando um significativo reaquecimento nos últimos anos no Brasil,<ref name="Puglia"/> alguns grupos ostentando abertamente cunho fascista,<ref name="Fiorucci2"/> ao mesmo tempo em que promovem o [[revisionismo]] do período da ditadura militar, tentando negar, apagar, esquecer ou minimizar as marcas do autoritarismo e da [[violência de Estado]],<ref name="Schargel"/><ref name="Lauria">Monteiro, Marcio Lauria. [https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1501727346_ARQUIVO_MONTEIRO,MarcioLauria.OrevisionismohistoriograficocontraaRevolucaoSovietica.pdf "O revisionismo historiográfico contra a Revolução Soviética"]. In: ''XXIX Simpósio Nacional de História da ANPUH''. Brasília, 2017</ref><ref name="Batista5"/><ref name="Eribelto">Castilho, Eribelto Peres. [https://sites.usp.br/prolam/wp-content/uploads/sites/35/2016/12/CASTILHO_SP18-Anais-do-II-Segundo-Simp%C3%B3sio-Internacional-Pensar-e-Repensar-a-Am%C3%A9rica-Latina.pdf "Teoria do Autoritarismo e o mito da ditabranda"]. In: ''Anais do II Simpósio Internacional Pensar e Repensar a América Latina''. Universidade de São Paulo, 17-21/10/2016</ref> ou propondo o regime não como uma ditadura mas como uma espécie de "contrarrevolução",<ref name="Schargel">Schargel, Sergio. [https://revistas.unipar.br/index.php/akropolis/article/view/7974 "O Golpe do Golpe: A Ascensão do Revisionismo da Ditadura Militar Brasileira"]. In: ''Akrópolis'', 2020; 28 (2): 155-164</ref> e legitimando o discurso anticomunista usado na época.<ref name="Lauria"/><ref name="Fiorucci2">Fiorucci, Rodolfo. [https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/113 "O Comunismo nas páginas da revista integralista Anauê! (1935-37): o inimigo (inter)nacional"]. In: ''Perseu'', 2016 (11) — Dossiê As Direitas no Brasil</ref><ref name="Batista5">Batista, Ariel Cherxes. [http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_11953_Disserta%E7%E3o%20-%20vers%E3o%20final%20-%2009-09-20.pdf ''Uma imersão no passado-presente: o revisionismo bolsonarista sobre a Ditadura (2011-2019)'']. Mestrado. Universidade Federal do Espírito Santo, 2020, pp. 125-129</ref><ref name="Giovane"/> Chegou-se a cunhar o termo "ditabranda" para descrever o regime de 1964, usado pelo jornal Folha de S.Paulo em editorial de 17 de fevereiro de 2009, que recebeu ampla divulgação na internet e desencadeou vários protestos,<ref>Venâncio, Ludmila Salomão. [http://repositorios.questoesemrede.uff.br/repositorios/handle/123456789/2651 "Redes sociais políticas na web: uma abordagem metodológica"]. In: ''Questões em Rede'', 24/02/2015</ref><ref>Toledo, Caio Navarro de. [https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782009000300014 "Crônica política sobre um documento contra a 'ditabranda'."] In: ''Revista de Sociologia e Política'', 2009; 17 (34)</ref><ref>Orro, Luiz Carlos. [http://www.observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/a-ditadura-virou-ditabranda-no-carnaval/ "A ditadura virou 'ditabranda' no carnaval"]. ''Observatório da Imprensa'', 03/03/2009</ref> aumentando a grande controvérsia pública que cerca o período.<ref name="Schargel"/><ref name="Eribelto"/><ref>Batista (2020), pp. 40-54</ref> Segundo Sergio Schargel, tendo como pano de fundo a "onipotente" ameça comunista, intensifica-se "a falha da formação de uma memória nacional firme e concisa acerca da ditadura e a consequente disputa entre diferentes grupos em colocar as diversas memórias de cada coletivo como a oficial". Para o pesquisador, os discursos totalitários crescem em épocas de crise, revelando "cidadãos de bem" como apoiadores de tortura e ditaduras, pois acreditam que em tempos difíceis "é necessário um líder com pulso forte, uma personalidade autoritária, para levar a nação ao crescimento". Assim, relativiza-se a violência e pratica-se o [[discurso de ódio]], mas ao serem questionados afirmam que "é somente liberdade de expressão", e que, "por si próprios, não cometem, cometeram ou cometerão nenhum ato de violência física e que, portanto, não são responsáveis se outros o fizerem". Muitos desses indivíduos sentem nostalgia de um passado mitificado, quando "a vida era melhor", e "em uma utopia regressiva, todas as falhas e defeitos desse passado são eliminados em prol de um fetiche pela tradição. [...] O revisionismo, para crescer, precisa ser apoiado pelo indivíduo comum, os nostálgicos de um passado idealizado incompatível com a realidade".<ref name="Schargel"/>
[[Imagem:2020-09-07 Hasteamento da Bandeira Nacional - 30.jpg|thumb|Manifestação a favor de Jair Bolsonaro]]
[[Imagem:2020-09-07 Hasteamento da Bandeira Nacional - 30.jpg|thumb|Manifestação a favor de Jair Bolsonaro]]


O anticomunismo foi uma das grandes bandeiras de [[Jair Bolsonaro]] em sua campanha eleitoral. Segundo Modesto & Magalhães,
O anticomunismo foi uma das grandes bandeiras de [[Jair Bolsonaro]] em sua campanha eleitoral. Segundo Modesto & Magalhães, "em seus discursos, o candidato e seus apoiadores sustentaram veementemente a noção de que o Partido dos Trabalhadores, seu principal opositor, teria governado o país ao longo de 13 anos em favor do socialismo e do comunismo, favorecendo 'ditaduras comunistas' em países como Cuba e Venezuela. O bordão, repetido incansavelmente, enfatizava o risco iminente: se o PT for eleito ''o Brasil vai virar uma Venezuela''".<ref name="Modesto">Modesto, Michelle & Magalhães, Dandara. [http://ctpol.unb.br/compolitica2019/GT9/gt9_Modesto_Magalh%C3%A3es.pdf "O Brasil vai virar Venezuela: o discurso do medo nos memes eleitorais via WhatsApp"]. In: ''VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política''. Universidade de Brasília, 2019</ref> O tema continua em alta em sua atuação como presidente, mantendo recorrente alusão a uma suposta conspiração comunista com ramificações internacionais.<ref name="Vannuchi"/><ref name="Vilardaga">Vilardaga, Vicente. [https://istoe.com.br/um-governo-flertando-com-o-nazismo/ "Um governo flertando com o nazismo"]. ''IstoÉ'', 24/01/2020</ref><ref name="pânico">Gonçalves, Silvia. [https://ponte.org/artigo-bolsonaro-e-o-panico-moral/ "Bolsonaro e o pânico moral"]. ''Ponte'', 31/12/2018</ref><ref>Faria, Tales. [https://noticias.uol.com.br/colunas/tales-faria/2020/03/16/bolsonaro-esta-convencido-de-que-coronavirus-e-plano-do-governo-chines.htm "Bolsonaro está convencido de que coronavírus é um plano do governo chinês"]. ''UOL'', 16/03/2020</ref><ref>Struck, Jean-Philip. [https://www.dw.com/pt-br/turbul%C3%AAncia-fam%C3%ADlia-e-radicalismo-o-primeiro-ano-de-bolsonaro/a-51828696 "Turbulência, família e radicalismo: o primeiro ano de Bolsonaro"]. ''Deutsche Welle'', 30/12/2019</ref> Seu antigo chanceler, [[Ernesto Araújo]], chamou o vírus da [[covid-19]] de "comunavírus", e disse que há uma conspiração comunista em curso para dominar o mundo e construir uma nova ordem "sem nações, sem liberdade, sem espírito".<ref name="Vannuchi">Vannuchi, Camillo. [https://noticias.uol.com.br/colunas/camilo-vannuchi/2020/05/28/que-ameaca-comunista-e-esta-de-que-o-governo-tanto-fala.htm "Que ameaça comunista é esta de que o Governo tanto fala?"] ''UOL'', 28/05/2020</ref><ref>[https://operamundi.uol.com.br/coronavirus/64280/comunavirus-chanceler-brasileiro-fala-em-conspiracao-comunista-para-dominar-mundo-pos-pandemia "Comunavírus: chanceler brasileiro fala em 'conspiração comunista' para dominar mundo pós-pandemia"]. ''Opera Mundi'', 22/04/2020</ref> Disse ainda que a esquerda tem por hábito "pegar uma coisa boa, sequestrar, perverter e transformar numa coisa ruim", e remeteu o fascismo e o nazismo para a esquerda, no que foi apoiado pelo presidente.<ref name="Vilardaga"/> Para [[Olavo de Carvalho]], espécie de guru do bolsonarismo e anticomunista militante, um dos personagens centrais na ressurgência direitista no país, "nada que se diga contra os comunistas é discurso de ódio. Porque eles são os donos absolutos não só do discurso de ódio, mas como da prática do ódio assassino. Ninguém os superou nisso. Nem os nazistas os superaram nisso. Se você somar todas as matanças de governos de direita no mundo não dá 10% do que os comunistas fizeram. Então falar mal de comunista, chamar comunista de assassino, de monstro, é inteiramente justificado, porque eles são realmente isso".<ref name="Puglia">Puglia, Leonardo. [https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/spg-6/spg08-6/11915-o-anticomunismo-militante-de-olavo-de-carvalho/file "O anticomunismo militante de Olavo de Carvalho"]. In: ''43º Encontro Anual da Anpocs''. Caxambu, 2019</ref> Segundo o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, membro do governo, a iminência de uma revolução comunista existe de fato, não na forma da "velha guerrilha", mas através da propaganda ideológica,<ref name="Caroline"/> principalmente do chamado [[marxismo cultural]], intensamente denunciado e combatido por Olavo e os bolsonaristas em geral.<ref name="Giovane"/><ref>Mariutti, Eduardo Barros. [https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/TD/TD380.pdf "Olavo de Carvalho e a onda conservadora contemporânea"]. In: ''Instituto de Economia — Textos para Discussão'', 2020 (380)</ref><ref>Nogueira, Marco Aurélio. [https://epoca.globo.com/o-que-motiva-os-ataques-dos-bolsonaristas-ao-chamado-marxismo-cultural-23376168 "O que motiva os ataques dos bolsonaristas ao chamado marxismo cultural"]. ''Época'', 25/01/2019</ref><ref>[https://exame.com/brasil/ministro-da-educacao-defende-combate-a-marxismo-cultural-em-universidade/ "Ministro da Educação defende combate a 'marxismo cultural' em universidade"]. ''Exame'', 08/04/2019</ref>

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''em seus discursos, o candidato e seus apoiadores sustentaram veementemente a noção de que o Partido dos Trabalhadores, seu principal opositor, teria governado o país ao longo de 13 anos em favor do socialismo e do comunismo, favorecendo 'ditaduras comunistas' em países como Cuba e Venezuela. O bordão, repetido incansavelmente, enfatizava o risco iminente: se o PT for eleito ''o Brasil vai virar uma Venezuela''".<ref name="Modesto">Modesto, Michelle & Magalhães, Dandara. [http://ctpol.unb.br/compolitica2019/GT9/gt9_Modesto_Magalh%C3%A3es.pdf "O Brasil vai virar Venezuela: o discurso do medo nos memes eleitorais via WhatsApp"]. In: ''VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política''. Universidade de Brasília, 2019</ref>
</blockquote>

O tema continua em alta em sua atuação como presidente, mantendo recorrente alusão a uma suposta conspiração comunista com ramificações internacionais.<ref name="Vannuchi"/><ref name="Vilardaga">Vilardaga, Vicente. [https://istoe.com.br/um-governo-flertando-com-o-nazismo/ "Um governo flertando com o nazismo"]. ''IstoÉ'', 24/01/2020</ref><ref name="pânico">Gonçalves, Silvia. [https://ponte.org/artigo-bolsonaro-e-o-panico-moral/ "Bolsonaro e o pânico moral"]. ''Ponte'', 31/12/2018</ref><ref>Faria, Tales. [https://noticias.uol.com.br/colunas/tales-faria/2020/03/16/bolsonaro-esta-convencido-de-que-coronavirus-e-plano-do-governo-chines.htm "Bolsonaro está convencido de que coronavírus é um plano do governo chinês"]. ''UOL'', 16/03/2020</ref><ref>Struck, Jean-Philip. [https://www.dw.com/pt-br/turbul%C3%AAncia-fam%C3%ADlia-e-radicalismo-o-primeiro-ano-de-bolsonaro/a-51828696 "Turbulência, família e radicalismo: o primeiro ano de Bolsonaro"]. ''Deutsche Welle'', 30/12/2019</ref> Seu antigo chanceler, [[Ernesto Araújo]], chamou o vírus da [[covid-19]] de "comunavírus", e disse que há uma conspiração comunista em curso para dominar o mundo e construir uma [[Nova Ordem Mundial (teoria conspiratória)|nova ordem]] "sem nações, sem liberdade, sem espírito".<ref name="Vannuchi">Vannuchi, Camillo. [https://noticias.uol.com.br/colunas/camilo-vannuchi/2020/05/28/que-ameaca-comunista-e-esta-de-que-o-governo-tanto-fala.htm "Que ameaça comunista é esta de que o Governo tanto fala?"] ''UOL'', 28/05/2020</ref><ref>[https://operamundi.uol.com.br/coronavirus/64280/comunavirus-chanceler-brasileiro-fala-em-conspiracao-comunista-para-dominar-mundo-pos-pandemia "Comunavírus: chanceler brasileiro fala em 'conspiração comunista' para dominar mundo pós-pandemia"]. ''Opera Mundi'', 22/04/2020</ref> Disse ainda que a esquerda tem por hábito "pegar uma coisa boa, sequestrar, perverter e transformar numa coisa ruim", e remeteu o fascismo e o nazismo para a esquerda, no que foi apoiado pelo presidente.<ref name="Vilardaga"/>

Para [[Olavo de Carvalho]], espécie de guru do [[bolsonarismo]] e anticomunista militante, um dos personagens centrais na ressurgência direitista no país,

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''nada que se diga contra os comunistas é ''[[discurso de ódio]].'' Porque eles são os donos absolutos não só do discurso de ódio, mas como da prática do ódio assassino. Ninguém os superou nisso. Nem os nazistas os superaram nisso. Se você somar todas as matanças de governos de direita no mundo não dá 10% do que os comunistas fizeram. Então falar mal de comunista, chamar comunista de assassino, de monstro, é inteiramente justificado, porque eles são realmente isso''".<ref name="Puglia">Puglia, Leonardo. [https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/spg-6/spg08-6/11915-o-anticomunismo-militante-de-olavo-de-carvalho/file "O anticomunismo militante de Olavo de Carvalho"]. In: ''43º Encontro Anual da Anpocs''. Caxambu, 2019</ref>
</blockquote>

Segundo o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, membro do governo, a iminência de uma [[revolução comunista]] existe de fato, não na forma da "velha [[guerrilha]]", mas através da propaganda ideológica,<ref name="Caroline"/> principalmente do chamado [[marxismo cultural]], intensamente denunciado e combatido por Olavo e os bolsonaristas em geral.<ref name="Giovane"/><ref>Mariutti, Eduardo Barros. [https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/TD/TD380.pdf "Olavo de Carvalho e a onda conservadora contemporânea"]. In: ''Instituto de Economia — Textos para Discussão'', 2020 (380)</ref><ref>Nogueira, Marco Aurélio. [https://epoca.globo.com/o-que-motiva-os-ataques-dos-bolsonaristas-ao-chamado-marxismo-cultural-23376168 "O que motiva os ataques dos bolsonaristas ao chamado marxismo cultural"]. ''Época'', 25/01/2019</ref><ref>[https://exame.com/brasil/ministro-da-educacao-defende-combate-a-marxismo-cultural-em-universidade/ "Ministro da Educação defende combate a 'marxismo cultural' em universidade"]. ''Exame'', 08/04/2019</ref>

Segundo Camargo, Moraes & Rosa,

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''Bolsonaro e seus ministros, amparados nas teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho e ''[[Pat Robertson]]'' sobre o ''"[[globalismo]]"'', buscam chamar a atenção em seus discursos para a necessidade de se combater no presente o 'marxismo cultural' infiltrado na mídia, na cultura e nas universidades. ''[...]'' As narrativas empreendidas por Bolsonaro, sobretudo após eleito presidente da república operam por meio dessas duas técnicas: demonstrar como o Brasil foi e ainda é vítima de uma esquerda associada ao comunismo e ao 'marxismo cultural' que planeja destruir os valores da nação, e como a ditadura militar se tratou de um passado mítico onde o Brasil se livrou desta ameaça terrorista''".<ref name="Giovane">Camargo, Giovane Matheus; Moraes, Pedro Rodolfo Bodê de; Rosa, Pablo Ornelas. [https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/40791 "A (des)construção da memória sobre a ditadura pós-1964 pelo governo de Jair Bolsonaro"]. In: ''Revista Cantareira'', 2020 (33)</ref>
</blockquote>

Para [[Marilena Chauí]]:

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''ideologicamente, com a expressão ''"[[marxismo cultural]]"'', os gestores perseguem todas as formas e expressões do pensamento crítico e inventam a divisão da sociedade entre o bom povo, que os apoia, e os diabólicos, que os contestam", pretendendo "fazer uma limpeza ideológica, social e política, e para isso desenvolvem uma teoria da conspiração comunista, que seria liderada por intelectuais e artistas de esquerda''".<ref name="Michael"/> Para muitos grupos conservadores, as mudanças na moral e no comportamento entre os jovens se devem à influência da esquerda.<ref name="Boletim"/>
</blockquote>

O cenário atual do combate à temida ameaça do comunismo continua muito semelhante ao que foi em tempos passados, e, como antes, continua muito desvinculado da realidade e do plano do debate intelectual, negando qualquer aspecto positivo às esquerdas, usando argumentos simplistas e [[maniqueísta]]s, recorrendo constantemente ao medo, à difamação, ao exagero, a distorções, a teorias conspiratórias e à divulgação de falsidades, agora potencializadas pela internet e suas [[redes sociais]].<ref name="Batista"/><ref name="Capital">Cunha, Magali. [https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/os-bichos-papoes-que-assombraram-eleitores-religiosos-nas-eleicoes/ "Os bichos-papões que assombraram os eleitores religiosos em 2020"]. ''Carta Capital'', 02/12/2020</ref><ref name="Modesto"/><ref name="Girelli">Girelli, Luciana Silvestre. [https://biblioteca.incaper.es.gov.br/digital/bitstream/123456789/3591/1/discursoscontralula-pt.pdf "Discursos contra Lula e o PT: expressões do ódio no cenário político brasileiro no pré-impeachment de Dilma Rousseff"]. In: ''Idealogando — Revista de Ciências Sociais da UFPE'', 2018; 2, 2 (2)</ref><ref name="Menezes">Menezes, Eduardo Silveira de. [https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2016/06/a-neurose-obsessiva-do-discurso-antipetista-por-eduardo-silveira-de-menezes/ "A neurose obsessiva do discurso antipetista"]. ''Sul 21, 11/06/2016</ref><ref name="pânico"/><ref>Machado, Marília Gabriella Borges. [https://revistas.uece.br/index.php/CadernosdoGPOSSHE/article/view/2229/2575 "Gramsci e a Educação do Educador: a saída é Gramsciana. Não é Gramscista"]. In: ''Cadernos do GPOSSHE — Grupo de Pesquisa Ontologia do Ser Social, História, Educação e Emancipação Humana'', 2020; 3 (2)</ref> Hoje no Brasil muitas vezes são taxados de comunistas ou, empregando um [[neologismo]] corrente, de "esquerdopatas", aqueles que defendem os [[direitos humanos]], os que pregam a necessidade de reformas sociais e econômicas, os que promovem a [[inclusão social]] e a [[Diversidade cultural|diversidade]], os que defendem o fim do [[racismo no Brasil|racismo]] e da violência.<ref name="Capital"/><ref name="Girelli"/> Segundo Magali Cunha:

<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
:"''emergiu uma nova face do anticomunismo: o antipetismo e todos os partidos de esquerda do país colocados no mesmo pacote imaginário. Este bicho-papão foi a base da campanha eleitoral de 2018, ''[...]'' e em 2020 foi acionado novamente para impor o medo e controlar eleitores que tendiam a dar votos a candidatos de esquerda no segundo turno das eleições municipais''".<ref name="Capital"/>
</blockquote>


Em pesquisa entre simpatizantes da direita, Luiz Signates encontrou que
Segundo Camargo, Moraes & Rosa, "Bolsonaro e seus ministros, amparados nas teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho e [[Pat Robertson]] sobre o 'globalismo', buscam chamar a atenção em seus discursos para a necessidade de se combater no presente o 'marxismo cultural' infiltrado na mídia, na cultura e nas universidades. [...] As narrativas empreendidas por Bolsonaro, sobretudo após eleito presidente da república operam por meio dessas duas técnicas: demonstrar como o Brasil foi e ainda é vítima de uma esquerda associada ao comunismo e ao 'marxismo cultural' que planeja destruir os valores da nação, e como a ditadura militar se tratou de um passado mítico onde o Brasil se livrou desta ameaça terrorista".<ref name="Giovane">Camargo, Giovane Matheus; Moraes, Pedro Rodolfo Bodê de; Rosa, Pablo Ornelas. [https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/40791 "A (des)construção da memória sobre a ditadura pós-1964 pelo governo de Jair Bolsonaro"]. In: ''Revista Cantareira'', 2020 (33)</ref> Para [[Marilena Chauí]], "ideologicamente, com a expressão 'marxismo cultural', os gestores perseguem todas as formas e expressões do pensamento crítico e inventam a divisão da sociedade entre o bom povo, que os apoia, e os diabólicos, que os contestam", pretendendo "fazer uma limpeza ideológica, social e política, e para isso desenvolvem uma teoria da conspiração comunista, que seria liderada por intelectuais e artistas de esquerda".<ref name="Michael"/> Para muitos grupos conservadores, as mudanças na moral e no comportamento entre os jovens se devem à influência da esquerda.<ref name="Boletim"/>


<blockquote style="background:#F5F5F5; border:1px solid gray; padding:2px;">
O cenário atual do combate à temida ameaça do comunismo continua muito semelhante ao que foi em tempos passados, e, como antes, continua muito desvinculado da realidade e do plano do debate intelectual, negando qualquer aspecto positivo às esquerdas, usando argumentos simplistas e maniqueístas, recorrendo constantemente ao medo, à difamação, ao exagero, a distorções, a teorias conspiratórias e à divulgação de falsidades, agora potencializadas pela internet e suas [[redes sociais]].<ref name="Batista"/><ref name="Capital">Cunha, Magali. [https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/os-bichos-papoes-que-assombraram-eleitores-religiosos-nas-eleicoes/ "Os bichos-papões que assombraram os eleitores religiosos em 2020"]. ''Carta Capital'', 02/12/2020</ref><ref name="Modesto"/><ref name="Girelli">Girelli, Luciana Silvestre. [https://biblioteca.incaper.es.gov.br/digital/bitstream/123456789/3591/1/discursoscontralula-pt.pdf "Discursos contra Lula e o PT: expressões do ódio no cenário político brasileiro no pré-impeachment de Dilma Rousseff"]. In: ''Idealogando — Revista de Ciências Sociais da UFPE'', 2018; 2, 2 (2)</ref><ref name="Menezes">Menezes, Eduardo Silveira de. [https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2016/06/a-neurose-obsessiva-do-discurso-antipetista-por-eduardo-silveira-de-menezes/ "A neurose obsessiva do discurso antipetista"]. ''Sul 21, 11/06/2016</ref><ref name="pânico"/><ref>Machado, Marília Gabriella Borges. [https://revistas.uece.br/index.php/CadernosdoGPOSSHE/article/view/2229/2575 "Gramsci e a Educação do Educador: a saída é Gramsciana. Não é Gramscista"]. In: ''Cadernos do GPOSSHE — Grupo de Pesquisa Ontologia do Ser Social, História, Educação e Emancipação Humana'', 2020; 3 (2)</ref> Hoje no Brasil muitas vezes são taxados de comunistas ou, empregando um neologismo corrente, de "esquerdopatas", aqueles que defendem os [[direitos humanos]], os que pregam a necessidade de reformas sociais e econômicas, os que promovem a [[inclusão]] social e a [[Diversidade cultural|diversidade]], os que defendem o fim do [[racismo no Brasil|racismo]] e da violência.<ref name="Capital"/><ref name="Girelli"/> Segundo Magali Cunha, "emergiu uma nova face do anticomunismo: o antipetismo e todos os partidos de esquerda do país colocados no mesmo pacote imaginário. Este bicho-papão foi a base da campanha eleitoral de 2018, [...] e em 2020 foi acionado novamente para impor o medo e controlar eleitores que tendiam a dar votos a candidatos de esquerda no segundo turno das eleições municipais".<ref name="Capital"/> Em pesquisa entre simpatizantes da direita, Luiz Signates encontrou que "em todas as entrevistas, ocorreu a vinculação da condição de esquerdista com práticas criminosas e/ou de lesa-sociedade. Ser esquerdista é, além de sinônimo de comunista, alguém que pratica atos terroristas e/ou criminosos em geral. O discurso adotado pelos entrevistados revelou que a simples adoção de uma ideologia à esquerda já sentencia o indivíduo a ser encarado como uma brecha para que o crime rumine".<ref>Signates, Luiz. [https://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/view/153583 "Nostalgia e demonização: o senso comum do apoio ao intervencionismo militar no Brasil antes de Bolsonaro"]. In: ''Novos Olhares'', 2019; 8 (1)</ref>
:"''em todas as entrevistas, ocorreu a vinculação da condição de esquerdista com práticas criminosas e/ou de lesa-sociedade. Ser esquerdista é, além de sinônimo de comunista, alguém que pratica atos terroristas e/ou criminosos em geral. O discurso adotado pelos entrevistados revelou que a simples adoção de uma ideologia à esquerda já sentencia o indivíduo a ser encarado como uma brecha para que o crime rumine''".<ref>Signates, Luiz. [https://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/view/153583 "Nostalgia e demonização: o senso comum do apoio ao intervencionismo militar no Brasil antes de Bolsonaro"]. In: ''Novos Olhares'', 2019; 8 (1)</ref>
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== Ver também ==
== Ver também ==
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* [[Ameaça vermelha nos Estados Unidos]]
* [[Ameaça vermelha nos Estados Unidos]]


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Revisão das 18h53min de 3 de setembro de 2021

Ameaça comunista no Brasil é uma teoria conspiratória que expressa a crença de que o país corria, ou ainda corre, o perigo iminente de virar para um Estado comunista, seja através de uma revolução, seja através da conversão ideológica. No uso corrente é uma expressão inespecífica, englobando supostas ameaças por qualquer tendência de esquerda. É um equivalente de ameaça vermelha, perigo comunista, perigo vermelho (Ameaça vermelha nos Estados Unidos) e outras. A expressão encarna um fenômeno recorrente na história política e social do país, sendo divulgada por correntes conservadoras de modo alarmista para criar um ambiente de medo e insegurança na população a respeito de um perigo que nunca teve a dimensão e iminência com que foi divulgado, e muitas vezes para justificar a introdução de medidas de exceção de caráter autoritário e antidemocrático, alegadamente necessárias para combater a suposta ameaça.

Definição e premissas

Ver artigos principais: Anticomunismo e Conservadorismo no Brasil

A teoria da ameaça comunista no Brasil é uma versão alarmista e acrítica de anticomunismo, e na forma como é geralmente divulgada, nega qualquer possibilidade de qualquer contribuição positiva do comunismo para a sociedade. A expressão principal da teoria é a denúncia de que o comunismo está em vias de dominar o sistema político nacional, associada à insistência em seu combate urgente, porque ele, assim como todas as outras correntes de esquerda, é uma grande ameaça àquilo que se julga ser o modelo ideal de civilização e aos valores do bem comum, da moral, da família, da justiça, do patriotismo, da liberdade, da religião e/ou das hierarquias e estruturas sociais tradicionais. Também argumenta-se que o comunismo representa um ataque à soberania, à identidade, à estabilidade e à segurança da nação e suas instituições. Para os adeptos da teoria, o comunismo e as esquerdas em geral são a fonte de todo o mal, uma doença social e um inimigo nefasto e subversivo a ser combatido implacavelmente. Em geral seus defensores revelam possuir uma compreensão simplista, estereotipada, limitada ou distorcida do que seja o comunismo e outras ideologias de esquerda.[1][2]

É no fundo uma teoria da conspiração[3][4][5] de índole conservadora, que expressa o medo de certos grupos com relação a processos de transformação social, política e cultural que abalem as tradições, as suas certezas consagradas e o status quo. Os meios para impor a aceitação da teoria e torná-la uma realidade plausível são a transformação do comunismo em bode expiatório para todos os dilemas, inseguranças e dificuldades, e a manipulação da opinião pública com o recurso a falsidades e distorções, criando uma ilusão de consenso e amplificando dramaticamente um perigo que é imaginário, embora percebido por muitos como real e iminente.[1][2][6]

Segundo Bethania Mariani, a intensa e continuada propaganda anticomunista criou no país uma cultura política inflacionada e polarizada, alimentada por guerras de informação onde abundam as chamadas fake news, recusando o debate sério, não reconhecendo a alteridade nem qualquer tipo de diferença, e visando produzir uma política de silenciamento do "inimigo".[2] Para Fábio Araújo Martins, o discurso da ameaça comunista se enquadra nos discursos totalitários e extremistas, os quais, sustentando a prática do amedrontamento, visam legitimar uma hostilidade seletiva contra um grupo-alvo, no caso, os comunistas e esquerdistas.

"A criação e a manutenção de um ambiente de insegurança e medo completa este quadro terrorífico que é responsável por preparar a opinião pública para aceitar e concordar com o uso indiscriminado da força, processo que é promovido por meio de uma forte campanha de indução e ação psicológica massiva".

Ao ser eleito como bode expiatório e construído como um inimigo desprovido de dignidade humana, um perigo a rondar a sociedade, o grupo-alvo é etiquetado com as insígnias do mal e pode, no limite, ser erradicado "para o bem de todos".[7] Essas narrativas tipicamente precisam construir a retórica do "nós" (os bons) contra "eles" (os maus) para legitimarem a si mesmas, e "eles", no caso do Brasil, segundo Sergio Schargel:

"são todos englobados no suposto espantalho maior, o espectro onipotente que, a despeito de ter praticamente desaparecido no mundo todo, ainda é o grande inimigo imaginário combatido no país: o comunismo. Nessa estigmatização não importa o posicionamento político: socialistas, socialdemocrata, liberal, todos viram comunistas".[8]

A teoria da ameaça comunista, como apontam muitos articulistas e historiadores, nunca teve uma base sólida na realidade,[1][9][10][11][12][13] sendo uma percepção exagerada e equivocada das reais possibilidades de sucesso de uma revolução comunista no contexto especificamente brasileiro, marcado como sempre foi por uma adesão muito fraca às correntes de esquerda mais radicais.[1][3][9][13]

Uma crítica conscienciosa do comunismo não negará a existência de corrupção, violência e desmandos em regimes onde a ideologia foi posta em prática, como a União Soviética,[14][15][16][17] (ver: Assassinatos em massa sob regimes comunistas) onde se desenvolveu uma realidade que foi em muitos aspectos opressiva e brutal, distante das imagens idílicas e edênicas divulgadas pela propaganda pró-soviética.[18] Um dos problemas da teoria conspiratória é, como já foi mencionado, a tendência de atribuir à esquerda o monopólio das maldades, sem reconhecer que abusos e distorções ocorrem em todos os sistemas e regimes políticos criados pelo homem.[14][19] Para Ericson Falabret:

"não há justificativas e desculpas para a violência stalinista, como também não deveria haver indulgência para o silêncio complacente diante da violência perpetrada difusamente pelos aparatos de poder que sustentam as democracias liberais, [...] uma violência oficializada e normalizada, que sustenta a desigualdade e, por isso mesmo, prefere a propriedade à vida, [...] e, cotidianamente, prende, tortura e mata pobres, negros, índios e minorias sob a tutela da nossa consciência liberal".[14]

Origens

A oposição ao comunismo surgiu desde que o comunismo existe, fortalecendo-se em um período em que em âmbito internacional cresciam tendências autoritárias contrárias à democracia, tanto à direita quanto à esquerda do espectro político.[20] A Revolução Russa de 1917, que instituiu um Estado comunista como uma alternativa política viável, causou um grande impacto internacional,[21] e desde logo passou a sofrer fortes críticas na imprensa brasileira de maneira sensacionalista e acrítica, em geral se baseando em boatos e em informações não confirmadas.[22]

Apesar da ampla rejeição do comunismo e sua pronta identificação com as forças do mal, do caos e da barbárie,[21][22] a ameaça para o Brasil neste período inicial ainda parecia remota, mas aos poucos ela iria adquirir materialidade, especialmente depois que foi fundado no país, em 1922, um Partido Comunista.[20][23] A partir de então o anticomunismo viria a desempenhar um papel fundamental na história da República,[23] especialmente em momentos de crise ou de instabilidade político-social.[24] No Brasil o anticomunismo se desenvolveu amparado em três ideologias principais: o catolicismo, o nacionalismo e o liberalismo. Para os católicos, o comunismo solapava a espiritualidade, negava Deus (ver: Ateísmo marxista-leninista), subvertia as hierarquias divinamente determinadas, e atacava a família e a moral cristã, inserindo a luta ideológica no âmbito da luta entre o bem e o mal. Para os nacionalistas, era uma ingerência estrangeira nos assuntos nacionais, abolia a ideia de união entre o povo e o Estado e a ideia de Pátria, e representava o princípio do caos. Por fim, para os liberais, era um ataque à liberdade, à livre iniciativa, à propriedade.[25]

Getúlio Vargas, ao centro, com outros líderes da Revolução de 1930, logo após a derrubada de Washington Luís
Propaganda anticomunista e pró-fascista na revista integralista Anauê. A personificação da República do Brasil é mostrada numa encruzilhada entre o caminho da esquerda, que leva a Moscou, representando o mundo do caos, e o da direita, que leva a Roma, representando o mundo da ordem.[26]

Na década de 1920 a propaganda comunista se intensificou através da publicação de livros, jornais e panfletos e a realização de palestras e conferências em sedes sindicais. Em 1924 era publicada a primeira edição brasileira do Manifesto Comunista de Karl Marx. Porém, em 1927 o Partido Comunista foi declarado ilegal, passando a ser representado pelo Bloco Operário e Camponês. Apesar da atividade divulgadora, o movimento enfrentava dissidências internas, enfraquecia sua penetração sindical, e nas eleições de 1930 o candidato do Bloco à presidência da República, Minervino de Oliveira, teve uma votação inexpressiva, e não foi eleito nenhum senador da esquerda. Nas eleições de 1933 não elegeu nenhum candidato.[27]

Desde a Revolução de 1930 o país atravessava um período de grande instabilidade institucional e o ambiente político se polarizava entre várias frentes fortemente antagônicas. A Revolução de 1930 derrubou o presidente Washington Luís e colocou Getúlio Vargas no poder através de um golpe de Estado, dissolveu o Congresso e os legislativos estaduais e municipais, instalando interventores federais. Porém, o tenentismo, movimento centralizador, autoritário e antidemocrático, expressava uma profunda insatisfação de parte do oficialato militar contra o regime de Vargas.[28] Estava também em andamento uma ampla mobilização popular através do ativismo da Ação Integralista Brasileira, fundada em 1932, de caráter antiliberal, positivista e ultraconservador, inspirada no fascismo italiano, que levantava as bandeiras de Deus, Pátria e Família. Plínio Salgado, líder dos integralistas, era um ferrenho anticomunista, entendendo o comunismo como o que havia de pior no liberalismo e os comunistas como a degeneração da humanidade, meros "bonecos de carne, prontos a roubar, a matar e a usar de qualquer expediente para a satisfação de seus apetites".[22] Entre as Forças Armadas, desde a Revolução Russa se firmara um forte sentimento anticomunista,[22][23] e artigos na Revista Militar Brasileira na década de 1930 sinalizavam uma aproximação com o nazismo e pregavam ideais políticos autoritários e militaristas.[22]

Outros fatores estavam em jogo naquele momento. Na década de 1930 Luís Carlos Prestes, um dos líderes do tenentismo, aderiu ao comunismo, e em 1935 foi fundada a Aliança Libertadora Nacional, de orientação comunista.[20] Estes eventos aumentaram o nível de alerta dos conservadores contra os comunistas,[23] reforçando a já expressiva sistematização de propaganda anticomunista para combate ao "inimigo da ordem".[24] Neste período os comunistas realizaram movimentos em várias regiões brasileiras, culminando na Intentona Comunista de 1935, que desencadeou revoltas em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Todas essas revoltas claramente não tinham condições de alcançar seu objetivo, tendo apoio escasso, e foram rapidamente suprimidas por forças leais ao governo de Getúlio Vargas.[20]

Membros do Comitê Comunista de Natal durante a Intentona Comunista

Apesar do fracasso da Intentona, segundo Celso Castro, ela

"desencadeou um processo de institucionalização da ideologia anticomunista no interior das Forças Armadas. Os comunistas brasileiros foram acusados de serem elementos "a serviço de Moscou" e, portanto, traidores da Pátria. [...] Embora a oposição de amplos setores militares ao comunismo anteceda à revolta, foi a partir desse momento que os comunistas passaram a ser claramente identificados como o inimigo maior".[20]

Para José Martins Ferreira,

"não seria exagero nenhum afirmar que se a história política recente do Brasil tem se caracterizado por uma constante e crescente presença das Forças Armadas na cena política, esta presença tem sido justificada, antecipadamente ou posteriormente, através da retórica anticomunista".[29] Além disso, de acordo com Pandolfi & Grynszpan, a Intentona foi uma justificativa para Vargas obter significativo apoio político para ampliar seus poderes centralizadores e autoritários.[28]

Por outro lado, a Aliança Libertadora Nacional obtivera uma expressiva adesão popular, especialmente entre a classe média, com seu programa contra o latifúndio, o imperialismo, o fascismo e em favor da democracia.[28] Diante deste quadro, depois da formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1933, dominada pelos situacionistas, que resultou na restauração dos Legislativos e na promulgação da Constituição de 1934, em 1935 foi aprovada uma Lei de Segurança Nacional, através da qual a Aliança Libertadora Nacional foi declarada ilegal. Várias outras medidas repressoras incluíam emendas constitucionais prevendo uma restrição dos poderes do Legislativo em favor do fortalecimento do Executivo.[28][30] No mesmo ano foi fundada a Ação Católica Brasileira, subordinada à hierarquia da Igreja, com o objetivo de combater a Aliança Nacional Libertadora, tendo entre suas principais preocupações defender o operariado da influência comunista.[31]

Notícia no Correio da Manhã anunciando a "descoberta" do Plano Cohen pelo Estado-Maior do Exército.

Neste contexto, Getúlio Vargas recorreu insistentemente à teoria da ameaça comunista para consolidar seu poder e legitimá-lo diante da população.[28] Criou uma Comissão Especial de Repressão ao Comunismo em 1935, pouco depois declarou estado de sítio,[32] e em 1936 vários líderes comunistas foram presos.[28] Parte crucial nesta estratégia foi a divulgação da "descoberta" do Plano Cohen, um documento creditado à Internacional Comunista e que descrevia os planos de acender uma revolução comunista no país envolvendo destruição de prédios públicos, eliminação de chefes militares, sequestro de ministros e magistrados, greves, saques, desordem e confisco de propriedades. Mas o documento era uma falsificação, havia sido arquitetado em 1937 pelo capitão Olímpio Mourão Filho, organizador da Ação Integralista e integrante do serviço secreto do Estado-Maior do Exército. O documento circulou pelos quartéis e foi divulgado pelo governo como sendo verdadeiro, com o objetivo de desencadear um pânico anticomunista generalizado e preparar a opinião pública para aceitar uma ditadura.[4][33][34][35]

A divulgação pública do Plano Cohen teve uma grande repercussão na imprensa e na sociedade.[4] No dia seguinte à divulgação, em 30 de setembro de 1937, Vargas obteve do Congresso a decretação de estado de guerra, suspendendo os direitos constitucionais e dando poderes de repressão ilimitados ao presidente,[34][36] apesar de a pequena oposição protestar dizendo que não havia evidências de que a ameaça comunista de fato existisse.[28] Segundo Renato Peixoto, o Plano era típico da ideologia das teorias de conspiração, "com revelações perturbadoras, de fácil compreensão e forte apelo popular: o inimigo conspirava de dentro, por meio de ações sinistras e traiçoeiras, as quais uma vez divulgadas foram capazes de ajudar a compor um ambiente favorável à cena golpista", e uma vez denunciado, exigia uma reação rápida e forte. O Plano também procurava denegrir o integralismo associando-o com o nazismo, e aludia a uma suposta conspiração judaica internacional, tendo similaridades com os Protocolos dos Sábios de Sião, outro documento falso que teve ampla divulgação internacional.[4]

O líder comunista Luís Carlos Prestes entre dois policiais no Tribunal de Segurança, em 1937

A situação evoluiu rapidamente em direção ao esmagamento da oposição e eliminação de todas as tendências reformistas alinhadas à esquerda, formando-se um estado de exceção. Sendo alegado que o movimento comunista era muito mais extenso do que se supunha, numa onda de perseguição que atingiu grande número de civis, até mesmo deputados e o prefeito do Distrito Federal foram presos sob a acusação de envolvimento com o comunismo.[28] Em 10 de novembro de 1937, em pronunciamento público, Vargas decretou o fechamento do Congresso e cancelou as eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938. Era um golpe de Estado, instituindo o regime ditatorial do Estado Novo.[28][34][36] A Justiça Eleitoral, os partidos políticos e o Legislativo foram extintos, foi instituída a censura, e com a outorga da Constituição de 1937, os poderes do Executivo se tornaram praticamente ilimitados.[36] No preâmbulo da Constituição ficava explicitado que ela vinha a atender ao "estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda", e por isso exigia remédio "de caráter radical e permanente".[37] Para Vargas os comunistas eram os principais inimigos da sociedade cristã,[38] e já em 1936 havia definido o comunismo como "o aniquilamento absoluto de todas as conquistas da cultura ocidental, sob o império dos baixos apetites e das ínfimas paixões da humanidade — espécie de regresso ao primitivismo, às formas elementares da organização social".[39] Com o apoio de setores conservadores, da Igreja Católica e da imprensa, Vargas lançou um discurso populista onde idealizava uma nação homogênea e harmoniosa, que no entanto era baseada na intolerância, na xenofobia e no nacionalismo exacerbado.[38] Enquanto divulgava as realizações de seu governo e estimulava o culto ao patriotismo e à sua personalidade, a repressão e as perseguições políticas aumentavam.[32] Em 1940 a maioria dos dirigentes comunistas foi presa.[40]

Embora enfrentasse diversas resistências e críticas, o governo de Vargas sustentou consistentemente o mito da ameaça comunista e de modo geral tornou plausível para a população a ideia da "salvação nacional" à custa da democracia, representando um momento de consolidação da aliança entre as Forças Armadas, a questão da segurança nacional e o combate ao comunismo, e garantindo para o Exército um papel de liderança na construção da ideia de nação e no combate, no imaginário coletivo, do comunismo como o grande inimigo, abrindo o caminho para seu crescente intervencionismo na cena política, como revelado em seu desempenho na derrubada do próprio Vargas em 1945, nas crises de 1954 e 1955, e depois na crise de 1964, que resultou numa ditadura militar.[41]

Retorno da "ameaça" no pós-guerra

Ver artigo principal: Guerra Fria

Com a queda de Vargas em 1945 em meio a uma grande onda de protestos, o PCB retornou à legalidade e se reorganizou, e todos os presos políticos foram anistiados.[42] Iniciava o processo de redemocratização do Brasil. Em meio ao entusiasmo gerado pelo fim da II Guerra Mundial e pela derrota do nazifascismo, o país se via cheio de novas esperanças de progresso. Luiz Carlos Prestes também ganhou liberdade, já então aclamado por parte da imprensa como "o cavaleiro da esperança", grande "líder popular", "líder das forças progressistas nacionais", "um dos chefes políticos de maior responsabilidade entre nós", "acatado pela maioria antifascista".[43] Nas eleições para presidente deste ano, o candidato comunista, Iedo Fiúza, obteve 10% dos votos. Em 1946 o partido já mantinha oito jornais diários, alguns semanários e duas editoras. Nesta altura tinha cerca de 180 mil filiados. A despeito de sua orientação, sua proposta oficial não previa uma derrubada do sistema e rejeitava qualquer forma de ditadura, mas sim pretendia introduzir reformas dentro do arcabouço capitalista e democrático.[42] Parte dos comunistas, incluindo Prestes, havia mesmo apoiado a permanência de Vargas, entendendo-a como a única alternativa legalista viável para combater o fascismo, enquanto outros queriam sua deposição na tentativa de conquistar reformas imediatas.[43]

Mesmo deposto, Vargas continuava uma figura de enorme carisma e grande aceitação popular, especialmente devido às reformas trabalhistas que implementara, e seu apoio foi decisivo para que o general Eurico Gaspar Dutra, antigo Ministro da Guerra, fosse eleito presidente como seu sucessor. No entanto, a aproximação entre Vargas e Prestes, embora breve e frouxa, assim como a rápida reorganização do PCB, foram vistas com temor pelos conservadores, de maneira que o tema da ameaça comunista se tornaria novamente central no debate político a partir de 1946. As greves trabalhadoras deste ano foram suspeitas de insuflação comunista, ocorreram muitas prisões, foram tomadas medidas de repressão e censura nos sindicatos e órgãos públicos, incluindo a proibição da comemoração pública do Dia do Trabalho, e jornais da esquerda foram apreendidos. O próprio Prestes perdia espaço e era duramente criticado por parte da esquerda pelos rumos ambíguos que dava ao PCB.[43] Em 1947, após denúncias levadas ao Tribunal Superior Eleitoral, o registro do Partido Comunista foi cancelado, os mandatos de políticos comunistas foram cassados, e foi iniciada uma onda de perseguições e repressão aos núcleos comunistas em todo o Brasil.[42] Tornado ilegal, cabia então ao governo combater o comunismo, classificado como o grande "inimigo da nação", em nome do estado de direito e da defesa da Constituição.[44] Segundo Carla Rodeghero:

"por um lado, o governo brasileiro foi tomando medidas para cercear a atuação dos comunistas, estes, como resposta, foram radicalizando suas posições, inicialmente contra o capital estrangeiro e o imperialismo e mais tarde contra o governo Dutra que, no início, teve o seu apoio. [...] Em 1946, aquela sensibilidade de esquerda e aquele propósito de colaboração foram perdendo espaço. O processo se completou em 1947. O governo Dutra deixou clara sua faceta conservadora e seu alinhamento com os Estados Unidos".[43]

Assim, o tema da ameaça comunista se inseria no contexto da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, que dividiu o Ocidente em dois blocos opostos. Nesta polarização, os Estados Unidos se preocuparam em manter os países latino-americanos dentro de sua esfera de influência.[45][46] No Brasil, alinhado aos Estados Unidos e visto pelo governo norte-americano como um aliado, foi divulgado muito material de teor anticomunista, inclusive revistas e filmes norte-americanos,[45][47] fortalecendo a já antiga tradição anticomunista brasileira,[48] enquanto grupos independentes e instituições se autointitulavam de guardiões do sistema e se empenhavam em uma cruzada anticomunista onde os EUA eram retratados como os representantes do bem, da democracia, da liberdade individual, do direito à propriedade privada e do liberalismo econômico, e a URSS como a encarnação do mal, um inimigo perverso, traiçoeiro e desleal, uma ameaça para a civilização ocidental e seus valores mais caros. O anticomunismo nesta altura interessava aos defensores da indústria nacional, aos defensores da entrada do capital estrangeiro, às alas conservadoras agrárias, aos integralistas, ao tradicionalismo católico, aos militares e outros grupos. Tipicamente a propaganda tinha uma caráter maniqueísta, melodramático e sensacionalista, apelava insistentemente ao medo, reduzia uma questão altamente complexa a elementos simples e superficiais, sem contextualização teórica, limitando-se à denúncia acrítica e recusando o debate aprofundado do que de fato constituía o comunismo e suas propostas sociais. Também a Igreja Católica se engajava ativamente no combate ao comunismo, associando-o ao diabo, à devassidão e à imoralidade (ver: Decreto contra o Comunismo). Nesta época se desenvolve no Brasil uma intensa propaganda incentivando a adoção do modo de vida norte-americano (american way of life), com reflexos na cultura, na moda, no comportamento, na música, no entretenimento e nas utopias do bem-viver.[45]

Revolucionários cubanos tomando o Hotel Hilton de Havana em 1959.

Neste período diversos levantes de esquerda desencadearam impacto internacional, como a Revolução Cubana de 1959 e as lutas anti-imperialistas na África.[49] Até então, para as duas superpotências, a América Latina era de interesse secundário no cenário político, mas a revolução em Cuba mudou isso, trazendo para a região com toda a força o contexto da Guerra Fria e tornando-a zona prioritária para os EUA no combate à ameaça vermelha.[48] Os levantes bem-sucedidos da esquerda serviram de estímulo para grupos esquerdistas latino-americanos, inclusive brasileiros, que ganhavam um apoio mais amplo de intelectuais, artistas, dramaturgos e escritores, bem como de expressivas massas estudantis, camponesas e operárias, desejosos de uma renovação política e social através de uma série de reformas de base que consideravam necessárias. Criava-se uma significativa fermentação política que englobava um amplo espectro de propostas de esquerda, que iam das radicais às conciliatórias. Mesmo entre parte do clero católico, ouvindo as reivindicações populares por melhores condições de vida, houve uma certa migração para ideologias socialistas, embora o comunismo continuasse execrado.[48][49]

Do outro lado do espectro, continuavam fortes no Brasil as doutrinas de direita e conservadoras, e diante do exemplo de Cuba os grupos anticomunistas brasileiros intensificaram seu ativismo.[48] A teoria da ameaça comunista serviu como argumento decisivo para a realização de golpes e implantação de ditaduras militares na América Latina.[46] Tomava-se a Revolução Cubana como exemplo paradigmático da barbárie, da loucura e do caos que alegadamente seriam típicos do comunismo, retratando o povo cubano como um joguete inocente nas mãos de seu "perverso" e "perigoso" líder Fidel Castro. Essa pintura distorcida e tendenciosa foi um mote frequente na imprensa do Ocidente na época, demonizando os comunistas como os destruidores da civilização, comparando-os até mesmo aos Cavaleiros do Apocalipse e associando-os a profecias de catástrofes inimagináveis que poderiam se espalhar por todo o mundo através da sua influência corrompedora e destrutiva. Segundo Andréia Carvalho, "no quadro de crise em que se encontravam os países latino-americanos, e em particular o Brasil, a alternativa cubana parecia viável, um caminho para o futuro. Neste sentido tornou-se importante para os jornais mais à esquerda maximizar as benesses atribuídas à Revolução Cubana, enquanto a imprensa de tendência mais à direita procurava maximizar os males, demonizando e difamando as conquistas da ilha".[50]

Anos 1960

What you need, man, is a revolution like mine.
("O que você precisa, cara, é de uma revolução como a minha."):
Fidel Castro aconselhando o Brasil, enquanto conduz Cuba acorrentada. Charge de Edmund S. Valtman, publicada em 31 de Agosto de 1961 e ganhadora do Prêmio Pulitzer no ano seguinte.[51]
Che Guevara sendo condecorado por Jânio Quadros.
Mikhail Ivanovich Filonenko que, de 1954 a 1960, junto com sua esposa Anna, foi espião da KGB no Brasil.[52][53][54]
Manifestantes na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em 19 de março de 1964, em São Paulo.

No início da década de 1960 o cenário político era de grande ativismo e muita polêmica, mas era também muito fragmentado em uma multiplicidade de tendências divergentes ao longo de todo o espectro ideológico. O Partido Social Democrático, ligado às oligarquias agrárias, era o principal representante do conservadorismo; o Partido Trabalhista Brasileiro atraía majoritariamente trabalhadores urbanos; a União Democrática Nacional interessava à classe média, aos profissionais liberais, intelectuais e parte do empresariado; o Partido Socialista Brasileiro agrupava intelectuais e estudantes; e o Partido Comunista contava com bastante prestígio popular. Havia também grupos de centro-esquerda, de extrema-direita, anarquistas e outros.[49]

Jânio Quadros elegeu-se presidente com o apoio de muitos que viram nele uma promessa de combate ao getulismo e às esquerdas, mas para a sua surpresa, ele passou a desenvolver uma política externa não alinhada aos EUA, sofrendo uma enxurrada de críticas, que se tornaram extremadas quando ele condecorou Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, com a Ordem do Cruzeiro do Sul.[48] Então deflagrou-se nova crise institucional: o presidente renunciou em 25 de agosto 1961, poucos meses após ser empossado. Seu vice, João Goulart, deveria assumir o governo, mas ele tinha laços conhecidos com a esquerda e foi rejeitado por parte do Congresso e impedido pelos ministros militares, que o acusaram de corrupção, conspiração e vinculação ao comunismo e socialismo. Como solução conciliatória para uma situação que foi considerada na época próxima da guerra civil, o Congresso propôs o regime parlamentarista, onde o presidente teria poderes limitados. Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro, mas pediu demissão em 1962. No ano seguinte um plebiscito rejeitou o parlamentarismo, e Goulart reassumiu como presidente com plenos poderes.[9][49]

O programa de Goulart, prometendo reformas de base em vários setores, não previa, contudo, uma mudança de sistema, nem para o socialismo e muito menos para o comunismo, mas foi o bastante para despertar a rejeição de amplos setores da sociedade,[1][55] especialmente as elites tradicionais, os grupos empresariais, parte da classe média, profissionais liberais, oficiais das Forças Armadas, e até mesmo pequenos proprietários.[55] Para esses grupos, as reformas representavam uma ruptura da estrutura social e seus valores e instituições tradicionais.[56] Segundo Marcelo Mattos,

"apesar de os discursos e as memórias dos conservadores associarem as reformas de base a uma abertura de espaço para a implantação do comunismo no Brasil, as propostas concretas apresentadas estavam muito distantes do radicalismo que lhes atribuía o discurso conservador".[57]

Apesar disso, com a ascensão de Goulart a propaganda anticomunista, a radicalização esquerda-direita e a associação do presidente ao perigo vermelho se intensificaram. Seu governo não foi tranquilo, tendo de lidar com constantes protestos e greves e intensa agitação política. Surgiram muitas denúncias de infiltração comunista em instituições e órgãos públicos. Em outubro de 1963 o presidente pediu ao Congresso autorização para decretar estado de sítio, gerando grande comoção nacional, fazendo com que o pedido fosse retirado. A esta altura ele já praticamente perdera o controle da situação, enfrentando maciça oposição do centro, da direita e dos conservadores, que formaram uma frente ampla contra seu governo e contra a ameaça comunista. Ele havia perdido até mesmo o apoio de setores da esquerda. Em janeiro de 1964 a mobilização anticomunista atingiu uma intensidade nunca vista antes.[58]

Em 13 de março de 1964 um comício na Central do Brasil no Rio mobilizou cerca de 350 mil pessoas em defesa das reformas propostas. Formou-se uma reação imediata contra o que foi visto por expressivos setores conservadores das classes média e alta e do oficialato militar como uma ameaça à ordem e uma perigosa corrida em direção ao comunismo.[46][59] Para Rodrigo Sá Motta:

"o comício da Central provocou a consolidação das mobilizações anticomunista e anti-Goulart, cujo movimento convergente se completou. Setores sociais importantes, que até então se mantinham em expectativa, alguns inclusive simpáticos à pregação reformista, alinharam-se ao lado da direita e dos conservadores, sob a bandeira do anticomunismo. O processo de formação da 'união sagrada' contra o comunismo se consumou, reunindo as elites empresariais, militares, políticas, religiosas e as classes médias, todos amedrontados ante a possibilidade de uma suposta ruptura revolucionária".[60]

Em resposta, no dia 19 aconteceu a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, atraindo cerca de 500 mil pessoas para as ruas de São Paulo, lançando muitas palavras de ordem contra o comunismo. A marcha inspirou manifestações semelhantes em várias outras grandes cidades. Em meados de março a frente anticomunista abrangia praticamente toda a elite brasileira e amplos segmentos da classe média, Goulart se encontrava isolado, e a esta altura já se havia formado uma forte predisposição para a derrubada do presidente. O estopim para a ação direta dos grupos conservadores foi a Revolta dos Marinheiros, um protesto de alguns militares de esquerda contra a prisão de alguns companheiros. Isso, junto com a complacência de Goulart diante da revolta, convenceu definitivamente os conservadores de que as Forças Armadas estavam sendo minadas pelos comunistas e que havia um processo revolucionário em andamento.[61] Assim, em 31 de março, alegando salvar o país da ameaça comunista, as Forças Armadas implementaram um golpe de Estado, instaurando um governo militar. Imediatamente começou um grande expurgo anticomunista.[59][62] O discurso do general Carlos Alberto da Fontoura é típico da retórica do momento:

"Agora é a Nação toda de pé, para defender as suas Forças Armadas, a fim de que estas continuem a defendê-la dos ataques e das insídias comunistas. Neste grave momento da História, quando os brasileiros, patriotas e democratas, veem que não é mais possível contemporizar com a subversão, pois a subversão partindo do Governo fatalmente conduziria ao putsch (golpe) e à entrega do País aos vermelhos, elevemos a Deus nosso pensamento, pedindo-lhe que proteja esta Pátria Cristã, que a salve da guerra fratricida e que a livre da escravidão comuno-fidelista".[63]

A suposta ameaça comunista era a justificativa para reprimir as tendências reformistas de modo geral, que eram mal vistas por setores muito diferenciados da população, incluindo os insatisfeitos com a crise econômica, aqueles que se sentiam inseguros diante das mobilizações sociais, aqueles a quem não agradava o protagonismo político dos grupos populares reivindicando direitos, os que desconfiavam da capacidade de liderança de Goulart, os que temiam que ele desejasse impor um regime ditatorial, e outros.[1] A imprensa contribuiu ativamente para a queda de Goulart com um discurso que mobilizou à exaustão o tema do perigo vermelho, a fim de criar um clima de pânico,[1][9] com representações distorcidas mostrando sistematicamente os comunistas como violentos, malignos e imorais.[64] Isso contrasta com várias pesquisas de opinião realizadas entre as décadas de 1950 e 1960, que mostravam o comunismo propriamente dito com um apoio muito limitado, impotente para levar a cabo a suposta revolução, face a uma larga preponderância do anticomunismo enraizado na população em geral.[47] Um relatório do serviço secreto britânico de 1962 avaliou a ameaça de uma revolução comunista como exagerada, assinalando que os únicos grupos bem organizados, as Ligas Camponesas, estavam em declínio, e que outros grupos não haviam conseguido se articular com sucesso.[13] Outro exemplo é o do deputado João Calmon, um importante apoiador do golpe, que em 1965 reconheceu que a ameaça comunista era muito menor do que o divulgado:

"Hoje, ninguém mais duvida de que existia, antes da vitória, muito mais corrupção do que comunismo. Nestes doze meses de depuração a ameaça vermelha se tornou ainda mais insignificante".[65]

Para Rodrigo Patto Sá Motta, autor do principal estudo sobre o anticomunismo no Brasil,[45]

"O Brasil não estava à beira do comunismo. É correto dizer que muitos atores da época acreditaram existir uma ameaça vermelha, mas, com frequência, não tinham visão clara sobre o significado de comunismo, às vezes confundiam-no vagamente com qualquer proposta de esquerda ou mesmo tentativas de reforma social. No entanto, muitas lideranças sabiam perfeitamente que o comunismo não estava no horizonte, mas manipularam o medo para engrossar a oposição ao governo Goulart.[1] É interessante notar que após o desfecho da crise e com a consequente ofensiva repressiva, muitos atores da campanha anti-Goulart se surpreenderam com a fragilidade demonstrada pelos comunistas. [...] O trabalho de repressão policial desencadeado após o golpe não revelou evidências espetaculares da subversão comunista, ao contrário do esperado. Para a decepção de muitos, não foram encontrados indícios cabais da suposta trama revolucionária. A esta altura já era tarde para arrependimentos. Pela segunda vez na história republicana, a ordem institucional foi quebrada sob o argumento da necessidade de combater o comunismo".[66]
Soldados do Exército Brasileiro para repressão dos protestos de 21 de junho de 1968, a chamada Sexta-feira sangrenta.

O golpe de 1964 e a ditadura militar têm sido alvo de grande quantidade de estudos, mas permanece na cultura popular uma grande controvérsia sobre seus objetivos e meios. Para os conservadores e as Forças Armadas, os militares responderam aos anseios populares e salvaram o país do comunismo e do totalitarismo, mas diante da instabilidade permanente, a continuidade do regime teria sido necessária para garantir a lei e a ordem.[67] Esta argumentação é frequente nos processos judiciais de condenação sumária dos dissidentes e nos textos dos Atos Institucionais subsequentes, fortalecendo uma narrativa, como refere Erinaldo Cavalcanti, que concorreu "para instituir o discurso do perigo na medida em que colocava os comunistas como grandes ameaças, violadores da Constituição. [...] Era acionada, portanto, uma política oficial de Estado para combater os infratores e também para intimidar e dissuadir os indecisos, promovendo uma suposta ação de caráter preventivo". Essa prática, como já foi observado, não era uma novidade, e ao mesmo tempo, emprestava ao regime uma aura de legalidade e de promotor da justiça e do bem comum. Forjava-se paralelamente, com o auxílio da propaganda pró-ditadura, a imagem dos "cidadãos de bem" — aqueles que cumpriam a lei e apoiavam o regime – em oposição àqueles que militaram nas esquerdas e eram "indesejáveis, diferentes, agressivos, hostis, ameaçadores" e, como tais, merecedores de punição.[68]

Ao longo das duas décadas da ditadura o governo e seus apoiadores insistiram no discurso da ameaça comunista usando em essência os mesmos argumentos repisados desde muito antes, e que falseavam ou distorciam os fatos, dramatizavam magnificadamente a suposta ameaça, e estimulavam as delações, criando um clima de tensão, paranoia e medo permanentes e uma cultura do terror,[50][69][70] consolidando o termo comunista, como disse Julio Fernandes,

"como sinônimo de, entre outras coisas, terrorista, assassino, sequestrador e comedor de criancinhas. [...] O questionamento das desigualdades sociais ou que propusesse mudanças para a sociedade eram taxadas de ideais comunistas. [...] Para os militares, qualquer sinal de crítica da sociedade e do período ditatorial era enquadrado como 'terrorismo' e, portanto, considerado crime grave e que deveria ser prontamente reprimido e eliminado. [...] Essa repressão e perpetuação da ideia do comunista que ameaçava constantemente os brasileiros, provocava uma desejada paralisia na sociedade, com claro intuito de legitimar as ações dos líderes ditatoriais e eliminar toda e qualquer oposição que não fosse consentida".[70]

A partir da edição do AI-5, a repressão recrudesceu e o regime entrou em sua fase mais dura com base na doutrina da segurança nacional.[46] A consequência desta política foi uma prolongada onda de censura, perseguições, cassações, expurgos, prisões, torturas e assassinatos,[69][71][72][73] levando de 5 a 10 mil pessoas ao exílio.[74]

Cenário recente

Protesto contra o governo Dilma Rousseff no qual manifestantes seguram cartazes pedindo intervenção militar.

O bordão da ameaça comunista continua atual. Após a redemocratização do Brasil na década de 1980 (Nova República), o tema permaneceu sendo frequentemente ressuscitado, em geral por grupos militares e setores civis conservadores e direitistas ligados a eles. Para muitos desses grupos, conforme diz Eduardo de Jesus Santos, "todo político de esquerda é comunista, e todo o comunista deseja implantar uma ditadura no país. Outra característica destes grupos é que embora exista no Brasil dois partidos essencialmente comunistas (PCB e o PC do B), esta visão entranhada por um silogismo alcança representantes dos partidos de esquerda moderada, como o PSDB. No entanto, observa-se que o principal alvo da campanha anticomunista destes grupos, não é o PCB ou o PC do B e sim o Partido dos Trabalhadores, e o seu principal nome, Luis Inácio Lula da Silva".[67] Na campanha de 1989, Fernando Collor de Mello descreveu o Partido dos Trabalhadores repetidas vezes como o partido da desordem, do caos e da intolerância.[75] Na sua primeira campanha eleitoral, Lula foi retratado por setores evangélicos como o demônio encarnado do comunismo, que fecharia as igrejas e se apossaria dos bens das pessoas.[11] A partir da eleição da presidente Dilma Rousseff, o tema passou a receber forte revigoramento de conservadores e simpatizantes da direita.[10][11] Na campanha de 2010 José Serra recorreu com força à retórica do medo contra Dilma, acusando o seu partido de ter ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, o Comando Vermelho, Hugo Chávez e terroristas.[75] Conforme Luciana Girelli, "como a ameaça comunista parece ser ainda muito viva na memória do país, ela se traveste de antipetismo na atualidade, o qual precisa também ser combatido e exterminado".[76]

Manifestação contra Dilma Rousseff em 2015. Participantes erguem uma faixa com os dizeres "Trabalhadores, a ditadura voltou, PT e ECT usam o TST para escravizar você"

Apesar de o comunismo e o socialismo terem inspirado algumas diretrizes do PT,[10][77] e embora seja identificado geralmente como um partido de esquerda, ele defende a democracia e se auto-identifica com um modelo social-democrata, mas também defende a pluralidade.[78] Seu perfil e programa nunca foram comunistas,[37][79][80][81][82][83][84] combinando ideologias diversificadas em uma forma de governo conciliadora.[10][11][77][83] Nas palavras de Renato Janine Ribeiro:

"todos têm o direito de divergir do Partido dos Trabalhadores e do comunismo. Mas é errado confundir um com o outro. [...] O PT não é ou foi comunista, nem por seu programa nem por sua história".[79] Para Rodrigo Motta, "o uso do anticomunismo contra o PT é fenômeno que se explica pela mescla de conservadorismo, oportunismo e ignorância sobre o significado de socialismo e comunismo".[37]

As tendências de direita vêm experimentando um significativo reaquecimento nos últimos anos no Brasil,[85] alguns grupos ostentando abertamente cunho fascista,[26] ao mesmo tempo em que promovem o revisionismo do período da ditadura militar, tentando negar, apagar, esquecer ou minimizar as marcas do autoritarismo e da violência de Estado,[8][17][86][87] ou propondo o regime não como uma ditadura mas como uma espécie de "contrarrevolução",[8] e legitimando o discurso anticomunista usado na época.[17][26][86][88] Chegou-se a cunhar o termo "ditabranda" para descrever o regime de 1964, usado pelo jornal Folha de S.Paulo em editorial de 17 de fevereiro de 2009, que recebeu ampla divulgação na internet e desencadeou vários protestos,[89][90][91] aumentando a grande controvérsia pública que cerca o período.[8][87][92] Segundo Sergio Schargel, tendo como pano de fundo a "onipotente" ameça comunista, intensifica-se "a falha da formação de uma memória nacional firme e concisa acerca da ditadura e a consequente disputa entre diferentes grupos em colocar as diversas memórias de cada coletivo como a oficial". Para o pesquisador, os discursos totalitários crescem em épocas de crise, revelando "cidadãos de bem" como apoiadores de tortura e ditaduras, pois acreditam que em tempos difíceis "é necessário um líder com pulso forte, uma personalidade autoritária, para levar a nação ao crescimento". Assim, relativiza-se a violência e pratica-se o discurso de ódio, mas ao serem questionados afirmam que "é somente liberdade de expressão", e que, "por si próprios, não cometem, cometeram ou cometerão nenhum ato de violência física e que, portanto, não são responsáveis se outros o fizerem". Muitos desses indivíduos sentem nostalgia de um passado mitificado, quando "a vida era melhor", e "em uma utopia regressiva, todas as falhas e defeitos desse passado são eliminados em prol de um fetiche pela tradição. [...] O revisionismo, para crescer, precisa ser apoiado pelo indivíduo comum, os nostálgicos de um passado idealizado incompatível com a realidade".[8]

Manifestação a favor de Jair Bolsonaro

O anticomunismo foi uma das grandes bandeiras de Jair Bolsonaro em sua campanha eleitoral. Segundo Modesto & Magalhães,

"em seus discursos, o candidato e seus apoiadores sustentaram veementemente a noção de que o Partido dos Trabalhadores, seu principal opositor, teria governado o país ao longo de 13 anos em favor do socialismo e do comunismo, favorecendo 'ditaduras comunistas' em países como Cuba e Venezuela. O bordão, repetido incansavelmente, enfatizava o risco iminente: se o PT for eleito o Brasil vai virar uma Venezuela".[75]

O tema continua em alta em sua atuação como presidente, mantendo recorrente alusão a uma suposta conspiração comunista com ramificações internacionais.[93][94][95][96][97] Seu antigo chanceler, Ernesto Araújo, chamou o vírus da covid-19 de "comunavírus", e disse que há uma conspiração comunista em curso para dominar o mundo e construir uma nova ordem "sem nações, sem liberdade, sem espírito".[93][98] Disse ainda que a esquerda tem por hábito "pegar uma coisa boa, sequestrar, perverter e transformar numa coisa ruim", e remeteu o fascismo e o nazismo para a esquerda, no que foi apoiado pelo presidente.[94]

Para Olavo de Carvalho, espécie de guru do bolsonarismo e anticomunista militante, um dos personagens centrais na ressurgência direitista no país,

"nada que se diga contra os comunistas é discurso de ódio. Porque eles são os donos absolutos não só do discurso de ódio, mas como da prática do ódio assassino. Ninguém os superou nisso. Nem os nazistas os superaram nisso. Se você somar todas as matanças de governos de direita no mundo não dá 10% do que os comunistas fizeram. Então falar mal de comunista, chamar comunista de assassino, de monstro, é inteiramente justificado, porque eles são realmente isso".[85]

Segundo o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, membro do governo, a iminência de uma revolução comunista existe de fato, não na forma da "velha guerrilha", mas através da propaganda ideológica,[6] principalmente do chamado marxismo cultural, intensamente denunciado e combatido por Olavo e os bolsonaristas em geral.[88][99][100][101]

Segundo Camargo, Moraes & Rosa,

"Bolsonaro e seus ministros, amparados nas teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho e Pat Robertson sobre o "globalismo", buscam chamar a atenção em seus discursos para a necessidade de se combater no presente o 'marxismo cultural' infiltrado na mídia, na cultura e nas universidades. [...] As narrativas empreendidas por Bolsonaro, sobretudo após eleito presidente da república operam por meio dessas duas técnicas: demonstrar como o Brasil foi e ainda é vítima de uma esquerda associada ao comunismo e ao 'marxismo cultural' que planeja destruir os valores da nação, e como a ditadura militar se tratou de um passado mítico onde o Brasil se livrou desta ameaça terrorista".[88]

Para Marilena Chauí:

"ideologicamente, com a expressão "marxismo cultural", os gestores perseguem todas as formas e expressões do pensamento crítico e inventam a divisão da sociedade entre o bom povo, que os apoia, e os diabólicos, que os contestam", pretendendo "fazer uma limpeza ideológica, social e política, e para isso desenvolvem uma teoria da conspiração comunista, que seria liderada por intelectuais e artistas de esquerda".[84] Para muitos grupos conservadores, as mudanças na moral e no comportamento entre os jovens se devem à influência da esquerda.[37]

O cenário atual do combate à temida ameaça do comunismo continua muito semelhante ao que foi em tempos passados, e, como antes, continua muito desvinculado da realidade e do plano do debate intelectual, negando qualquer aspecto positivo às esquerdas, usando argumentos simplistas e maniqueístas, recorrendo constantemente ao medo, à difamação, ao exagero, a distorções, a teorias conspiratórias e à divulgação de falsidades, agora potencializadas pela internet e suas redes sociais.[10][11][75][76][83][95][102] Hoje no Brasil muitas vezes são taxados de comunistas ou, empregando um neologismo corrente, de "esquerdopatas", aqueles que defendem os direitos humanos, os que pregam a necessidade de reformas sociais e econômicas, os que promovem a inclusão social e a diversidade, os que defendem o fim do racismo e da violência.[11][76] Segundo Magali Cunha:

"emergiu uma nova face do anticomunismo: o antipetismo e todos os partidos de esquerda do país colocados no mesmo pacote imaginário. Este bicho-papão foi a base da campanha eleitoral de 2018, [...] e em 2020 foi acionado novamente para impor o medo e controlar eleitores que tendiam a dar votos a candidatos de esquerda no segundo turno das eleições municipais".[11]

Em pesquisa entre simpatizantes da direita, Luiz Signates encontrou que

"em todas as entrevistas, ocorreu a vinculação da condição de esquerdista com práticas criminosas e/ou de lesa-sociedade. Ser esquerdista é, além de sinônimo de comunista, alguém que pratica atos terroristas e/ou criminosos em geral. O discurso adotado pelos entrevistados revelou que a simples adoção de uma ideologia à esquerda já sentencia o indivíduo a ser encarado como uma brecha para que o crime rumine".[103]

Ver também

Referências

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